Você fica com o que você caça
Por Kara
Frio congelante; essa era a melhor definição de Kara para a friaca da noite passada, que não a deixou dormir, não só o frio, mas a ausência de Lena a uns quatro ou cinco dias. O que preocupara a loira nos dois primeiros dias, pois nos outros a preocupação foi torcida no estomago dando um nó de fome.
A vila era um formigueiro vivo, escravos iam e vinham nas reformas e reparos do ataque da outra semana. Alguns carregavam tabuas de madeira em duplas, ou tocos de lenha, outros palha e alguns tijolos, ferramentas e tiras de corda recém trançada.
A loira fazia o possível para se manter em pé, mas era difícil andar com o gelo nas trilhas da vila, bastava um descuido para escorregar, e Kara foi ao chão derramando toda a água do balde que carregava.
O capataz se aproximou e a puxou violentamente pela gola a largando em pé, apenas para derrubá-la outra vez ao atirar o balde vazio nela. Alto e forte, nariz comprido, cabelo claro longo atado por uma fita na mesma cor das vestes lilás, e um chicote em mãos, que não demorou a estralar sobre ela se encolhendo no chão, protegendo o rosto.
SLAP! SLAP! SLAP! Estalou a ponta do chicote, abrindo cortes em suas roupas escuras, as costas arderam e a bochecha sangrou.
A punição continuaria por todo o tempo que ele quisesse, talvez até cavar os ossos nas costas dela como havia feito com um garoto dias atrás, o coitado tinha furtado uma coxa de frango, e olhe que ela também roubaria uma se tivesse a chance. Céus, esse não podia ser seu fim, fosse pelo balde ou a coxa, não podia ser o destino de Kara, não, não quando havia encontrado Lena, ou quase.
Uma desastrada queda de materiais atrás deles parou o chicote, sorte dela, e azar do coitado que derrubara o andaime dos pedreiros. A loira foi se pondo sentada assistindo a poeira baixar enquanto ouvia o escolhido da chibata implorar, para depois escutar os gritos dele atras da construção. Um super impulso queria levá-la até o capataz e impedi-lo, porém uma noção bem humana a segurou, pois nesse lugar fosse onde fosse, não era quem foi no outro mundo.
Sem poderes.
Vulnerável.
Fraca.
Humana.
E com fome, lembrou seu estomago guinchando.
A loira se pôs em pé, pegou o balde e voltou para o rio o mais rápido que pode, antes que os gritos do desastrado a levassem a ser a próxima a gritar também, ou a fome atormentasse mais. Já no riacho Kara foi se lembrar do tornozelo ferido, o que a levou de joelhos na água.
Inferno.
Que inferno era esse?
Inferno?
Inferno ou não a água continuava a correr, os pássaros a cantar, e a brisa a bater, saber disso não encheria seu estomago, muito menos traria Lena. Fosse como fosse, aonde fosse, quem fosse, não adiantava surtar. Isso já tinha feito na primeira semana, o que resultou em Lena perder uns dentes.
Droga, ela nem lembrava dela, nem se quer sabia falar a língua dela.
Opaa cérebro para ai o surto, respira!
Primeiro de tudo onde estava?
Melhor dizendo, quando, pois nada aqui parecia com uma antena de wifi, nem alguma coisa ia muito além da invenção da roda. Isso não era nada animador, de um jeito muito esquisito a Super havia ido parar numa era feudal, ou caído numa terra isolada da tribo da polinésia.
Quem era essa gente?
O que era essa gente? Humano não era, também não eram vampiros, sangue jorrava, mas não viu ninguém bebendo, agora uivando para a lua...
Lobos...lobisomens...cachorros...
Era o mais perto que conseguia chegar duma definição para eles...e Lena.
Lena, era ela e não era, a cara era, os olhos, o cabelo, o rosto, mas a sua Lena mesmo, essa não encontrara, não uma que lembrasse dela, ou do idioma dela, ninguém aqui falava a língua da loira, só uma que era um misto de rosnados com umas silabas grasnadas.
Por último, mas não menos importante, não tinha seus poderes aqui, nesse mundo era apenas uma simples e fraca humana com fome.
Droga de estomago se apertando.
O tornozelo deu uma pontada daquelas, e Kara mudou de posição apoiada no joelho direito com o pé esquerdo a frente, mas sem por peso sobre. Com cuidado tirou a bota de super e desfez o frouxo curativo, a marca da armadilha de urso ainda sangrava, a marca que a fazia pertencer a Lena, e a nenhum outro lobo, somente Lena.
Isso Kara entendeu rápido, outros escravos também possuíam brasões em seus tornozelos, capturados como ela mesma, e pertencentes a seus respectivos captores de acordo com a marca mordida em sua pele. De certa forma teve sorte, pois caíra justo na armadilha de Lena, e teve um tremendo azar de ser na mais maltrapilha das geringonças mordedoras, pois os dentes da armadilha foram muito mais fundo fazendo o estrago ser muito mais demorado de sarar.
Aparentemente Lena não era ninguém na vila, tanto que a posse da loira fora discutida mais vezes do que o normal, não entendia uma palavra deles, mas sabia reconhecer uma disputa por carne entre leões...lobos, lobos!
A linguagem de bicho com fome, era universal, e pode entender a disputa sobre ela.
Sabia que de alguma maneira aquela era sua Lena, mesmo que dela não lembrasse, ou era no que podia crer para não perder a razão.
Fome, guinchou o estomago...é, não ia dar para aguentar muito mais, então tirou da roupa um bolinho de trapos avermelhado, suas últimas amoras que virou na boca e mordeu o trapo manchado, a fim de sugar até a última gota de suco tingido, pois não sabia se teria a sorte de encontrar mais, não nesse gelo. O sabor meio azedo do tecido se fazia doce, tamanha a abstinência, mas era o que tinha e teria de suportar.
Kara refez o curativo bem firme no tornozelo esquerdo, encheu o balde e voltou para a vila. O caminho era íngreme e pedregoso, ruim que só para subir, ainda mais com um balde pesado cheio de água, mas foi mesmo assim, era isso, ou ser caçada como todos os outros que tentavam fugir, ou sentar e deixar o estomago a lembrar que não comida direito desde que Lena havia partido. O tornozelo doía, as costas ardiam, e a bochecha queimava, a barriga apertava, céus, era difícil pensar com tudo aquilo duma vez.
Passando por entre os tantos outros como ela na vila, despejou o balde de água no bebedouro dos cavalos ao lado do estabulo, sedentos os animais com pressa beberam, e Kara acariciou a enorme égua sombria bêbedo avidamente. O maior de todos os cavalos da vila, um animal intimidador, que se rendia aos carinhos da loira.
SLAP! Estralou o chicote certeiro no braço de Kara, que caiu apertando o rasgo na pele.
O capataz jogou o braço do chicote para trás, mas antes que pudesse atirá-lo para frente foi impedido pelo dono da égua, o homem da túnica verde água apertando-lhe o pulso.
Um lobo usava vestes verde água, o outro lilás, e essas cores diziam quem estava mais acima na cadeia alimentar, não precisando de mais que algumas palavras para o capataz desistir da punição, indo se ocupar de espancar outro coitado.
Ele se aproximou de Kara, lhe estendendo a mão, ajuda aceita por ela. Ninguém disse uma palavra contra o que ele fazia, e ele parecia feliz em ter alguém que a égua não tentasse matar.
- Rohtul; – Disse ele apresentando o animal.
- Rohtul? – Repetiu Kara, sem saber ao certo se isso significava cavalo, ou o nome dela.
- Rohtul; – Apontou ele para a grandona. – Larra. – Apontou para si mesmo, então ele apontou para a loira.
- Kara; – Respondeu. E ele acenou uma gentil afirmação com a cabeça. Não demorou o calmo momento com a chegada de outros lobos subindo nas montarias, cada um vestido na cor de seu clã, liderados pelo lobo em capa verde água na maior montaria, Lara e Rohtul. A cavalaria lupina partiu e a vila continuou os reparos até a noite, quando a maioria dos escravos se guardava, exceto aqueles a servir seus senhores na noite.
A loira voltou para a pequena e surrada cabana pertencente a loba de capa preta, sua dona, que não retornara em quatro dias. O que deixou Kara com a responsabilidade de se localizar por conta na situação. A noite era a hora mais difícil, além do frio tinha a fome, e se distrair dela era quase impossível sem nada para fazer. Já havia limpado a cabana, arrumado quela penca de gaiolas que abarrotavam o lugar. Pelo menos deixar tudo num canto para que não precisasse andar numa trilha no meio delas como antes.
Rápido entendeu que você fica com o que caça.
Tudo era nessa base, incluso alimento. Os clãs dividiam a comida que caçavam entre os integrantes.
Ela era de Lena, e Lena era seu clã.
Em quatro dias entendeu isso, a fome ajudava a entender.
Onde estava Lena, por que a abandonara?
Será que ela havia ido embora?
Não, não podia. Nessas horas do "e se" Kara preferia a fome, a ardência do chicote, era menos dolorido que pensar em ter perdido a morena outra vez.
Virou-se de lado no colchão junto ao fogo, vigiando as chamas. O silêncio da construção mais afastada do centro da vila, o crepitar do fogo, as paredes assoviando com o vento. Sentou-se enrolada no cobertor já que dormir era impossível. Eram os machucados, a fome, os pensamentos, esse último é um dos piores.
Cutucou o fogo tentando avivá-lo, mas era quase inútil, a temperatura caia rapidamente, e podia sentir, ia ser mais uma daquelas noites congelantes. Foi quando a porta abriu duma vez, e uma sombra amarelo musgo avançou sobre ela a jogando de bruços no chão. As mãos bem apertadas sobre a cabeça, as calças sendo puxadas para baixo de suas pernas, os gritos de socorro que ninguém escutava, até que da mesma forma que essa aparição surgiu, surgiu Lena furiosa arrancando o sujeito de cima com um chute na jugular do infeliz.
Ele rolou para a soleira da porta quase para fora, Sir, vermelho como um camarão frito em álcool, bebaço, olhando fixo para Lena entre eles. Ambos com os caninos saltados, furiosas bestas.
Travando essa disputa pela loira.
A furiosa Luthor e o bêbado desgraçado, filho do líder da vila que mal conseguia parar em pé, até que surgiu Manu, o lobo de capa vermelho pastel para acudir o amigo. Sorte, ou teríamos mais uma séria briga entre a loba negra e o lobo musguento loiro, não fosse o lobo pastel de barba castanha rala.
Eles se foram antes de um desastre acontecer, pois diferente dos outros, Lena não abaixava a cabeça para nenhum dos filhos dos três juízes, e vivia se ferrando por isso. Talvez pela mesma razão fosse a única loba solitária de toda a vila, a única trajada de preto, ou sem um manto correspondente aos outros clãs.
Sozinha.
Lena fechou a porta da cabana a travando com uma enorme tora, e quando se virou, Kara não saberia dizer qual era a mais aterradora situação, a dela quase abusada, ou de seu amor diante de si, coberta em sangue, numa grossa faixa rubra da boca à virilha.
***
Não fora a melhor das noites nem de longe, tamanho ocorrido, mas Kara nem mais pensava no assunto enquanto mastigava os pedaços de carne do alce trazido por Lena. Aquilo era dos deuses, comia como jamais comera antes, puxando os pedaços de carne assada com os dentes com a costelas entre as mãos, selvagem. Cena que fez a morena sorrir ao seu lado.
Foi quando se deu conta de ser observada atentamente pela mulher dos olhos ímpares. Lena comia bem mais devagar, e até mais civilizadamente, se bem que até um leão numa zebra seria mais civilizado que a esganada loira sem comer a dias. Kara ficou sem jeito, não pelo rosto melecado de gordura, nem os modos em que fora flagrada, mas o quentinho envergonhado que sempre lhe subira ao cruzar olhares com a morena.
Lena entregou mais um pedaço de costela a loira, e foi para porta. Kara a seguiu mediatamente e viu do lado do fora o imenso alce tombado. Já havia visto animais grandes serem trazidos pelos outros clãs caçando em conjunto, mas esse era quase do tamanho da cabano delas, e dez vezes mais pesado que qualquer coisa que já tenha visto ser arrastada pelos cavalos. Por isso os dias longe, caçando.
Kara tentou ajudar a morena arrastando o animal morto para trás da casa, e o partindo em pedaços, ou não poderiam pendurá-lo para curar a carne com sal de especiarias. Um alce seria comida para semanas, mas esse em particular, uau, seriam meses.
Mas no que estava pensando, meses?
Tinha era de arrumar uma maneira de voltarem para casa, e salvar Lena, se ela lembrasse.
Porra, ainda tinha isso.
Elas voltaram para dentro da casa, onde Lena deixou um balde de neve perto da lareira até derreter o gelo. E fervida a água foi soltando a roupa impregnada do sangue de alce, e Kara viu as inúmeras cicatrizes, que daquele tamanho e sobrepostas, denunciavam muito mais que alguns meses, e sim anos.
Aquela Lena estava lá há anos.
Com um trapo úmido a morena se limpava da sangueira, e Kara assistia enquanto de todas as maneiras se via inútil em salvá-la.
- Lena. – Chamou, mas a morena não atendia. Foi para a frente dela então e tentou puxar seu rosto, mas no mínimo de aproximação ela se esquivou. – Lena? Eu não vou fazer mal, eu só, olha pra mim. – Pediu, mas nem que se entendiam no português. – Lena...
- Sea; - Murmurou ela com a palma no peito. – Sea. – Repetia com certo pesar na voz, como se suplicasse ser chamada assim, ou melhor, esse é o meu nome, essa sou eu.
- Kara; - Respondeu imitando o gesto de Lena.
- Kara. – Disse Lena com um pouco de dificuldade no "R".
As chamas da lareira crepitavam, cintilando na pele das duas mulheres se encarando como se fosse a primeira vez; e de certa forma era, era a primeira vez que se entendiam, que tinham tempo para isso, Sea e Kara.
Kara e Sea, a Super teria de descobrir o que houve, e para onde iriam, pois se essa era sua Lena, tinha de salvá-la, tinha de trazê-la de volta.
***
Da autora: e como fomos hj supercorps?
Agora vocês devem de estar entendendo alguma coisa, onde a Kara foi parar. Um lugar em que as coisa ainda estão na idade feudal em meio a lobos com uma Lena que não lembra dela, nem sabe quem ela é, muito menos atende pelo nome Lena. Nossa loira vai passar uns belos perrengues aki, mas garanto que vai ser interessante. Essa história surgiu de uma conversa no Xuwiter, e acabou se alongando e ganhando bem mais que o teletransporte via micro-ondas e maquinas de lavar. Confesso também que essa fic é um desafio pessoal para mim, uma hora conto o que seria ele, e até lá me contem o que sentiram nesse pedacinho de loucura que foi esse cap.
Um imenso e quente abraço de lobo em vocês lindas, e até o próximo Blue Moon...
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUHHHHHH!!!
Acharam que eu não ia mandar o uivo né, peguei vocês.
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