Capítulo 3
Noah
Quando Blue me ligou pedindo que eu fosse até sua casa, eu sabia que algo não estava bem. Não me deu detalhes durante a ligação e isso me deixou angustiado. Eu era curioso até demais e isso era algo que eu odiava ter simplesmente pelo fato de que as pessoas podiam me torturar de forma sádica às vezes.
Apenas coloquei algumas coisas dentro de uma mochila e saí em direção à casa da minha melhor amiga. Digitei uma mensagem rápida para meu pai dizendo que ia à casa da minha melhor amiga, sem esperar por resposta. Ele nunca respondia minhas mensagens e quando o fazia era apenas um "OK".
Meu pai se tornara um homem frio depois da morte de minha mãe. Ele culpava a si mesmo por ter tanto dinheiro e não conseguir salvar o amor da sua vida com ele. Era triste. Eu não o culpava por não me dar o amor e carinho que eu precisava. Na verdade, eu entendia o lado dele e passei a não me importar depois disso.
Cada um tinha o seu modo de lidar com a dor e o modo do meu pai fora se tornar uma pessoa infeliz, focada no trabalho para esquecer da morte de alguém que amou demais. Sabia que o problema também não era comigo, afinal eu era a xerox do meu pai, então não tinha como dizer que ele olhava pra mim e via a minha mãe. Não, eu era o espelho dele.
Era verdade que eu torcia para que ele encontrasse um novo amor, mas nunca mais o vira com ninguém. Não que eu não gostasse da minha mãe, por Deus, eu a amava mais do que minha própria vida. Mas eu sabia que ela ia querer que fôssemos felizes, que seguíssemos em frente. Já meu pai não pensava assim, se mantinha fiel à minha mãe mesmo depois de sua morte prematura.
Era bonito, mas triste. Não o vira sorrir nenhuma vez mais e, na verdade, quase não o via. Ele levantava antes de mim e ia trabalhar, voltava quando eu já dormia. O finais de semana tratava de ficar preso no escritório. Não atrapalhava, sabia que ele estava ocupado demais cuidando da fortuna que se acumulava a cada dia.
No começo eu realmente achei que havia perdido meus pais, que ficara órfão, estava no fundo do poço. Uma mãe morta e um pai ausente. O que mais eu poderia pensar se não em querer morrer dia após dia? Mas isso mudou depois que a Blue surgiu na minha vida.
Eu não notei a sua chegada, só percebi que tinha motivos pra sorrir novamente quando ela estava imersa na minha vida de um jeito que não dava mais pra tirar – como se eu quisesse tirá-la da minha vida. Eu era eternamente grato à ela por me acolher, por cuidar de mim, por ser a boa amiga que ela sempre foi pra mim. Bianca se juntou a nós pouco depois, fazendo com que nossa amizade ficasse equilibrada.
Bianca não era a pessoa mais discreta do mundo, era totalmente o oposto de Blue, e eu não entendia como elas conseguiam ser amigas - e se davam muito bem. A garota costumava ser do tipo que falava alto, atraía olhares masculinos e os retribuía com uma piscadela. Já havia me acostumado com seu jeito e a adorava, ela conseguia me arrancar boas gargalhadas.
Quando entrei na casa de Blue e cumprimentei Marceline, que havia me recebido, percebi que era idiota sentir vergonha e não ficar à vontade naquela casa imensa que minha melhor amiga tinha só pra ela todas as tarde - assim como eu tinha a minha em tempo integral.
Ouvi o que minha amiga tinha a dizer sobre o fim do seu relacionamento e não pude conter a minha felicidade. Eu sabia que Zack não era fiel à ela, estava estampado na cara dele e ela só quis enxergar depois de tanta insistência por minha parte e de Bianca.
Eu e Blue nunca havíamos tido nada um com o outro, mas isso não deixava de levantar suspeitas pelo namoradinho idiota dela. Ele tinha que aceitar que eu era amigo dela, que nós íamos fazer coisas que amigos faziam e isso incluía dormirmos um na casa do outro - apesar da recíproca não ser verdadeira, já que eu mais dormia na casa dela do que ela na minha.
Bianca sabia que eu tinha uma queda por Blue desde que conhecera a garota loira de ar inocente que me encantou, mas não deixava de me alertar que Blue só me via como o bom amigo que eu era. A cada dia meu sentimento de dissipava e eu sabia que assim era o certo, mas não pude conter a chama que se acendeu dentro de mim quando soube sobre o fim de seu namoro.
Eu tentei distraí-la do assunto e abordei um que me deixava triste. De qualquer forma, não era justo. O momento era dela, não poderia deixá-la na mão. Era isso que os amigos faziam, engoliam suas dores para ajudar. Quando a puxei para meu colo e nossos rostos ficaram próximos, eu senti que poderia beijá-la. Seus olhos se fecharam e eu sabia que ela queria isso tanto quanto eu. Mas era o certo? Ela havia acabado de terminar com o namorado. Eu não poderia fazer isso, principalmente quando tinha a certeza de que ela se arrependeria.
Decidi ignorar o cheiro de menta que seus lábios emanavam e desatei a fazer cócegas em pontos estratégicos de seu corpo, vendo a garota se contorcer sob minhas mãos. Eu adorava ver seu sorriso, ouvir sua gargalhada contagiante, ouvir ela pedir parar parar enquanto agonizava sob minhas mãos. Me fazia encontrar ali um motivo para continuar a viver.
Ouvi a porta ser aberta e ali encontrei um par de olhos verdes e cabelos cor de fogo encarando a cena que se seguia à sua frente com ultraje. Colocou as mãos na cintura e bateu o pé no chão, esperando por uma explicação.
Blue me encarou e seguiu meu olhar, encontrando uma Bianca furiosa.
- Bia! - Blue gritou e se levantou rapidamente, indo abraçar a amiga que retribuiu o abraço com os olhos ainda perfurando a minha pele.
- Então quer dizer que vocês armaram uma festinha e resolveram que não iam me convidar? - Perguntou a ruiva assim que a pequena Blue se desvencilhou de um abraço apertado.
Blue revirou os olhos e eu me mantive quieto, os olhos presos na minha amiga ruiva.
- Não é nada disso, sua boba. Só não queríamos te atrapalhar nas suas empreitadas. - Blue piscou para a amiga enquanto voltava a se sentar ao meu lado.
- Por incrível que pareça, esse fim de semana estou sem nenhum alvo. - A ruiva disse, revirando os olhos e se aproximando da cama, sentando de frente para nós dois, o lugar que Blue ocupava minutos antes de estar em meu colo. - Mas me diz, qual o objetivo da reunião particular?
Bianca evitava o contato comigo agora, focando seu olhar felino na minha amiga. Olhei para seu rosto bem maquiado, o batom vermelho marcando seus lábios a deixavam estonteante. Não podia negar que ela era linda.
- Eu terminei com Zack. - Blue disse simplesmente, dando de ombros como se não se importasse, mas eu sabia que ela se importava e sua voz embargada denunciava isso.
Por mais que Blue soubesse o tipo de namorado que tinha, ela gostava dele e era inevitável, quando tínhamos um relacionamento de longa data, não pensar nas coisas boas. Parecia que só haviam coisas boas acima das ruins. Por isso peguei sua mão entre as minhas e vi o olhar de Bianca naquela direção. No entanto, não desfiz o contato, apenas firmei. Ela me olhou sob os cílios e se virou para a minha amiga.
- Finalmente, garota! - Ela ergueu as mãos para o alto, jogando os cabelos modelados em cachos leves para trás. - Finalmente vou ter uma amiga para flertar os amigos dos gatinhos que eu quero nas festas. - Ela sorriu, mexendo os ombros como se estivesse fazendo uma dança da vitória.
Revirei os olhos.
Blue gargalhou, balançando a cabeça em negação e sabendo que a reação de nossa amiga não poderia ser diferente.
Em um momento daquela conversa, Blue saiu para pedir e ajudar Marceline a preparar lanches para nós. Ficamos eu e Bianca a nos encarar, mas eu sabia que aquele silêncio duraria pouco.
- O que você pensa que está fazendo? - Sussurrou.
Arregalei os olhos e dei de ombros.
- Ahn, ajudando a Blue com o fim do relacionamento? - Perguntei mais do que afirmei.
Ela pegou um travesseiro e jogou na minha direção.
- Você não se faça de tonto. - Ela apontou o dedo com a unha grande e bem pintada na minha direção.
Bufei e desviei meu olhar do dela.
- Bianca, para. - Resmunguei.
- Para você! - Sussurrou com urgência. - Não quero depois você chorando pelos cantos porque gosta da Blue e ela só te vê como um amigo.
- Não foi isso o que eu achei quando ela me deu o aval para beijá-la um minuto antes de você romper por essa porta. - Eu tinha um sorriso maldoso pintado nos lábios, apontando para a porta atrás de minha amiga.
- Como é que é? - A expressão dela era um misto de confusão e indignação.
Mas não tive tempo de respondê-la, logo Blue entrava com lanches e sucos no quarto e nós nos empanturramos de comida. O olhar de Bianca foi algo como "conversamos depois". Conhecendo bem minha amiga, sabia que aquilo não terminaria ali e ela faria questão de me lembrar no dia seguinte. Aí sim eu teria que desembuchar todos os detalhes da confusão de sentimentos que preencheu aquele cômodo, mesmo que aquilo a machucasse.
Por mais que Blue tivesse insistido para que ela ficasse, Bianca não havia trazido nada para passar a noite na casa da amiga e eu agradeci aos céus por isso, ou então Bianca faria questão de me acordar no meio da noite para saber de tudo o que se passara ali no quarto momentos antes da sua chegada - isso não a impediria se me enviar mensagens e eu já esperava meu celular apitar constantemente no momento em que ela passasse pela porta da frente da casa de Blue, por isso deixei o celular no silencioso para não acarretar perguntas de minha amiga.
Assim que se foi, eu e Blue nos ajeitamos na sala de televisão, assistindo à um programa de culinária, o que fez minha barriga roncar pela deliciosa torta que era preparada ali. Depois de alguns minutos de silêncio constrangedor, eu me virei para a minha amiga, a cabeça ainda recostada no sofá.
- E a sua mãe? - Perguntei.
A garota virou sua cabeça, também deitada no sofá, e deu um meio sorriso para mim. Por um momento, me perdi nas suas íris azuis.
- Está no clube.
O clube Renovación.
Meu pai era um dos donos do clube e lá só abrigavam as pessoas mais ricas do nosso bairro. Meu pai comprou uma parte do clube quando este ameaçava ruir algum tempo atrás e deu uma nova cara ao lugar - apesar de não ser o maior frequentador do espaço. Lá tinha de tudo: campos de futebol, quadras de tênis, espaço para jogos de críquete, piscina, restaurantes, festas temáticas e tudo o mais para abrigar e animar os sócios.
Eu e Blue costumávamos ir juntos ao clube, com a presença esporádica de uma Bianca espalhafatosa que chamava a atenção de todos à sua volta. Talvez esse fosse o negócio dela e, querendo ou não, eu gostava dela do jeitinho que ela era, mesmo sendo o oposto de Blue.
- Faz tempo que não vamos lá. - Comentei.
Deu de ombros, voltando a atenção para o programa.
- Eu estava muito ocupada com alguém que não valia a pena. - Ela abriu um sorriso e eu alcancei sua mão, que descansava sobre o estofado branco do sofá, acariciando os nós de seus dedos com o polegar. - Mas agora eu sei a quem devo o meu tempo e quem vai usufruir bem dele.
Foi então que eu percebi que agora o tempo dela seria gasto comigo e eu a teria mais do que já tinha antes. Como eu não poderia me encher de esperança?
xxx
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