capítulo sete
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1867
— E a senhora a deixou ir sem nenhuma supervisão? — a raiva estava presente em cada cômodo da casa. Jasper se sentia em meio ao deserto, cercado de fogo alto pronto para consumi-lo. Tentou acalmar os ânimos, mas eram sentimentos demais e aquilo exigia muito dele.
Talvez não quisesse se esforçar tanto. Estava cansado de cobrir Maria mesmo quando ela estava ciente de que estava errada.
— Ela retornará. — Maria respondeu calmamente para a multidão que a encarava na sala de estar. Não estava incomodada, muito menos interessada em ouvir as reclamações. Até mesmo Jasper estava perdendo a paciência com a sua indiferença.
A indignação geral se misturava ao ódio e Daktari deu um passo à frente, ficando protetor com sua criadora. Ele, Hali, Jasper e Aiyana eram os únicos do lado de Maria e isso era tudo o que ela precisava para não se sentir ameaçada.
— Podem ir se incomodar com a ausência da recém-criada no celeiro. Queremos a casa vazia para discutirmos o próximo ataque contra nossos inimigos — dispensou com uma voz autoritária. Os vampiros brancos se voltaram para Jasper e esperaram. Ele aquiesceu, permitindo sua saída. Hali o olhou feio, mas aquilo não era necessariamente sua culpa. Os brancos eram orgulhosos demais para obedecer um homem de cor tão facilmente.
Quando ficaram sozinhos, Jasper foi para a frente de Maria, ignorando a pose de Daktari entre eles.
— A deixou sair só porque ela pediu?
— Ela retornará. É uma missão pessoal, ela me pediu para ir resolver seus assuntos por conta própria e eu permiti. Lhe disse um milhão de vezes que não tenho escravos, meu querido — Maria levantou a sobrancelha. Podia ser apenas mais uma paranoia na cabeça do loiro, mas ele tinha a impressão de que ela gostava de tratá-lo como um tonto quando estavam perto de Hali e Daktari. Por que ela tinha que querer se aparecer?
Ele a conhecia melhor do que ninguém. Não sabia de seu passado, mas sabia como ela era triste e vazia por dentro. Talvez isso contasse como algo, porque ele também se sentia assim. Eles se entendiam, por isso, costumavam se dar tão bem e, por isso, ela tinha tanto controle sobre ele.
Era cruel quando ela agia assim.
— Não a conhecemos, não temos como saber se ela retornará de fato.
— Se ela não voltar antes do amanhecer, poderá começar a se preocupar em caçá-la, querido. Até lá, vamos nos concentrar em outra coisa — Maria mexeu nos cabelos e lhe deu as costas para subir as escadas. — Fico com dor de cabeça quando tenho minhas ordens questionadas.
Jasper a seguiu primeiro, batendo o ombro em Daktari ao passar. Aiyana foi atrás dele, mais melancólica do que costumava ser em dias normais. Ele a examinou brevemente por cima do ombro, mas não perguntou nada. Não se importava com os dramas dela e sabia que ela sempre ficava ressentida quando gostava de um recém-criado que acabaria morrendo em poucos meses, fosse pelas suas mãos ou as de Jasper e os outros dois.
Os cinco se reuniram no sótão velho, sem se preocupar com o barulho que o piso fazia a cada passo que davam. As paredes estavam cobertas de mapas e as janelas estavam escondidas atrás de estantes com cadernos cheios de anotações, cartas que não os pertenciam e objetos feios e decorativos que Jasper não entendia o propósito além de deixar a estante mais esquisita. Ele encarou o crânio que ficava na prateleira de cima e se perguntou mais uma vez a quem aquilo poderia ter pertencido no passado. Maria gostava daquele crânio velho. Deixava muitas coisas para trás sempre que eles se mudavam para uma casa maior, porém, jamais se esquecia dele.
Maria era uma conquistadora em vários sentidos, mas o principal deles era no quesito de conquistar territórios. Jasper se aproximou do mapa dos Estados Unidos que dominava toda a parede à direita. Eles rodaram praticamente todo o Texas e chegava a hora de invadir Louisiana e Arkansas, a fim de encontrar novos rivais para aniquilar. Seu objetivo era muito simples. Maria não gostava que existissem outros grupos de vampiros como o seu, não gostava de não ser a maior e mais poderosa. Eles eliminavam as ameaças e passavam a usar os seus quartos e suas roupas, para desrespeitar os mortos.
Sobrava até para os nômades que passavam por perto. Podiam ser os seres mais solitários e inofensivos que eles já conheceram, se não quisessem se juntar a eles, nem tivessem um dom desejável, imediatamente seriam eliminados.
Jasper correu os dedos pelo mapa do Texas e os parou onde antigamente morava, quando humano. A nostalgia e a saudade o abatiam cada vez menos com o passar do tempo. Cada vez menos se perguntava como sua família estava e como lidaram com o seu desaparecimento súbito há quatro anos quando havia prometido voltar para casa para passar o Natal e nunca chegou.
Continuaria sendo o orgulho do pai caso ele descobrisse o que ele passou a fazer para sobreviver? Se o seu velho ainda estivesse vivo, talvez acabasse o matando só de aparecer na sua porta com a sua aparência pálida e olhos profundamente vermelhos. Jasper odiava se parecer com um anjo e com um demônio ao mesmo tempo, mas se acostumara a olhar no espelho e não saber quem era aquele o fitando de volta.
Nesse caso, muitos só se acostumam.
— Continuaremos a seguir o rastro que senti no mês passado? — Hali perguntou. Ele não era de falar muito e talvez fosse porque sua voz não era agradável como da maioria de sua espécie. Ele parecia muito mais velho e acabado do que realmente era quando falava.
— Indubitavelmente, meu amigo — Maria disse, arrumando as luvas brancas nas mãos finas. Aquele não deveria ser o lugar de uma dama como ela. Ela deveria estar se preocupando com trivialidades, em organizar festas para o marido, chás no fim de tarde com as vizinhas ou coisas do tipo, mas ela não era assim. Sua delicadeza feminina não passava de uma máscara escondendo uma pessoa faminta por poder.
Quando era no começo, Jasper fantasiava uma vida humana com ela, onde poderia viver essas coisas comuns, porque se apaixonou pela mulher no momento em que colocou os olhos nela. A imaginava cuidando de sua casa e tendo seus filhos, imaginava os dois envelhecendo juntos e trocando juras de amor. Quão tolo. Mesmo se fosse possível, Maria nunca trocaria essa vida para ser uma humana qualquer de novo.
Felizmente, superara esses ideais iludidos em dois anos convivendo com ela. Maria não fora feita para se casar ou ser dominada por um homem. Era insuportavelmente independente para isso. Se tinha uma coisa que o desagradava nela, era o fato de que ela não precisava dele e jamais precisaria. Gostava dele bastante, mas nunca o amaria como ele desejava ser amado. Depois de mais uns anos, ele conseguiria ficar quase tão indiferente quanto ela sobre seu relacionamento conturbado.
Perderia a cabeça se continuasse tendo ciúmes de seus novos interesses. Ele não podia gostar de ninguém além dela, mas ela podia se divertir com quem quisesse, a hora que quisesse. Jasper gostaria de reclamar o quanto era injusto esse acordo. Gostava de deitar e rolar com Maria, mas se ela não era só sua, por que ele deveria ser sempre só dela?
— Jasper partirá essa semana com dois ou mais soldados para analisar a situação e, dependendo, para eliminar uma ameaça dentro de seus limites.
Uau. Ele não sabia que tinha que arrumar as malas. Olhou para a morena por cima do ombro e foi ignorado. Já deixou claro o quanto ele odiava isso?
— Não imagino que vá ser algo grande, era apenas um rastro e Hali não investigou quando devia. Talvez nem precisemos nos preocupar, vamos deixar passar um tempo e ver o que acontece — ele disse em tom provocativo. — Talvez o estranho retorne.
Sentiu o olhar aniquilador de Maria em suas costas e segurou o sorriso. Pensou em Alika e quis saber se ela sentia em dívida o suficiente para voltar para os braços de Maria depois do que ele a fez sentir mais cedo. Jasper detestava causar tanto terror nos outros porque o golpe vinha de uma faca de dois gumes, mas era preciso. Tinha que levar Alika aos limites para ver se ela fazia algo de impressionante que justificasse tudo e o medo não funcionou.
O que Maria queria dela?
— Ele foi para o Arkansas — Daktari quebrou o silêncio. — Tenho certeza. As coisas andam mais agitadas por aquelas bandas há quase um ano e você sabe disso.
Jasper se virou e passou a prestar atenção no que era discutido. Não tinha o que fazer quanto Alika por enquanto a não ser esperar e não ganharia nada de Maria a provocando.
[...]
— Jasper! — ele ouviu Georgiana chamando do andar de baixo. Fechou o livro que tinha em mãos e desceu depressa, encontrando seus soldados amontoados na varanda ampla da casa vitoriana. Abriu espaço entre eles e, de longe, uma vampira se aproximava.
Ela andava determinada e com a cabeça baixa, os olhos mirando a sua frente sem piscar, espasmos em seu corpo denunciando o choque que estava enfiada. Suas roupas estavam pesadas de tanto sangue que a cobria da cabeça aos pés. Tantos cheiros a cercavam que era difícil distinguir o seu. Alika voltou e não estava sozinha. Tantos fantasmas a seguiam que era perturbador só de encará-la.
Jasper uniu as sobrancelhas, um tanto impressionado com sua brutalidade. Ele já tinha visto muito daquilo e ele próprio já ficou daquele jeito, mas não costumava acontecer tão cedo.
Bem... nem todos ali tinham que acertar as contas depois que transformados, mas ela não era como a maioria. Ele quase respeitou Alika ali. Quase.
Maria surgiu de repente e passou por todos eles para receber a sua mais nova favorita. Elas pararam a poucos passos uma da outra e Alika caiu de joelhos diante da sua criadora e sucumbiu. Maria se ajoelhou com ela e a abraçou e seus planos, em parte, fizeram sentido para Jasper.
Como uma recém-criada, Alika não teria o mínimo de autocontrole a partir do momento que começasse a caçar aqueles que a fizeram mal. Qualquer humano que surgisse na sua frente, bom ou mal, teria o mesmo fim violento. Sua missão seria um banho de sangue de qualquer forma e Maria sabia que ela não conseguiria salvar quem queria, por isso a deixou ir sozinha, para que a recém-criada não tivesse a quem culpar além dela mesma. Com o remorso a mastigando, era um pequeno risco deixar a preta escolher se iria embora viver sozinha, ou se voltaria para a única família que tinha agora.
Ela voltou e agora Maria seria sua âncora, porque ela era a única que não a repudiava de forma alguma. Como se lesse seus pensamentos, Maria olhou para Jasper por cima do ombro e quase sorriu. A inteligência dela nunca o deixou tão apreensivo quanto naquela hora. Era como se ela lhe dissesse: viu? Tudo está indo de acordo com o plano.
Maria estava tão satisfeita. Alika ficaria para sempre na palma de sua mão.
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