Capítulo 𝐩𝐫𝐢𝐦𝐞𝐢𝐫𝐨
Fogo.
Um processo químico de transformação, de oxidação, o desprendimento de luz e calor provocados pela combustão química de um corpo. Suas labaredas necessitam do oxigênio para que aumentem, cresçam e trepidam ainda mais, causando estalos audíveis, e seu cheiro quando em contato com diferentes matérias sempre é característico, reconhecível.
O fogo é perigoso, imprevisível e incontrolável quando consegue alcançar certa intensidade, alastrando-se por todo o lugar.
O amor entre dois jovens assemelhava-se a esse processo.
Em uma forma simbólica de expressar o que era o amor entre dois adolescentes inexperientes em sentimentos românticos e ensinados pela cultura popular.
A transformação de sentimentos, o conhecimento sobre as mais intensas e profundas emoções e sensações dentro de um processo que pode tanto amadurecer e tornar-se forte, inabalável, quanto provocar traumas inesquecíveis. O amor não deveria ser visto como vilão para os corações mais novos, mas o seu sinônimo para corações partidos por expectativas quebradas havia se tornado, em pouco tempo, o sofrimento.
E o sofrimento, guiado pela quebra de expectativa quanto ao amor mostrado pelos filmes românticos e tratado como algo perfeito, levava a apatia.
Apatia.
Dentro de alguns pensamentos da filosofia, principalmente dentro do Estoicismo, a apatia é alcançada mediante o aumento de seu conhecimento filosófico. Quanto mais se bebe da taça da sabedoria, mais insensível emocionalmente poderá tornar-se, tendo seus sentimentos comprimidos em uma grande indiferença.
Amor.
Para Platão, o amor que conhecemos tinha forte ligação à palavra grega Eros, ou seja, ligação a um sentimento de paixão e forte atração por alguém. Algo que, quando alcançado, iria desaparecer por já ter sido alcançado seu objetivo – principalmente ao concretizar a atração física. Já o amor, era algo puro, desprovido de paixões e atrações físicas e materiais.
Para alguém que não sabia a origem do termo amor platônico, tal pesquisa não fez mal para Kim Jisoo e seu conhecimento em filosofia. Além de aumentar a sua desesperança e sua apatia naquela tarde que, para fugir do clichê que via em seus filmes melancólicos favoritos, estava ensolarada e insuportavelmente abafada.
Términos não eram fáceis.
Não era uma tarefa fácil colocar pontos finais em relações reais, não era como terminar uma redação no ensino médio e esperar por uma boa nota caso sua professora, que fedia a cigarro e uísque barato, estivesse em um dia bom em seu humor completamente volátil e pouco profissional.
Era cruel.
Era torturante saber que a partir daquele dia, suas manhãs não teriam mais aquele feliz "bom dia" cheio de corações – não que tal recepção durante a manhã já não estivesse ausente por mais tempo do que poderia se lembrar.
— Jisoo, não quer almoçar? — sua mãe perguntou após duas leves batidas na porta. — Está sem comer o dia inteiro, precisa se alimentar.
— Não, eomeoni. Estou bem.
Que mentira.
Não estava nada bem desde que Kim Jiwon aceitou, sem nenhuma resistência aparente, o seu pedido de um tempo, também conhecido como um educado e esperançoso término.
— Irei guardar para que esquente mais tarde.
Sua mãe fechou a porta novamente, deixando apenas Jisoo e o filme que havia acabado de colocar.
— Jiwon, precisamos conversar. — Cutucou o ombro dele, chamando sua atenção na roda de amigos. Todos mudaram suas expressões imediatamente, apenas afastando-se enquanto o garoto de 1,78 estava estático. Poderia crer que estava vendo uma expressão de desespero no rosto do intocável Kim Jiwon.
— O que houve, Soo? — perguntou com a voz trêmula, por pouco Jisoo perceberia que estava cometendo um erro por precipitação.
Seus lábios tremeram enquanto achava uma forma menos patética de dizer o que estava prestes a escapar de seus lábios. "Eu quero um tempo... Não, eu quero terminar... Não..." Na sua cabeça estava uma grande confusão de palavras, principalmente quando sentia seu coração queimar por baixo da pele quando os olhos de Jiwon estavam penetrando sua alma.
Talvez devesse apenas conversar... Não! Não poderia voltar atrás, estava decidida.
— Precisamos... Precisamos dar um tempo... Digo, terminar... — Pouco poderia dar uma formação certa a sua frase, por mais que mentisse para si mesma que era o melhor a se fazer, estava dividida entre ouvir os conselhos de suas melhores amigas – e as suposições quanto a uma possível traição – do que o que sua mãe sempre havia lhe dito sobre diálogo.
— O quê? — Sua voz ficou carregada em questão de segundos. Não estava carregada de raiva, ou mágoa, mas sim de extrema tristeza. — Por quê? Digo... Eu sei que tenho errado, mas... Mas eu posso explicar.
— Chega, Jiwon — disse cabisbaixa, brincando com as próprias mãos. — Eu estou me sentindo extremamente sozinha, eu achei... Eu achei que seria diferente.
E aí estava ela, a quebra de expectativa.
Jiwon apenas se calou, abaixando sua cabeça e olhando para a aliança prateada de compromisso em seu dedo indicador direito.
— Você quer mesmo isso?
— Sim.
E agora, ela encarava as duas alianças largadas em sua cama. Ele entregou em suas mãos, dizendo que não queria lembrar do que eles poderiam ter sido e, como a decisão partiu de Jisoo, ela deveria arcar com as memórias e as consequências de sua decisão unilateral.
— Meu amor... — Sua mãe bateu na porta novamente. — Seu pai quer jantar fora hoje, por favor, venha conosco.
Queria negar e apenas se trancar em seu quarto, se esconder dentro de seu armário como se estivesse fugindo de algum monstro, de um inimigo letal que estava atrás de seu sangue. Ou era apenas assim que o sentimento de arrependimento se manifestava? Causava vergonha, medo e vontade de se esconder, de correr para o mais longe que poderia daquele lugar e de tudo que pudesse lembrar Kim Jiwon.
Não estava preparada para passar pela parte negativa do amor.
O amor que ainda estaria presente em um coração partido. O amor não sumia de uma hora para outra assim como o fogo, dependendo do quanto já teria alastrado pelos arredores, não seria facilmente apagado. Necessitaria horas – ou até mesmo vários dias – para que todos seus resquícios fossem apagados, todos os focos de um grande incêndio. E assim era o amor, por mais jovem e inexperiente que pudesse ser, por mais sem pretensões ou visões sobre o futuro, o amor... A paixão não poderia ser facilmente esquecida.
— Tudo bem, eu irei me arrumar...
Sua mãe sorriu, por mais que sua voz estivesse com pouca carga de animação. Era um primeiro passo para o caminho da superação, que parecia distante de ser alcançado.
Sua eomeoni fechou a porta lhe deixando sozinha para que pudesse se arrumar, podendo ouvir seus passos animados em direção ao quarto do casal. Provavelmente para contar ao seu pai que havia aceitado sair de seu quarto mesmo que por algumas horas.
Se levantou, deixando na cama as alianças e, mentalizando, que junto com as alianças estaria a dor angustiante em seu peito. A chama um dia irá se apagar, era o que tentava convencer a si mesma ao caminhar até o armário, o abrindo mesmo sabendo que os presentes de Jiwon estariam todos ali dentro. Os ursinhos de pelúcia que seguravam corações com os dizeres "Eu amo você" bordados a mão – ele dizia que não havia apenas comprado em uma loja, havia pedido para sua avó confeccioná-los para que simbolizasse todo amor que estava em seu peito.
Os moletons que ele a havia dado para tentar fazer Jisoo largar os seus.
O que não funcionou.
Um dos moletons grandes de Jiwon ainda estava em seu armário, não queria devolvê-lo por mais que doesse.
E foi ele que vestiu por cima da blusa de seu uniforme.
Grande forma de superação, Jisoo. Babo-ya.
O auto xingamento não foi suficiente para fazê-la tirar, apenas vestindo uma calça jeans no lugar da saia de seu uniforme escolar. Deixou seu cabelo solto, mas ainda se enxergava patética no espelho.
Patética por ter se deixado levar pelo medo, despencando sobre seus joelhos enquanto as lágrimas desceram pelo seu rosto. Abraçou o próprio corpo, trazendo o pano do moletom para perto de seu rosto podendo ainda sentir o perfume amadeirado – e um pouco cítrico – de Jiwon, ele apenas começou a usar mais a fragrância para que pudesse agradá-la, pois sabia que ela sempre iria ficar mais tempo abraçada.
Ficava por mais tempo com o rosto na curvatura de seu pescoço, sentindo o cheiro que a acalmava e lhe fazia apertar o pano de sua blusa, apenas para mantê-lo ainda mais perto.
A cada segundo que lembrava das pequenas coisas que Jiwon fazia para mantê-la perto, para agradá-la, sentia seu peito arder.
O medo era o inimigo número um do amor.
— Jisoo, querida, está pronta? — Dessa vez, sua mãe não abriu a porta. Respeitando que a filha ainda poderia estar se trocando.
— Eomeoni... — Sua voz carregada pelo choro quase não foi audível, mas soou alta o suficiente para sua mãe abrir a porta em preocupação.
— Minha querida... — A mulher de meia idade ajoelhou ao lado da filha, trazendo-a para perto em um abraço apertado para que pudesse, de uma vez, desabar em suas lágrimas dentro de seu porto seguro: os braços de sua mãe.
Seu choro era abafado pelo corpo de sua mãe que a manteve próximo, as mãos em seu cabelo em um carinho gentil e suave lhe deixavam minimamente mais calma, acolhida.
— Eu fiz besteira... — Sua voz tremia pelo choro. — Eu não deveria ter terminado...
Afastou-se para poder olhar sua mãe nos olhos, ela apenas lhe ouvia enquanto fazia um carinho em seu rosto, limpando as lágrimas da filha com as costas de sua mão.
— Eu fui uma grande idiota, precipitada e nem ao menos dei chance para ele se explicar... Eu estava...
— Com medo.
Sua mãe completou, Jisoo apenas a encarou. Era exatamente aquilo.
— E é normal sentir medo, querida — disse, ainda com as mãos nas bochechas da filha, limpando as lágrimas rebeldes que ainda insistiam em umedecer o rosto de Jisoo. — Os dois são jovens e são o primeiro amor um do outro, não é fácil entender como isso tudo funciona. São diversos sentimentos, pensamentos, alterações hormonais que mexem com o seu emocional. É um período difícil a sua adolescência e se torna um pouco mais confuso quando se está amando alguém.
Ela dizia com a voz doce, gentil, que aos poucos acalmava a filha.
— O amor precisa ser cultivado. Assim como o fogo precisa do oxigênio, o amor precisa de alguns detalhes para que possa ser, de fato, algo saudável para os dois lados. — Sentou-se no chão frio quando sentiu seus joelhos doerem, puxando a filha para ficar em seu abraço. — Diálogo, compreensão, confiança, tudo isso são necessários para que o amor tenha a sua manutenção. Apenas o sentimento da paixão não irá manter você com alguém.
— Então, o amor nada mais é que brincar com fogo? — Jisoo perguntou, baseando-se também nas suas pesquisas de horas atrás.
— Mais ou menos isso. — Kim YuJun soltou uma pequena risada com a comparação da filha. — Nunca é fácil lidar com alguém, Jisoo. Eu preciso estar sempre em diálogo com seu pai, dividindo o que me incomoda e ouvindo o que está o incomodando. Se faltar oxigênio, o fogo se apaga. Se faltar o básico, o amor também terá problemas.
— Então... O que faltou com o Jiwon foi diálogo? — Sabia a resposta, mas necessitava da confirmação da pessoa que mais confiava.
— Sim, precisam conversar. Ele também vai precisar de um tempo para entender o que houve, onde ele também errou, e então os dois poderão conversar e se for de comum acordo e o melhor para vocês, voltarem.
Jisoo apenas concordou, ainda aconchegada nos braços de sua mãe por alguns curtos minutos até soltá-la com um sorriso fraco em seu rosto.
— Eu entendi, Eomeoni. Obrigada. — Segurou as mãos da mãe.
Por mais que soasse óbvio quando pensava novamente sobre o que ouviu de sua mãe, estava cega por sua própria dor e descontentamento.
— Vem, vamos jantar.
Jisoo se levantou do chão frio, apenas seguindo sua mãe pelos corredores até o carro. Não estava curada após a conversa com a mãe, confessava, mas estava com um norte para onde deveria seguir quando o assunto voltasse a Jiwon. Tinha até mesmo o álibi perfeito para iniciar a conversa sem sentir que estava sendo totalmente patética: o moletom que usava e pertencia a ele.
E esse foi seu pensamento durante todo trajeto ao restaurante favorito de seus pais: como iniciar um diálogo para que pudesse resolver da melhor forma possível a dor que estava preenchendo seu coração, o colorindo com tinta preta.
Preenchendo de forma que pouco havia notado quando o sol que invadia sua janela do quarto deu espaço à lua que observava pela janela do carro. A lua era o astro favorito de Jiwon, tanto que havia se tornado um costume quando ele ia jantar em sua casa; subiam no telhado e observavam desde o pôr do sol até o céu escurecer dando um belo holofote à lua, ficando horas conversando e rindo. Dividindo seus planos para o futuro, planejando o que fariam em relação a faculdade para não andarem por caminhos separados e distantes, mas que pudessem estar juntos realizando seus sonhos.
Os beijos ao luar eram os favoritos que tinha em sua memória.
— Eu amo você... — Jiwon sussurrou, seus olhos pequenos eram penetrantes quando ele a olhava daquela forma; com amor.
— Eu também amo você... — Tocou seu rosto, estavam deitados no telhado e a lua era a única testemunha.
A única testemunha do beijo apaixonado que Jiwon iniciou, tocando o rosto de Jisoo, terminando em selinhos antes de abraçá-la forte.
Suas bochechas coraram somente com a lembrança.
Ela o queria de volta.
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