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The Only Thing I Know For Real

Vincent Lockhard escutou uma música suave ecoar pelo sinuoso corredor vazio como um convite para exploração. Não era um homem movido por trivialidades como a estranha necessidade do ser humano de saciar suas simplórias curiosidades, entretanto, sentiu-se vagamente tentado a descobrir a origem do som. Respirou fundo, esquecendo as pequenas pontadas doloridas em determinados pontos de seu corpo, apurando sua audição para usá-la como bússola para orientá-lo. Seguiu em silêncio para o local que se ouvia mais alto e claro a canção de teor romântico, não qualquer faixa, eram as clássicas que tiveram seus auges na década de 90 embalando casais em bailes que só presenciara em programas que sua irmã mais nova assistia e sob o olhar refinado de Alexander, que, independente de qualquer coisa, viera de um berço de ouro. Seus olhos capturaram a figura de porte atlético, cujas curvas reconhecia bem, tal como os curtos cabelos negros no qual fazia com que tivesse um ar gracioso e inocente, um contraste quase oposto a sua profissão. Lady abriu um sorriso sugestivo, o que lhe despertou uma fagulha de ansiedade.

– Aceita uma dança? – a expressão surpresa de Vincent arrancou risadas da caçadora. Não o condenava por ter se surpreendido com tal atitude, ainda mais repentinamente. – Você tem estado tenso esses últimos dias, então resolvi deixar as formalidades e ser apenas seu par essa noite. 

– Meu par? Essa noite? – Vincent arqueou uma das sobrancelhas, assimilando o que a companheira dissera. – Você não tinha trabalho pra essa noite?

– Tinha. – corrigiu prontamente. – Mas eu tenho um trabalho mais importante pra tratar – se aproximou do homem, colocando as mãos dele em sua cintura, criando um clima de intimidade e cumplicidade.

Lady roçou os lábios provocativamente nos seus, apreciando o contato afetuoso. Estava mais tranquilo em perceber o quanto a caçadora lidava bem com tudo que vinha acontecendo, ciente de que o relacionamento de ambos não se desestabilizou.

– Eu agradeço seu esforço – sussurrou em tom confidente. – Eu te daria o mundo. Tudo que tenho.

– Mas eu não quero o mundo, quero só você – sorriu, encantada, prometendo a si mesma nunca abandoná-lo, sobretudo, no atual período difícil de suas vidas.

Deslizou as mãos em direção ao rosto da amada, mas, permaneceu no pescoço delgado pálido.

Tão delicado.

Lady arfou com o aperto violento e brusco.

– Vin...

Irônico como a música reproduzida que retratava o amor pudesse tão rudemente lhe causar um sentimento de dor irreparável, sangrando feito uma ferida aberta, exigindo atenção e tratamento. A angustiada súplica, sôfrega, carregada de tristeza devastadora, saíam pela sua garganta como ruídos engasgados, lamentos de uma mulher condenada. E as mãos que, em muitos momentos, tocaram-na com carinho e desejo proporcionando emoções que preenchiam-na de ternura, eram as mesma que lhe matariam – arrancando cada esforço e fôlego de si.

Sentiu a pressão em seu pescoço aumentar, tornando mais dificultoso respirar, o que começará a ser um problema ainda maior quando sua consciência deu os primeiros sinais de tontura pela falta de oxigenação adequada. Lady nunca fora do tipo indefesa, apesar do seu nome sugerir o contrário, sua experiência e força lhe conferiam fama por, diferente de Dante, ser uma caçadora discreta e impecável em seus trabalhos. Não importa quem teria que enfrentar, nunca se permitiria perder – muito menos quando tinha alguém que carecia de sua ajuda.

– Vin... Pare – arfou, agonizando.

Sem efeito.

Socou o ponto dos braços de Vincent que sabia que desfrouxaria o aperto sufocante em sua traqueia, fazendo com que ele recuasse por um intervalo breve de segundos, tempo que não ousou gastar levianamente e desferiu um chute poderoso o suficiente para jogar o homem para longe. O ar entrou queimando em sua garganta e pulmões, obrigando-a a tossir quase desesperadamente para recuperar-se do enforcamento.

Cerrou os punhos, toda frustração fluindo pelos poros. Não pôde, novamente, salvar alguém que amava. Suas limitações e opções escassas lhe conduziram a um embate que não estava preparada. Sua fragilidade humana lhe engolfou com uma profunda e lancinante consternação que a custo almejava libertar-se em lágrimas, mas a caçadora audaciosa e compenetrada resistiu a tal ato, escondendo em seu íntimo quão dolorosa as circunstâncias se apresentavam.

Repassou os eventos que levaram aquela fatídica desventura, questionando-se onde tinha falhado. Se a pessoa que Vincent estava se transformando contra sua vontade, poderia ter uma chance de redenção. Estava disposta a enfrentar qualquer coisa se isso significasse não perder seu elo tão importante. Não acreditava no que as pessoas chamavam de “milagre do amor” como um método eficaz para salvação uma pessoa, porém permitiu-se deixar seu ceticismo de lado para crer na possibilidade de que seu coração aberto pudesse oferecer amparo necessário para afastar a nuvem maligna que serpenteava Vincent em um abraço possessivo.

Como se ali residisse uma entidade cruel que desejava que seu domínio se concretizasse.

– Vincent. Por favor, volte pra mim. Por favor. – balbuciou fracamente.

Vincent parecia atordoado com o impacto, mas comparado com a expressão apática de outrora, demonstrava mais lucidez e atenção. Ele esquadrinhou o local com frenesi, havia uma confusão de sensações, sue cérebro atordoado operava em modo de pânico. Seus pensamentos não formavam um padrão para que pudesse compreender a gravidade da situação, tampouco conseguia ter controle de suas ações. Assim que seu olhar cruzou com o de Lady, finalmente sua ficha cairá e todo ocorrido ficou mais claro em sua mente. Cada detalhe se encaixando, cada lembrança imergindo das profundezas de seu mais puro medo: ergueu as mãos, fitando-as como se tivesse cometido o pecado mais imperdoável de todos, o mais vil. Ele que acreditava ser tão incorruptível, acabou sendo devorado pela escuridão pela qual jurou combater com toda sua força.

– Eu não vou desistir de você – afirmou convictamente, reprimindo a ânsia de chorar.

Cambaleante, levantou-se, sentindo-se tonto do golpe que recebeu. Lady se aproximou, mas seu grito áspero para que ela não chegasse perto a fez paralisar. Nunca imaginou que se transformaria em algo que representasse perigo pra pessoa que amava. Caiu em seus joelhos, arfando, guerreando ferozmente contra seus impulsos mais sórdidos e selvagens enquanto a escuridão, aos poucos, tingisse sua pele com tons sombrios cuja aparência lembrava tinta preta. Ela rastejava pelas suas veias, consumindo-o por dentro.

Gritou a plenos pulmões

Quando os barcos se perdiam em meio ao nevoeiro, eles esperavam achar um farol – aquilo era um bom sinal, uma nova esperança de voltar em segurança. As sábias palavras de Alexander ecoaram pelos seus ouvidos com a lembranças. Focou, com tudo de si – todo seu coração – na pessoa que seria sua luz.

Lady.

Pela primeira em anos, cedeu aos seus mais íntimos sentimentos. Não estava mais tão familiarizado com eles, eram desconhecidos e um pouco estranhos para assimilar. O peso amargo que sentia dissolveu-se em grossas lágrimas – o que pensou ter esquecido como chorar durante tantos anos. Estendeu a mão para alcançá-la, seu gesto mais consciente, mais urgente. Lady imitou, esperançosa. Queria lhe dizer, enquanto ainda possuía controle de suas próprias ações, o quanto a amava.

Com desolada certeza, viu os filamentos de trevas rastejando pela sua pele, unindo-se as veias, ganhando mais poder e corrompendo-o.

– Se continuar assim... Lady...

Inquieto, com seu peito queimando em brasas, tendo cada nervo sucumbir diante do poder devastador que o tragava para seus inglórios domínios, nada comparava-se ao temor que vislumbrou em Lady – algo que não combinava com sua postura tão casualmente tranquila e habilidosa. Jurou para si mesmo que se fosse algum perigo, iria desaparecer da vida dela.

Eu amo você. Essas preciosas palavras não ditas ficaram apenas em suas memórias junto do rosto da mulher que deu um sentido para viver enquanto desvanecia nas sombras que um dia lhe foram fonte de vitalidade.

×××

Memories broken
Memórias quebradas
The truth goes unspoken
A verdade não dita
I’ve even forgotten my name
Eu até esqueci meu nome
I don’t know the season
Eu não sei a ocasião
Or what is the reason
Ou qual a razão
I’m standing here holding my blade
Estou aqui segurando minha espada
[...]
It’s me that I spite
Sou eu que com ódio
As I stand up and fight
Me levanto e luto
The only thing I know for real
A única coisa que sei de verdade
[...]
There will be blood-shed
Haverá derramamento de sangue
It’s the only thing I’ve ever known
É a única coisa que eu sempre soube
 

A guerra é criada por monstros – eles são como qualquer criatura viva racional, cruéis e assassinos. A consciência é suja, escura e coberta de sangue. Eles caminham, se esgueiram, na escuridão. Não existe senso de moralidade, portanto por suas mãos, indiscriminadamente, outros seres vivos morrem: adultos, soldados e civis, crianças inocentes. Nada lhes escapa. Estão anestesiados pela dor e raiva – obstinados a saciá-la. A razão entorpecida pela morfina – o remorso visceral, cúmplice, asfixiando a mente. É tarde para desculpas, para evitar o desfecho trágico. Há vermelho por todo lado, um lembrete de que, assim como eles, eu também era um monstro – uma assassina. Minha alma esta manchada de sangue, envenenada. A lâmina da espada, reluzente e afiada, mostrava uma garota cansada e suja. Uma imagem do que eu seria, da pessoa que me tornei – da mulher que preciso ser. Não sei exatamente em que momento minha vida se transformou em um trem desgovernado, mas sinto que estou perto – no limiar – de me quebrar. 

Respirar dói, o ar é insuportavelmente pesado e meus pulmões faziam o dobro do trabalho para se encher adequadamente. O cheiro enjoativo e rancoroso não se esvaia, deixando um sabor amargo na boca – na qual contraía o estômago. Minhas mãos, trêmulas, agarravam o punho da espada como uma salvação – um bote salva-vidas. Ainda segurava a fita azul que pertenceu a Ayden, esmagando entre os dedos. O tique-taque interminável do relógio, o som ritmado e monótono, me enlouquecia. Traziam-me de volta a realidade dolorosa. Seus ponteiros continuavam movendo-se conforme os minutos passavam independente do que o rodeava – o conceito mortalidade não se aplicava ao tempo. Ergui a cabeça, meus olhos vagaram para o precariamente iluminado salão, sem se demorar em nenhum ponto específico – como uma criança desorientada. Os Espectros abatidos tinham desaparecido em cinzas, o único rastro de existência vinha do sangue derramado. 

Apoiei-me na arma, usando-a como suporte para levantar. Minhas pernas cuja a força necessária para manter-se estabilizados fora esvaída, vacilaram com os primeiros passos. Dante aproximou-se, com seu usual instinto protetor, mas estendi a espada restringindo-o, pondo uma barreira invisível entre nós. Depender dele não é uma opção, certamente, digna. Em outra circunstância aceitaria de bom grado seu amparo, confiava nele, só que estava confusa e nervosa para ser razoável e condescendente com suas boas intenções. Os olhos deles refletiam a essência do que minha recusa causava; e, tão bem como sempre, ocultava aquilo com um sorriso despreocupado.

Estou infinitamente exausta, de todas as formas que alguém pode se cansar: física, emocional e mentalmente. No entanto, não permiti expor tal fraqueza. Significaria que não seria forte o suficiente para as lutas que virão e isso não pode acontecer – em hipótese nenhuma.

Imagino quanto disso terei que enfrentar. Ser novamente jogada em um mundo de perdas e agonia. Dante não desviou o olhar de mim, estou ciente do que ele enxerga. Continuo delicada demais, infantil demais e machucada demais. Uma aparência frágil para alguém que empunhou uma espada e matou criaturas inumanas com frieza. Em parte, por frenesi, desencadeadas pela adrenalina e a fúria.

Minha mente recua da falsa sensação de segurança.

– Está tudo bem, Dante – afirmei, sorrindo. – Não preciso que se preocupe tanto. É minha luta. Meu propósito. A minha vida.

Dante não pareceu satisfeito com a resposta vazia. Ele tinha uma boa percepção se tratando de desvendar a veracidade de minhas ações e palavras. Meu braço caiu flácido contra lateral do meu corpo, protestando pela imposição prolongada à uma única postura. Os dedos dele puxaram meu rosto com gentileza, fazendo com que virasse para encará-lo.

– Mentirosa – sussurrou pressionando um lenço, que não vi de onde tirou, em mim. A princípio, surpreendida, não ousei reclamar, mas a medida que esfregava o tecido com mais insistência e com aspereza, ressentidamente repeli seu toque. Meu rosto estava parcamente limpo, sem o líquido escarlate com o odor desagradável de ferrugem aderindo-se em minha tez comumente pálida, feito uma máscara.

– Essa é a sua expressão de “Tudo bem”? De “Satisfeita com o destino”? De “Propósito de vida”? De resignação? – as lágrimas que o sangue camuflava deslizavam livremente, visível para eles. – Você pode mentir para si mesma, fingir aceitar tudo que está acontecendo... A dúvida e o medo estão te machucando. 

– Cala a boca! – explodi, exasperada. – Não quero palavras de consolo! Não quero ouvir que ficará tudo bem, quando é claro que não vai ficar! Você não pode fazer nada por mim, Dante! – solucei, irritada por ter perdido o foco e estar chorando igual uma criança assustada. – Só quero ficar sozinha... É pedir demais?

– Vamos. Ela precisa fazer isso. – Vergil intercedeu compreensivo. Dante relutou antes de dar-me as costas e sair.

Não existe dor.

E sentimentos como medo também. Desligados e anestesiados. Parecem não ter mais espaço entre o arrependimento e a raiva que rastejava em minha pele.

Subi as escadas. As sombras que recaíam sobre os cômodos atribuía um aspecto tenebroso e fúnebre ao ambiente mergulhado na quietude. Os sons que ecoavam repetidamente eram de minha respiração sobrecarregada e dos rangidos do assoalho. Quando o silêncio é insuportavelmente alto – uma ironia amarga –, tudo que se reproduz e propaga vira um sinal de alerta – uma constante incógnita, um mal à espera. Meus sentidos estavam desordenados e eu seria alvo fácil em um ataque surpresa. O mais prudente, para qualquer um com o mínimo de consciência de autopreservação seria portar uma arma de fogo para confrontos a longas distâncias. Uma vantagem para poupar tempo e evitar gasto desnecessário de energia. Essa estratégia funcionaria perfeitamente se o inimigo fosse um grupo de demônios nos quais tinha costume de caçar – embora a nomenclatura Devil Hunter não condizia comigo em uma avaliação geral. 

Entretanto, estávamos – no caso eu – verificando o orfanato à procura de Espectros. No âmbito sobrenatural um Espectro é uma imagem incorpórea basicamente um fantasma. A real representação deles, no entanto, não é exclusivamente fantasmagórica. São monstros forjados com as Trevas. Sebastian tinha poder sobre a condição dos seres vivos – seja através do contato de seu sangue ou alguma habilidade própria –, podendo facilmente modificar sua estrutura, de modo que, deixavam por completo seu estado original.

Não existe clichê quando, categoricamente, afirmam que os seres humanos possuem luz e escuridão em seu íntimo. Não é metafórico. Não é eufemismo. A vida em si, em uma parcela pequena, é centrado nisso. Por esse motivo, ele conseguia manipular a humanidade a seu bel prazer. Os Espectros são frutos de seu poder, protótipos de seres primitivos e vorazes. O mal que se esconde em nosso interior, a loucura e perversidade expostas.

Concentrei-me na área ao meu redor, elevando meu nível de sensibilidade perceptiva para localizá-los caso ainda restasse algum. Saquei a espada, retirando-a com cautela da bainha. Vi o vulto se aproximar por trás. Fechei o punho na lâmina, o meu sangue alojou-se nos minúsculos espaçamentos dela. Um grunhido animal ameaçador ressoou no corredor. Lancei-me para trás, os dentes à mostra mastigaram o ar, decepcionando a besta faminta. Esquivei dos persistentes golpes dele, impaciente com o desenrolar daquilo. Os braços esguios detinham uma camada grossa e impenetrável, semelhante a vigas de ferro plano protegendo-o e sabiamente utilizado para ataques. A espada riscou incontáveis vezes naquela defesa na minha tentativa de cortes diretos, sem obter sucesso. Em um ponto cego, consegui parti-lo ao meio, recebendo uma chuva de sangue. O Espectro gritou e calou-se instantaneamente, consumido no corrosivo efeito do meu sangue. Dirigi-me aos cômodos restantes. Não estava com medo, o que me definiria como uma suicida em potencial em uma situação normal. Até para meus padrões isso não tinha uma explicação cabível – lamentavelmente lógica. Em uma rápida análise, o trauma gerou um mecanismo de defesa emocional bastante funcional que bloqueava impulsos naturais do cérebro, incluindo o medo. Tecnicamente agia meramente por racionalidade robótica. Exatamente como picos absurdamente altíssimos de adrenalina.

As lembranças recepcionam-me com um tremor gélido que percorreu minha espinha. O quarto dividia-se em camas organizadas em fileiras, e de acordo com a decoração, era a ala pertencente aos meninos. Na cabeceira tinha a identificação, em ordem aleatória, indo de Matt, Walter, Augustos, Henry... Chegando em Ayden. Toquei os lençóis frios e reparei em um bloco de notas escondido – não tanto por que qualquer um que visse de perto o encontraria – sob o travesseiro. Tirei-o do esconderijo e comecei a folheá-lo, alimentando uma esperança de que aquilo seria uma pista do seu paradeiro. Ali continha observações simples e algumas mais complexas, mas o que realmente despertou meu interesse na leitura fora as palavras grifadas em destaque em uma única página:

"Ele está vindo. Seus olhos são como diamantes injetados em sangue. Vejo em meus sonhos e não sei o significado... Tenho medo. Não é uma boa pessoa... E sou igual a ele..."

Havia mais algumas com conteúdo enigmático que incitou-me a levá-lo comigo. Era terrível conciliar a ideia de que Ayden, nessa rede de mentiras e mortes, tenha sido envolvido. Com um suspiro cansado, marchei para a porta e paralisei ao cruzar com um espelho. A figura refletida causou um misto de terror e repulsa, nem sequer acreditava que aquela mulher banhada em sangue de feições endurecidas e olhos vazios era eu. Fiquei encarando-a, estudando-a e, por fim, conformando-me aquela imagem. Cerrei os punhos ignorando a frivolidade da minha inspeção, porém vi o negro tingir as ondulações do meu cabelo e o vermelho vivo sobrepor o castanho dos olhos. O sorriso diabólico moldando os lábios da mulher com a expressão distorcidas.

Balancei a cabeça, afugentando a projeção ilusória do estresse.

Meu cabelo estava ensebado, grosso e cheio de gomos emaranhados devido ao sangue e suor. Por uma preferência pessoal evitei cortá-los após a saída do hospital há exatos três anos – recém completados. Soaria ridículo e pretensioso, mas orgulhava-me do crescimento saudável e da beleza genuína dos cachos. E ao contemplá-los com indícios da carnificina de outrora, acometida por um profundo entendimento, vasculhei as gavetas e os armários repletos de matérias de arte e peguei a tesoura. Sem demonstrar hesitação, cortei mecha por mecha e examinei o resultado final com impassibilidade. Larguei a tesoura e novamente remexi nos armários retirando frascos de produtos inflamáveis. Espalhei pelos corredores que davam acesso aos quartos e liguei as bocas correspondentes do fogão criando um vazamento. O cheiro oleoso e picante encheu minhas narinas incentivando a apressar-me. Pude ver as trêmulas ondas de gás enquanto saia do orfanato. Como os indícios do primeiro incêndio foram extinguidos, acendi o isqueiro e joguei por cima dos ombros.

Não podia deixar provas e já era muito tarde pra fazer qualquer coisa por ali.

Aos tropeços, corri com o máximo e velocidade que minhas pernas foram capazes.

Houve uma explosão de som e calor, de vidros quebrando e estalos estrondosos em uma chuva de destroços enfumaçados. A pressão quase jogou-me para longe, as chamas devoraram tudo. Se não tivesse protegida em uma redoma invisível, a libertação de energia que se expandia e comprimia teria, teoricamente, teria me atirado a vários metros. O vento seria uma parede de ar supersônico que deixaria danos severos. De fato não é nada parecido com os filmes.

Olhei uma última vez a construção consumida pelo fogo, expelindo estilhaços em correntes de ar quente. Inexpressivamente andei para o local onde Dante estacionou o carro, avistando os dois mestiços a espera assistindo o espetáculo de luzes em meio à noite escura. As chamas fornecem uma iluminação bruxuleante e agressiva, oscilando em laranja e vermelho e preto. Dante lançou a mim um olhar interrogatório, impressionado. Logo havia expectativa, um sorriso de acolhimento, excitação e ligeiro receio. Ele estendeu a mão em minha direção, aquele gesto casual não surtiu nenhum efeito em mim. Estava em um estado letárgico, as emoções como poças de água escura cuja profundidade não se vê. Dante geralmente tinha um poder calmamente sobre mim, ele era meu suprimento pessoal de morfina. Contudo, não consigo ser receptiva para aceitar seu consolo. Meu olhar apático estuda a mão que me é oferecida. Sigo em frente, deliberadamente rejeitando-o. Parei próxima a Vergil entregando-lhe a espada.

– Obrigada – sussurrei mais para mim que para ele. Entrei no carro e os dois tomaram seus lugares. Dante não transpareceu seu desapontamento quando ajeitou o retrovisor interno – era pra mim que ele olhava, mas não existia nada para mudar minha convicta vontade nessa luta que é só minha.

Eu entendo... Essa não é mais a hora de brincar de casinha – nem de viver num conto de fada.

Losing my identity
Perdendo minha identidade
Wondering have I gone insane
Imaginando que eu enlouqueci
To find the truth in front of me
Para encontrar a verdade na minha frente
I must climb this mountain range
Devo escalar esta serra
Looking downward from this deadly height
Olhando para baixo a partir desta altura mortal
And never realizing why I fight
E sem perceber o por que eu luto
 

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