Bad Blood
Feroz, moldada no fogo da sua ira protetora, ela assemelhava-se ao que Arya era no passado, a sua própria essência perdida nos confins do seu ódio venenoso. Contemplar a imagem da virtude e da coragem que a garota ostentava sem medo, revirou seu âmago. Não soube definir se era pelo orgulho ferido ou um sentimento secreto de ser substituída, mas isso aflorou um temor que nunca experimentou antes, nem diante das tropas de demônios de Mundus.
Uma memória longínqua de um passado enterrado.
O embate de duas forças semelhantes fez ambas recuarem.
Nunca considerou que essa encarnação fosse adversária a altura, mas ela provou ser mais persistente do que previu. Nada etéreo a sustentava, exceto a energia vital condensada cuja natureza demoníaca atribuiu aos gêmeos — eles compartilharam suas auras com Diva, para restituir a alma estilhaçada. Ainda que fosse inferior no aspecto espiritual, mantinha aparentemente os poderes e o preparo físico para rivalizar em uma luta corpo-a-corpo. Arya possuía vantagem, independente de quantos oponentes se encarregaria de eliminar.
— Eu vim pegar o que me pertence — Diva proferiu, determinada.
— Te pertence? Quanta prepotência — cuspiu, ácida. — É a minha alma. Minha reencarnação. Minha vida.
Nenhum deles ousou arriscar um ataque direto contra a guerreira, talvez reavaliando as opções disponíveis. Impaciente com o lento desenrolar dos acontecimentos, convocou pequenos espíritos para distrair os gêmeos enquanto cuidava de Diva. Precisava da parte da alma que voltara para ela e retomar seus plenos poderes, a presença da outra casca a inquietou. Surgiu um bom número de contornos nebulosos, todos brancos diáfanos como manchas amorfas em um quadro negro, mesmo após o chamado de Arya, não assumiram formas humanas, optando por se deslocarem como serpentes no ar — fios que rodopiavam ao redor dos mestiços.
Eles se prenderam aos dois meio-demônios, drenando suas vitalidades e, como uma rede sem fio, transferindo para sua mestre, que conforme adquiriram mais suporte com a fraqueza dos gêmeos, ficavam mais fortes e resistentes. Vergil moveu Yamato com intuito de parti-los, porém não adiantou muito. Dante atirou intocáveis vezes nas imateriais criaturas, sem também obter sucesso em destrui-las. Diva disparou múltiplas flechas energéticas contra as serpentes anímicas que vaporizaram. O corte abrupto do fluxo de energia fez Arya ficar irritada, mesmo tendo absorvido uma grande quantidade sentiu a necessidade de mais, de tomar até a última gota da essência deles. Várias flechas pulsando em um dourado fraco entraram em seu espaço pessoal, anunciando as infrutíferas tentativas de Diva de lhe infringir algum dano. Ela mal conseguia focar com precisão o alvo, a ausência de consciência parecia ter pesado. Diva estava sucumbindo a exaustão por gastado mais que suas reservas limitadas podiam suprir. Arya andou calmamente até ela, pronta para roubar o pouco da energia restante. No entanto, fora recebida por um sopro truculento, uma rajada de ar cortante que dispersou flores e folhas criando pequenos redemoinhos. Era óbvio que um dos mestiços — no caso Vergil — viesse no socorro dela, por consequência, sentiu o mais novo avançar para golpeá-la em um ponto cego, desviando com elegância. Não temeu as investidas deles, muito menos, com a movimentação mais devagar e pouco fluída. Eles não recuperaram-se dos espíritos parasitas e, certamente, demoraria para tal.
— Isso não é suficiente.
Engasgou atordoada. Um súbito e desconfortável ininterrupto tumulto de sentimentos a desequilibrou, obrigando-a a curvar o corpo para recuperar do susto.
— O que? — tossiu, tendo dificuldade ao inspirar.
Uma corrente potente de emoções percorreu-lhe em frenesi, martelando em sua cabeça e confundindo seus sentidos. A dor na região do peito a puxou com violência de volta a realidade: havia um ferimento profundo ali, o sangue vertia livremente, sujando suas roupas. Por mero instinto, tocou o local e constatou que fora justamente o mesmo que deu fim a sua vida. Há séculos, ao realizar todo o procedimento de selamento, tinha sido quase impedida quando Sebastian atravessou seu peito — um evento traumático que, literalmente, arrancou o coração. Foi em um ato desesperado que usou a si mesma como a última tranca para aprisioná-lo. Ela estava viva, mas essa memória a fez reviver os segundos finais. Aquela ferida aberta nada mais era uma alusão ao passado.
O estigma do seu ódio.
Pressionou a mão ainda ali em busca de algo que desse um pouco de tranquilidade a seu espírito atormentado: os batimentos cardíacos. Queria assegurar que apesar do sangue e a dor fantasma não existia nada para se preocupar.
Olhou para o vermelho que cobria as mãos com amargura e os olhos arderam com as lágrimas acumuladas.
— Esse foi o preço que tive que pagar... — cerrou punhos, espirrando um pouco do sangue. — Para quê? Para no final ter sido em vão! Não posso ter paz enquanto ele estiver vivo! Vocês nunca entenderão isso!
Formou um arco e flecha e o direcionou o escopo para os gêmeos, ambos a fitaram sem deixar ruir a máscara de orgulho e demonstrar medo diante dela. Em outra circunstância teria verdadeiramente prazer em reconhecê-los com louvores, mas eram seus inimigos. Diva gritou quando a flecha se partiu em dois e respectivamente os atingiu, apesar de terem tentado bloqueá-las. Mal tiveram tempo para reagir realmente. Estavam tão acostumados em serem mais fortes que qualquer outro que esqueceram de nunca subestimar o adversário, ponderou, indiferente ao pesar da sua casca. Os dois permaneceram imóveis, agonizando em silêncio enquanto a fina flecha deflagrava em seus peitos. Um choque repentino, a mudança brusca na atmosfera, tornou o espaço rico em cores em um manto cinza.
Aquilo era familiar.
Arya virou no instante que Diva, dominada pela adrenalina e fúria, acertou um soco que a derrubou. A cada segundo que a voz colérica da garota repercutia, mais a alma ressoava em resposta, até que chegou um momento que ela a abandonou, retornando o corpo original.
— Não! — esbravejou ao, novamente, se ver vazia. Muito mais que antes. Cambaleante, põe-se de pé, prendendo a última e única parte da alma que pôde alcançar. Os gêmeos se livraram da flecha, ofegantes.
O ferimento sangrou mais enquanto a raiva fervilhava em seu interior, sobretudo ao perceber que sua fome por energia vital começou a se tornar incomoda.
Diva estendeu a mão e Arya imitou, as duas com o mesmo objetivo. O que não era uma ação sensata, visto que com os dois poderes antagonizando poderia ocasionar alguma perturbação naquela lugar.
— Não vou deixar que machuque eles e nem ninguém!
— E acha que é páreo pra mim? — uma brisa passou por elas. — O que pode fazer?
— Te jogar de volta no mundo dos mortos. O lugar de onde não deveria ter saído.
Uma luz intensa os engoliu.
As duas mulheres sentiram a queimação familiar.
Diva franziu a testa com o pensamento que lhe ocorreu: foi exatamente assim quando cheguei nessa dimensão.
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