What Lies Ahead!
O clima inóspito combinava com meu atual estado de espírito: frio e sem grandes perspectivas de melhoras significativas tão cedo. Ainda compensava o fato de me recuperar de uma série de fraturas, imóvel conseguia uma temperatura corporal estável e acelerava o processo de cura. Meu incomodo gerado com as lufadas gélidas que, milagrosamente, ultrapassavam a proteção das minhas roupas e percorriam minha pele, não ajudaram em nada além de aumentar os níveis de estresse. Thanatos proibiu que realizasse qualquer movimento que não fosse unicamente o exercício de respiração, esta controlada e meramente superficial para não exercer mais pressão nos pulmões e costelas. Restou-me olhar o vento se chocar contra a vidraça da janela, algo tedioso para alguém que está com os nervos à mil. Minhas falhas tentativas de não pensar no assunto, ironicamente, sempre me faziam focar na última pessoa que queria. De todos os adversários que já enfrentei, minha mente, sem dúvida, era a mais ardilosa; implacável e imbatível. Ela era meu pior inimigo.
Remexia-me inquieta, queria descansar de pensamentos desnecessários, mas tinha que ser sincera comigo mesma. Enquanto não resolvesse tudo com o causador da minha dor de cabeça, nada disso teria fim. O tempo de molho proporcionou um breve momento para pôr em ordem meus pensamentos e criar um discurso adequado, tinha que medir cada palavra e frase, escolhendo-as com cuidado. Não podia parecer desesperada tampouco incerta. Vergil exalava tanta nobreza que a impressão que tinha era de querer alcançar o inalcançável. Ele continuaria sem mim, querendo ou não. E, subitamente, todas as minhas inseguranças vieram sobre mim com a potência de uma onda, afogando-me nas águas turvas do medo. Por segundos permiti que ela me levasse, ficando totalmente a deriva. E como se acabasse de chegar a superfície, inspirei fortemente, renovando minha determinação. Concentrei o máximo que pude para acelerar a cura, Thanatos disse que meu corpo o faria por si sem precisar de esforço da minha parte, porém a ansiedade começou a corroer minhas entranhas e não tive alternativa. Quando nós temos uma chance de conquistar algo que nem sequer pensávamos que faltava em nossas vidas, devemos agarrar com unhas e dentes. Foram meses de convivência, podíamos não ser o casal super sintonizado que em geral ocupam as grandes histórias no cinema, contudo somos os opostos mais perfeitos que existiam.
Engolindo um guincho de desconforto, levantei cambaleante e segui para a porta de metal congelado. Tive um pouco de dificuldade para empurrar a estrutura para fora do meu caminho — sem usar nenhum poder. Ao chocar-me sem querer com grades de segurança um pulsar lancinante reverberou pelo meu abdômen, um descuido por não ter calculado direito a força exercida e a velocidade, resultando em mais um dor adicional. Segurando-me no parapeito, andei até onde Vergil deveria estar.
Ensaiei mentalmente o que pretendia falar, mas na medida em que a distância que nos separava diminuía paulatinamente, esqueci absolutamente tudo. Teria que contar com a sorte. Uma luz fraca despontava no horizonte, o céu se tingira pelo cinza monótono e opaco, nuvens dançavam de um lado para outro. O brilho sem vida transformava a paisagem ao redor num mítico e sombrio mundo no qual fomos enviados. A neve engoliu o que pode com seu manto branco. Abracei meus cotovelos protegendo-me do vento que chicoteava contra mim, bagunçando meus cabelos. Com a umidade, desembaraçá-los seria uma missão quase impossível. O assoalho rangeu em um agudo ressoar que se propagou pelo ar. Um ponto a menos no quesito aproximação sorrateira. Vergil olhou-me por cima dos ombros, um semblante indefinido. Juntando coragem, com poucos centímetros que nos afastávamos, contemplei o cenário desligando-me das minhas preocupações. Esse acúmulo que carregava, aos poucos, dissolveu-se. Não havia motivos para temer. Se fosse para as coisas funcionarem, teria que fazer acontecer. É preferível, ainda que nada esteja à meu favor, tentar que nutrir o amargo arrependimento.
Chutei um pedaço de madeira solto, vendo-o despencar para o abismo branco abaixo de nós. Puxei as mangas da camisa grossa de veludo, uma antiga mania de querer demonstrar calma. Ajeitando a massa de loiro escuro revirado pelo vento, iniciei um uma tarefa usual vista, escovando meus cabelos e fazendo uma trança desalinhada. Oficialmente estou agindo como uma adolescente em um encontro com o pretendente. Suspirei, reforçando a ideia de ser mais confiante.
— Esconder o que quer não é sua melhor qualidade — Vergil disse, sem desviar sua atenção. — Se quer me dizer algo, faça agora.
— Queria ter certeza de que estava bem — engoli em seco, um bolo formou-se em minha garganta. — Thanatos disse que o helicóptero está chegando
— Estou ciente disso, mas não é isso que quer falar comigo. Vá direto ao ponto. — pediu ríspido, seus olhos semicerrados.
— Certo — respirei fundo, ganhando poucos minutos para pensar em uma justificativa para meu comportamento bobo. — Olha, sei que comprometimento pessoal não deveria acontecer, temos uma missão que vai além de nossas emoções. Mas realmente...
— Não confunda as coisas — Vergil interrompeu, seus olhos fixos em mim transmitiam uma frieza sobrenatural, como se intensidade dele pudesse congelar minha alma. — Ser tolerante e tentar ter uma boa convivência não faz com que sinta nada que espera que eu sinta por você. Não somos nem amigos. O que nos uniu foi o mesmo propósito, nada mais que isso.
Vergil nunca fez o gênero sentimental, ocasionalmente se esforçava para ser agradável. Quando nos conhecemos, lembro-me que nossa relação tinha sido estranha, ainda mais sendo ele um ex-morto. De alguma forma, eu o trouxera de volta a vida, e isso não significava que ele devia por tal. Sua atitude em relação a tudo sempre fora hostil e com sutil superioridade, esse detalhe mudou um pouco. Entretanto levou muito tempo para romper, mesmo que minimamente, as defesas dele. Meu lado racional insistia que seríamos somente parceiros, proibia-me de cogitar a ideia de ser mais que uma simples companhia de trabalho. Geralmente pessoas que passaram por situações semelhantes de risco em comum tinha tendência a criar um laço. E, aparentemente, ocorreu exclusivamente comigo. As palavras dele eram mais afiadas que qualquer espada, só que já esperava uma negativa, então a dor da rejeição não machucava tanto. No entanto, não impediu que o fluxo incontrolável de lágrimas banhasse meu rosto, na proporção que minha fortaleza ruía. Minha visão tornou-se uma confusão de sombras embaçadas.
— Talvez tenha razão, para você não somos amigos — reprimi o soluço que ameaçava escapar pelos meus lábios frios. — E pode não se importar com que sinto. Não depende de mim fazê-lo entender... Só que não me quer dizer que vai mudar o que sinto; nada me impede de gostar de você!
— Esqueça isso, é o melhor a ser feito — respondeu seco.
Fiquei bastante frustrada, mas não me deixaria abater. Sem dizer mais nada, vi Vergil sumir do meu campo de visão, obrigando-me a encarar sozinha meus demônios interiores. Com gestos exageradamente melodramáticos, mais que o normal, mexi em meus cabelos. A massa loira escura já adquirira ondas bagunçadas, eles não facilitavam na ansiosa e desajeitada briga para arrumá-los. Nunca fiquei nervosa a esse ponto. Soltei o ar que inconscientemente prendia, saindo em vapor pela minha boca entreaberta.
Com um pouco de dignidade, limpei o rosto com a manga da camisa e suspirei. Pelo bem da nova tarefa, tinha que deixar esse incidente passar. E também teria um suportar a indignação do momento. Assim que, furiosamente, virei-me, parei. Todos os meus sentidos concentraram-se em um lugar. Não como se estivessem alertas e sim como se fossem prestes a entrar em colapso. Coloquei minha mão no peito, sentindo os vacilantes batimentos cardíacos do meu coração. Doía mais do que conseguia medir, um pulsar oco e irregular. Apoiando meu corpo na parede velha da torre, busquei desesperadamente achar uma centelha de calma. Entoei um mantra, crendo que assim retiraria os excessos de pensamentos confusos. A sensação de sufocação cresceu; precisava respirar e não executava nenhuma ação racional. Apertei o punho sobre meu peito, puxando o máximo de ar que podia para meus pulmões. Parecia que estava presa em um tumulto infernal. E ao escutar os sons característicos de um helicóptero, repentinamente, a dor desapareceu. Endireitei-me e olhei em volta, tendo certeza que conseguia ninguém presenciara a estranha situação. Alinhando o helicóptero a torre, jogaram a escada e rapidamente me juntei a Vergil e a Thanatos.
Muito mais que pavor de aviões, detestava helicópteros.
Principalmente os de uso militar, pareciam grandes demais e transmitiam o clima enfadonho de estarmos marchando para a guerra. Claro que não podia me dar ao luxo de escolher o transporte em meio a montanhas nevadas, até os carros possuíam limites a determinados pontos. E boa parte do trajeto para o chalé fora feito à pé, contando com nossa força de vontade. Os Hunters disponibilizaram recursos ilimitados para que pudéssemos nos locomover sem empecilhos para onde mandassem, incluindo gastar quantias exorbitantes para que nossas necessidades fossem suprimidas. Tudo que envolvia a organização e os funcionários ostentavam imenso poder e luxo. Eles, obviamente, não eram tão materialistas para se aterem a despesas, mas também preservavam o bom senso para administrar a conta bancária.
A agilidade e coragem deles prova o quão empenhados estão para obter as Chaves e impedir que a maligna entidade se liberte. Compartilhávamos essa empatia — ainda que acredite que Vergil não esteja tão interessado em proteger a humanidade quanto eu —, embora nossos objetivos tenham a ver com questões pessoais. Desde o começo, quando tomamos a decisão de embarcar nessa jornada, nossa verdadeira intenção tinha sido nossas memórias. David sabia que almejávamos isso mais que tudo. Se eu pensasse por tudo que tivemos que passar para chegar até aqui, diria que valeu a pena. O frio invadiu o compartimento metálico no qual eu, Vergil e Thanatos estávamos. O piloto ainda lutava com a força da natureza representada pela tempestade de neve para alcançar voo e sair da zona de perigo. O som do motor parecia ter entrado em meus ossos. Um acúmulo de estresse abarrotava minha mente e somada às dores, fazia o desconforto aumentar significativamente.
A notícia boa era que cumprimos nossa missão, o Halo da Lua está sob nossa posse. E com isso, resta a última Chave.
Com um ronco alto através do incessante vento, o helicóptero se estabilizou e, por fim, seguiu viagem. Thanatos manteve os olhos fixos em relatórios e Vergil optou por ficar recluso, sem sequer contato visual.
Na verdade, eu também não fazia muita questão de puxar assunto com ele.
— Ei, Thanatos — chamei, ela virou-se, com a testa franzida como se acabasse de captar nos fones algo relevante. — Não cheguei a perguntar, mas o que estava fazendo aqui?
— Fui enviada dias antes de vocês. Seria mais como uma guia. — explicou, com um sorriso reconfortante. — Encontrei com Vergil em uma das trilhas e o contatei sobre meu trabalho ali.
Encarei meus próprios pés.
— Falta só mais uma Chave — comentei, cabisbaixa. — Qual é mesmo?
— O Punhal da Dualidade, a Chave do principio do bem e do mal.
O olhar de Thanatos sobre mim era um misto estranho de passividade e conflito, como se ela quisesse me dizer alguma coisa, mas tudo nela dizia que não.
— Queria saber uma coisa que me deixou intrigada — disse com a necessidade de fugir.
— Sobre o efeito do Halo da Lua sobre Vergil? — ao ouvir a menção de seu nome, Vergil mostrou-se mais atento à nosso dialogo.
— Diferente da contraparte, o Halo do Sol, o Halo da Lua possui uma quantidade gigantesca de energia não contida. Como representa a escuridão, o poder dele ativou o demônio interior de Vergil. — Thanatos alternou entre mim e Vergil. — Como a reencarnação daquela que criou a Chave, seu poder, ainda que inconsciente, suprimiu a carga de energia.
— Tudo isso ainda me surpreende muito... Essas Chaves e se engloba nelas.
— É compreensível, — Thanatos sorriu quebrando o clima. — vocês estão quase completando a missão e...
— Não estará completa enquanto meu irmão tiver uma das chaves — Vergil exclamou, obrigando-nos a encarar a realidade. Ele tinha toda razão: Dante havia tomado posse do Brasão da Fênix. — Vamos terminar com isso e ir atrás dessa Chave.
— Ah, Diva, isso é pra você — enunciou entregando-me um pacote de papel pardo. Curiosa, abri e chequei o conteúdo, era um uniforme de colegial japonesa.
— Só me explica... Terei que me passar por uma aluna de novo?
Thanatos assentiu, rindo.
— Darei as coordenada e assim entendera seu papel
— Estou seriamente pensando em me demitir — dei um sorriso sem jeito.
***
Observei tediosamente a vegetação bem cuidada da área sulista, totalmente isolada. Peguei o celular e vi que não tinha sinal, o que não era de se admirar. Fora o ônibus no qual segui viagem — poderia ter vindo logo de helicóptero, mas Thanatos achou isso inconveniente — nenhum outro veiculo ou pessoa passou por ali, o que me fez acreditar que me abandonaram a própria sorte. Vergil não participaria comigo dessa vez, e contava apenas com minha atuação. Atrás do ponto havia um trajeto de terra batida, cercado por árvores frondosas e que não quis arriscar entrar. A julgar pela minha sorte poderia dar algo errado e consequentemente me perder.
— Você deve ser Aya, não é? — uma doce voz feminina inquiriu.
Pisquei aturdida e sorri, a garota também sorriu em resposta.
— Sou Suzumi Myu, bem vinda! — identificou-se, fazendo uma breve saudação. — Vou mostrar onde vai ficar.
Myu usava o uniforme semelhante ao que Thanatos me deu, o que indica que seriamos colegas de classe.
— Venha!
Myu pegou delicadamente meu braço e tudo que tive tempo de fazer fora agarrar minha simples bagagem antes de ser levada. Reparei que a garota possuía o porte esguio e frágil de uma sacerdotisa, seus passos firmes e fluidos como de uma bailarina. Parecia que Myu dançava no ar. A pele dela era quase translúcida, os olhos expressivos castanhos e longos cabelos negros esvoaçantes. Apressei o passo para acompanhá-la, agitada do jeito que estava com toda certeza seria um desafio e tanto. As árvores elevaram-se sobre nós com uma sombra meio ameaçadora, e Myu parou. O silêncio tenso permaneceu, senti uma aura estranha começar a se dispersar pelo ambiente e o redemoinho bastante familiar criou uma deformação um pouco acima de nós. Posicionei-me para atacar quando percebi uma figura emergir dela, mas Myu tomou a frente recitando uma espécie de cântico em japonês, estendendo um selo com símbolos — o usual instrumento mágico feito de fitas de papel bem fina.
— Akuryō, kiemasu! — ordenou, invocando uma Ofuda. A criatura se contorceu febrilmente antes da magia fazer o efeito de eliminá-lo sem deixar rastros.
Terminado, a distorção oscilou, porém não sumiu como deveria. Eu sabia o motivo: só eu podia fechar uma anomalia dessas. A brisa morna girou ao nosso redor, trazendo também folhas em diversas cores muitas delas em tons quentes. A pressão retiniu ao poder ativo do selo desenhando em minha testa, a dor intensa e lancinante veio direto em minha cabeça. Fechei lentamente as mãos e do mesmo modo a fissura dimensional foi se apagando.
Myu olhou-me com deslumbramento.
— Isso foi incrível, Aya! — murmurou contente.
— Não tanto quanto você, Myu! — ofegante, desmoronei no chão, sem fôlego. A empreitada sugou toda minha energia. Lembrete mental: Não usar mais Poder que o necessário. Myu me auxiliou, pondo meu de pé com todo cuidado. Meu plano de ficar incógnita não deu certo, ao menos Myu não surtou o que teria sido bem ruim.
— Espero que goste daqui, — Myu proferiu — novamente bem vinda!
Vamos ver como será essa parte da missão.
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