Under The Last Light!
Nunca pensei muito na maneira que morreria, embora tivesse razões de sobra para cogitá-la. Eu passei por tantas situações arriscadas e estive inúmeras vezes as portas da morte, experimentei a sensação de afundar no mar turvo e escuro que associavam a morte e ser trazida de volta. No entanto, nada se comparava ao perigo real e encarar meu carrasco sem socorro, desprevenida e aterrorizada. Recuei a medida que David se aproximava, seu olhar vazio e os lábios curvados em um sorriso satisfeito. Minha mente latejava ainda tentando processar o ocorrido. Buscando uma explicação coerente para as ações de David. Tudo que conseguia pensar era que confiei nele cegamente, fiz tudo que podia para ajudá-lo em seu objetivo e agora vi quão estava enganada a respeito dele. Projetei meu corpo para trás, as pernas fraquejando, tropecei no chão embebido de sangue. Meus músculos se contraíram em protesto e tossi algumas vezes para desobstruir as vias respiratórias cujo líquido amargo ameaçava subir e me sufocar.
O desespero duplicou conforme os ruídos rançosos dos meus pulmões pulsavam em meus ouvidos. Lutei para manter a respiração regular enquanto meu coração batia em ritmo acelerado devido a perda excessiva de sangue. Sentia os efeitos colaterais da ausência, meus reflexos ficaram lentos, pensamentos confusos e letárgicos e a quase síncope. Finquei as unhas no assoalho impulsionando-me para frente, rastejando-me para longe. Para agravar meu estado, não importava quanto enviasse energia para o ferimento, ele não fechava e não curava. Era um esforço inútil. Provavelmente morreria pela hemorragia. Não teria chance para falar com Dante, tampouco poder ver uma última vez Vergil e nunca mais estaria na companhia de quem amava. David entrou na cabana e revirou as prateleiras, retirando seu tão estimado prêmio. Reluzindo em suas mãos enluvadas o Brasão da Fênix.
— Não me impressiona que suporte um corte tão profundo por tanto tempo. Um ser humano teria um choque hipovolêmico pela hemorragia. — David alegou com frieza, andando na minha direção. — Eu sabia que onde você estaria, encontraria a Chave. Saiu tudo de acordo com o planejado.
A dor e a exaustão tiravam minha concentração, mas usando os resquícios de força de vontade expulsei a nuvem da inconsciência que inebriava minha mente. Não fazia ideia de como seria estar no limiar do medo, da impotência e da vulnerabilidade. Até chegar esse momento, no qual tudo se chocava contra mim. O vermelho vivo tingia o assoalho como conteúdo de um jarro derramado, espalhando o odor metálico pungente no ar. Sentia a movimentação interna dos meus músculos bravamente comprimindo-se ao redor do dano, do ferimento. Tudo conspirava para o desastre iminente. A morte sorria pra mim como uma predadora pronta para dar o bote. Não haveria escapatória. Partes do meu longo cabelo castanho que cobria parcialmente meu rosto fora mergulhado no sangue.
— Dante sempre estaria ali por você. Coloquei meus homens em seu encalço e os resultados foram exatamente como esperado. — o filete de suor que escorria grudava mechas de cabelo em minha testa, um apelo oco dos meus pulmões que emitiam um ruído aquoso fez com que lufadas de ar escapassem pela minha garganta seca. As palavras descaradas sem remorso formaram pensamentos febris e lembrei-me do soldado que atacou-me há dias, o símbolo na braçadeira que desconhecia na hora pertencia ao grupo de David, por isso era familiar. — Isso serviu como uma isca perfeita para atraí-lo e consequentemente me trazer aqui.
Continue arrastando-me sofregamente, os braços trêmulos e recorrendo a textura do sangue sob mim para facilitar minha investida. David pisou em minhas costas, pondo seu peso nele para me ater ao chão. Grunhi como um animal acuado.
— Pedi a Thanatos implantar um rastreador em você para que te monitorássemos, e deste modo saber o momento oportuno para agir.
Cenas repetiram em minha mente, criando o repertório de memórias afetivas relacionados a Thanatos. De todos com quem tive contato naquele meio, a cientista fora a que mais importante. Depositei minha confiança em Thanatos, inclusive considerando-a uma grande amiga. E tudo que eles fizeram foi me usar. Enganar-me. Trair-me. Completamente ignorante, compactuava com pessoas sem escrúpulos.
— No começo acreditei que seria mais difícil convencê-la a se unir a nós. E tudo que precisei foi distorcer um pouco a verdade e enfeitá-la. Simples até. — um misto de raiva e um jato potente de adrenalina, deu-me coragem para forçar-me para cima, e David pressionou-me para baixo. — O grande desafio seria Vergil. Claro, apesar dos objetivos um tanto nobres, no fundo o que ele buscava era poder.
— Você não o conhece... — cuspi, sem fôlego. Como se adquirissem vida própria, minhas mãos mexeram nervosamente, desenhando inscrições em sangue para deixar uma mensagem a Dante pra quando ele retornasse. Ele voltaria. Ele sempre volta por mim, desde que nos conhecemos.
— E você, cara Diva, realmente o conhece tão bem assim? Então acha que pelo fato de ter dormido com Vergil, sabe tudo sobre ele?
Mordi o lábio inferior, controlando a imensa vontade de chorar. Não queria dar o gosto a ele de aplaudir meu sofrimento.
— Como dois peões, manipulei cada passo de vocês, vendo-os como um mero telespectador caçando as Chaves. O único empecilho foi Dante... Agora ele não será uma preocupação. Ou melhor, nem ele nem Vergil. Nesse exato momento os dois homens que você ama vão se destruir.
Soltei o ar num grito sem fôlego. O sangue borbulhou insistentemente subindo para boca. Tossi uma pequena quantidade e inalei o amargo cheiro de ferrugem. A dor era atordoante, mas milagrosamente não desmaiei.
David riu.
— Arrumei tudo para que eles viessem a se confrontar. E isso os ocupará para que não sintam sua falta. — David empurrou meu corpo para trás com a perna, posicionando-se sobre mim. Seu olhar cintilava com um fulgor maquiavélico. Rejeitei o máximo que pude as dores entorpecentes que sugavam-me para dentro da escuridão. Meus pensamentos não acompanhavam a realidade e o oxigênio se esgotava. Queria mais que tudo ver e os homens que amava com todo meu coração e alma.
— Você deve estar confusa pelo ferimento não estar se curando, mesmo com sua capacidade de regeneração fora do normal, certo? — David mostrou o belo punhal dourado e prateado intrincado por símbolos perfeitamente esculpidos, revelando ser o Punhal da Dualidade, o artefato mais intrigante de todos que encontrara. Manchado com meu sangue. — Uma vez cortado por esse punhal, quaisquer habilidades de cura natural da vítima é parcialmente anulado. Ele atua como uma espécie de retardado.
Mais sangue vertia pelo chão. Meu campo de visão escurecia lentamente.
— Sobre as Chaves, grande parte do que informei acerca delas era verdade, elas servem mesmo para prender uma antiga entidade... Mas não somente isso, no caso serão empregadas para a libertação dele.
— Não! — rosnei, respirando rapidamente.
— Não? Acha que está em condições de lutar?
Arranhei a madeira, riscando o piso. Aquele discurso enlouquecido dele, de alguma forma, em meio à sonolência, agitou meu interior. Tudo estava tão errado.
— Originalmente havia no total, dezesseis Chaves, oito dos quais essa entidade quebrou sozinho — a tontura manifestou-se e cada membro parou de responder aos estímulos do meu cérebro. — Restando oito Chaves. Sete em nossa posse e a mais importante, a última que romperia de vez a prisão no qual meu senhor está enclausurado há mais de trezentos anos por sua culpa. — o sorriso de David desapareceu, dando lugar a uma expressão sombria. — Assim como Arya usou a própria vida para selá-lo, você a dará a sua para libertá-lo.
David ajoelhou-se, debruçando-se ligeiramente sobre mim, erguendo o punhal. Dedilhando o espaço entre minhas costelas apontado a lâmina diretamente na localização exata do meu coração.
— Quem é ele? — questionei.
— Ele é uma das entidades que deu origem ao mundo que conhecemos. — uma dor lancinante fisgou meus sentidos, minha cabeça girava acometida por intensas pontadas. Ele encostou os lábios em meus ouvidos, sussurrando com um tom aveludado: — A escuridão original.
Arfei.
— Não se preocupe, a dor irá passar logo. Eu prometo. Sua morte aclarara uma nova ordem. Seu nome será lembrado por eras pelo sacrifício — David num movimento tempestuoso rasgou o ar com o punhal, mas antes que atingisse seu alvo — meu coração —, ainda tive o ímpeto de resistir. Bloqueando o golpe e segurando o punho dele. A batalha era desigual, uma vantagem para ele, pois minha resposta a sua força elevada equivalia a quase nada. Eu atrasava meu cruel destino por poucos minutos. Tinha plena consciência de que não suportaria por muito mais tempo. Mais e mais a ponta afiada aproximava-se do meu peito. Com os pensamentos frenéticos, recordei dos momentos que vivi e das coisas maravilhosas que ainda desejava fazer. Eles pareciam um sonho distante. Essa não podia ser a imagem que registraria; um assassino sádico prestes a me matar. Cedia a fraqueza por um segundo, aquilo fora o sinal verde para David avançar. A lâmina penetrou meu peito e ainda sendo dona das minhas ações e sentimentos, com o último suspiro de vida tão fraco e indolor, apertei as unhas contra as maçãs do rosto do homem que arrancara minha vida a troco de um mal maior, sem causar dano como gostaria de ter feito.
Então tudo ficou escuro.
***
David limpou os resíduos de sangue que maculavam o objeto recém-retirado do coração mudo da garota caída em sua frente, avaliando seu trabalho de anos concluído. Teve muito cuidado para que o líquido venenoso não o tocasse, caso contrário poderia entrar em combustão ou se petrificar. Para um ser como ele, pertencente a escuridão, um mero contato acarretaria uma reação instantânea, e arriscar não era uma opção viável. Ao menos, toda aquela encenação patética que se viu obrigado a fazer, teve seu merecido fim. Ascenderia seu título como líder dos sete pecados, para o ritual de libertação do seu soberano, há séculos mantido trancafiado nos confins do mundo. Esperando pacientemente o dia que retomasse seu controle por direito de tudo que existia e lhe fora usurpado. Como o pecado do Orgulho daria a seu senhor este prazer, fazendo jus ao seu posto. Não se submeteria mais a farsa de pacifista, provedor da luz e benfeitor. Anos compensados pelo desfecho apropriado a uma procura que atravessou gerações. As Chaves estavam novamente reunidas, porém com seu propósito inicial revertido.
David examinou a jovem: os cabelos castanhos ensopados de sangue tal como suas roupas, seu rosto vazio e o olho vago, sem brilho. Um indício claro que a morte a beijara. Embora a falência óbvia de atividades cardíacas e cerebrais, a alma dela não alcançaria os domínios da post-mortem. Não entregaria levianamente o poder do espírito dela quando necessitava tanto dele. David sorriu ao ler a mensagem borrada, mas legível escrita descoordenadamente no piso. Ela sabia, talvez não estivesse muito ciente disso, sendo a reencarnação de Arya, que esse dia chegaria. O destino dela fora traçado no momento que escolheu renascer. Pegou um fino lençol, enrolando o corpo sem vida da garota, levando-a consigo junto as outras Chaves. Avançou floresta adentro, quase se misturando a névoa úmida que formava um cenário fantasmagórico, sua velocidade desumana aumentava até desaparecer sem deixar qualquer rastro de sua presença.
Seus passos ecoaram pelo extenso corredor composto por paredes de pedra polida e candelabros cujas chamas bruxuleantes iluminavam o caminho. Era frio lá dentro, o som de suas botas esmagando a terra sob seus pés se ampliava e o ar possuía um cheiro abafado de mofo. A porta dupla abriu, o ruído da madeira estalando ressoou, revelando mais seis pessoas no local. Quem desconhecesse as intenções dos presentes, associaria aquele evento a algo sagrado, sobretudo pela semelhança de uma capela. Mais velas circundava-os, agitando-se com o vento que infiltrava-se no espaço fechado. Quadros desbotados cobriam as paredes, representando diversas imagens, uma delas uma idealização da escuridão e outra da luz; do lado esquerdo uma mulher de aspecto nobre trajando um vestido branco atrás de si um campo perfeito banhado pela sua luz no qual pessoas comemoravam alegremente, no entanto, no lado oposto a pintado havia a figura de um homem vestido de negro e as mesmas pessoas que festejavam sob a luz, sucumbiam a escuridão. Acima de suas cabeças o teto alto e abobado, vitrais multicoloridos com um padrão floral opalescente como claraboias. O altar era uma plataforma lívida com palavras gravadas.
O ambiente quieto carregava uma energia espectral sombria e os sete presentes ergueram a cabeça a medida que David andava. Todas indistintamente em suas posições dentro de um círculo, cada um em suas respectivas pontas da estrela e as Chaves estrategicamente condicionadas diante deles. Começando a ordem dos sete pecados em questão hierárquica: Orgulho, Ira, Inveja, Ganância, Luxúria, Preguiça e Gula. Reunidos os Cavaleiros do Apocalipse, servos do deus das trevas. Desenhado, com restos mortais de Arya, no chão uma estrela de sete pontas, simbolizando-os. David retirou o manto que cobria a garota, em seguida, depositando-a no altar. Ela possuía a mesma aparência marcante da vida, exalando calor e um brilho dourado que se apagava. David direcionou-se a sua ponta, entoando em uma língua estranha. As Chaves, como se perdessem a gravidade, levitaram.
— O primeiro portão: aberto — David exclamou, seguido de Thanatos e os demais.
— Segundo portão: aberto — Aspen, o pecado da Ira entoou, sua voz monótona e oca.
— Terceiro portão: aberto — Thanatos, o pecado da Inveja proferiu, baixando o olhar quase como se demonstrassem dúvidas.
— Quarto portão: aberto —Jae, o pecado da Ganância proclamou indiferente.
— Quinto portão: aberto — Amon, o pecado da Luxúria aclamou, lambendo os lábios em excitação.
—Sexto portão: aberto — Abel, o pecado da Preguiça enunciou, soltando um bocejo de tédio.
—Sétimo portão: aberto — Nya, o pecado da Gula disse finalmente.
No sétimo portão, uma névoa escura levemente avermelhada emergiu do centro, ao redor do altar, a própria escuridão sem forma definida. Ele oscilou, olhando a casca semi vazia que lhe serviria como hospedeira, então adentrou o ferimento no peito. Invadindo. Violando. Por fim, tomando posse.
Siento que estuve en un viaje
Eu sinto como eu se eu estivesse em uma jornada
Y que vengo de lejos
E que eu vim de longe
Tanto esperé este momento
Eu esperei tanto para este momento
Ela não viu a luz.
Y no sé si fue obra de Dios
E eu não sei se esta é vontade do Deus
O fue mi voluntad
Ou minha própria vontade
Era isso que esperava ver no outro lado, após morrer. A luz ofuscante, cálida e poderosa. Sempre que relatavam experiências de quase morte, afirmavam que havia a claridade. Ela guiava as almas para o descanso eterno, o destino final. Como um farol em meio as noites escuras que forneciam aos navegantes a segurança de terra próxima, o porto onde desembarcariam. Ao invés disso, encontrou uma campina que inspirava vivacidade: a brisa suave brincava em sua pele, arrepiando-a, e bagunçava seus cabelos, o perfume das flores a envolvia ternamente como abraço materno, as árvores frondosas estendiam-se sobre si, seus pés outrora pesados roçaram no gramado verdejante e o céu tão azul quanto... Algo muito importante que estava esquecendo. Na verdade, ela sentia em seu intimo que ao chegar ali perdera uma parte importante de si mesma. Deveria ser o Paraíso, mas não o seu. Por que estava naquele lugar?
Y juro que pude escuchar
Eu juro que eu podia ouvir
Como en sueños
Como em um sonho
Aquella voz que mi dijo: ¡Despierta!
Aquela voz que me dizia: Acorde!
Y sentí la fragancia
E eu senti o perfume
De un sueño perdido
De um sonho perdido
Estava todo esse tempo andando sem rumo na busca por nada, porém, antes disso tinha existido uma ligação forte que se negava a deixá-la partir. Anexado a ambos os dedos mindinhos, dois cordões: um prateado como a lua, o outro vermelho como sangue com quase imperceptível resplendor prata. As duas pareciam uma ponte para infinitas dimensões que poderia levá-la as outras pontas, daqueles que a mantinha lúcida nesse mundo perdido.
A la deriva entre olas que
Movendo entre as ondas
Vienen y van como sueños mil
Este vem e vai como em mil sonhos
Era estranho não poder mais sentir os batimentos cardíacos, ter um coração pulsando arrebatadoramente em seu peito. Isso significava que a vida que teve até então não passou de um sonho efêmero? Por que não se recordava de como chegará ali?
Puedo traer de regresso a mi
Eu posso trazer à tona
Las memorias
As memórias
Que tengo guardadas muy dentro
Que eu guardo bem no fundo de meu interior
Um primeiro vislumbre captou uma serie de imagens, nele havia dois homens, um de vermelho e outro fisicamente parecido, mas vestido com opulentas roupas em tons de azul. O nome deles emergiu no nevoeiro de pensamentos desordenados e lentos: Dante e Vergil. Irmãos gêmeos,o que explicava a semelhança. Ela sondou as vagas memórias que possuía para saber o quão próximo eles eram dela.
Ultra somnia, ultra memorias
No fim de sonhos, além de memórias
Arbor sacra, mala dulcem, maturum ferens
As árvores preciosas dando doces frutos me chama
Ultra somnia, ultra memorias
No fim de sonhos, além de memórias
Arbor sacra, mala dulcem, maturum ferens
As árvores preciosas dando frutos me chama
Maturum ferens
Elas me chamam
O impacto de memórias que vieram a tona lhe atingiu, fez suas pernas perderem a estabilidade e por pouco não caiu. No mundo de sonhos no qual a jovem viajava, as trevas corromperam, ela nunca pensaria que ele a encontraria ali. Acreditou estar segura, longe de sua influência, mas eles estavam atados. E, agora não podia enfrentá-lo. Sua presença sempre a acompanhara — uma sombra persistente —, desde que se entendia por gente, mas nunca soube o motivo.
Agora, tinha consciência quem ele era, reconheceu-o. O ódio que rompeu séculos. De alguém um dia chamara de irmão.
Si no hay más nada que hacer
Se não há mais nada à fazer
Solo ver la tristeza
Que apenas ver tristeza
Si no hay más nada que hacer
Se não há mais nada à fazer
Sino solo esperar lo que venga
Que esperar pelo que está para vir
Y nos llegue a pasar
E pelo que acontecerá conosco
As árvores de cores bem vividas morreram e a beleza paradisíaca desapareceu, transformando-se na visão do inferno. Ela teve súbita e terrível sensação de estar em meio a um sonho lúcido, onde sabia que estava sonhando, mas não podia fazer nada para mudá-lo ou acordar. E tão repentinamente como surgiu, a escuridão abateu-se sobre ela, engolindo-a.
Tan solo esperar que termine la fiesta
Nós esperamos tanto para a festa terminar
Y nuestra historia se vaya borrando
E nossa história continua desvanecendo
Y nos deje
E nos deixa
Sin nada poder esperar
Com nada à esperar
O silêncio fora substituído pelo martelar acelerado de um coração ganhando vida. A névoa fundiu-se ao corpo, ligando-se a cada terminação nervosa e cada pensamento e respiração para não sobrasse nada daquilo que a garota fora anteriormente, desligando tudo que fazia ser uma entidade individual. Ele deturpou os instintos independentes dela para que seu controle fosse absoluto.
A la deriva entre olas que
Movendo entre as ondas
Vienen y van como sueños mil
Este vem e vai como em mil sonhos
Puedo traer de regresso a mi
Eu posso trazer à tona
Las memorias
As memórias
Que tengo guardadas muy dentro
Que eu guardo bem no fundo de meu interior
Diva enviava memórias para proteger-se da invasão, resistindo a ele. Construindo uma parede entre os desejos e lembranças dela e a violenta tentativa de ocupação indesejável — feita de sensações desconexas e lembranças guardadas em seu interior. Ainda que seu empenho para impedi-lo fosse grande, a vontade dele era mil vezes maior para se apossar de seu corpo e alma. A guerra de consciências era travada longe de espectadores curiosos. Diva não estava em melhores condições e ele, aos poucos, devorava-a.
Alicubi apud memorias longinquas
Em longos intervalos entre memórias
Aliquid intra me espergiselt
Algo dentro de mim acordou
Amorem indulgentiam
E eu finalmente conheci amor, generosidade
Macroem dolorem conguoscebit
Tristeza e dor
Omnia terminabit
Isto guia tudo para seu fim?
David encarou os longos e castanhos cabelos tingirem-se com preto, os ferimentos fecharem e o movimento sutil das costelas com os pulmões puxando ar indicaram o sucesso do ritual. As intermináveis ondas negras ficaram mais evidentes com a palidez, contrastando com o fraco rubor rosa claro nas bochechas dela. Os olhos abriram-se para contemplar a vitalidade, em uma expressão indefinida. A íris mudara também, de castanhos para injetados vermelhos. Cor de sangue. A leveza e fluidez dos movimentos dela eram mais elegantes que uma bailarina, a aura que emanava, embora contida, era esmagadoramente poderosa demais. Nada no céu, na terra ou no inferno comparava ao poder dela, da hospedeira da escuridão encarnada.
Eras semper prope me
Você era sempre próximo de mim
Luro ut esses prope me
Seguramente você estava próximo de mim
Puedo jurar que estuviste si
Eu posso jurar que você estava, sim
Cerca de mi
Perto de mim
David aproximou-se da figura delicada banhada pela luz prateada da lua e dos vitrais. A garota sentou no altar, traçando o contorno do próprio rosto, provando sua vitória e a nova vida que lhe proporcionaram. Deliciando-se com a liberdade que lhe foi tirada pela antiga ocupante do corpo que recusou a ceder e perdeu.
Hay que entender y comprender
Nós temos que compreender e entender
Cuando pecando no cubra con su canción
Quando o pecado nos cobre com sua canção
La tierra sufriá, sufriá, sufriá, de verdad
A Terra sofrerá, sofrerá, sofrerá de verdade
Hay que entender, entender
Nós devemos entender, entender
Curvando-se respeitosamente diante dela, David estendeu uma mão e ela prontamente segurou, permitindo ser guiada a uma janela que dava a uma sacada. Os olhos rubros estreitaram-se dissimuladamente enquanto o sorriso gracioso enfeitava seu semblante.
No olvidos, no
Não esqueça, não
Nunca jamas
Nunca, nunca
Que cielo y tierra
O céu e terra
Y el mar y el sol la vida nos dan
E mar e sol nos dão vida
Dando seus próprios passos, a jovem decididamente caminhou para próximo do parapeito.
— Cuando el color de la maldad (Quando a cor do mal), llene esta tierra (Cobrir esta terra)... Verás Dies Irae* (Você verá Dies Irae), y todo se acabará (E tudo terminará).
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