The Light That Has Lighted The World!
Existem certos detalhes míticos que são mais plausíveis em livros fantasiosos. Entre elas, as mais clichês, pequenas profecias que ocultam uma verdade aterrorizante. São peças de um interminável quebra-cabeça que conforme se encaixam vão ganhando um aspecto muito mais amplo do que sugeria o jogo. Odiava como tudo se desenrolou até o clímax: desde a manipulação de David na busca das Chaves quanto na possessão. Tinha motivos de sobra para detestar cada minuto daquele inferno na terra. Se o famigerado Fim dos Tempos, o Dia da Ira, que se abaterá no mundo for imagem e semelhança do que meus olhos capturavam, no meu limitado e parcialmente ocluído pela umbra, campo de visão, convictamente teria uma noção de quão terrível o possível futuro seria. Nunca estamos realmente capacitados para vivenciar tudo que conhecemos desmoronar como um castelo de areia arrastado pela maré. E muito pior que estar dentro do caos e combatendo a fonte do mal maior, era o destino das pessoas inocentes que simplesmente morreriam sem sequer saber o que as tragou.
As areias do tempo corriam contra nós, uma adversária impiedosa e irascível.
Tomada por uma compreensão infinita, pude através de antigos e empoeirados arquivos de memórias, formular algo coerente o suficiente para superar meus temores. O selo que Lyana introduziu em mim para suprimir meus poderes fora completamente rompido, não havia restrições obrigatórias para diminuir minha aura tampouco as dores para definir onde estava fisicamente autorizada a chegar. A minha disposição, inebriada pelo júbilo febril da liberdade, a paleta de habilidades únicas — um pouco debilitadas devido a minha condição. Partindo do centro do meu peito, se derramando nas fibras e percorrendo os nervos em uma velocidade agradável, o estático fulgor dourado banhado por raios de sol em ressonância na palma de minhas mãos, movendo de acordo com minha vontade, recebeu uma forma rotativa. Modelei-a como Alexander ensinara há anos, naquela época a tarefa tinha exigido um esforço demasiado de mim, mas estava muito habituada com esse poder que o desenvolvi com rapidez, administrando a energia para contê-la na maneira que queria.
O arco fino e de material etéreo, acomodou-se em minha mão e a outra já trazia uma flecha pronta para disparar. Sentia-me orgulhosa dos meus feitos, sobretudo dos dois mestiços que, como uma muralha, amorteciam o impacto da gigantesca bola de energia no estado mais puro. Certamente, se fossem humanos, seus corpos seriam reduzidos a cinza. No entanto, eles também não resistiriam muito visto a agressividade com que a superfície fosca infringia danos severos em suas mãos, dando a real gravidade da situação. Saquei a fina estrutura materializada em uma flecha dourada como a última esperança de finalizar aquilo, agarrando-me desesperadamente nela. O fôlego decisivo; caso não funcione como gostaria as chances de salvar as duas dimensões seriam não somente anuladas como também não sobreviveríamos para arriscar novamente. Precisava que a sorte estivesse ao meu lado para aumentar a probabilidade de sucesso.
— Preste atenção: você, por muito tempo, desprezou a vida de todos os seres vivos e menosprezou seus poderes... Por essa razão estamos aqui para decidir de uma vez. Nunca seremos derrotados por alguém como você!
Enxergando além da cortina de escuridão, mirei e a flecha assoviou fendendo o ar com a ponta afiada, forçando uma entrada. Engoli em seco, e com um rastro cintilante dividiu a esfera ao meio indo em linha reta para o alvo. Ele não demonstrou nenhum traço de surpresa quando fora atingido, era como se estivesse esperando que eu o fizesse. A explosão do poder agora instável lançou-se em nós e mais uma vez Dante e Vergil absorveram todo o golpe. Tudo aconteceu em um intervalo de minutos que mais pareciam horas irritantemente lentas. Se não tivesse visto o espetáculo de luzes e escuridão em ciclo na primeira fila não acreditaria que aconteceu mesmo.
Sebastian recuou, retirando a flecha firmemente enterrada no peito a sangue frio, seu corpo temporário eram filamentos construídos com escuridão, então não teria causado dor a ante a empreitada suicida. Esmagou-a entre seus dedos e em olhar de advertência, subiu ao céu abrindo um rombo na noite estrelada e desaparecendo nas vísceras das trevas. De longe, Thanatos possuía o semblante retorcido um misto de tristeza e a indiferença tangível e seguiu para junto de seu mestre para a fissura exatamente como um soldado à seu superior transmitindo sobriedade e rigidez. Por hora detemos a vitória, mas a paz adquirida duraria pouco e tinha consciência disso — o medo será uma constante incógnita. Sebastian iria atrás do verdadeiro corpo aprisionado e despertaria por completo no auge de seus poderes. Por ter desfeito os dezesseis selos, nada o pararia na cruzada para alcançar seus objetivos. Perguntei-me o quanto ainda podíamos considerar uma conquista nisso tudo, englobando o ocorrido; uma paz fugaz nunca soava agradável. Ousei, nos delírios da adrenalina que se diluíam do meu sistema, assimilar algumas similaridades do que teria que suportar com a Guerra Fria. Na época tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética viviam sob tensão de um conflito direto que nunca houve, mas o temor era extremamente angustiante para as duas potências e ficou marcado na história.
Por enquanto uma batalha seria inviável, embora se fosse o caso a vantagem dele prevaleceria diante da minha fraqueza física. Sucumbi a minha própria exaustão, caindo sobre meus joelhos e respirando pausadamente. A readaptação no meu corpo ainda fazia-me duvidar da minha capacidade cognitiva: meus pensamentos pareciam ratos presos em uma gaiola freneticamente correndo em várias direções procurando uma saída, lutando para escapar de uma barreira invisível e intransponível. Aos poucos se clareava, dando espaço a linhas de raciocínio mais coerente.
— Ele... Ele se foi. Mas a Guerra é inevitável. Ele voltará — a angústia estremeceu meu tom. Apertei as pálpebras, retendo o cansaço. Depois de controlar o peso de não poder mais usufruir de minha coordenação motora graças a incompetência dos meus membros de realizar meus comandos. Olhei para o chão descompensadamente, refletindo sobre o fato visível da destruição do meu mundo. Atheria e Etheria — respectivamente a minha dimensão e a de Dante e os demais — colidiriam, isso somado a ruína desse mundo. Havia distorções no espaço em vórtices surgindo a quilômetros de nós e elas eventualmente se multiplicariam incontavelmente assim não haveria salvação.
A escuridão ainda permaneceu presente, mas sem a ameaça de Sebastian estar por perto. Dante recuperado ajudou para que eu me estabelecesse de pé vacilante, sem confiança nenhuma na firmeza dos meus músculos enfraquecidos. Pequenos rastros de sangue seco tingiam minhas coxas em finos respingos que corriam tanto vertical quanto horizontalmente onde outrora fios negros estavam enroscado e o curto vestido branco rasgado mostrava muito mais pele que gostaria, criando uma fenda reveladora que quase chegava ao quadril.
— Talvez tenhamos apenas ganhado tempo — balbuciei, melancólica. — Uma hora. Um dia. Um mês. Um ano. Não dá pra garantir uma quantidade infinita de tempo antes do fim.
— Não se preocupe com isso. — Dante comentou tentando trazer minha atenção a ele. — Nunca sabemos o quanto falta, já é suficiente estarmos vivos hoje para poderemos lutar amanhã.
Tentei ver aquilo na perspectiva otimista de Dante, ele passou por muito mais coisa que eu nessa encarnação, as palavras dele deveriam surtir como um bálsamo, mas tudo que senti foi um desagradável revirar no estômago e o despontar de uma crise de ansiedade.
Um dos infortúnios de uma reencarnação são assuntos pendentes para resolver, implicando mais especificamente na solução deles. Eu recebi o fardo — suplício — da responsabilidade de Arya. Ela deixou esse legado terrível para mim e a odiava por isso. Não escolhi continuar nessa cadeia de tragédias, simplesmente foi posto nos meus ombros sem pudesse intervir. A história ancestral dela com Sebastian envolviam sentimentos entre eles, ódio e rancor. Embora nas minhas memórias não tivesse muito no que me basear: ele conviveu com ela, matou o clã — exterminando um povo importante —, e iniciou uma guerra no qual as custa da vida de Arya foi selado. Nem sequer tinha mais informações de quem era, de fato, Sebastian. O único modo é vasculhar mais nas lembranças, contudo, não agora — em outra ocasião quem sabe.
Suspirei imersa em um monólogo mental.
Arya tinha sido uma mártir em todos os sentidos desse termo tão obsoleto, renunciou a vida e seus sonhos para que as pessoas tivessem uma chance, proporcionou a eles um futuro e nem ao menos a mencionavam em livros de história. Soava irritantemente heroico e dramático. No entanto, pelo sacrifício dela que pude viver o que ela idealizou anteriormente, cumprindo uma lista de pequenos desejos. Eu fui a versão mais humanizada dela.
Sufoquei um grito de indignação.
Comprimi meus lábios trêmulos, guardando para mim os suaves e entrecortados sons de soluço que ameaçavam sair. Toda a coragem avivada na batalha e a ondulação do poder que residia em mim foram substituídas por um tipo de desânimo incapacitante. Queria ter o cinismo de mentir descaradamente e dizer que tudo que meus olhos viam não era real, mas era e não dava para negar. As coisas ruins e os males mais desprezíveis converteram tudo na minha dimensão um cenário distópico de um livro, e não fora uma ação humana como previram ou agentes naturais a fim de retomar o que a humanidade lhes arrancou. Em minha avaliação insensível da circunstância atual, chequei se teria uma maneira de consertar tudo e estipulei que havia uma pequena porcentagem da população que deve ter morrido nessas violentas invasões e distorções.
Cerrei os punhos, as unhas quase penetrando a pele.
Farfalhar de passos eclodiu, esmagando as pedras em pisadas pesadas e aceleradas. O vento trouxe um cheiro de cinzas e poeira que irritou meu nariz. Sem qualquer aviso, um braço pegou-me e pressionou-me contra si em um abraço desajeitado. Estava desnorteada com a brusquidão do ato que não retribui de imediato. Antes que pudesse conciliar, fui envolvida em outro abraço, um pouco mais apertado. Ao nos separar, reconheci Olly que sorria afável para mim. Meu olhar vagou para cada um dos rostos conhecidos e amigos, um elenco de pessoas que amava.
— É, Diva — Olly começou incerto. — Como se sente sabendo que é amada por todos nós?
Estreitei os olhos, contendo o impulso de chorar apesar das lágrimas arderem esperando o momento para serem libertas.
Estava confusa sobre o que sentir realmente — alegria da reunião ou dor pelo que os fiz passar.
Era um martírio testemunhar o quão longe tinha ido, das atrocidades que fui capaz de cometer inconsciente. Cheguei perto de Nero, ele recuou. Não de medo, mas não queria vislumbrar a culpa nos meus olhos.
— Ao menos posso providenciar isso para você — sussurrei amena. O brilho dourado construiu uma estrutura bem arraigada nos ossos, músculos e tecidos, tomando uma forma mais exata de um braço. Ele abriu e fechou as mãos testando a praticidade das articulações, a mobilidade e a sensibilidade do novo membro. Afastei-me satisfeita por devolver o que lhe tiraram.
— Obrigada a todos por se arriscarem para me salvar — disse em tom abnegado.
— É nosso trabalho cuidar de você — Lyana brincou, afagando meus ombros. — Quem diria que por trás dessa pose pacifista tem uma agressividade pueril.
Encarei sem entender.
— É uma garota dura na queda — Dante acariciou meus cabelos. Não demorou a ele ler minha expressão perturbada.
— Não fique assim, doçura. Encontraremos um jeito para arrumar esse mundo.
Dessa vez ele me abraçou. Era como se estivéssemos nos reunidos após uma eternidade. No entanto, sentia-me mais distante dele do que nunca. Confesso que ainda existia uma pontada ferina do que ele tinha feito há anos, não o abominava por aquilo só não concordava. Ele percebeu minha relutância e, sem questionar, soltou-me.
— Quando isso terminar quero ter uma séria conversa com todos — decretei com um sorriso amarelo. Apoiando-me com o braço esquerdo no abdômen, caminhei para longe. De repente, eu soube o que e como deveria fazer se quisesse salvar todos. Não era que regia minhas ações, e sim a essência como Arya — ou a entidade que representava.
Estendi o braço, fechando os olhos em profunda meditação.
Pronunciei algo ininteligível.
O idioma que me ouvi usar era estranho, muito mesmo. Ainda assim, fazia sentido encontrava fluidez e expressão nele, muito mais que o português ou inglês: suave, refinado e antigo. Aparentemente um contraste com a natureza incorpórea dos poderes, cursando com naturalidade para os meus dedos da mão direita. Uma luz azul poderosa emergiu, mas milagrosamente não doeu em meus olhos. Ela possuía o calor de um dia ensolarado e o brilho do sol a pino.
— A luz que governa a vida — Lyana traduziu.
Centrando o foco em restaurar toda superfície terrestre, percebi o quão fragilizada estava — absorta daquele jeito não vi que não lidaria com a sobrecarga sensorial e física utilizada ali. Grunhi com a dor. Ferimentos abriram-se inclusive velhas cicatrizes, como se todos os machucados sofridos em toda minha vida estivessem vindo à tona enquanto meu corpo iniciava o processo de cura que não era rápido o bastante para acompanhar os cortes que apareciam. A luz perdeu uma ínfima parcela do poder dissolvendo-se, compeli as minhas reservas a me ceder mais energia, na qual não tinha mais como pagar.
Senti o toque reconfortante de uma mão em meu ombro, transmitindo força.
Ignorei as incalculáveis dores, o sangue entravando a garganta e o cérebro desorientado. Parecia que entrava nos domínios da morte, novamente — isso conclui que sou um ímã para situações de risco. O tormento ilusório e as dores era um efeito colateral de se estar morrendo.
Com a igual apatia de um sonho, fui conduzida a um estado de inércia no qual toda energia desapareceu. Tinha conseguido?
Abri os olhos encontrando o céu azul acima de mim, vagamente senti-me flutuar. E com esse pensamento, meu corpo se rendeu ao cansaço sendo amparada por três pares de braços.
— Você conseguiu — Dante parabenizou, sorrindo. — E foi impressionante.
— Que bom — pude dizer sonolenta. — Odeio essa parte. — me referia ao que aconteceu quando fechei o portal há dois anos, dias antes de voltar a essa dimensão. Eu hibernei por dias devido ao demasiado esforço que me expus.
— Durma. Estará tudo bem quando acordar. — Vergil assegurou.
— Eu lembro que devo sentir muita raiva de vocês — houve uma explosão de risadas que apagou qualquer rastro de tensão no ar. — Quando acordar vou brigar muito com vocês... Seus idiotas. Não quero dormir... Quero ficar acordada para...
— Você é teimosa até quando está caindo de sono — Lyana brincou.
— Seja lá o que fizeram, acho que é melhor se prepararem para a fúria dela — Olly acrescentou.
— Já esperávamos isso — alguém disse, mas não reconheci a voz.
— Descanse, Diva.
Foi a ultima coisa que ouvi antes de cair no sono.
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