One Sitting on The Throne of Sins!
Lyana revezou-se entre formular uma tática e, com olhos de falcão, examinar sua adversária. Dissecou seus movimentos, traçando padrões em cada imperturbação involuntária dos músculos tensos, preparando-se psicologicamente para um confronto intenso. Thanatos lhe ofereceu valiosas informações a respeito de Diva e como a resgatariam, atuando como uma espiã no território inimigo sem levantar suspeita — mesmo que suas motivações, que certamente conduziriam a morte caso descobrissem a traição, fossem ocultas —, e apesar de toda ajuda não podia esquecer que ela estava compactuando com o lado errado, era alguém que cruzou seu caminho e não teria outra solução senão feri-la, se chegar ao extremo, matá-la.
Em outras circunstâncias seriam uma aliada de grande estima, no entanto, agora a veria unicamente como um obstáculo a superar. Ruídos de correntes em choque, arrastadas e riscando o material metálico uns nos outros gerando intermináveis e rançosos arranhados incômodos aos ouvidos, a induziu a elevar a cabeça para a mulher atrás de Thanatos que assistia ao embate. Os olhos injetados negros, fundos e vítreos. Via a escuridão profunda e nada através dela.
A sensação sufocante de estarem sob vigilância, como milhares de câmeras invisíveis estrategicamente postas para responder as suas ações e deste modo antecipá-las, lhe trouxe um desagradável pensamento de que o mundo tomado pelas Trevas significasse que a entidade era onipresente e onipotente. A certeza dessa possibilidade atingiu dolorosamente seu estômago como um soco, arrancando todo ar de seus pulmões com o golpe certeiro. Tudo que girava ao redor dele, os destroços de veículos e concreto, entortavam-se com esmagadora compressão e dispersavam em uma confusão desestruturada de estilhaços e poeira.
Um prelúdio do apocalipse.
Não existia mais nenhum detalhe que o distinguia de Diva, era somente uma casca vazia — a alma adormecida sob uma camada de sombras. Os cabelos eram uma distensão de ondas negras mesclando com a aura obscura. Havia vasos dilatados proeminentes ao redor dos olhos, finos e de um azul tenebroso que destacava sob a tez morbidamente clara, fazendo contraste monocromático de tons de branco e preto.
O céu caustico mostrava ser um vendaval de sombras disformes trepidando em inflexível desordem que desfiguravam o mundo: o caos ardeu a medida que a distorção obtinha mais poder. A temperatura diminuira drasticamente, os ventos eram mais potentes e o frio severamente mais dolorido contra a pele desprotegida, quase cortante.
Desde que tomou conhecimento desse fato, do corpo de Diva ser instrumento principal para a liberação da personificação das Trevas — cujo nome Thanatos recusou-se a revelar —, sabia que a tarefa exigiria nervos de aço e determinação inflamável para lidar com o estresse emocional, ainda mais por estarem com vidas de inocentes em risco. Se falhassem a escuridão consumiriam tudo e as dimensões se unificariam, como resultado mais mortes e calamidades. Um preço caro demais para pagar. Estavam dispostos a tudo para remediar a situação o mais breve possível.
Lyana intercalou seu olhar entre Thanatos que exibia um semblante austero e a coisa, inanimada irradiando uma vil aura opressora. Era inegavelmente grandiosa e perversa, quase podia senti-la penetrar sua pele e introduzir-se em suas células indo no mais fundo de si, criando um rastro virulento de ódio irracional. Percebeu, alardeada, que sua aparência humana estava em conflito com o lado demônio, ocasionando uma metamorfose incontrolável e inconsciente. As Trevas, como uma pequena amostra de seu poder, forçava-os a transpor os limites do suplício equilíbrio entre ambos os seres: humano e demônio. A humanidade, supôs compenetrada, era como um símbolo da luz e o sangue demoníaco a escuridão dentro deles. Todos tinham uma guerra interna entre os dois princípios essenciais, porém a luta que travavam não se comparava em absoluto com nada.
Sua mente trabalhou a mil, atordoando-a com a rapidez que seus pensamentos emergiam. Balançou a cabeça, exaltada. Uma memória cristalina suavizou o martírio do estupor: Alexander lhe dera certa ocasião um anel, que segundo ele, conjuraria uma arma. Após a morte dele nunca, em nenhuma hipótese, o fizera. Não era seu costume utilizar armas sendo que seu corpo lhe munia de habilidades necessárias para ataques e defesas, invalidando qualquer tipo de armamento.
Rodou o adereço no dedo anelar agradecendo mentalmente por sempre trazê-lo. Concentrou no mantra de convocação, a apreensão percorrendo todo seu sistema nervoso. Viu a esfera roxa prateada, amolgando-a com o topar de mãos e dali retirando a pequena forma plana e reluzente.
Pegou Vorpal em perfeita sincronia com a ofensiva de Thanatos, as duas lâminas faiscando. Lyana fez sinal para os gêmeos avançarem enquanto ocupava-se com o Pecado da Inveja, que não tentou impedi-los. Vergil estava com a expressão endurecida ao ver Yamato com Thanatos, mas sua prioridade no momento era a entidade. Lyana tiraria a katana da mulher. O impacto das duas forças colidindo expurgou tudo que as cercava para longe. Ambas retrocederam com as espadas empunhadas. Alexander possuía um ótimo tato para presentes, confirmou isso ao maravilhar-se com o quão bem funcionava portando aquela espada. Era leve e compacta para o manejo, resistente e poderosa como deve ser. A Espada Vorpal, apesar do nome, não se tratava realmente de uma espada. Talvez classificasse como um punhal cuja lâmina fosse grande, mas não o suficiente para igualar a uma. Ela parecia uma extensão de seu braço, por isso conseguiu harmonia ao usá-la. Esquivou a tempo antes de receber um soprar dilacerante, que arruinou uma construção alguns metros do ponto onde Lyana estava outrora. Sorriu ao admitir, ao experimentar o jato quente de adrenalina lhe embriagando, que aquela disputa tornara-se atraente.
Grandes pedaços de concreto e pedras foram arremessados contra os dois mestiços, levantando uma cortina bolorenta de poeira e chuva de lascas afiadas. Não era algo muito impressionante, ainda que o tamanho dos destroços tendo eles como desígnio, os retardassem para que não invadissem o espaço que, de fato, representaria um risco real. Ao redor dela, em uma rotação anormal de correntes de ar, tudo desintegrava, transformando-os em partículas tão diminutas que nem com a visão mais aguçada que de um ser humano conseguiria discernir. Se quisessem ultrapassar essa restrita defesa, teriam que desestabilizá-la, criar uma distração eficiente para desorientá-la e assim transgredir sua linha de raciocínio. Extraí-la da zona de conforto seria uma tarefa árdua, e se decidisse avançar ciente dos planos deles tornaria o processo todo muito mais complicado.
Identificaram que o que a mantinha levitando eram teias desenvolvidas com fios de cabelo negro, posicionando-a no lugar. Dante não tinha visto muitas vezes Diva praticando sua capacidade psíquica, mas pelo pouco que testemunhou dos exercícios mentais exigia níveis diferentes de concentração dependendo de como o executaria. Suas emoções também agiam como uma influência direta na manipulação dessas habilidades, e nunca imaginou que fosse chegar tão longe. Tampouco que usufruiria delas para atacá-los, embora a verdadeira Diva não estivesse no controle.
— Essa forma lhe cai bem, assim fica mais fácil terminar com você — Dante comentou mordaz.
Abalos de terra decorrentes da pressão exercida por ela, derrubaram as precárias construções que ainda mantinham-se em pé juntamente com uma densa nuvem de fumaça. Partes do relevo terrestre chocaram-se, outras se separavam e resvalavam, obrigando-os a levantar voo. Os tremores tornaram-se mais frenéticos, a vibração propagando-se através de sinuosidades no solo.
Ela lançou uma rajada elétrica de energia psiônica rubra em direção a ambos, culminando a explosão trovejante do contato com o solo danificado. Houve outra violenta explosão de detritos: rochas deslocando e quebrando, rachaduras indo a diferentes direções e abrindo fissuras. Dante arriscou, sacando Ebony e Ivory, disparar na garota. Talvez pudesse derrubá-la com troca de fogo. Os sons de tiros cortaram a quietude melancólica. Os projéteis pararam ficando uma longa distância dela e vaporizaram.
— Durona, não é? — Dante contornou, guardando as armas, um ricto sarcástico em seus traços.
— Vai precisar de muito mais que isso para me parar — declarou com sobriedade.
— Talvez não — Dante rebateu, sério. Seu semblante endurecido e resignado. — Vou te expulsar do corpo dela de uma forma ou de outra. Nem que pra isso tenha que usar a força.
Dante voou, sua aura flamejante cobrindo-o. Vergil tomou a frente interrompendo o impulso suicida do irmão, que estivera prestes a entrar no maior foco de influxo destrutivo. Dante sentiu a ação da manipulação dela sob si também, a pele de sua mão estendida revestida com o couro da luva abriu-se, os tecidos decompondo-se dolorosamente.
— Em algum lugar, Diva ainda está aí. Se estiver me escutando, acorde!
A Escuridão converteu o poder em várias ondas energéticas escarlates que caiam em incisivos ângulos no intuito de fechar o cerco, deste modo incapacitá-los. Mais pedras e carcaças de carros pairavam acima deles movidos por telecinesia, sendo jogados sem parar.
Dante trocou olhares com Vergil, sorrindo em cumplicidade.
Vergil convocou milhares de espadas espectrais azuis, focalizando-os na garota e enviando-as em um rompante destruidor. A Escuridão não moveu um músculo para escapar, optando aguardar imóvel o desfecho do calculada e improfícua investida. As espadas simplesmente esvaeceram sem esforço e sem sequer penetrar os seus domínios, em contrapartida, outras semelhantes ressurgiram em retaliação. Irrompendo em uma poderosa tempestade de feixes dirigidas aos gêmeos. O desafio maior seria que ambos tivessem a sorte para sair ilesos, caso contrário, ficariam irreconhecíveis.
Esperou pacientemente que eles viessem, mas Dante e Vergil não emergiram das sombras, não retornaram. Não captou nenhum som. Seus olhos varreram toda extensão do local.
— Ah... — arfou, seus lábios contraíram em horror mudo, um único gesto realmente articulado por ela.
Estava tudo tão errado.
Havia matado eles?
Um sentimento estranho agitou-a por dentro, um ramo espinhento de desolação e profunda devastação enredando como ervas daninhas, multiplicado pela culpa. Olhou para as mãos com o fulgor vermelho doentio e sombrio, pulsando fervorosamente. Era uma mera espectadora — o termo prisioneira encaixava-se mais adequadamente a sua condição —, no próprio corpo enquanto via tudo que prezava naquele mundo sucumbir.
— Não! — emitiu em um sussurro fraco. — Não! — Um grito estrondoso surgido do coração sufocado pela tristeza e impotência. — Não!
A consciência de Diva sobrepujou a dele — a angústia fez com despertasse momentaneamente. A palavra morte minava em seus pensamentos desnorteados e fragilizados, parecia que estava presa em um pesadelo sem se dar conta de como sair. Uma cadeia de acontecimentos errados e inevitáveis rondando no ciclo de carma no qual fora inserida. Não obstante, que ela mesma orquestrou sem sua vontade. A veracidade da constatação lhe causou uma dor imensurável, o golpe excruciante direto no coração como uma ferida intratável invisível a olhos, porém tão terrível quanto um corte físico. Ela removeu o escudo de frieza e encorajou que outras emoções lhe tomassem, aquecendo-a. O peso do remorso, as lágrimas guardadas, vieram com força para atordoá-la. Respirar era um ato torturante: o ar corrosivo invadia seus pulmões em brasas impossibilitando a passagem de oxigênio.
— Dante... Vergil...
Seus membros travaram, recusando as ordens recebidas, tremendo diante do abalo mental sofrido. Não merecia o amor deles se os matou sem piedade. Podia ver escorrendo em linhas finas e frescas o sangue como se os tivesse matado com suas mãos. O líquido derramando pelos braços e pingando no chão, no afloramento abaixo de seus pés.
Lágrimas correram sem parar.
Aproveitando da compulsão de fúria borbulhante, retraiu-se tencionando os músculos, sentindo a queimação de poder crescente prestes a entrar em combustão. No entanto, as labaredas da raiva e terror dela logo formaram chamas altas, um combustível para alimentar o poder dele.
Não tinha como parar. E não queria.
Um rugido cru e sangrento vindo do centro do seu espírito, subindo seu peito e saindo rouco pela garganta inflada. O gelo em seu peito aflorou, congelando as lágrimas. Não pensava. Era incapaz de guiar-se, de processar os eventos com clareza. O clamor de sua indignação animalesca encheu seus ouvidos, e o sabor amargo saturou sua boca. Ocorreu-lhe repentinamente que, se desejar, poderia destruir tudo. E era isso que ele queria. Aquilo doeu. No entanto, a dor física não se igualava a dor em seu coração, de tê-los perdido.
Se satisfaria com a ideia de que não teria mais nenhuma vida pra lamentar nesse mundo quando acabar com tudo.
A dor latejante em seu cérebro de duas forças antagonistas em combate obrigou-a a pôr as mãos na cabeça, os dedos afundando nos cabelos negros, na vã tentativa de abrandá-la. Não conseguia abstrair-se dele, nem sabia onde começava e onde ele terminava. O desejo dele tornou-se o seu desejo. Sentia-se mais como um animal, tomado por emoções fortes o bastante para corromper seu senso lógico.
Thanatos e Lyana recuaram, o poder descontrolado tirou o foco da luta.
Aquilo que a sustentava não existia mais e seu corpo caiu rolando nos protuberantes seixos, à queda lhe rendeu ferimentos superficiais na pele macia. Agora a luta era só dela, tanto pra recuperar-se do trauma quanto para reivindicar seu corpo, mesmo que por vagos minutos. Cambaleou para um declive irregular, sentindo mais afetada que gostaria.
Seu estado poderia ser assemelhar a um zumbi: mobilidade lenta e reflexos fracos.
— Eu disse que funcionaria — a voz afirmou em júbilo.
— É impressionante que tenha conseguido pensar em algo assim — replicou a segunda voz, seu tom era áspero e indiferente.
Diva endireitou-se vendo os dois mestiços aproximando-se, a princípio seu instinto rugiu para que fugisse, mas suas pernas adquiriram consistência de gelatina. As chamas escuras a envolveram protetoramente, instituindo a mudança gradativa de alma. Eles não podia mais perder tempo, se não tiverem sucesso tudo que conhecem vai acabar. Sumiram do seu campo de visão, reaparecendo exatamente poucos centímetros dela.
— Dividir e conquistar — Dante anunciou.
Ofegou surpreendido. Um ruído gorgolejante.
Olhou para baixo, onde a nova dor eclodiu.
Enfiado no seu peito estava uma faca dourada.
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