Bridge To Nowhere!
Quando se é pega de surpresa e nem sequer tem devido tempo para conciliar uma situação perturbadora, qualquer gesto é considerado um risco — uma verdadeira ameaça, seja físico ou mental. Ainda mais sendo o adversário em questão ser uma cópia exata de si, porém uma versão do gênero filmes de zumbi muito antigo e igualmente assustador. Não estranharia se ela não possuísse coordenação motora para investir diretamente contra mim, era como ver um cadáver quebrantado e sem estrutura para ficar reta.
Se Vergil tivesse razão, aquela mulher e o homem fossem guardiões da Excalibur, não seria tão difícil alcançá-lo afinal. Embora estivesse apelando para uma postura defensiva, não esperava ter um grande esforço para combatê-la. Entretanto, espantada, a figura feminina avançou ligeiramente a meu encontro, seus movimentos enérgicos e fluidos. Eu preparei-me para o impacto do primeiro golpe ao notar sua aproximação sedenta de agitação implacável, disposta a trucidar aquilo que lhe for um empecilho. Ao observar seu corpo, poderia prever seu ataque sem receber danos sérios, contudo, ela escapou do meu ângulo de visão, reaparecendo perto o bastante para me matar antes que pudesse tentar impedi-la. Ela fechou os punhos e mirou no rosto sem hesitar, desajeitadamente bloqueei-a com os braços e nessa brecha momentânea, desferiu um chute duro e certeiro no estômago. O ar fugiu dos meus pulmões e a dor lancinante me obrigou a curvar o corpo, estava atordoada e sentia a necessidade de recuperar o fôlego, mas era ciente que a outra não daria trégua.
Recuei alguns passos, fazendo o possível com o pouquíssimo tempo que detinha para ter melhores condições para revidar. A mulher impaciente atirou-se ferozmente na minha direção, ela estendeu a mão projetando-a como se estivesse prestes a invocar algo, tudo que senti fora a corrente de ar jogando-me num declive de pedras irregulares e minimamente pontiagudas. As dores na cabeça e em cada músculo gerado pelo contato bruto, deixaram-me mais tonta, quase incapacitante demais para tolerar. Não satisfeita, lançou-se assídua num violento soco, e com as energias que me restaram rolei para fora da sua mira pouco antes da monstruosa força criar uma pequena fissura no chão pedregoso, pedras e poeira choviam no ar.
Ela não brincava em serviço, se o propósito era querer me matar está indo muito bem, visto que mal me aguentava em pé sem apoio. Saquei de imediato a pistola do coldre, visualizando a mulher como um dos alvos de treinamento de tiro e apertava o gatilho sem pestanejar. Talentosa e ágil, ela esquivou das balas como uma contorcionista habilidosa. Nem chegaram a lhe tocar um centímetro que fosse. Praticamente descarreguei o pente inteiro para detê-la, ao menos parar que viesse novamente a mim. Eu teria que calcular metodicamente os minutos de diferença para pôr outro pente na pistola sem permitir baixar a guarda, ainda ser sagaz para arrumá-los adequadamente sem perder o foco. A mão livre ocupei para pegar a munição, sem tirar os olhos da adversária, colocando-a em pleno ar. Havia sido perfeita, não tinha como cometer erros. No entanto, num curto — ainda menor — espaço de segundos ela já se adiantara, sua mão atravessara meu peito antes que esboçar uma reação aceitável. Não senti dor alguma, ainda que visse que aquilo de ilusão não tinha nada. Ela sorriu satisfeita vendo quão bem sucedida tinha sido, os olhos brilharam através do breu.
Larguei a arma que despencou num baque sonoro escorregando para um vão escuro. A cópia desapareceu em uma cortina de fumaça preta e vermelha, feito uma explosão de areia. A princípio denominei o fato como uma coisa boa, que além de estar viva, os problemas decorrentes a minha clone malvada esvaneceu com ela.
Ledo engano.
Abruptamente reclinei meu corpo para trás pela súbita e atordoante pressão no coração, atormentada para pensar em uma explicação lógica para tal. Não possuía mais controle sobre meu corpo que se debatia freneticamente para libertar-se do sofrimento que comprimia meu peito ou, ao menos, amenizá-lo. Meus batimentos cardíacos tornaram-se mais sôfregos e vertiginosamente dolorosos, e embriagada no terror, notara que minha palidez usual estava sendo substituída por manchas negras e vermelhas como pequenas queimaduras que desenvolviam sem ímpeto, consumindo tudo. Minha boca mexia-se debilmente, a saliva acumulando-se e vazando pelos cantos. Meus músculos travaram e endureceram incapazes de fazer qualquer comando imposto pelo meu cérebro, este lutando para submergir em meio à sensação horrível de estar tendo um ataque do coração.
A compressão que o acometia parecia o esmagar em todos os simples exercícios de pulsação, exatamente como se alguém o apertasse nas mãos e prestes a esmigalhá-lo. Uma estranha força esmagadora aplicada nele. A mão esquerda enforcava fracamente minha garganta. Ouvi vagamente os clamores de Vergil, sua voz mais distante. E, de repente, entendi que estava dentro de mim, algo que também se manifestava ali. Naquele momento, quando a outra penetrou meu peito pôde abrir caminho para dentro do meu corpo, um parcial domínio dos meus atos. Embora tivesse comandos de meus pensamentos, não se inteirava em meu corpo. Eu me trombava deliberadamente nas formas rochosas e pilares deformes, mais agitada quanto pensei ser possível. O grito sufocado na garganta, querendo sair. O aperto intensificou-se mais, e eu não tive escolha senão parar de enfrentar e resignar-me para o fim. Lentamente recolhi-me até repousar por completo no chão gelado, exausta demais. Guiada por um empenho fortalecedor e vindo do mais profundo de mim, olhei para minhas mãos e as trouxe ao rosto, convicta do que tinha que ser feito. Puxei para fora a massa vermelha e negra que se desfez.
— Não me subestime... Não vou morrer agora... — afirmei entre tosses, o gosto amargo de sangue invadindo minha boca.
— Adiar a própria morte é tolice! — ela rebateu ríspida. — E, ainda não terminou, menina. Enquanto estiver aqui vou impedi-los de tirar a Excalibur desse lugar!
— Então terei que eliminá-la. — respondi sem rodeios. — Vamos pegar Excalibur nem que tenhamos que nos matar no processo!
— Irá se arrepender de tais sandices, criança.
— Vai para o inferno... — vociferei conservando a pose audaciosa.
— Ora, olhe em volta... — ela sorriu perversamente — o inferno é aqui.
A despeito de estar nas piores condições para iniciar o segundo round, ousei mentir para mim mesma em nutrir a fé de que, independente do como seria, resistiria a qualquer desafio atribuído. Meus pulmões ardiam pelo ar que os preenchia, fadigoso e ácido. Ainda assim, me pus prontamente para proteger-me e contra atacar caso houver necessidade. Munida com a pistola extra que sobrara no coldre e contando mentalmente minha desvantagem, pois não tinha mais tantas balas para usufruir num tiroteio. Com opções escassas quase nulas, conclui que os intervalos entre os disparos e meu raciocínio decidiriam qual alcançaria a almejada vitória. E para complicar mais, a outra também possuía uma pistola que, muito diferente de mim, livremente atirava com o intuito de causar o máximo de estragos e, por consequência, me aniquilar.
Não estava plena para evadir sem me ferir, certamente um beco sem saída. Vergil ainda mantinha-se ocupado enfrentando o tal Sparda, tendo mais complicações que eu. Ele olhou de esguelha para mim e voltou a confrontar o hostil inimigo, combatendo-o e detendo sua espada antes que pudesse atingi-lo em cheio e sem misericórdia. Fazia o melhor para escapar da mira sem me comprometer, o terreno em si era um obstáculo significativo: a penumbra engolia cada parte existente ali, a temperatura amena que se convertera em frio impiedoso, a variação constante na umidade do ar irritava meu nariz, o chão arenoso com microrrelevos escoava águas fluviais e afloramentos que constituía uma aparência pesada à paisagem fechada, para meu desgosto meus pés sempre pisavam em falso nas inclinações escorregadias. Precisava me abrigar e planejar apropriadamente algo para inverter os papéis para me favorecer. Um dos inúmeros projéteis passou de raspão em meu pescoço quando mergulhei num forte rochoso, minha correntinha se rompeu e rolou para beirada de uma semi-fenda. Em pânico, na insana intenção de pegá-lo de volta, me expus à morte certa, bravamente na batalha para alcançá-lo. Aceitaria tudo, menos perder aquele adereço que para mim é essencial. A outra pisou duramente em minha mão, grunhi em dor e pesar, ela tornava meu esforço em falhas patéticas.
— No fim o sacrifício para nada... — murmurou inexpressível. — A carne morre, todavia a alma renasce, então retorne ao mundo dos mortos. Aqui não é seu lugar e, mesmo sendo a minha reencarnação, não tem direito de tirar a Excalibur e quebrar o selo... Não posso permitir que Ele reviva nesse mundo! Jamais!
— Reencarnação? — repeti perplexa. Essa palavra despertou questões que vieram para assolar minha mente. — Não, isso não importa!
Reuni meu empenho para refazer a mesma energia poderosa que, por algumas ocasiões, deu-me habilidades sobrenaturais. Experimentei o prazer do domínio absoluto do meu potencial, o poder que nascera bem fraco ganhava mais eficácia na velocidade que se expandia, girando em espiral para fora do meu corpo no formato oscilante e imponente de aura dourada. O poder tórrido exalava em meus poros, de maneira maleável. No segundo que a oportunidade surgiu, agarrei a corrente e em um pulo articulado arremessei-me bestialmente contra a cópia, nós duas rolamos nas pedras. Conduzida pelo anseio de concluir minha meta e a adrenalina miraculosa, atravessei o peito dela com a mão do modo como fizera comigo anteriormente, porém tinha o objetivo de matá-la sem retardos. A surpresa estampou seu semblante, em seguida, seu corpo dissolveu-se em sangue. Passado os efeitos da energia, as dores me tomaram com tudo e senti que desfaleceria a qualquer momento. Respirando pesadamente, escalei os afloramentos para chegar ao nível onde Vergil estaria, sendo uma tarefa árdua, visto que usava uma mão para tal finalidade.
— Fico feliz que esteja bem — suspirei confortada ao ver Vergil estendendo a mão para me elevar. Se não fosse por ele, não resistiria subir mais. O estado de Vergil nem se comparava ao meu, seus ferimentos eram graves, aliás, devastadores. E lhe faltava um dos braços, algo que me tirou algumas lágrimas. Vergil que se recusava a olhar diretamente para mim, estalou a língua.
— Não chore, estou bem. — repreendeu. — Agindo dessa forma, parece que estou sentenciado. Apenas perdi um braço.
— Sinto muito... — enxuguei minhas lágrimas, meu corpo não obedecia mais adequadamente os comandos do meu cérebro. Rasguei a manga do casaco que vestia — que estava em frangalhos — para estancar o sangue e impedir que tivesse uma hemorragia, a quantidade de sangue que escorria do ferimento e misturava-se a água expunha o quão sério era, cobrindo-o num curativo improvisado.
— Eu queria poder fazer mais por você... — sussurrei tristemente, forçando o poder a retornar e utilizá-lo para curar Vergil, a crise de tosse fora imediata e violenta.
— Já é o suficiente, temos que prosseguir. — percebendo minha dificuldade e esgotamento que me obrigava a, praticamente, permanecer paralisada, colocou-me nas costas. Senti um pouco de culpa por submetê-lo a isso, ainda que estivesse com dores cruéis que devoravam meus músculos e impedia-me de mexê-los, Vergil não se atinha a detalhes, se adaptando formidavelmente a amputação da metade do braço, inclusive sua capacidade física era sempre assustadora. Para não tornar a circunstância um verdadeiro martírio para ele, com resquícios de força que detinha, circundei meus braços nele apoiando meu rosto na curvatura do pescoço. Minhas pálpebras pesavam e a custo as mantive abertas, a vontade de dormir era um luxo no qual não poderia ceder. Foquei meus pensamentos em coisas mais produtivas, como prestar mais atenção ao trajeto que Vergil fazia para a abertura da gruta. Eu cogitei a possibilidade de estar delirando ao notar que o ambiente mudou repentinamente, deparava-nos um corredor sinuoso do que assemelhava a um hotel velho e deteriorado.
— Esse lugar é estranho — ponderei cansada.
— Tratando-se de uma distorção abrasiva, não me surpreenderia.
— Poderemos encontrar de tudo, creio eu.
— Provavelmente...
— Isso torna tudo mais bizarro.
O cheiro de mofo impregnava o ar justificando o porquê das paredes outrora brancas estarem manchadas. Conforme Vergil caminhava, uma razoável quantidade de água respingava ocasionada da sua pressa. Havia uma porta de madeira antiga que rangeu alto quando a abrimos, o cenário seguinte era o hall de um legítimo hotel: uma extensa escadaria se direcionava imponente ao andar superior, móveis corroídos pela umidade bastante presente em todo canto e inúmeras portas. Vergil parou no centro enquanto preparava-se para subir as escadas, a fadiga que camuflou ficava óbvia.
— Me desculpe por isso — lamentei culpada.
— Poupe-se, não estou cansado por levar você, mas existe algo em mim... — parou e tomou fôlego — que preciso constantemente combater e que drena minhas forças. Mesmo tendo consciência disso, não posso conte-lo por completo — acrescentou.
— É sobre aquilo que houve naquela vez? — questionei sonolenta. — Quando encontrou com... Dante?
— Isso é de antes, por alguma razão que desconheço, ele vive aqui almejando liberdade.
— Não seriam fragmentos do seu passado esquecido?
— Não posso ter certeza, ao menos não enquanto tiver sem memória.
A nuvem da inércia pairava sobre minha cabeça, queria dormir e esquecer o que acontece em meu entorno. Totalmente embriagada de sono, entorpecendo meu foco. Se não fosse o calor corporal de Vergil que irradiava, o vento gelado martirizando minha pele através da roupa. Estava sendo embalada pela agitação dele que nem notara onde localizava-nos, rumo que tomamos a partir da longa escadaria em diante não passavam de rápido vislumbre. Confiava que Vergil pudesse trilhar seu curso regido pelo bom senso de direção, ou que achasse facilidades para tal. A sutil cortina de vapor deslocava-se sorrateiramente, o ecoar das goteiras eram contínuos e incômodos quando formavam poças. Instintivamente me apertei a Vergil e ele parou de andar. Uma melodia doce atrai-nos por meio de intermináveis percursos; mais corredores cheios de mofo e musgo, alas vazias e úmidas com móveis distribuídos desordenadamente e área macabras e obscuras.
— Algum problema? — perguntei ao senti-lo travar.
— Segure-se — pediu, então num impulso se prontificou a acelerar suas passadas até incitar em uma corrida frenética. Olhei por cima do ombro, atrás de nós tudo se desfazia na escuridão. Agilizando seus movimentos para finalmente encurtar os poucos centímetros que nos separavam da salvação, Vergil se içou para dentro do cubículo metálico enferrujado antes de termos o destino semelhante a todo resto daquele local. O elevador tremeu e desceu turbulento. O perigo passou, por enquanto, permitir relaxar um pouco ainda que seja por um curto período que pretendia aproveitar. Senti uma carência esquisita e incompreensível após o medo se diluir, quase como se quisesse prolongar o contato com Vergil sendo intencionalmente ignorante aos riscos que surgiriam.
A proximidade enaltecera meus sentidos; a audição aguçada captava o farfalhar das nossas roupas e sons suaves das nossas respirações, o cheiro inebriante e instigante que ele exalava mexia com o que sobrara da minha consciência, e eu o tocava como se descobrisse uma nova e gostosa textura. Meus devaneios foram interrompidos pelo jato de água gélida assim que as portas metálicas se abriram, logo o espaço diminuto se encheu. Sem se abater, Vergil se encarregou de fazer caminho cruzando a correnteza. O pavor se alojou e tive outra descarga de energia em meu interior, a aura dourada iluminou o estreito corredor e nos esquentou o bastante para não sucumbir à hipotermia.
— Eu sinto... — arfei pela vibração que se emitia pelo ambiente, ardente e que me chamava. — Estamos perto...
Vergil se apressou apesar dos abalos truculentos das águas. Ergui a mão e a aura ressoou de mim para a única porta indicando por onde prosseguir.
***
A pesada porta de madeira maciça se fechou, inibindo qualquer mera tentativa de fuga.
Uma passarela aberta se desdobrou perante nós, não existia nada além daquela minúscula forma de travessia. E nem conseguimos enxergar o outro lado por conta da escuridão irrestrita, tudo que conhecíamos era a construção atrás de nós — agora cerrada — e sob nossos pés a inexistência do solo. Assustadoramente nada abaixo de nós, somente as trevas que engolia tudo. Não era confortável ver aquilo, eu tinha pavor irracional de altura e sem dúvida não amenizava estar parados ali, decidindo se devemos ir ou não. O ressoante poder se intensificou e me incitava a andar para chegar ao fim. Devido à natureza daquele lugar, o ambiente comprimido e desconexo é provável que estivéssemos fisicamente mais perto da lendária Excalibur, em ultima instância o pilar que sustenta todo esse caos.
— Ah! — sibilei pasma. — Ali, Vergil, estamos muito perto.
Apontei convicta para frente — sou quase uma bússola.
Vergil persistiu designando-se na passarela, que nessa ultima parte de expedição faça todo sacrifício valer a pena.
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