Texto 10
Anoitecer Vermelho
Capítulo 1
— Os mais fortes e capazes, sobrevivem para fortalecer o país! Essa nação perpetuará sobre meu comando, se blindem contra mentiras vermelhas, saiam e mostrem a eles como cidadãos de bem conquistam, na força no braço! — O pronunciamento termina focando no sorriso autoritário do presidente antes do símbolo do governo militar aparecer travando o meu smartphone sucateado, espero ele desaparecer por alguns minutos, tempo precioso para alguém como eu, tempo é dinheiro, dinheiro é vida, escassa e dura. Olho ao redor, o metro treme, o cheiro de ferrugem pairando no ar enquanto essa grande minhoca de ferro velho se arrasta pelos trilhos velhos, cortando a cidade. Está lotado como sempre, diversas pessoas exalando exaustão e odor de suor se aperta, aqui em meu canto duramente conquistado nas primeiras horas da madrugada, penso no tal pronunciamento, o olhar assassino do presidente, se ele soubesse como é realmente a vida fora de seus palácios de mármore, talvez.. não, não posso me enganar, não como os outros. Aquele homem sabe muito bem o que acontece nas ruas castigadas pelo vírus mortal, nas periferias gigantescas onde a tecnologia ainda está presa nos anos 2000, onde a comida é item de luxo. Ele sabe, mas não se importa, alguém como ele governa os ricos, não gente como eu, que tem que ignorar as normas de saúde, me arriscando nas ruas tóxicas para poder conseguir um pouco de alimento cheio de pesticidas venenosos.
— Você viu? — Uma voz seca soa atrás de mim, me viro encarando Jack, meu melhor e mais antigo amigo balança seu próprio aparelho.— Esse imbecil continua a cuspir bobagens. Mais fortes sobrevivem, uma ova. Por que ele está trancado em casa, então? Não passa de um..
— Psicopata covarde? — Digo e vendo seu sorriso aumentar.
— Sem dúvida, alguém que ignora morte de milhares de pessoas, só pode ser um.
— O que ele é não importa, e sim o que ele representa.— Digo observando quando o metro para, e as pessoas se amontoam na saída, como nos filmes de zumbis que a anos lotavam salas de cinema. Cinema, algo preso em minha memória, lembro de eu e Jack pequenos, nos enchendo de pipoca e nos esgueirando entre as poltronas confortáveis procurando o melhor lugar para assistir filmes badalados de Hollywood. Já faz tanto tempo. Hoje em dia, poucos ainda lembram das salas de cinema lotadas, da emoção dos filmes. Algo tão diferente de nossa atual realidade. O único lugar que mais de 5 pessoas podem ficar reunidas é esse maldito trem, ou nos edifícios de trabalho telefônico, enlatadas como sempre. Não existe mais laser, não para nós.
— Antônia? Alô?— Dedos estralando em meu rosto me tirar de meus pensamentos.— Vamos, se chegarmos atrasados dessa vez..
Eu não quero nem imaginar. Pego minha bolsa puxando a máscara que consegui de um mercador, o vidro está rachado, por isso foi mais barato, não que isso importasse, se mantinha meu rosto livre do contágio, estava ótimo. Jack faz o mesmo que eu, ambos saímos junto com as pessoas, seguindo passinhos de tartaruga para fora das antigas estações subterrâneas. Meu celular vibra.
" O Ruan disse que ouviu a patroa dele dizer, que vai ter uma grande festa dentro do palácio da República. Vai ser em algumas semanas."
Estanho, tal coisa não é feita desde que éramos um país livre, antes do vírus. Mais mensagens chegam, assim que chegamos na rua. Os estabelecimentos e prédios abandonados, lacrados com milhares de cartazes desgastados sobre o vírus, sobre como unidos mudaríamos o mundo, chega a ser engraçado. Como se ricos fossem capazes de se unir com algo além de seu dinheiro.
" Ele disse que é para celebrar a união do povo."
" Os importantes irão estar lá, seria uma boa oportunidade para sacodir as coisas como nos velhos tempos."
Só se ele nos colocar lá dentro, paro antes de entrar no enorme complexo de cubículos, olhando ao redor, o céu azul contrastando com todo esse cinza. Como se a vida insistisse em resistir, se recusando a desaparecer nesse inferno. Jack tem razão, um evento tão importante, seria uma ótima oportunidade para lembrá-los que ainda estamos vivos, que mesmo o governo tentando nos esmagar, silenciar, ainda somos uma pedra afiada em seu sapato caro. E o mais importante, vai servir para lembrar ai povo exausto e abusado, mesmo aquele iludido pelos pronunciamentos ridículo do presidente que não estão sozinhos e desamparados como acham. Um estalo soa em minha mente, começo a digitar rápido antes dos celulares serem confiscados.
" Diga a para nos colocar lá, vamos lembrá-los como se faz uma festa de verdade."
Jack acena, seus olhos brilhando insanos por trás dos óculos protetores, mesmo sem ver sua boca, sei que está sorrindo. A antecipação começa a ganhar vida em minhas veias mais uma vez, caminho para mais um turno abusivo e exaustivo, ligo o computador velho, me logando ao sistema, em minha volta o som dos atendimentos ecoa, junto com o tosses secas aqui e ali, sinais do vírus, rio sem humor, o serviço de atendimento aos ricos não pode parar, custe o que custar. Digito o código sempre mutável e mando uma única mensagem que se espalha pelo país inteiro.
" Em dias, o noitecer será vermelho."
Em um piscar as visualizações saltam, e milhares de quadrados vermelhos começam a brutar, subir na tela como um enchame de formigas de fogo. Deleto o histórico e sorrio, é o suficiente.
Começo o atendimento, com o coração acelerado, em dias vamos mostrar a república o que é união de verdade.
Capítulo 2
Ando pela grama verde, segurando uma bandeja de merda. Minha pele esta arrepiada de puro asco ao olhar seus sorrisos brilhantes, vestidos e ternos caros, pedaços de pano que tenho certeza que alimentariam uma vila inteira. Se me deixar levar, quase posso fingir que nada aconteceu, que estamos no mundo de antes, que fora daqui as pessoas estão em bares, bebendo, se divertindo, e não trancafiadas em seus barracos presas pelo medo de sairem e caírem doentes. Aqui do lado de dentro desses muros altos de mármore puro o vírus é ignorado como o povo faminto e miserável lá fora. Me aproximo da mesa coberta de comida, itens que nunca vi antes, nem mesmo quando criança, avisto Jack ele sorri e flerta com outros garçons, não preciso nem me aproximar para saber quem é.
O homem de cabelos loiros se vira e me encara, a cicatriz vermelha em seu rosto é irreverente, sua cabeça se inclina, acenando, palmas soam, a atenção de todos é chamada para o palanque, o presidente vem apertando as mãos e beijando o rosto cheio de maquiagem de todos.
Não seria uma pena se um desses estivesse infectado? E a pele dele apodrecesse ali mesmo na frente de todos?
Meu corpo impulsiona oara frente me aproximando em transe, o homem sorri e faz gentos marcantes, todos estão atentos demais a ele para notar que garçons atrevidos também se aproximam pelo lados rapidamente, como vultos na escuridão.
— Querido e amado povo! — Sua voz ecoa pelos alto falantes, os telões gigantes ao lado do palanque focam em seu rosto, todos podem ve-lo e ouvi-lo, tenho certeza que essa palhaçada está sendo transmitida obrigatoriamente em todos os aparelhos do país. É perfeito. — Hoje celebramos o renascer dessa terra, agora putificada pelo bem maior! Bebam, comam, cada um de vocês aqui presente merecem todo o louvor, depois de tanto trabalho duro, de esforço, merecem os frutos divinos!
Meu estômago embola, mas ao meu redor todos compram essa baboseira, ele continua a falar, mas paro de prestar atenção, foco em meu dever, deixo que todos peguem as taças de minha bandeja, cada vez mais, observando quando eles ingerem o álcool como se fosse água pura encontrada em um deserto. A música pulsa em sincronia com as batidas frenéticas em meu peito, antecipação pulsa. Quase lá, apenas mais alguns.. como se puxada por um ímã, vejo um vulto surgir atrás do presidente, mesmo longe posso ver seus olhos fixarem nos meus, a marca vermelha em seu rosto se retorce, um sorriso, o general da resistência sorri, em sincronia minhas mãos se movem para minhas costas, sinto os elétrodos, mas espero, preciso ver antes disso chegar em seu ápice. O presidente bebe uma taça de champanhe batizado, a feição torcendo, sera que ele percebeu o gosto amargo do morte? Não importa, ele se vira e continua seu discurso, mas não dura, não porque o lider finalmente se move, meu olhos fixam atentos quando o tiro único explode, diretamente na cabeça do desgraçado.
O vermelho pulsa forte e vivo, os gritos são canções perversas e contagiantes, o choque é grande demais, os telões continuam a emitir o sinal por todos os lugares, mostrando o corpo caido, o sangue pintando os companheiros de palanque, então o caos quente e pulsante como a massa cefálica que certamente está espalhada pelo chão do palco. É Perfeito, hipnótico. A justiça é feroz, ensandecida, a correria começa, a multidão em roupas de grife começa a correr mas não vai longe, me viro e vejo Jack próximo, seu sorriso e encantador, seus lábios se movem, um adeus, uma saudação? Não posso saber, não importa, cumprimos nosso propósito, lá em cima uma lua vermelha ilumina o caos, aperto os elétrodos em minhas costas, e quando o calor emana de meu corpo e lanço um desejo para essa lua.
Recomeço.
Tudo explode, em fogo e sangue.
Dias depois.
—Nossos irmãos sacrificaram suas vidas ela causa, lavamos a sujeira com sangue e fogo, um novo amanhecer começa hoje, para todos. Você que está assitindo isso, não tema, a fome, a doença, tudo está com dias contados, a ajuda chegara a cada um, isso não é uma promessa fútil e vazia. É um dever assinado com sangue e justiça, somos a nação vermelha, unidos sobreviveremos, lado a lado somos fortes.
A transmissão é cortada, aos poucos a esperança começa a brotar, primeiro em poucos então se espalhando, mais rápido que qualquer vírus. O céu pintado com cores vivas e quentes, exatamente como a revolucionária sonhou em seu último suspiro.
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