Foram as vozes que escreveram este conto
Inspirado em fatos reais
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Olá.
Desculpe.
Ignore a primeira frase. Eu e ela fizemos um acordo de nunca apagarmos nada que a outra escrevesse. Nem ela pode me impedir e nem eu posso impedi-la.
Mas eu gostaria de conversar com você apropriadamente. Eu sei o que está pensando: qual é a ideia dessa autora? O que é que ela está tentando fazer? Não estou tentando fazer nada, fique tranquilo. Como você chegou aqui? Foi por um link? Viu um post em alguma rede social? Foi uma notificação, um ponto vermelho sobre um sino? Você é amigo de um dos nossos amigos escritores? Você está seguindo as regras?
Bem, deixe-me ser sua amiga. Seja meu amigo. E eu lhe contarei alguns segredos interessantes que o manterão ligado pelos próximos 10.000 caracteres.
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A autora deste conto, bem, não estava em seu juízo perfeito depois dos desenhos.
Vou lhe contar do começo.
Há um fantasma em meu quarto. É um quarto branco, com rasuras e tinta descascada perto do piso. Tem uma cama e uma escrivaninha, um banheiro e um espelho na parede. Às vezes, quando eu olho muito no espelho, bem perto de meus olhos que são negros, eu vejo um movimento. Uma sombra. Alguma coisa que não sei bem reconhecer, mas me parece familiar. Às vezes, ele me sussurra algumas coisas.
"Ei, mocinha", ela diz. "Linda garotinha que escreve poemas. Vamos brincar?"
E às vezes, eu deixo o demônio entrar. c0Mo 4G0r4
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Estamos em nosso quarto branco de tinta descascando, sentadas à escrivaninha dupla ao pé da janela. Nosso quarto fica no segundo andar. Moramos em uma república com outros dezessete estudantes universitários, empilhados em suas pequenas imitações de casa e privacidade. Nossa casa, casinha de boneca, tem uma cozinha, um quarto e um banheiro. Mas tudo bem, porque não precisamos de sala. E o espaço que eu ocupo é pouco. Eu não sou a mocinha escritora de poemas que se senta à escrivaninha ao pé da janela. Eu sou a outra. Sou a sombra no canto do olho dela. Sou o movimento do espelho. Sou essa com quem você está falando agora.
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Numa noite de quarta-feira, lá pelas nove ou dez, debruçadas sobre o tampo da mesa, nós riscamos o papel chamex, o barulho rangente do lápis dando forma a uma criatura grotesca. Para cria-las, precisamos encontrar os modelos perfeitos, mas não temos que ir muito longe para isso. Há três deles bem aqui. Ao alcance da mão. A primeira delas é nossa melhor amiga.
Raquel, eu diria, é a personificação da pressa. É uma moça bonita e alta que estuda engenharia. Ela tem um problema... ela precisa viver tudo e tem que ser agora, ao mesmo tempo. E ela acha que todo mundo vai morrer por causa de uma gripe. Às vezes, ela fica no meio da noite perambulando, sem conseguir dormir e as vozes dela sussurram: faça isso, faça aquilo, faça agora, faça tudo para todos ao mesmo tempo. E isso a sufoca. Mas ela consegue mascarar bem seus demônios nos dias da semana.
Como a vizinha do 21, nossa outra melhor amiga, Anna. Uma moça de cabelos encaracolados com a vida perfeita, com horários bem estabelecidos. Acorde às seis, faça café, vá para a aula. Estude. Envie relatórios. Faça o jantar. Tudo no horário, nada fora do lugar. Limpe. Limpe. Nada de germes. Se uma gripe for matar a nós todos, ela será a última a morrer. E isso a impede de lançar-se, às vezes, e viver.
Herbert é o terceiro, nosso melhor amigo. Um rapaz magrelo com uma namorada muito gentil. Herbert é todo braço e maquinações. Fala demais. O tempo inteiro. E nunca presta atenção a nada. Faz o que quer sem pensar muito isso atropela as pessoas ao redor dele. E isso atropela ele mesmo.
Já nós... nós somos um pouco indecisas. Às vezes, somos isso e aquilo ou isso ou aquilo. Ou nenhum dos dois.
Então, começamos a desenhar. Numa noite de quarta-feira, para espantar o tédio, começamos a desenhar os distúrbios mentais que estudamos essa semana na universidade. Nós achamos que se dermos forma a eles, podemos entender melhor como visualizá-los e, quem sabe... tratá-los.
A primeira criatura é uma coisa meio humana, presa por uma grande mão agarrando sua cintura, três mãos amarrando cada um de seus braços. Um punho se enfia em seu peito e esmaga seu coração. Ela não tem nariz. Tem boca, mas não tem cordas vocais. Não tem olhos. Há um saco de plástico envolvendo toda sua cabeça. Quando terminamos, escrevemos seu nome logo abaixo de sua figura.
Transtorno de Ansiedade
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A segunda criatura era toda olhos. Não havia quase parte humana nela. Havia olhos em seus braços, olhos em suas pernas. Olhos seu tronco e rosto. Havia olhos até em seus olhos. Todo o seu corpo treme. Olha por todas as partes. Sempre os mesmos movimentos repetidos. Abaixo, colocamos seu nome.
Transtorno Obsessivo Compulsivo
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A terceira criatura tem braços. Muitos braços. Centenas deles abrindo-se de seu tronco magro. Se movem. Nadam no ar desesperados. Também tem muitas pernas. Elas correm. Caem. Levantam. As cabeças a todo lado. Olham tudo. Não veem nada. Veem tudo. Não entendem nada. Abaixo, seu nome:
Transtorno de hiperatividade e déficit de atenção
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Nós paramos no terceiro desenho e nos espreguiçamos, saímos da cadeira. Vamos a cozinha, tomamos um café. Suspiramos. Quando passa pelo espelho, ela me vê. Já não somos nós. Somos eu e ela. Eu me pareço com ela. Tenho os mesmos cabelos escuros, o mesmo rosto jovem. Mas meu sorriso é melhor. Até meu olhar é melhor. Ela se senta lá, frente ao espelho e fala comigo.
— Como faremos o próximo desenho? — eu pergunto. — Uma garotinha bonita com um buraco no peito?
Ela suspira e engole saliva.
— Qual você acha que é o transtorno que melhor nos define? — eu pergunto. Ela pensa por alguns instantes.
— Transtorno bipolar? — ela chuta.
Eu sorrio e digo que não:
— Eu conheço você melhor do que isso. Vamos, de novo.
Ela esmorece, curvando nossos ombros.
— Transtorno dissociativo de identidade...
— Quase lá. Eu quero saber que tipo de distúrbio v0C3 tem.
Ela abaixa os olhos negros. Nesse momento, me agrego aos sentimentos medíocres dela e deixo de ter voz. Quando ela volta a olhar o espelho e me traz de volta, parece temerária.
— Síndrome do pânico.
Eu bato palmas. E sorrio.
— Qual você acha que é a minha desordem? — pergunto.
Ela morde a língua, mas não desvia o olhar. E me deixa existir.
— Transtorno de personalidade antissocial.
Eu faço uma careta. Me levanto da cadeira e me aproximo dela o máximo que posso. Estou dentro dela e estou tão longe.
— Você devia ser mais gentil comigo, mocinha. Sabe como é viver presa? Não dá pra respirar. Não dá pra falar. Sabe como eu gostaria de tomar o seu lugar e prendê-la no escuro, fazer você desaparecer?
Ela se encolhe.
— Eu não tenho medo de você — ela diz.
— Está enganada. Você tem medo, você quer fugir e se livrar, mas você nunca vai poder deixar a si mesma para trás.
Estamos nessa há muito tempo. Estamos aqui, empilhadas uma na outra em nossas imitações de casa e privacidade. Mas consigo sentir os medos delas e são muitos. Fantasmas com forma. Escuro, traição, solidão. Tristeza constante. E medo. Muito medo.
Eu sou ela. Mas também não sou só isso.
***
Os desenhos estão colados nas paredes. L1GU3 P4R4 05 M3U5 P415.
Ouço um barulho e depois um apagão. A rua inteira está um breu. A companhia de energia dessa cidade é ridícula. Não demora muito, alguém bate em minha porta. Deve ser Raquel. É sempre Raquel, reclamando que a falta de luz vai atrasar os trabalhos dela. Ou falando de algum garoto bonito que viu na universidade.
— Entra — eu digo. E ouço o rangido da porta seguido de passos. — Você tem velas na sua casa, Raquel? Meu celular está descarregado.
Os passos entram em meu quarto. Não vejo nada. Só um breu.
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— Eu não conS sigo respIrar... — diz a voz. Parece a voz de Raquel, mas está rouca... e esganiçada. E abafada. Eu me levanto da cama onde estava deitada.
— Raquel?
Sinto suas mãos em meus ombros. Grandes mãos que me seguram. A figura entra em um feixe de luz que vem da janela. Vejo-a parcialmente. É grotesca. Urgente. Desesperada. Seu corpo se enrosca e se contorce. Está cheio de mãos por toda parte. Mas não tem rosto. Não tem olhos e nem nariz. Seus cabelos são puxados por muitos dedos.
— eU nAO C0nsIgO R35P1raR — ela diz. — P0rqU3 v0C3 n40 M3 D35enH0U c0m uM n4R1z?
Eu não consigo respirar. Conforme a criatura me aperta, todo o ar me falta. Esperneio e me remexo, estou sem voz.
"Livre-se dela", sussurra a voz na minha cabeça. "Mate-a".
Eu a empurro e tropeço como um porco meio abatido até a escrivaninha. Minhas mãos urgentes encontram a tesoura ao lado do notebook, onde deixei salvo o início do conto que escreveria se minha outra eu não tivess..
Eu afundo a tesoura no pescoço do monstro. O sangue esguicha no ar. Sal e ferrugem. Ele cai grasnando aos meus pés, tremendo como um porco completamente abatido.
Não fui eu que fiz isso.
Eu nunca poderia ter feito isso.
Sou uma covarde.
Foi a outra.
Só ela pode...
O monstro cai sob o feixe de luz da janela. Não é monstro nenhum. É Raquel. O cabelo castanho agora é ruivo. Ela tem nariz e boca, lindos olhos escuros. Ela só não tem vida.
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Eu não consigo respirar. Minha boca nem se abre.
— O que... você fez? — Eu sufoco.
— Eu? Eu não fiz nada — diz a garota do outro lado do espelho de meu quarto. — Você fez. Você matou sua melhor amiga.
Eu tento respirar.
A escuridão me afoga.
O cheiro de sangue me esmaga.
Quero gritar. Alguém está tapando minha boca.
Eu saio como uma louca da minha casa, casinha de boneca. Arrasto-me pelas paredes, pelos corredores, rastros de sangue atrás de mim, até o 21. Anna... Anna pode me ajudar. Anna sempre sabe o que fazer. Anna sempre faz tudo direito.
Eu bato em sua porta. TOC! TOC!
Alguém abre.
Eu tento falar. Não consigo respirar. TOC! TOC!
Mas vejo olhos. Muitos deles. Infinitos. Grandes. Pequenos. Azuis. Vermelhos. Amarelos. Não, está errado. Está tudo errado. Tudo está fora do lugar. Toc. Qual o padrão disso tudo? Toc. A criatura na porta é quase humana. Mas não chega a ser humana. Ela desafia qualquer senso de padrão e estética. Toc. Ela me dá ânsia. Toc.
Minha tesoura se afunda nela. Uma vez. Duas vezes. Uma vez para cada olho. Eu a desmancho como confete. E seu sangue respinga como fogos de artifício.
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Nos reflexos das lajotas das paredes, eu vejo minha sombra.
Tento falar.
Ela é quem fala.
Está usando meu corpo.
Eu é quem estou no reflexo da parede.
— Todos os seres humanos são um amontoado de monstros — ela diz. — São problemas com ossos. Um ninho, um criadouro de distúrbios.
Ela se levanta. A criatura no chão é minha outra melhor amiga, Anna, que riu comigo em uma feira de livros e me ajudou com a mudança quando vim morar aqui.
V0lt3!, eu tento dizer. Mas me tornei uma sombra em minha própria cabeça. Meu corpo se move e não sou eu que o comando. Me tornei um dos meus distúrbios.
— Quem é o próximo? — Minha sombra ri, enquanto desce as escadas. — Herbert?
***
Você acha que está tudo muito confuso, não é?
Você não consegue entender um terço do que foi dito? O objetivo desse conto nunca foi você entender nada. Não pense em mim como outros autores que você leu. Eu não gosto de contar histórias — essa aí é a outra de mim — eu só gosto do medo.
Quem sou eu? Quem sou ela?
Você não vai saber. Você está muito confortável em seu lar, 0ND3 V0C3 35T4 PR350 P0R 0RD3N5 4LH3145, F1NG1ND0 6U3 V0C3 P0D3 S0BR3V1V3R.
Já eu e ela... Somos uma e outra, ou uma ou outra, ou nenhuma das duas. Se você nos encontrar na rua... ou se falar conosco por mensagem, tenha o cuidado de saber com quem de nós está falando.
A outra gosta de escrever livros. Eu gosto de matar pessoas.
E você? Do que você gosta?
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