Do vazio para lugar nenhum
Alessa abriu os seus olhos devagar e se deu conta de que estava em um ambiente que não conhecia e muito distinto de sua casa, o que a fez sentir um turbilhão de sentimentos em seu coração. Nesse quarto de cores opacas e pouco mobiliado, a sua memória não a estava ajudando para que ela conseguisse reconstruir em sua mente o percurso que levou de sua antiga casa até esse novo lugar. Um barulho de muitas vozes, Alexandra gritando o seu nome e uma queda repentina.
— Olá, querida. Sente-se melhor? — disse uma mulher baixa, magra e de pele parda entrando no quarto. Alessa não fazia ideia de quem era a mulher, mas a pergunta realizada por ela fez com que Alessa saísse do seu estado de adrenalina e começasse a sentir dores pelo seu corpo; doíam especialmente suas costas e suas pernas, o que a fez recordar da queda que sofreu quando estava sendo retirada de seu antigo lar. Lembrou-se, ainda, de sua irmã, que vivenciara tal evento com ela.
— Onde está a minha irmã? — questionou sem responder à pergunta anterior.
— Nós precisamos que você se recupere antes de te responder — respondeu a mulher saindo do quarto e fechando a porta atrás de si. Ao sair, entrou uma segunda pessoa, dessa vez um homem com uma barba extensa e volumosa. Sem dirigir a voz a Alessa que permanecia deitada, o homem se aproximou e começou a movimentar as pernas da moça que estavam esticadas na cama, como quem queria ajudá-la a retomar os movimentos. Então, a jovem logo respondeu com um murmúrio de dor.
Esse segundo homem saiu e entrou uma terceira pessoa. Entrara agora um adolescente curioso que sentou ao pé da cama onde estava a moça e tentou conversar com ela, a fim de estimular a memória de Alessa. O menino alto, de cabelos enrolados e magro como os demais que entraram no quarto, fez perguntas básicas, querendo saber o nome da moça, sua idade, do que gostava de fazer e de onde ela era. Alessa respondia às perguntas vagamente, mas quando questionada de onde era, a moça deu uma pausa em sua voz e não respondeu, ao passo que o menino se levantou e saiu, também fechando a porta.
Ora, o que se faz quando tudo se vai em pouco tempo? Quando o pouco tempo é suficiente para se esquecer ou então romper com um passado não tão distante e que em instantes já não existe? De uma hora para a outra, Alessa se via perdida, num estado de questionamento sobre a própria vida, sem saber onde estava e com uma memória rasa de onde vinha.
Tudo parecia estranhamente novo para Alessa, como quem nasce outra vez, mas tardiamente e num contexto sem celebrações. Ela não sabia o nome do lugar onde estava e nem o nome das pessoas que a havia acolhido. Além disso, estava longe de seu antigo lar e de sua irmã, o que a fazia sentir uma permanente vontade de chorar, mas segurava o choro, pois era uma adulta e não mais uma criança. Assim, quando o adolescente saiu do quarto, ela foi se levantando aos poucos para tentar compreender melhor o que estava acontecendo do lado de fora e se Alexandra, sua irmã, estaria por lá numa situação melhor do que a dela ou dando risada dizendo que era apenas uma brincadeira.
Com muita dificuldade, Alessa conseguiu se levantar, porém percebeu que os seus movimentos estavam limitados, o que a fazia pensar que aquilo tudo não era uma pegadinha. Portanto, teve de ir se movimentando lentamente, segurando-se nos poucos móveis que haviam naquele quarto gélido. Todavia, quando finalmente chegou na porta, virou a maçaneta e se frustrou ao notar que a porta estava trancada. Tentou chamar por alguém, mas sem sucesso. Aquela ausência de respostas e explicações esmagava o ser de Alessa e a fazia se sentir mais sozinha do que nunca se sentira antes.
A jovem então se sentou ao pé da cama onde antes estava deitada e ouviu alguns passos se aproximando da porta. Logo, percebeu que os passos eram da primeira mulher que havia entrado no quarto para saber se ela estava bem. Do lado de fora, a mulher repetiu a mesma pergunta que fizera quando Alessa acordou.
— Querida, sente-se melhor? — perguntou com a sua voz rouca.
— Onde está a minha irmã? — Alessa repetiu a mesma pergunta anteriormente feita. A confusão que sentira ao acordar agora se transformara em raiva e desconfiança das pessoas daquela casa. Todos esses sentimentos refletiam no seu físico que se contraía, aumentando ainda mais a dor que ela já estava sentindo antes. Assim, a mulher que lhe falava do lado de fora, abriu uma fresta da porta e voltou a perguntar:
— Sente-se melhor ou não?
Nesse momento, Alessa aproveitou a fresta da porta aberta e foi caminhando lentamente em sua direção, sem movimentos bruscos para não assustar a mulher que poderia simplesmente fechar a porta novamente. Chegou perto da porta e, finalmente, pode abri-la com o pouco de força que lhe restava. Entretanto, ao olhar a imagem do lado de fora, ela desejou nunca ter aberto aquela porta. Na verdade, o seu susto foi tamanho que ela já se arrependia de ter aberto os olhos.
Alessa se deparou com o homem de barba volumosa e o adolescente ensacando o corpo de Alexandra, sua irmã. Alessa, com seu corpo raquítico por natureza e debilitado por conta de todas as coisas que vivera nas últimas horas, foi desfalecendo aos poucos até se encontrar no chão, com as mãos cobrindo o rosto e as lágrimas que caíam sobre ele. Finalmente, a sua confusão, tristeza e solidão se externaram e ela chorou desconsoladamente. Posto a sua fraqueza, a moça chorou sem exprimir uma só palavra enquanto levavam o corpo de sua irmã para fora da casa.
Então, a mulher tomou Alessa em seus braços e a levou para o sofá da sala. O homem e o adolescente entraram na casa de mãos vazias e se sentaram juntamente às duas. Ao passo que a moça retomava o fôlego, observava a casa agora do lado de fora do quarto. Era um ambiente não muito diferente do que já tinha visto: cores opacas e cômodos pouco mobiliados. Toda a casa parecia sem vida e muito antiga.
— Querida, nós encontramos vocês duas caídas próximas a um antigo vilarejo aqui da cidade. Estávamos lá em um passeio para conhecer pontos históricos da cidade, uma vez que aquela região se tornou conhecida após o confronto que houve entre políticos e civis quando anunciaram o início de uma pandemia que ocorreu há muitos anos atrás, como você deve saber. No entanto, durante o passeio nos deparamos com vocês duas próximas ao rio. Então trouxemos vocês para a nossa casa, aqui no centro urbano. Sua irmã, infelizmente, não sobreviveu a queda que vocês possivelmente sofreram da altura de uma árvore. Tinha mais alguém com vocês? Vocês por acaso moram naquela região?
— Eu não me lembro — respondeu Alessa secamente. Não se sabia ao certo se sua resposta vaga era por desconfiança ou se o trauma levara suas recordações do que aconteceu antes de sua queda com sua irmã.
— Vocês tinham uma família? — perguntou o homem dessa vez.
— Eu não sei. — Outra resposta vaga saíra da boca de Alessa.
— Você deseja voltar para lá e ver se consegue retomar alguma lembrança ou encontrar um conhecido? — perguntou a mulher.
Voltar para lá. O que isso de fato significava? Alessa não tinha forças físicas ou mentais para reconstruir um "lá". Sentia-se obrigada a recomeçar sua vida a partir de um vazio em seu coração e em sua memória. Todas essas coisas passavam pela cabeça de Alessa para que ela conseguisse ao menos responder à pergunta que lhe fora feita. Se ela respondesse negativamente, para onde ela iria, afinal de contas? Se respondesse positivamente, ela iria para um outro lugar estranho, do qual não se recordava.
— Sim — respondeu, finalmente.
Os três moradores daquela casa então se entreolharam e começaram a organização para retornarem ao antigo vilarejo para que a moça pudesse relembrar de algo. Isso demorou poucos minutos, apenas o tempo de pegarem um casaco, alguns documentos e saírem, indicando para Alessa onde pegariam o carro. Alessa, por sua vez, sentia-se ainda fragilizada em todos os sentidos, principalmente em seu emocional, uma vez que a presença daquelas pessoas supostamente solícitas não abafava a solidão que ela sentia. Bem, Alessa sabia poucas coisas desde que acordara, uma delas era que o rompimento com pessoas e com um passado causava dores em todos os lugares, desde os visíveis até os invisíveis.
Entraram todos no carro, Alessa notou que o dia estava chuvoso e com poucas pessoas nas ruas. Ao passo que eles passavam pelas ruas, a moça assimilava as coisas com muita dificuldade, pois de todas as coisas que ela via poucas lhe eram de fato conhecidas. Ela sabia sobre a dinâmica das pessoas em sociedade, mas aquela sociedade urbana lhe era distinta e por mais que se esforçasse para se recordar de algo a partir do que via no caminho, não tinha muito sucesso.
Com isso, Alessa foi em silêncio durante todo o caminho, assim como os demais passageiros e o motorista. Todos demonstravam grande apreensão a respeito do que encontrariam e se essa jornada levaria a algum resultado positivo ou não. Tudo ali era desconhecido: Alessa não conhecia aquelas três pessoas; as três pessoas não sabiam quem era Alessa. Estavam ambos indo de encontro ao desconhecido, logo, com poucas perspectivas do que encontrariam.
Dessa forma, após a viagem de cinquenta minutos até o antigo vilarejo onde Alessa foi encontrada, estacionaram o carro, desceram todos do automóvel e o homem foi guiando os demais até o lugar onde Alessa havia sido encontrada junto com a irmã. Durante o trajeto agora a pé, todos esperavam uma resposta de Alessa afirmando o reconhecimento do local. Todavia, o silêncio da moça não era apenas constrangedor como desesperador para todos. Então, chegaram finalmente no rio e a pergunta que todos queriam fazer foi feita pelo adolescente:
— E aí, moça, você se lembra desse lugar? — disse com a curiosidade de antes.
— Sim! — respondeu Alessa para o espanto de todos. E continuou: — Obrigada por terem me trago até aqui. Consigo traçar o caminho de volta. Minha casa fica um pouco mais à frente. Podem voltar tranquilos.
Portanto, cederam rapidamente ao pedido da moça, uma vez que aquela havia sido a única fala objetiva e concreta de Alessa até então. Retornaram para o carro e a jovem ficou parada observando os três voltarem para onde o carro estava estacionado. Entretanto, enquanto os três se distanciavam, algumas lágrimas percorriam o rosto de Alessa, pois a verdade é que ela não se recordava de absolutamente nada. Não havia nenhuma casa mais à frente ou alguma lembrança de um caminho de volta. Alessa exprimia o sofrimento da solidão. Não havia nenhuma companhia concreta, seja física ou mesmo algum fruto de sua memória.
Enquanto se abaixava para tentar relembrar daquele lugar com o tempo, ouviu passos ligeiros vindo em sua direção. O adolescente que estava ali há poucos minutos voltara para lhe oferecer um casaco, posto que o clima era chuvoso e frio. Ao perceber que a moça não havia se movido para lugar algum, inferiu que, na verdade, ela não tinha um lugar para voltar. Então, chamou a moça para voltar para o carro junto com ele e esperar até o outro dia para tentarem novamente.
Alessa voltou para o carro e voltaram todos para a casa onde a moça acordara. A moça se viu, portanto, obrigada a recomeçar uma vida que ela mal conhecia, apenas com a certeza de não ter mais a sua irmã consigo e de não ter uma perspectiva do que viria depois. Tentar de novo amanhã. O que eles tentariam, afinal? O que era o amanhã? Alessa ainda tinha muitas perguntas, mas por ora resolveu aceitar que a solidão e a incerteza te acompanhariam numa jornada desconhecida. Definitivamente, a falta de recordações do passado apagara qualquer expectativa de futuro e seria assim que Alessa enfrentaria o "amanhã".
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