Charlotte começou a recontar suas tuppewares, franziu a testa confusa ao parar novamente no meio da contagem; elas estavam todas bagunçadas, com tampas trocadas e a Page tinha certeza de que pelo menos três das que estavam ali não eram suas.

- Você está com aquele olhar paranóico de novo.

Piper passou por trás dela, em direção à geladeira para pegar uma garrafa de água.

- Você levou comida para alguém nesses dias? - indagou, ainda observando as vasilhas em cima da mesa.

Eram de vidro, uma coleção que a havia feito parar no meio do shopping e comprá-las. Naquele instante sentiu a idade pesar em seus ombros, parecia sua tia Mindy quando via uma promoção.

- Eu não cozinho, Char, então não tem nem o que levar pra alguém.

A Manchester afirmou, se distanciando da amiga, porém parando no limiar da cozinha e virando-se rapidamente com um olhar provocador. Charlotte sentiu seu olhar sobre ela, nem ergueu a cabeça, sua amiga não precisava de mais incentivo.

- Então... - a ruiva começou, apoiando-se de lado na parede. - Você vai ter um chá da tarde amanhã com sua sogrinha?

- É só um chá, não um compromisso de fidelidade eterna com a família do Henry. - começou a organizar as tampas para guardar tudo.

- Vai só você e ela?

- Tia Suzy também vai. - respondeu em automático, Piper não iria parar o interrogatório até que soubesse cada detalhe.

- Tia Suzy? - deu ênfase de maneira astuta.

- Ela pediu para eu chamá-la assim. - justificou, olhando por cima do ombro antes de voltar a organizar os armários. - E antes que você fale, não vi dona Sofi ainda.

- Então nada de chamar ela de vovó? - a provocação veio quase cantada.

- Não vou fazer isso, parece tão pessoal e não sei se vou conseguir sendo que nem sei o que é... isso entre o Henry e eu.

- Não finja que não sabe o que está acontecendo. - pediu, bufando inconformada. - Vocês estão namorando, simples assim.

- Estamos nos conhecendo. - corrigiu, cruzando os braços ao encará-la.

- Vocês foram namorados, depois noivos, terminaram, deram um tempo ou que merda tenha sido aquilo e agora estão namorando de novo. - enumerou nos dedos, sua empolgação aumentado a cada segundo. - Vocês são a minha história favorita de amor. - declarou por fim.

Charlotte se sentiu meio envergonhada, desviou o olhar e arranhou a garganta antes de tentar falar de maneira indiferente.

- Eu não amo Henry Hart. Só estou meio apaixonada. - alegou, saindo da cozinha e para longe do olhar acusador de Piper.

- Sei...

A Manchester a seguiu, resolvendo não pressionar a melhor amiga, evitando assim uma discussão desnecessária. A Page seguiu direto para seu quarto, havia tanto para ser arrumado e ela ainda tinha que organizar suas aulas para o dia seguinte. Teria folga pela parte da tarde, porém no sábado iria ter uma reunião com os pais, ou seja, seria um dia cheio de discussões e petições.

- Ei, nem te contei. - Piper correu à sua frente, pulando de joelhos sobre a cama. - Sabia que vou participar do desfile de ano novo daqui da cidade?

- Sério? Isso é incrível.

- Mais que incrível! Essa é a minha oportunidade de ouro. - afirmou, suas mãos gesticulando no ar tamanha a sua animação. - Finalmente eu vou parar de fazer comerciais estranhos que só fazem sucesso nas cidades conservadoras do interior. Chega de escovas de dentes pra cachorro, desfiles de moda country pra dez pessoas ou viagens para marcas estranhas.

- Até que a última não era tão ruim. - opinou, recebendo uma careta de indignação.

- Aquele cara fazia roupas de borracha! E nem era borracha bonita e sim partes daqueles negócios que a gente... enche... pro pneu encher!

Charlotte riu, sentando ao lado dela e dando tapinhas carinhosos em sua perna.

- Ah, querida...

- Não! Não ouse usar seu "ah, querida". - ironizou sua fala. - Isso é muito condescendente e me faz parecer uma criança de seis anos.

- Minha criança de seis anos. - garantiu, a puxando para um abraço apertado. - Você é uma modelo incrível e sei que sua imagem vai mudar.

- Espero mesmo, Char. - soltou um suspiro cansado, apoiando a cabeça em seu ombro. - Já estou ficando exausta de ser conhecida como a mulher da galinha roxa.

Charlotte se afastou rapidamente e a encarou curiosa.

- Como assim?

- Nem ouse. - apontou o indicador em seu rosto, ficando vermelha ao vê-la tentar segurar a risada.

- Não sei do que você está falando. - se fez de desentendida para conseguir escutar a história.

- Sua traidora. Nem contei ainda.

Tentou acertá-la com um travesseiro, mas Charlotte foi mais rápida e praticamente pulou para longe. A Page gargalhou quando se viu ser perseguida por uma Piper meio contrariada. E olha que ela nem sabia da história ainda, mas com certeza iria descobrir.

◇ ◇ ◇ ◇ ◇

- Acho que esse é fofo.

Chloe pegou um ursinho de pelúcia de aproximadamente uns trinta centímetros na mão, ele era verde escuro com bolinhas em um vermelho vivo e possuía um chifre dourado bem no meio da testa. Henry encarou a amiga em descrença, sabia que ela tinha um gosto bem questionável para decoração, porém aquilo era para seu sobrinho e ele não podia deixar a criança já nascer com pesadelos.

- Acho melhor não. - tirou o urso das mãos dela e o devolveu à prateleira.

Chloe estreitou os olhos em sua direção, a máquina que servia para marcar os presentes para o chá de bebê apontada para ele.

- Eu te convidei para me ajudar a encontrar coisas que a Patina nunca iria me deixar comprar.

- Acredite, estou ajudando mais do que você pensa. - garantiu, rindo quando ela bateu o pé no chão de maneira birrenta.

- Por que ainda somos amigos mesmo?

- Porque você não consegue viver sem mim.

Passou o braço por seus ombros, voltando a andar pela loja com ela. O chá de bebê da Hartman estava próximo e como Patina, sua namorada, teve uma reunião de emergência, Chloe chamou Henry para ajudá-la a escolher tudo o que iria para a lista de presentes que enviaria aos convidados.

- Estou pensando em ter como tema Uma noite em Paris. - balançou os dedos no ar para dar um efeito dramático. Abriu um enorme sorriso quando virou o rosto em direção à ele. - O que acha?

- Acho que vai ficar mágico. - respondeu sorrindo, a empolgação da mulher podia ser sentida a quilômetros de distância.

Chloe praticamente correu quando se aproximaram da seção de roupas. O Hart não conseguiu evitar a risada quando a viu balançar por conta da enorme barriga a cada passo que dava. Tinha feito uma aposta com vários amigos próximos de que a Hartman estava grávida de gêmeos, era impossível não ter duas crianças ali dentro. Charlotte também estava participando e disse que deveria ser somente um bebê, um muito grande, mas que Chloe lembrava uma prima sua que também havia ficado enorme na gravidez e no fim tinha tido somente um ser humano bem gordinho.

- Hart!

Henry fechou os olhos desgostoso quando escutou seu nome ser praticamente berrado no meio da loja. Olhou para o lado e viu Mitch Bilsk se aproximar com os braços abertos. Os dois haviam estudado na mesma faculdade, por vezes se encontravam em alguns lugares; Henry fazia de tudo para ignorar a presença do homem, mesmo que o contrário não ocorresse.

- Quanto tempo, amigo.

Mitch deu um tapa forte em suas costas, o Hart teve vontade de se afastar alguns metros. O homem sempre o cumprimentava assim, parecia que estava querendo medir forças em um joguinho idiota que Henry não iria cair.

- Mitch. - deu um leve aceno em reconhecimento à ele. - Está fazendo o que aqui?

- Vim comprar um presente pra minha irmã. Primeiro filho e tudo. - olhava ao redor como se a procura de algo. - Até agora não achei nada, provavelmente só vou levar o que for mais caro e ela não vai poder reclamar que estou distante.

Abriu um sorriso fechado, não sabia o que falar. Era inacreditável ele ser irmão de Bysh, Charlotte falava dela com muito carinho e pelo visto ela havia herdado toda a simpatia da família.

- Então acho melhor você voltar a procurar pelo presente. - opinou, arrancando uma gargalhada alta dele.

- Sempre direto, Hart. - deu outro tapa em suas costas e Henry controlou a irritação. - Hum, quem é aquela?

Seguiu o olhar dele e encontrou Chloe, ela olhava para os dois de maneira analítica e torceu o nariz levemente quando focou sua atenção em Mitch. A Hartman voltava lentamente com algo em mãos.

- É uma amiga.

- Sei. - um sorriso malicioso surgiu no rosto bem barbeado dele. Mitch então se afastou e esticou a mão em um cumprimento assim que Chloe ficou de frente para os dois. - Mitch Bilsk, empresário e solteiro.

A grávida aceitou o cumprimento por educação, mas puxou sua mão antes dele beijá-la.

- Chloe, grávida e não interessada. - informou de maneira seca antes de dar às costas à ele e ir para outra seção.

Mitch riu animado, tudo o divertia de uma maneira insuportável. Henry deu um passo para longe, porém foi pego por outra pergunta.

- Soube que está namorando uma amiga da minha irmã.

- E? - não queria falar com ele sobre Charlotte, não queria nem que ele pronunciasse o nome dela.

O Bilsk olhava ao redor como quem não queria nada, mas o canto de sua boca se abriu em um sorriso que fez o sangue de Henry começar a ferver.

- Como ela é?

- Isso não é da sua conta. - respondeu em um tom gelado, preparando-se para sair de perto dele.

- Sempre quis pegar alguém assim. - o tom ardiloso o fez parar. Vendo a confusão em seu rosto, abriu um sorriso malicioso quando o Hart percebeu onde ele queria chegar.

Henry não notou a rapidez com que se aproximou dele, seus rostos estavam muito próximos. O barulho externo era abafado pelo som alto das batidas de seu coração que ecoavam em seus ouvidos. Quando falou de maneira baixa e cortante, precisou de todo o seu autocontrole para não tirar a expressão desdenhosa do rosto de Mitch.

- Nunca mais fale dela, nem a mencione. Se eu souber que você se aproximou dela pode ter certeza de que vou...

- Vai o quê? - desafiou, dando um passo para trás, sem tirar o sorriso debochado do rosto. - Vejo que você não mudou nada. Continua o mesmo cara sem senso de humor.

- Isso não é senso de humor e nunca vai ser, seu imbecil. - rebateu, afastando-se dele ao perceber que algumas pessoas os observavam. - Você sabe muito bem o que está dizendo e espero nunca mais ter que escutar o nome dela saindo da sua boca de novo. Não sei nem porque ainda perco meu tempo com você.

Se virou para procurar Chloe antes que Mitch fizesse mais algum comentário que o faria partir para cima dele. Nunca foi adepto da violência, sempre fugia de discussões que poderiam ocasionar em um confronto físico, mas não iria recuar se o escutasse mencionar Charlotte daquela maneira novamente. Era por isso que o ignorava, ele não havia mudado nada e continuaria o mesmo idiota de sempre.

- Ei. - Chloe chamou, estava perto de alguns berços. - Você está bem? - perguntou preocupada, passando a mão em seu braço em um gesto reconfortante.

- Vou ficar. - abriu um sorriso tranquilizador que não surtiu efeito.

Ela o encarou séria, desviando o olhar para além de seu ombro, mas logo o voltando novamente para ele. Chloe parecia uma irmã mais velha que queria se certificar de que seu irmãozinho estava bem, notou naquele momento que ela sempre o tratou assim desde que se conheceram quando começaram a trabalhar juntos. Não sabe muito bem quando ela o adotou, mas ficava feliz por isso.

- Ficamos tão presos em nossa bolha, em um mundo mais seguro, que esquecemos dos babacas que ainda andam por essa terra. - falou, a voz meio trêmula. - Aquele imbecil ainda vai ter o que merece. Ah, se vai. E espero que seja da maneira mais dolorosa possível. Que não vai partir de mim. - garantiu com a voz arrastada, diante do olhar que recebeu. - Mas agora vamos terminar as compras do seu afilhado.

- Afilhados. - não conseguiu segurar a provocação.

- Não seja assim. - pediu, fingindo uma irritação ao puxá-lo pela mão para o outro lado da loja. - Duas crianças iriam me enlouquecer.

- Não se precisa de muito para isso. Ai! - reclamou quando sentiu as unhas dela em sua pele. - Você mesma prova meu argumento.

- Não. Irrite. Uma. Grávida. - avisou pausadamente, olhando por sobre o ombro e o lançando um olhar feroz.

Henry prendeu o riso e a seguiu. Nada como uma noite com Chloe para limpar sua mente da raiva que Mitch provocou.