XXIII. Budapeste
Henry respirou fundo, tentava controlar sua frustração enquanto escutava Noah falar sobre o novo caso que estava defendendo. Olhou para as ervilhas intocadas em seu prato, detestava aquelas pequenas bolinhas verdes e sempre as retirava de qualquer comida que estivesse em seu prato; sua mãe resmungava sempre sobre o quanto ele estava sendo infantil, mas não ligava, no fim era ele que teria que escolher entre comer ou não e sempre optava pelo não. Levantou o olhar só para confirmar o que seus ouvidos estavam captando, seu irmão continuava a tagarelar sobre uma possível vitória, tanto Siren quanto Jake o escutavam atentos e Henry quase deixou escapar um ruído de desdém, não seria justo com nenhum deles.
Noah era sim um grande advogado, torcia para que a carreira do mais velho decolasse e ele conseguisse chegar ao topo da firma em que trabalhava, mas a última conversa que tiveram ainda estava fresca em sua mente como tinta recém aplicada, afinal, não havia se passado nem um semana desde o casamento de sua avó. Voltou a separar as ervilhas do restante de sua comida e quis sair dali o mais rápido possível, será que se inventasse alguma emergência eles iriam acreditar? Poderia até pedir para Jasper o ligar, ele com toda a certeza lhe faria esse favor.
Enquanto desenhava algo desconexo com o purê, pensou que Charlotte tiraria aquele jantar de letra, provavelmente iria pôr um sorriso animado no rosto e conversaria sobre os mais variados assuntos para que todos pudessem ser ouvidos. Mas ela não estava ali e não poderia falar com ela porque convenientemente estava sendo ignorado, por mais que Jasper dissesse que não, o Hart sabia que era isso o que estava acontecendo. Soltou um suspiro melancólico, não havia percebido o quanto ela fazia falta até parar de conversar com ela. Quem diria que poucas semanas iriam mudar tanto sua vida, nunca havia parado para pensar na existência de Charlotte Page e agora não conseguia ver seus dias sem a presença dela. O que isso dizia sobre ele afinal?
- Henry, querido.
Levantou a cabeça para encontrar sua mãe o olhando preocupada, do outro lado da mesa ela franzia a testa levemente e se preparava para o encher de perguntas. Sabia disso porque Siren era tão transparente quanto ele.
- O que está acontecendo? - Jake perguntou e nessa hora ele soube que deveria estar sendo muito estranho naquela noite, seu pai estava tentando esconder uma curiosidade em um semblante indiferente. - Você não comeu nada a noite toda e nem perguntou sobre a sobremesa.
- Não tocou nem no purê e não comeu nenhuma ervilha. - Siren falou, sem dar tempo para ele responder.
- Algo está acontecendo e não é de hoje.
- Seu pai está certo, o que você está escondendo, Henry?
Abriu a boca sem saber o que dizer, nunca havia visto os dois se unirem para cobrar uma explicação. Bom, a última vez havia sido quando ele era mais novo e o duende de cerâmica do vizinho foi encontrado debaixo do travesseiro de seu pai, mas aquela havia sido uma ideia de Noah que Henry tinha achado incrível.
- Não queremos lhe pressionar, meu bem, só estamos preocupados.
Tentou não olhar para Noah, de soslaio o viu se mover desconfortável, então focou toda a atenção em sua mãe e ao encarar seus olhos brilhando em preocupação materna, não soube o que responder. O que dizer a alguém que o encarava daquela forma? Queria dizer tudo, desde o início de sua relação com Bianca até a conversa com Noah, mas não poderia fazer isso com Siren, não iria deixá-la no meio dos dois filhos. Então, contra todas as expectativas, uma explicação plausível saiu de seus lábios.
- A Charlotte terminou comigo.
- Oh! - Siren arquejou surpresa e levou as duas mãos à boca, olhou para o marido que abriu um sorriso compreensivo e depois levantou para correr até Henry. - Oh, meu bebê, sinto muito.
- Também sinto. - disse, tentando retribuir o abraço dela, mas seus braços estavam pesados de mais.
- Não podia nem imaginar que isso iria acontecer, vocês pareciam tão apaixonados. - afirmou, alheia a confusão que perpassou o rosto do filho. - E ela praticamente tinha entrado para a família, tem certeza de que não tem volta? Tenta conversar com ela, talvez vocês se acertem, ela lhe faz bem, Henry. - declarou, segurando seu rosto entre as duas mãos, então repetiu de forma mais decidida. - Ela lhe faz bem.
O Hart sentiu seu rosto esquentar, não sabia o porque de se sentir envergonhado, talvez fosse o olhar sincero de sua mãe ou o fato dela ter razão. Charlotte realmente o fazia bem, se sentia mais leve, compreendido e esperançoso ao lado dela. Por mais louca que a vida da Page estivesse, ela ainda conseguia sorrir quando se encontravam e aquele riso alegre que conseguia arrancar dela até nos momentos mais difíceis o fazia se sentir, por mais clichê que parecesse, importante.
- Vou comprar seu sorvete preferido, nem adianta negar. - avisou, o soltando e olhando para Jake. - Venha comigo, preciso comprar outras coisas mesmo.
- Por que você não leva o Noah? - Jake perguntou de maneira arrastada, não estava nem um pouco animado para sair de casa, porém só bastou um olhar dela para que ele se levantasse.
Os dois saíram em questão de segundos, deixando para trás os dois irmãos que não sabiam como se comportarem. Antes era tudo mais fácil, a conversa iria fluir naturalmente e provavelmente terminariam a noite em meio à gargalhadas, porém estava tudo diferente e nenhum dos dois sabia como reagir à essa mudança.
- Sinto muito. - Noah falou, em um tom baixo.
Henry inspirou fundo, não estava com ânimo para uma conversa. Olhou para o irmão, um dos seus melhores amigos, alguém cuja a opinião valia muito mesmo após tudo, parecendo tão pequeno agora, quase como se estivesse com medo dele. Franziu a testa em confusão, não era possível que Noah Hart estivesse com medo de seu irmão mais novo, mas aparentemente esse era o caso.
- Sinto muito mesmo, Hen. - soltou o ar em uma forte lufada, como se o estivesse prendendo há tempos. - Sinto por tudo. Por ter quebrado sua confiança, por ter escolhido por você, por ter te esquecido.
A última frase foi dita em um sussurro quase inaudível, mas Henry conseguiu entender. Sentia seu coração pesar ainda mais, parecia que ele estava se transformando em uma âncora que o deixava preso àquela sala de jantar, àquela cadeira, à Noah.
- Eu não sei o que te dizer. - e era verdade, não sabia nem o que sentir. - Não sei o que você quer escutar.
- O que eu quero não importa agora. - declarou, finalmente levantando o rosto e o encarando com um semblante triste. - Você precisa de tempo, todos precisamos. O que eu fiz não pode ser apagado e nem esquecido de uma hora para outra.
Somente assentiu, Noah levantou e levou a mão aos fios claros de seu cabelo, os bagunçando sem se importar. Henry continuou calado, em outros tempos iria fazer graça sobre ele estar parecendo um ser humano de verdade, sem toda a polidez da perfeição.
- Sinto muito pela Charlotte também, vocês pareciam felizes. - deu um passo para o lado, parecia querer fugir antes que Henry o visse desmoronar. - Avise a mamãe que eu tive uma emergência, por favor.
- Tudo bem. - sua voz saiu rouca e estranha.
Observou o irmão sair da sala e escutou a porta da frente ser aberta e após alguns segundos o som anunciando a saída dele. Soltou o ar que nem sabia estar prendendo, se encontrava esgotado e mais do que nunca só queria ir para casa, porém sabia que sua mãe iria até o fim do mundo para encontrá-lo se ele resolvesse fugir antes dela aparecer. Sentiu seu celular vibrar, esperava que fosse realmente uma emergência, não uma muito grande, para que ele pudesse sair. Era um número desconhecido e quando atendeu soube que pelo menos teria um dia interessante mais a frente.
◇ ◇ ◇ ◇ ◇
Charlotte olhou ao redor do salão, tudo estava tão ricamente decorado que se sentia dentro de um baile do século XIX. Anne estava completando trinta anos e havia decidido dar uma grande festa em comemoração, a anfitriã andava por todos os lados conversando com cada pessoa presente, ainda não havia se aproximado, mas Charlotte sabia que ela estava esperando um momento de calma para ficar alguns minutos com ela. Levou a taça de vinho tinto à boca, o líquido escuro era um ótimo calmante para os olhares de alguns familiares que a estavam deixando nervosa.
Seus pais ainda não haviam aparecido, tinha quase certeza de que não iriam querer que todos notassem que algo estava errado. Sua avó se encontrava do outro lado do salão, cercada por seus puxa-sacos irritantes, Elliot e Sabine inclusos. Bufou em meio a uma risada, seu primo era tão previsível. Com toda a certeza pensava que poderia convencer Mabel de lhe entregar a presidência do hospital antes dela ter a chance de pensar em Anne. Sorriu de maneira vitoriosa, mal sabia ele que pela primeira vez na vida não iria conseguir o que queria. Vovó Mabel podia ser muitas coisas, menos cega.
- Está se escondendo de alguém por acaso?
Levou um susto quando escutou a voz próxima ao seu ouvido, por sorte as gotas que saíram da taça não alcançaram seu vestido. Com uma expressão fechada olhou para Leo, seu primo e irmão de Anne. Ele estava claramente se divertindo com sua reação e abriu ainda mais o sorriso quando ela tentou acertar seu pé com a ponta de seu salto.
- Já lhe falei que detesto quando você faz isso.
- Não seria tão engraçado se você gostasse.
Um "idiota" sussurrado saiu de sua boca antes dela franzir o nariz e voltar sua atenção para alguns pares que dançavam em meio ao salão. Apoiou o cotovelo na mesa e balançou levemente a taça entre seus dedos, ficou mais confortável com a presença de Leo, assim teria uma distração.
- Onde está seu noivo? - ele perguntou, um interesse genuíno em sua voz.
Charlotte gemeu insatisfeita, havia perdido a conta de quantas vezes escutara aquela mesma pergunta desde que colocou os pés na festa.
- Não estamos noivos. - deu a resposta padrão que a poupava de mais indagações e mantinha sua avó longe. - E ele não estava se sentindo bem.
Podiam até pensar que ela havia desistido do noivado, mas não sabia muito bem o motivo de não querer que pensassem que estava solteira. Provavelmente tentariam arranjar alguém para ela já que seus primos mais próximos estavam se casando e a viam como uma causa quase perdida. "Esperança, Charlotte, estamos lhe vendendo em troca de esperança." Torceu o nariz ao pensar que era exatamente o que lhe diriam se fossem sinceros.
- Ânimo, prima, a noite está linda e você também.
- Menos, Leo, que agora estou comprometida. - o lembrou, soltando uma leve risada, a primeira da noite, quando o viu fingir decepção.
- E eu aqui jurando que teria uma chance esta noite.
- Talvez tenha. - parou, gerando uma expectativa que o fez inclinar a cabeça em sua direção. - Mas não comigo. - abriu um sorriso satisfeito quando o viu recuar rindo.
- Senti sua falta, Charlotte. - aproximou a taça que estava em sua mão, tocando na dela em um brinde comemorativo. - Agora vamos falar sobre coisas boas. Tem alguém aqui que valha a pena conhecer?
- Acredito que você vá ter que tentar a sorte. - respondeu, tomando outro gole generoso do vinho. - Só que metade dessas pessoas estão comprometidas de alguma forma e a Anne, que por acaso está vindo, não vai ficar feliz se você arrumar alguma confusão.
- Eu não arrumo confusão, Charlotte, eu sou a confusão. - lhe deu uma piscadela que a fez querer revirar os olhos.
- Isso foi muito...
- Charlotte!
Anne interrompeu sua fala com um grito animado, a Page fez uma careta para Leo antes de abraçar a aniversariante.
- Está tudo tão lindo, você se supera a cada ano.
Anne afastou-se de seus braços, olhando ao redor de maneira analítica como se procurasse algum defeito. Ela sempre fora assim, quando organizava algo não esperava nada além da perfeição, o que às vezes a fazia surtar e uma Anne nervosa era um caos.
- Está mesmo, certo? Você não está fingindo só pra ser legal? - indagou hesitante.
- Claro que não e você sabe disso. - pegou sua mão e a apertou suavemente, Anne conseguiu abrir um sorriso mais calmo. - Se não fosse uma excelente neurocirurgiã, com toda a certeza deveria investir no ramo de festas.
Ela suspirou aliviada e voltou a brilhar como sempre. O colar que usava naquela noite era adornado de pedras rosê, combinando perfeitamente com o tecido azul claro de seu vestido e os adornos dourados que enfeitavam seus cachos curtos.
- Eu sou incrível mesmo.
- E altamente humilde. - Leo falou em meio a uma falsa tosse, recebendo um olhar entediado da irmã.
- Ah, é você, Leo.
- Também senti saudades, irmãzinha. - piscou os olhos lentamente para ela com uma falsa inocência que Anne obviamente não comprou.
- Vocês viram a vovó? Ela disse que tem algo para conversar comigo, mas sumiu.
Olhou ao redor novamente, ficando na ponta dos pés, mesmo que não precisasse por conta de seus saltos que a deixavam até mais alta que Charlotte. A Page torceu a boca e deu uma notícia nada animadora.
- Vi o Elliot levando ela para algum lugar.
- Aquele... inconveniente. - Anne se controlou para não falar algo do qual se arrependeria depois.
Leo abriu a boca surpreso e empurrou Charlotte para ficar de frente para a irmã, a segurou pelos ombros e a sacudiu levemente enquanto perguntava:
- Não acredito, você quase. - baixou a voz até um sussurro ao continuar. - Xingou?
- Não! - respondeu irritada, o empurrando para longe e cruzando os braços com uma expressão de clara indignação.
- Ah, com toda a certeza você quase fez isso. - insistiu, notando que os resquícios mínimos de paciência de Anne estavam se esgotando.
Charlotte voltou ao seu vinho, tentando esconder o riso que aumentaria a impaciência de Anne. Leo podia ser bem inconveniente quando queria e mesmo sendo o mais velho, conseguia puxar sua irmã para as briguinhas infantis toda vez que se encontravam.
- Eu não praguejo, Leo.
- Você quem diz. - deu de ombros, como se não ligasse para a resposta dela.
Anne estreitou os olhos e apontou na direção do irmão.
- Isso é sério, eu não faço isso.
- Não estou falando nada.
- Nem precisa.
- Se você diz.
- Argh, você me tira a paciência!
Anne bateu o pé direito no chão ao reclamar alto, o que chamou a atenção de alguns convidados ao redor. Leo deve ter sentido que ela o mataria se a fizesse passar vergonha na própria festa e resolveu ajudar.
- A vovó está ali. - apontou para um canto mais afastado do salão. Elliot ainda estava com ela e quando Anne se virou, ele indagou com um sorriso inocente. - Será que vou com você?
- De jeito nenhum! - respondeu logo, o fuzilando com o olhar enquanto se aproximava mais alguns centímetros. - Não se aproxime enquanto eu estiver ao lado dela, Leo Miller. Talvez ela queira falar da promoção e se estiver irritada não vai me dizer nada.
- Só que faz tanto tempo que eu não a vejo, talvez se...
- Nem ouse. - o cortou seca e ele teve a inteligência de permanecer calado. - E, Charlotte, não vá embora cedo, precisamos conversar.
- Ook.
A resposta veio prolongada e cheia de hesitação. Observou Anne se afastar com um imenso sorriso no rosto, sem nenhum traço de impaciência ou nervosismo, admirava o quanto a prima conseguia se recuperar rapidamente.
- Não se preocupe, ela não vai pedir que você doe algum órgão.
Virou-se desconfiada para Leo, que mantinha um sorriso no rosto como sempre.
- Ela já te pediu isso?
Deu de ombros displicente antes de responder, distraído porque seus olhos já percorriam o salão à procura de alguém para passar a noite.
- Disse que ia fazer bem eu praticar a empatia.
- Devia ter doado a sua língua então. - sorriu docemente quando o viu engasgar com o champanhe. - Falta não ia fazer.
- Realmente senti sua falta, Charlotte Page.
Afirmou rindo ao levantar a taça para cima em um brinde à ela. Charlotte somente inclinou a cabeça em agradecimento e riu quando o viu retribuir com uma exagerada reverência.
*****
Agradeço a todos os comentários e até o próximo capítulo, o qual não sei quando vai sair.
Bjs e bom domingo!
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