XXII. Haven't met you yet
Charlotte acariciou o pêlo escuro do pequeno filhote que havia encontrado na volta do trabalho. Não era um recém-nascido, mas não duvidava de que ele não passava dos dois meses de vida. O gatinho estava enrolado em cima de um pedaço de papelão na entrada do beco ao lado de seu prédio, parecia tão sozinho e indefeso, não podia deixá-lo ali e por isso o levou para casa. Piper torceu o nariz quando o viu, avisou que daria trabalho cuidar dele já que a vida das duas estava uma loucura, porém bastou alguns poucos minutos para ela se apegar a pequena bolinha de pêlos que não iria se chamar Hanz, em homenagem a um namorado de infância da Manchester.
O gatinho ronronou quando ela continuou o carinho, abriu um sorriso carinhoso quando o viu se enrolar ainda mais sobre seu colo, era bem típico dela procurar alguém para depositar suas atenções quando não poderia controlar os outros aspectos de sua vida. Isso era segundo seus amigos e não ela! Quando era menor não tinha nenhum animação de estimação, mas ajudava a todos que trabalhavam em sua casa de qualquer maneira possível, mesmo que fosse uma ajuda insignificante. Quando fora morar sozinha, pensou que estaria tão ocupada que não precisaria de mais nada para cuidar, ou de quem cuidar. As últimas semanas provaram o contrário.
Charlotte amava que precisassem dela e amava mais ainda quando tudo na sua vida estava tão perfeito que poderia ajudar aos outros, porém existem certos limites de perfeição e ela sempre esbarrou neles durante toda a sua existência. Soltou um suspiro cansado, estava fazendo muito isso, suspirar. Olhou para a comida embalada em cima da mesa de centro, Jackie a havia mandado com um bilhete escrito informando que era um dos novos pratos de sobremesa do restaurante, esperava que assim ela se sentisse melhor.
- Acho melhor jantar, gatinho sem nome.
O pequeno felino soltou um miado fino e manhoso, esfregando a cabeça na coxa dela e bocejando em seguida. A Page sorriu e inclinou o corpo para pegar seu jantar, até porque se era comida automaticamente poderia se transformar em um jantar, em cima da mesa.
- Vejo que você está cansado, não é de se admirar já que está em uma cama quentinha e confortável. - pegou o gatinho sem nome com uma mão e o colocou em cima de uma almofada ao seu lado. - Precisamos encontrar um nome para você, mas nenhum que seja sugestão da Piper ou o Jackie vai surtar. - conversava tranquilamente com ele, enquanto o gatinho somente acordava aos poucos ao perceber o que Charlotte segurava nas mãos. - Talvez a Anne tenha alguma ideia, ela sempre foi ótima com nomes, mas acredito que você tenha que ter um especial e escolhido por mim. Afinal, fui eu quem te encontrei.
Afirmou, o encarando meio desconfiada quando o viu olhar para seu jantar sem nem piscar direito. Sentou um pouco mais de lado para o caso dele resolver pular em cima do seu prato e se pôs a pensar. Sempre acreditou que nomes deveriam ser escolhidos com cuidado, seria o título da história de alguém ao fim de tudo, e esse gatinho merecia uma boa história. Pensou em seus últimos dias, tentou procurar algo que resumisse todas as partes boas que deveriam estar no meio de todas as frustrantes. Era difícil fingir que nada havia acontecido, mas não podia e não iria ignorar as discussões e revelações que faziam seu coração pesar, só que naquela noite tentaria um pouco.
- Tenho que começar a pensar nos bons momentos, não é mesmo? - indagou à ele, fazendo uma pausa para terminar de engolir a comida enquanto tentava realmente pensar em tais momentos. O gatinho inclinou a cabeça como se estivesse atento ao que ela falava, Charlotte achou aquele gesto reconfortante. Pelo menos não estava falando sozinha. - Minha vontade é puxar meus pais pelo braço e sentar com eles, esclarecer tudo, mas sei que não é assim que a vida funciona. Por mais que eu queira que as coisas voltem ao que era antes, antes também não era o melhor dos momentos. - ele miou, como se concordasse. - Exatamente, existem certos instantes que eu não posso fazer nada para mudar.
Lembrou de Henry, do apoio que ele lhe deu, dos abraços, da amizade. Quis suspirar novamente, mas se conteve, estava parecendo uma adolescente apaixonada e, pior, apaixonada por quem não sentia o mesmo. Tentou olhar o lado bom, era somente uma paixão, algo que não a faria pular em cima dele e arrancar todas as peças de roupa com os dentes. Parando para pensar, até que não seria uma visão ruim, o Hart poderia ser sedentário, mas sabia que por baixo do tecido que o cobria existia um corpo que deveria ser lindo de se olhar. Ainda não havia parado para pensar nesse fato, pois se pensasse, toda vez que fosse abraçá-lo só iria conseguir focar nas partes firmes de seu corpo, nos braços que a rodeavam, na sensação da pele macia e quente contra a sua, na. Para, Charlotte! Só para!
Balançou a cabeça para espantar os pensamentos que começavam a ganhar forma, franziu os lábios irritada consigo mesma, era para pensar no lado bom da companhia dele e não no corpo dele. Também deveria pensar nas vezes em que ele a irritava e que a fazia sentir vontade de acertá-lo com o que estivesse mais próximo. O apelido que lhe dera era irritantemente fofo, não podia negar. Olhou para o gatinho, inclinando um pouco a cabeça assim como ele fizera anteriormente, estreitou os olhos enquanto o analisava, será que combinaria? Não podia negar que ele teria uma pequena história por trás do nome.
- A sua primeira história, Pumpkin. - declarou feliz. - Você gosta desse nome? - ele miou novamente e ela tomou isso como um sim. - Ótimo, agora vamos torcer para não encontrarmos o Henry durante alguns dias. Vai ser melhor para todos.
Levou uma colher com o doce à boca, impedindo assim outro suspiro de escapar por seus lábios. Seria mesmo melhor para todos que evitasse o Hart novamente ou deveria seguir a correnteza e ver até onde ela a iria levar? Fechou os olhos quando uma imagem de Henry veio a sua mente, tudo o que menos precisava era começar a fantasiar com ele e como era a última coisa que queria, com toda a certeza seria o que iria acontecer.
◇ ◇ ◇ ◇ ◇
Henry olhava para o celular em um dilema, ligar ou não ligar para Charlotte? A noite em que tinham jantado com seus pais havia sido divertida e ele sentiu que ela estava se distraindo dos próprios pensamentos, porém dois dias haviam se passado e a Page nada de responder suas mensagens ou atender suas ligações. Na verdade, o único sinal de vida que tinha recebido dela foi um simples, "Oi, estou bem, só muito ocupada no momento. Quando der falo com você", que veio por mensagem de voz. Quem ainda deixava uma mensagem de voz?
Suspirou frustrado, queria saber como ela estava, se havia falado com algum de seus pais, como estava indo seu projeto e até como estavam sendo os seus dias na escola, porém ela o deixou no escuro. Parecia que sempre que se aproximava muito, ela o empurrava para longe e não havia nada que ele pudesse fazer para impedir. Não sabia como ou quando aconteceu, o fato era que Charlotte Page havia se tornado uma parte cada vez mais crescente em sua vida, ficar sem falar com ela fazia os dias se tornarem mais desinteressantes e isso estava mexendo diretamente na sua procura por inspiração para a exposição.
Largou o celular ao seu lado, voltando a observar as fotos que havia tirado nos últimos dias, existiam tantas que ele queria transformar e outras que amaria deixar como estavam. Porém precisava de um tema, algum ponto em comum que ligasse todas aquelas fotografias, se não sua exposição seria somente uma grande aleatoriedade de imagens bonitas, mas sem nenhum conceito. Esfregou os olhos com as mãos, sentia seu corpo pesar e o puxar de encontro a cama, ponderou que estava na hora de um breve descanso.
- Henry!
Mas pelo visto Jasper não concordava. Seu melhor amigo abriu a porta de súbito e o encarou com um enorme sorriso radiante no rosto. O Dunlop praticamente brilhava de alegria e o Hart sentiu sua espinha gelar em antecipação.
- Adivinha o que eu ganhei?
Hesitou por alguns segundos, sentando-se devagar na cama ao vê-lo se aproximar alguns passos.
- Me sinto tentado a não opinar.
- Anda, adivinha. - insistiu, ignorando a clara falta de vontade do amigo.
- Por favor, não me diga que é outro animal exótico. - pediu cansado, o que provocou uma leve gargalhada dele.
- Claro que não.
O tom divertido que ele usou não levou suas crescentes preocupações embora. Na última vez que haviam jogado esse jogo, o Dunlop tinha ganhado um hamster, bem, ele havia achado que era um hamster, mas na verdade era somente um filhote de ratazana.
- Você investiu seu dinheiro em outro negócio sem sentido?
- Nop. - Jasper balançava para frente e para trás, com as mãos escondidas atrás do corpo e o sorriso intacto no rosto.
- Não vendeu nenhum órgão, né? - indagou preocupado, mas recebeu uma expressão incrédula junto com a resposta.
- Claro que não, sou enfermeiro!
- Então não faço ideia. - desistiu, dando de ombros e torcendo para ele falar logo.
- Ganhei um sorteio da rádio, mais precisamente dois ingressos pro show do Michael Bublé no Natal!
Balançou os ingressos em frente ao seu rosto, praticamente pulando de animação quando começou a murmurar uma canção.
- Ele ainda está vivo?
- Henry! - levou a mão ao peito como se estivesse sentindo dor e o fuzilou com o olhar.
- Tá, tá, desculpa. - pediu, rindo enquanto levantava as mãos em sinal de rendição. - Fico feliz por você. - declarou sincero.
Jasper levou uma mão ao queixo e pensou por breves segundos antes de estalar os dedos ao ter uma realização.
- Acho que vou levar o Ícaro.
- Ele não está te evitando?
- Não quando eu falar dos ingressos.
- Você merece mais, Jasper, e sabe disso. - repetiu pela centésima vez e em como todas as outras vezes, recebeu um revirar de olhos infantil seguido de um som desdenhoso.
- Eu não vou casar com ele, só quero realizar minha fantasia de Greys Anatomy.
Isso era algo que Henry não desejaria saber, levantou com um salto da cama e se pôs a procurar por seu casaco. Jasper possuía muitas ideias, várias delas fadadas ao fracasso, não queria entrar nessa parte da vida do amigo. Diria para Chloe tentar colocar um pouco de juízo na cabeça dele, mas provavelmente eles iriam discutir de novo por ela querer juntá-lo com sua prima. Bom, isso seria problema deles.
- E essa é a minha deixa pra sair.
- Vai aonde?
Jasper o seguiu enquanto ele caminhava em direção à porta. Pegou a chave da tigela que ficava sobre uma mesa de canto e virou-se para ele antes de abrir a porta.
- Jantar de família. - informou, em um tom tedioso. - Mamãe inventou uma reunião urgente, com toda a certeza dona Siren não está aprontando nada racional.
- Vai ver ela só está com saudades. - opinou, Henry deu de ombros novamente, provavelmente deveria ser isso também. - Quero saber de tudo quando voltar. Vai levar o carro?
O Hart havia conseguido comprar um carro semi novo de um vizinho do andar de baixo, o homem iria embora viver em um retiro espiritual e precisava se desfazer de todas as posses materiais. O que foi bom já que ele vendeu tudo por um ótimo preço, indo contra o objetivo central de seu retiro que era se desfazer também do dinheiro. Pela lógica ele deveria ter deixado tudo de graça, um valor bem mais espritual.
- Vai precisar dele? - abriu a porta, se preparando para sair.
- Não, só pra saber mesmo, sabe, caso você queira levar a Charlotte.
Bateu a testa contra a madeira, não queria tocar nesse assunto de novo com o amigo, então respondeu em um tom indiferente.
- Se ela falasse comigo pelo menos.
Jasper o encarou, com os braços cruzados e uma expressão analítica no rosto. O Hart estreitou os olhos em direção à ele, não estava gostando da maneira como o Dunlop balançava a cabeça como se tivesse encontrado algo satisfatório.
- Ela está bem, Hen. - afirmou, e Henry sentiu um pequeno peso deixar de pressionar seu coração. - Só precisa de um tempo. Piper. - completou diante da expressão interrogativa do Hart.
- Melhor ir logo.
Declarou, fechando a porta e saindo para o corredor. Se Charlotte estava bem então ele poderia seguir com o estranho jantar um pouco mais tranquilo. Não havia percebido o quanto estava preocupado com ela até saber que a Page somente precisava de um tempo, o problema era que a vontade de estar ao lado dela não havia passado após a fala de Jasper. Isso era algo que ele iria deixar para analisar depois, ou talvez nunca.
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