XVIII. Eletric love
Charlotte esticou as pernas e cruzou os tornozelos, olhou pela janela tendo uma ampla vista do estacionamento e levou o bocal da caneta à boca. Estava aplicando um teste em uma turma do segundo ano e aproveitava o silêncio para organizar seus assuntos pendentes. Os estava dividindo em uma lista de prioridades, em primeiro lugar ficava a expulsão de seu pai. Certo que parando para pensar com mais calma ele não havia dito com todas as letras que fora expulso, mas as poucas informações que deixou escapar diziam exatamente aquilo.
Havia ligado para ele, há tempos não se falavam direito e aproveitou os minutos na balsa para conversar um pouco. Richard tinha falado sobre a dificuldade que estava tendo em implementar novas diretrizes na Universidade, ele era reitor em uma das mais concorridas do país, falaram também sobre Clarice e a última festa que ela havia organizado. Ele se desculpou por não estar presente para conhecer seu noivo e ela deixou claro que não estava irritada, então seu pai começou a perguntar sobre Henry e ela desconversou até o assunto recair sobre o fato dele ter sido impedido de retornar para sua casa. A Page estava com tanta raiva da mãe que marcou um encontro com ela para o dia seguinte, Clarice estaria supervisionando uma cirurgia no hospital e marcou um horário para depois do procedimento.
- Professora.
Foi tirada de seus pensamentos pela voz de uma aluna. Virou o rosto na direção do som e encontrou Cindy com o braço levantado, alguns alunos que sentavam em torno dela fizeram caretas enquanto ela sorria de maneira satisfatória.
- O que houve?
- Na quinta questão temos que encontrar uma cadeia insaturada, ramificada e heterogênea?
- Espere um pouco. - pediu, procurando uma prova que restara. - Sim, está meio borrado, mas é isso mesmo.
- Obrigada.
Ela agradeceu e Charlotte notou pelo bufo impaciente que Michael soltou, o garoto que sentava ao lado de Cindy, que provavelmente estava ocorrendo um esquema de colas naquele instante e que a garota estava tentando atrapalhar. Resolveu deixar para lá só daquela vez e voltou seu olhar para a janela. Iria encontrar sua mãe, dizer verdades entaladas de uma vez por todas e acabar com o primeiro ponto de sua lista. Agora iria pensar no segundo, era um pouco mais complicado, porém era o que traria mais satisfação.
Há dias conversava com Bysh Bilski, uma amiga da faculdade que trabalhava como professora de artes em uma escola primária no lado mais vulnerável da cidade. Ela havia lhe mostrado um projeto para integrar um espaço de artes e ciências naquela área, a ideia era apresentar uma alternativa aos jovens, uma alternativa que os levaria a crer que existiam outros caminhos que poderiam trilhar no futuro. Charlotte embarcou na hora e planejava contribuir financeiramente, o foco era conseguir patrocinadores para que o projeto não se extinguisse, a Page tentaria falar com sua avó e pedir seu apoio.
Mabel sempre apoiava causas sociais, ajudava alguns centros de apoio de maneira fixa, porém era bastante difícil conseguir sua ajuda por um tempo indeterminado. Charlotte teria que conseguir convencer a avó de que o projeto sem nome seria um ótimo investimento, até porque Mabel via tudo como um investimento, e que ter seu nome atrelado a um projeto social que visava a introdução de crianças e jovens no mundo das ciências e da arte seria um ótimo negócio. O problema era que sua avó podia ser tão resistente quanto aço, o bom era que Charlotte Page era tão insistente quanto teimosa.
O sinal avisando sobre o fim da aula soou, ela recolheu as provas e viu parte dos alunos saírem alegres da sala. Alguns perguntaram se ela estava bem ou se precisava de algo, afirmando que se encontrava bem e agradecendo a preocupação, recolheu seus pertences e saiu da sala. Em vez de ir em direção à sala dos professores, ela virou uma esquina e caminhou até encontrar uma escada meio oculta que dava para o terraço, por sorte o local estava vazio e ela pôde sentar em um banco enquanto observava a vista da cidade. Parecia tudo tão calmo e normal, o sol brilhava no céu e aquecia seu corpo, um vento fresco impedia que a manhã se tornasse quente de mais.
Sua mente seguiu direto para o terceiro ponto de sua lista, Henry Prudence Hart. Não adiantava mais negar seus sentimentos por ele, estava apaixonada e isso era uma droga. Henry se encontrava em um momento da vida em que se relacionar romanticamente com alguém só iria complicar ainda mais seu coração, supondo que ele pudesse se apaixonar por ela ou até começar a gostar dela de uma maneira mais intensa. O fato era que também não poderia dizer o que sentia, não era justo jogar aquela carga em cima de seus ombros, então ela voltava ao seu plano principal, ignorá-lo o máximo possível. Era uma atitude covarde, mas se conhecia muito bem para saber que não aguentaria ficar calada e falaria ou iria fazer uma besteira. Sempre gostou de deixar tudo claro em qualquer ponto de sua vida e se manteria afastada para não complicar ainda mais o que estavam tendo, ou fingindo no caso.
Não deveria ser tão difícil colocar uma distância entre eles, as duas últimas semanas foram um ponto fora da curva na vida dos dois, aconteceu tudo tão rápido e de maneira tão intensa que tanto ela quanto Henry deixaram de lado muitos trabalhos para se dedicarem ao faz de conta. Charlotte estava atrasada em relatórios, artigos, projetos e reuniões, não duvidava do Hart se encontrar no mesmo estado, então cairia de cabeça em seu trabalho e manteria uma distância de Henry sem sentir sua consciência pesar.
Era uma desculpa verídica, não estaria mentindo totalmente e se confortava por saber que ele entenderia. Até o momento ele semore a entendeu. Pegou seu celular e seus dedos deslizaram naturalmente para digitarem uma mensagem ao amigo, iria avisar que a semana estaria cheia e não daria para eles se encontrarem, mas parou quando percebeu o que estava prestes a fazer.
- Você acabou de ver ele, Charlotte. - falou para si, uma risada descrente saiu de seus lábios. - Isso é insano.
Guardou o aparelho em sua bolsa, não poderia mandar uma mensagem para ele porque entrariam em uma conversa e era isso o que a Page estava tentando evitar. Soltou o ar ruidosamente pela boca e tombou a cabeça para trás, nuvens brancas deslizavam pelo céu em direção à próxima parada, seguiam tão tranquilamente que Charlotte parou para observá-las. Seria tão mais fácil se também pudesse fugir, seguir para um caminho longe de toda a confusão. Era um grande inconveniente estar apaixonada, sempre acabava tudo errado para ela, por isso acrescentaria outra promessa a sua lista, não contar a Henry o que sentia. Esperava que pelo menos aquela conseguisse cumprir, ela estava se saindo péssima em relação a cumprir promessas.
◇ ◇ ◇ ◇ ◇
Henry franziu a testa meio intrigado quando notou o que estava prestes a fazer, o celular em sua mão estava ligado e ele estava a um ponto de ligar para Charlotte, que estava salva como Pumpkin (abóbora) em sua agenda. Soltou uma leve risada anasalada quando lembrou da reação dela ao ler o nome, mas não conseguia pensar em outro após vê-la com um casaco laranja no dia em que embarcaram em direção à ilha. A Page havia franzido o nariz daquela maneira adorável que o fazia querer beliscá-lo e o socou no ombro quando ele começou a gargalhar.
Balançou a cabeça para voltar à realidade e desligou a tela sem saber o porquê de querer ligar para ela. Se conheciam há poucas semanas, mas a ligação que possuíam era inesperada. Não sabia se era por causa do relacionamento que estavam fingindo ou por Charlotte ser simplesmente Charlotte, mas não podia negar que se sentia tão confortável ao lado dela que por vezes parecia que eles se conheciam há anos. Um sorriso discreto ainda tomava seu rosto e guardou o aparelho no bolso em seguida. Chloe, que se encontrava sentada à sua frente, o encarou com uma expressão curiosa.
- O que foi? - ela perguntou, passando a mão carinhosamente sobre a barriga que parecia ter crescido de um dia para o outro, na opinião de Henry.
- Nada não, só lembrando de algo. - respondeu, voltando sua atenção novamente para os trabalhos que corrigia.
Chloe assentiu, mas ele notou a boca dela se contorcer em um sorriso malicioso, provavelmente pensava que ele teria recebido algo de Charlotte. O Hart riu baixinho e tentou se concentrar em seu trabalho, as duas últimas semanas foram bem caóticas e como resultado ele se encontrava atrasado em várias áreas de sua vida. Precisava organizar o recital de fim de ano, certo que ainda tinham três meses até o Natal, porém ensaiar com crianças entre seis e doze anos não era a tarefa mais simples. Amava ser professor de música, por mais que a fotografia fosse sua paixão, porém precisava pagar as contas e dar aula era uma maneira confortável de fazer isso. E pensar que na faculdade achava que seu diploma de música não serviria para nada.
- Você já ligou pro meu amigo?
Chloe perguntou, chamando sua atenção para o fato dela tentar soar desinteressada. A grávida havia entregado para ele o número de Schwoz, um antigo amigo de sua família que possuía uma galeria de arte na Zona Sul, ele estava recrutando novos artistas para uma exposição semanal e no próximo mês seria o mês da fotografia. Chloe poderia estar tentando manter sua impaciência, abriu um sorriso adorável para ele à espera de sua resposta, porém Henry sabia que a única resposta possível para aquela pergunta seria sim, só que tal palavra não sairia de sua boca pelo simples fato dele não ter tido coragem para ligar.
Ignorou sua amiga e continuou de cabeça baixa, escutou a cadeira dela ser arrastada, provocando um barulho incômodo e quando levantou o olhar a viu se aproximar aos poucos. Prensou os lábios para evitar rir da cena, aprendera que rir de uma Chloe grávida era pedir para ser machucado.
- Henry Hart. - seu nome saiu em um tom de advertência, ela parou ao seu lado meio ofegante, ignorando o barulho que havia feito durante sua proeza e que rendeu alguns olhares feios de dois colegas. - Eu não acredito que você ainda não ligou para ele.
- Estive bastante ocupado, Chloe. - defendeu-se, cruzando os braços e se recostando na cadeira. - E não tenho nada para expor.
- Isso é uma mentira deslavada, acha mesmo que eu vou cair no seu papinho de, "Ai, como a minha vida é desinteressante e estressante. Não tenho nada que valha a pena registrar." - tentou imitar sua voz, mas seu tom saiu meio rouco e seu rosto se moldou em uma careta estranha.
Henry riu da tentativa dela e desviou de um tapa, Chloe estreitou os olhos como se buscasse algo em sua alma, o que o deixou em alerta, qualquer coisa poderia sair da mente meio distorcida de sua amiga.
- Eu vou ligar para ele mais tarde. - garantiu, tentando fazê-la esquecer o que quer que estivesse em sua mente. - Parte das fotos que já tenho preparadas estão na casa da minha mãe, vou passar lá mais tarde e procurar algo que valha a pena.
Tentou ignorar a angústia que veio rápida ao pensar que talvez encontrasse Noah, não queria ter que conversar com ele tão cedo, mas não podia negar que o fato dele não ter nem mandando uma mensagem o decepcionava. Toda vez que brigavam, por motivos bem menores do que o daquela vez, um dos dois procurava dar o primeiro passo e logo estavam de bem. Dona Siren sempre afirmou que quando se ama alguém, brigar por motivos fúteis significava ter menos tempo ao lado daquela pessoa. O problema era que um, o motivo não era fútil e dois, Henry sentia falta do seu irmão, mas com toda a certeza não iria procurá-lo.
- Ei, amigo. - Chloe agitava as mãos em frente ao seu rosto, a encarou notando as sobrancelhas unidas dela em uma expressão de preocupação. - Você não está bem.
Não era uma pergunta e ele agradeceu por ela não ter perguntado o motivo. A Hartman somente o ofereceu uma parte de um pedaço de bolo de chocolate que ela havia trazido e comeu em silêncio com ele, não o pressionou mais sobre seu amigo, não mencionou Charlotte, nem perguntou sobre sua família. Chloe sabia que ele precisava de tempo e o deu, esse era um dos motivos que o faziam gostar tanto dela, sua amiga podia ser por vezes bem exagerada, mas era igualmente compreensiva.
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