XVII. I Think I'm In Love
Antes de abrir os olhos, Henry sentiu o cheiro inconfundível de café, ouviu sons de pratos e talheres, conversas animadas e ordens sendo feitas. Ouviu um gemido suave muito próximo de si e abriu os olhos assustado, deu de cara com o topo da cabeça de Charlotte e alguns cachos bagunçados dela que escapavam da touca que usava. Ela repousava a cabeça em seu peito, o abraçava pela cintura e no meio da noite eles haviam entrelaçado as pernas, se encontravam em uma posição bastante íntima e que era assustadoramente confortável para o Hart. Na verdade tudo nela era confortável, seu toque, sua voz, sua presença. Se permitiu relaxar um pouco, abandonar suas defesas já rachadas por alguns minutos.
Olhou para a janela percebendo que alguém havia puxado as cortinas, o céu ainda estava escuro, mas pela movimentação da casa deduziu que a maior parte dos habitantes já estava acordada. Não escutou os roncos de Jasper, o que só poderia dizer que ele estava tomando café e se não tivesse reparado na posição em que ele se encontrava com Charlotte, com toda a certeza iria acabar com sua paciência quando retornasse à sala. Tentou se mover para afastá-la com cuidado, a Page se encontrava em um sono tão tranquilo que ficou com pena de acordá-la, porém não foi preciso.
Charlotte se mexeu e rolou para o outro lado assim que ele puxou o braço que a envolvia, ela se encolheu e abraçou um travesseiro sem interromper seu sono. Henry ficou surpreso, ela sempre o dizia o quanto amava acordar cedo e que não tinha um sono muito pesado, o que era totalmente o contrário do que ele estava presenciando. Resolveu que era melhor levantar e se arrumar para o casamento, sua avó deveria estar a mil por hora e provavelmente pulando na cozinha para poder acordar os que ainda estavam na cama.
Assim que parou ao pé da escada, dando uma última olhada em uma Charlotte adormecida, preparou-se para subir, mas estancou assim que viu Noah no topo fazendo o caminho inverso. O mais velho pareceu congelar ao vê-lo e em questão de segundos Henry decidiu que não iria lidar com nada daquilo em um dia tão importante. Subiu os degraus com passos firmes e ignorou o irmão ao passar por ele, seguindo direto para o banheiro a fim de tentar despertar totalmente.
◇ ◇ ◇ ◇ ◇
Charlotte observou a decoração improvisada mudar completamente a sala de estar. O céu já mudava de cor, tons claros começavam a pintar a paisagem em uma aquarela mágica. O sofá havia sido afastado para a parede oposta à lareira, as poltronas foram colocadas na cozinha, as flores que tinham sido usadas no dia anterior foram separadas das murchas e decoravam o local em jarros e correntes delicadas. A neta de Anastásia, Faith, esperava em frente a lareira já que seria a cerimonialista, ela conversava alegremente com Henry e Charlotte se lembraria de perguntar se era dela que Sofi falava no dia anterior.
Siren subia e descia as escadas a fim de ver se estava tudo arrumado, ela parecia brilhar em um vestido amarelo ouro que combinava com a blusa de linho do marido, Noah tentava transparecer animação enquanto conversava com o pai e Bianca ajudava Jasper a conseguir uma boa conexão com Suzy por um tablet, a mulher não queria perder o casamento da mãe. Charlotte se sentiu novamente deslocada, batia o pé de maneira desconfortável, passava as mãos alisando rugas invisíveis de seu macacão verde e tentava não fazer contato visual com Jasper ou Henry para que não se aproximassem dela.
Inspirou profundamente e abriu um sorriso seguro para o Hart que a encarava interrogativo do outro lado da sala, aumentou ainda mais o sorriso para afirmar que estava bem, mas ele falou algo rápido com Faith e se aproximou mesmo assim. Enquanto ele se afastava da mulher, ela a analisou rapidamente. Faith possuía um rosto sereno e um sorriso doce, o cabelo era cortado na altura dos ombros em um corte assimétrico e sua pele cor canela parecia brilhar à luz que atravessava a janela. Charlotte se sentiu pequena e tentou empurrar esse pensamento para longe, não havia motivo para se sentir assim pela simples razão dela não ter nada com Henry. "É só fingimento, Charlotte, só isso." Falou para si mesma tentando retomar o controle do próprio corpo. Mas ele mereceria ser feliz e por que não com alguém com quem ele já fora?
- Está tudo bem? - o Hart perguntou preocupado, apertando levemente seu pulso enquanto retirava a câmera do pescoço.
Ele seria o fotógrafo oficial e desde que Charlotte acordara o vira passear pela casa capturando todos os momentos possíveis, até mesmo os que envolviam Noah e Bianca. Ele possuía um autocontrole que a relaxava, os dois a ponto de surtar não seria o melhor cenário.
- Estou sim, só um pouco cansada. - resolveu dizer uma meia verdade.
Os olhos de Henry a analisaram com desconfiança, mas, ainda bem, ele escolheu não falar nada. Em vez disse se aproximou um pouco mais, ela inclinou a cabeça piscando lentamente pela proximidade, se sentiu relaxar quando um polegar começou a fazer círculos em seu pulso. Isso era o que mais a assustava, a sensação de calma que ele transbordava e que se espalhava por seu corpo através de um mísero toque.
- Henry! - Siren o gritou animada, quase conseguindo quebrar o momento. - Elas estão quase descendo.
- Já vou. - avisou à mãe, olhando uma última vez para Charlotte antes de se inclinar e beijá-la na testa.
Percebeu que ele vinha fazendo muito isso e que seu coração traíra aquecia Toda. Santa. Vez. Sentiu a preocupação dele em deixá-la, então fez uma careta entediada e o empurrou levemente para longe, mesmo relutante ele foi, porém com um sorriso nos lábios que a acalmou. Charlotte torceu as mãos e agradeceu aos céus quando Jasper apareceu ao seu lado, os comentários do Dunlop a distraíam dos seus próprios pensamentos e aliviavam o clima tenso que a envolvia.
Quando Sofi e Anastásia desceram as escadas, Charlotte acreditou que nunca veria cena mais linda do que as duas senhoras de braços dados com sorrisos emocionados. Elas caminharam até ficarem de frente para Faith, que tentava controlar suas próprias lágrimas. A cerimônia foi rápida e mágica assim como Sofi queria, a sala era iluminada gradualmente pelos raios da manhã e quando as alianças foram trocadas, cantos de pássaros puderam ser escutados, era como se a natureza também celebrasse aquela união.
Votos foram feitos, declarações renovadas e numerosas lágrimas derramadas. Por fim a música foi ligada e leves lanchinhos distribuídos, Charlotte sentou em um banco estofado que ficava abaixo da janela e parou para observar ao redor. Jake dançava com Anastásia, Jasper rodopiava com Siren enquanto Noah e Bianca balançavam abraçados lentamente em um mundo só deles. O ar engatou em seu peito quando os viu, ao longo da cerimônia os viu trocarem olhares apaixonados, possuíam uma áurea de tristeza, mas ela não diminuía o claro amor que sentiam pelo outro. Seu coração apertou por Henry, mas o Hart estava muito bem conversando com Faith no sofá afastado.
Levou a taça de champanhe à boca e tomou o que restava do líquido em um gole, olhou para além das janelas tentando esconder seu incômodo até de si mesma, assustou-se quando Sofi caiu em um baque silencioso ao seu lado. Ela brilhava de alegria e Charlotte não teve como não sorrir diante dela.
- Estou tão feliz, meu bem! - exclamou, soltando um suspiro satisfeito ao olhar sua família ao redor da sala, porém logo repousou seus olhos serenos em Charlotte. - Felicidade é contagiante e espero que todos também se sintam assim nessa manhã.
- Acredito que estão. - esperava que sua voz tivesse soado firme e o sorriso em seu rosto fosse o reflexo da felicidade.
- Sabia que demorou cinquenta e sete anos para que estivéssemos aqui hoje, nesta casa, neste pequeno pedaço de mundo? - perguntou, apertando sua mão enquanto olhava para Anastásia que agora dançava com Siren. - Passamos por tantas tribulações, minha querida, ficamos tantos anos sem saber da existência da outra até que nos mudamos para a mesma ilha. Eu havia acabado de enterrar meu amado George e a Anastásia tinha se separado. Nos tornamos boas amigas assim que coincidentemente viramos vizinhas.
Charlotte escutava a história atentamente, sempre amara ouvir sobre as reviravoltas da vida que levaram duas pessoas a se encontrarem. Seu pai adorava falar sobre como havia encontrado sua mãe em meio a uma forte chuva de agosto, à procura de um táxi na saída de um teatro, ela já era mais discreta e somente complementava com pequenos fatos que ele havia esquecido. Clarice teve sorte e casou por amor, Charlotte ainda não conseguia entender como ela tivera coragem de expulsar seu pai de casa, mas este era um assunto para ser visto depois, no momento ela daria toda a sua atenção à Sofi.
- Somos melhores amigas há mais de vinte anos, levou pelo menos uns dez para ela dar o braço a torcer e admitir que todas essas coincidências, como ela ama chamar, na verdade eram o destino nos mostrando que ainda existia espaço para o amor em nossas vidas. - afirmou, rindo confidente para a Page como se compartilhassem um segredo. - O amor aparece nas horas mais inesperadas, pode ser que apareça em um momento confuso, bagunçado, de distração ou em um calmo domingo. A questão é que ele nunca vem quando planejamos, não é nos dado nenhum aviso, nem mesmo um simples sinal.
- E se o amor de alguém já apareceu e essa pessoa não conseguir ver mais nada diante dela? - a pergunta saiu rápida de seus lábios no momento em que seus olhos dispararam em direção ao Hart, ele andava ao redor da sala fotografando até os mínimos movimentos.
Não entendia o que estava acontecendo consigo, ou não queria entender. Era tudo tão intenso e assustador, a vontade de o ter ao seu lado, a calma que o toque dele a trazia, calma que na mesma intensidade era jogada para o lado por uma eletricidade que percorria todo o seu corpo. Charlotte prometeu a si mesma que não iria se apaixonar por Henry Hart, porém parecia que sua promessa havia sido esmagada por seu coração. Azar, ou sorte, que Henry estava longe de se encontrar no mesmo estado.
- Menina boba. - Sofi riu quando Charlotte virou-se confusa para ela, saindo de seus pensamentos cansativos. - Você acredita mesmo que existe somente um tipo de amor?
- Claro que não. - defendeu-se meio constrangida pelo seu tom, tentou puxar sua mão, mas Sofi não permitiu.
- Escute bem o que vou lhe dizer, a magia de ser humano é que sentimos tudo a todo momento, sentimos raiva, saudade, fé, esperança e por aí vai. - Sofi a olhava tão intensamente que a Page não ousou nem respirar. - O mais lindo dos sentimentos é o amor e como imperfeitos que somos, não existe um único tipo de amor e sim infinitos universos de possibilidades. Sempre encontraremos o amor a partir do momento que aceitarmos que merecemos ser amados de volta.
Sorriu novamente, dando tapinhas em sua mão, Charlotte acreditava ser sua marca registrada, e levantando-se para deixá-la só. A Page a observou se aproximar de Noah e falar rapidamente com Bianca antes de puxar o neto para uma dança, soltou o ar em um trêmulo suspiro e quase se assustou quando viu Jasper aproximar-se rapidamente.
- A Faith é quem pilota a barca e ela disse que temos que sair agora se quisermos chegar cedo. - informou, o rosto vermelho de esforço já que não parara de dançar um só segundo desde que colocaram música.
- Nem sequer cheguei a dançar. - brincou, aceitando a mão que ele estendia e levantando-se do banco.
- Não acredito que o Henry não te chamou pra dançar! - exclamou indignado e ela riu ao ver que o Dunlop falava sério.
Deu de ombros como se não tivesse importância, mas Jasper não aceitou a situação e a arrastou em direção ao amigo.
- Henry Prudence Hart. - praticamente jogou uma Charlotte incrédula em cima de Henry. - Não seja um péssimo namorado.
Henry a segurou pela cintura, olhando confuso para o amigo que saiu em direção às escadas. Depois encarou Charlotte que sorriu sem jeito.
- Não tivemos uma dança e ele ficou indignado. - explicou rapidamente o escutando rir.
- Ele tem razão. - apoiou uma mão em sua lombar e a outra fora entrelaçada com a dela. - Estou lhe devendo uma dança.
- Já que estamos aqui.
Trocou um pequeno sorriso com ele, decidindo que naquele instante paralisaria todo o furacão de sentimentos conflitantes dentro de si. Retirou a mão da dele, as entrelaçando na nuca de Henry o sentindo envolvê-la com seus braços pela cintura. Olhares guiados para o outro como se fossem magnéticos, corpos se aproximando em um espaço quase inexistente, corações batendo em uma melodia própria.
Fechou os olhos, apoiando a lateral de seu rosto ao dele, sentindo a respiração de Henry bater contra sua pele a provando que tudo aquilo era real, que ele estava realmente ali. Por alguns minutos se perdeu nele, o envolvendo fortemente enquanto seus corpos se movimentavam suavemente ao som da melodia que tocava. Quando voltasse para casa teria pelo menos aquela lembrança.
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