IX. Riptide
Henry olhava pela janela do carro, que compartilhava com Charlotte, as casas grandes e claramente caras do bairro em que se encontravam. Os dois permaneciam em silêncio, da mesma maneira que fizeram o trajeto quando foram jantar em sua casa, a diferença naquele instante era o óbvio nervosismo da Page. Ela torcia os dedos e murmurava algo inteligível enquanto observava a paisagem do seu lado, mas sem prestar realmente atenção ao que via. Henry resolveu que deveria fazer algo para ajudá-la quando por fim o carro foi diminuindo a velocidade ao passo que Charlotte começou a balançar a perna inquieta pelo caminho que faziam.
- Você está bem?
Era uma pergunta estúpida e ele sabia disso, mas Charlotte somente parou de murmurar e abriu um pequeno sorriso em sua direção. O Hart pensou em falar algo a mais, porém perdeu as palavras quando percebeu que haviam subido uma pequena inclinação que os colocou de frente para uma casa de dois andares, com paredes de pedra exposta e um jardim muito bem cuidado ao redor, mesmo a noite ele conseguia notar este detalhe, a casa em questão o lembrava dos filmes de época que sua mãe amava assistir. Observou com atenção uma casa bem menor do que as que ele havia visto no bairro, mas que continha algo que a transformava em um local que podia facilmente acomodar um grande aristocrata dos tempos antigos.
- Vamos entrar?
Não havia percebido quando Charlotte saiu para fora, mas no momento ela estava com a porta aberta para ele, Henry somente assentiu e a seguiu para a entrada da casa. A Page parou por alguns instantes esperando o carro ir embora, assim que ela o viu sumir na curva que levava à saída, virou-se para Henry e se preparou para dizer algo. O Hart teria prestado atenção se sua mente não tivesse inusitadamente focado no vestido de Charlotte, era de um tecido azul tão escuro que o lembrava a noite, as mangas eram transparentes e enfeitadas com pequenas pedrinhas cintilantes, parecia que um pedaço do céu estrelado estava enrolado ao redor da Page. Em meio a luz que vinha das janelas da casa e das luzes que iluminavam a entrada, Charlotte Page brilhava, aquela afirmação vinda tão facilmente o deixou intrigado e meio desconfortável.
- Você me ouviu? - o tom impaciente dela o fez levantar o olhar para o seu rosto, que se encontrava franzido à espera de uma resposta.
- Não, desculpe. - decidiu ser sincero, abrindo um sorriso sem jeito ao vê-la mudar o peso de uma perna para a outra enquanto lançava olhares sobre o ombro para a casa.
- Eu falei que a minha mãe talvez tente algo essa noite, peço desculpas adiantadas e por favor tente permanecer aqui e não nesse lugar estranho você estava agora a pouco.
Pediu séria, parecia que Charlotte iria ter um ataque a qualquer momento, não lembrava de ter agido assim quando fora a sua vez de apresentá-la, mas não iria verbalizar sua observação até porque de acordo com a Page, ele havia sido péssimo em esconder seus sentimentos.
- Você precisa se acalmar um pouco antes de entrarmos.
- Fácil falar, Hart. - resmungou, se contendo quando iria levar a mão ao cabelo, naquela noite ela estava com um coque firme feito de tranças, estava linda, mas ele sentia falta de seus cachos. - Todos que estão aqui esperam te conhecer, por mais que minha mãe tenha feito o possível para não dizer sobre o noivado, com toda a certeza todos eles já sabem.
- Hum.
- Hum o quê?
- É só que. - parou um pouco, procurando no bolso interno do blazer o que havia guardado. - Você nunca falou sobre isso, então pensei que talvez não tivesse lembrado.
Observou os olhos castanhos escuros se arregalarem levemente quando ele retirou um fino anel de prata do bolso. Ele o havia visto em uma venda de garagem em um dos seus almoços ao qual Chloe o tinha arrastado. Claro que comprou sem ela ver e não se arrependa, o discreto de anel formado por folhas entrelaçadas de prata combinava perfeitamente com Charlotte. Os lábios da Page se entreabriram levemente em surpresa, seu olhar caindo sobre o dele antes dela suspirar alto.
- Não acredito que esqueci o principal.
- Por isso você me tem.
Declarou em um tom leve para mascarar o fato de estar subitamente nervoso em dar o próximo passo. Ele deveria pegar sua mão e colocar o anel ou esperar que ela falasse algo?
- Ainda bem. - ela concordou, pegando o anel de sua mão e o colocando no dedo anelar esquerdo sozinha. - Agora vamos, antes que nos vejam. - gesticulou para trás de si.
Henry seguiu com o olhar rapidamente, vendo pelas janelas que tomavam quase a parede inteira a festa que acontecia lá dentro, mas algo chamou sua atenção, foi rápido, porém ele conseguiu notar que escondidos entre as cortinas haviam pessoas os observando. Olhou para Charlotte que estava de costas para a movimentação, se aproximou e pegou as mãos delas nas suas, ela o encarou confusa e ficou ainda mais intrigada quando ele beijou os nós de seus dedos.
- Estamos sendo observados. - sussurrou, mas com um sorriso no rosto para manter as aparências. - Não olhe. - pediu apressado quando ela pensou em se virar.
- Devem ser o Elliot e a Sabine, aqueles dois se merecem. - os nomes saíram com um toque de amargura que o surpreendeu e ali soube que realmente deveria manter distância dessas pessoas. - Você não precisa me olhar dessa forma. - falou, o encarando desconfortável e foi a vez dele ficar confuso.
- De que forma?
- Como se estivesse apaixonado. - respondeu sem jeito.
- Charlotte, você mesma disse que eles pensam que estamos loucos um pelo outro para casarmos assim tão rápido.
- É, mas. - parou, olhando para as mãos unidas e o puxando para ficarem um pouco mais longe da entrada.
- Você não pode ficar envergonhada toda vez que eu te toco. - disse, recebendo um bufo impaciente como resposta. - É sério, parece que você queima cada vez que eu me aproximo. - para exemplificar, soltou uma mão da dela e levou ao rosto da Page, que recuou automaticamente. - Viu? Como eles vão acreditar que você gosta de mim se nem me deixa te tocar?
Percebeu que ela sabia que ele tinha razão, viu pelos seus olhos que ela estava em um conflito, viu também receio e algo mais que não conseguiu identificar. Enquanto ela pensava em suas alternativas, Henry olhou novamente para a casa e encontrou dois vultos saindo pela porta de entrada, que estava parcialmente escura, e se escondendo em uma das colunas que sustentavam o pequeno teto de pedra acima da entrada.
- Eles estão olhando? - ela perguntou quando o viu afastar o olhar para outro lugar, Henry assentiu e quase soltou uma exclamação surpresa quando ela o abraçou pela cintura. - Vou tentar parecer que gosto de você.
- Isso já é um começo. - garantiu, rindo quando ela franziu o nariz, passou os braços ao redor dela e inclinou levemente o rosto para ficar cara a cara com Charlotte. - Você conhece sua família, hoje devemos ser mais ou menos apaixonados do que para os Hart's?
Charlotte pensou por alguns segundos antes de responder:
- Meio termo, nunca fui uma pessoa melosa em outros relacionamentos, mas também nunca fui muito indiferente.
- Só um pouco? - indagou em um tom provocador que a fez revirar os olhos dramaticamente.
- Você não vai querer a minha indiferença. - afirmou, e ele não ousaria duvidar. - Mas acho que está na hora de entrarmos.
Concordou, separando-se dela um tanto relutante, mas logo entrelaçando seus dedos quando começaram a caminhar em direção à entrada da casa, que por sinal ainda estava ocupada pelas duas pessoas que os espiavam. Notou o quanto Charlotte ficou tensa ao seu lado, a forma como ela apertava sua mão era um forte indício de seu nervosismo.
- Acho que deveríamos ter algum apelido carinhoso.
- Nem ouse, Henry.
Sorriu ao escutar a ameaça velada, ela tinha reagido da mesma forma quando ele sugeriu que trocassem apelidos carinhosos em frente a sua família.
- Que tal meu pedacinho de...
- Se você terminar essa frase eu faço você se arrepender pelo resto da sua vida.
Agora a ameaça não era velada e ele não conseguiu conter a risada ao ver a forma como ela o encarava, quando estavam a poucos metros para entrarem, Henry a puxou levemente para si e falou de maneira carinhosa.
- Quem escuta até pensa que você não gosta de mim, meu amor.
Charlotte abriu a boca para responder, mas foi impedida por uma risadinha animada que veio de uma jovem mulher. Ela estava com um vestido longo e vinho e saía de seu esconderijo arrumando a franja de seu cabelo escuro, ao seu lado estava um homem vestido com um terno de aparência cara e sapatos brilhantes, em seu pulso brilhava um relógio de ouro que contrastava com as unhas pintadas de preto, ele olhou para a Page de forma analítica para depois concentrar sua atenção em Henry.
- Então você é o famoso noivo?
- Se escondendo nas sombras? Que feio, Elliot. - Charlotte fingiu um tom de decepção que arrancou um sorriso do homem à frente deles.
- Esse é um péssimo hábito que aprendi com você, priminha. - rebateu irônico.
- Pensei que vocês nunca iriam entrar. - a mulher, que lembrava vagamente Charlotte, falou de maneira rápida. - Essa festa está um horror, só tem gente velha e fofoqueira.
- Pensei que vocês adorassem saber sobre a vida dos outros, já que até se escondem como ratinhos para descobrirem mais. - a frase foi dita em um tom falsamente meigo acompanhado de um forçado sorriso.
- Você sabe como a Sabine é, adora saber os segredos de todo mundo. - Elliot afirmou, ignorando o resmungo da mulher ao seu lado e se concentrando somente em Charlotte. - Mas devo confessar que saber um pouco mais sobre você nunca irá ser cansativo para mim.
O tom que ele usou não agradou Henry e também percebeu não agradar em nada Charlotte, a Page levantou o queixo e encarou seu primo com uma determinação que sugou toda a atenção do Hart.
- Vejo que suas declarações são bastante volúveis, mês passado você afirmou não querer saber mais nada sobre mim.
Elliot olhou de relance para Henry, que sustentou o olhar frio antes dele se voltar novamente para Charlotte.
- Nossa família é bastante volúvel em relação à alguns assuntos, essa noite você vai poder descobrir por si mesma. - declarou, fazendo uma breve mesura que fez Charlotte bufar e Henry o encarar desconfiado, antes de pegar Sabine pela mão.
- Até depois, Charlotte. - a mulher falou alegremente ao ser arrastada para dentro da casa.
- Ah, merda. - a Page praguejou assim que eles fecharam a porta, fechando os olhos como se tivesse entendido algo que passou despercebido para Henry.
- O que foi isso, Char? - perguntou, começando a caminhar junto com ela para finalmente entrarem no local, porém antes de atravessarem a porta, ela parou e se virou para ele com os olhos brilhando pelo o que Henry reconheceu como sendo lágrimas.
- Digam o que disserem, por tudo o que passamos essa semana, por favor, não fale com a minha avó Mabel.
Após o pedido ele ficou sem saber o que dizer, o intuito de tudo era fingir estarem noivos, esse era o acordo deles, era por esse motivo que ela quase havia surtado assim que eles chegaram, não conseguia entender porque ela queria esconder o noivado logo da avó.
- O que aconteceu?
- Fique longe dela, não importa o quão mal educado ou grosso pareça, só fuja dela por todo o tempo que permanecermos aqui.
- Ela é uma das pessoas que eu tinha que manter distância desde o início?
Só queria confirmar, até porque Charlotte se desesperou muito rápido, ela deve ter percebido já que começou a tentar controlar a respiração e sorrir, sem sucesso nessa última parte.
- Não, não era.
- Mas agora é?
- A principal. - garantiu, olhando rapidamente para a porta e se preparando para entrar. - Agora vamos, não a olhe nos olhos ou ela vai sugar sua alma.
- Isso foi bem animador. - a Page notou a ironia em sua voz e o lançou um olhar intimidante. - Não precisa olhar assim.
- Desculpa. - pediu rapidamente, pegando sua mão e ensaiando um sorriso animado. - Pareço feliz?
- Quer a verdade ou uma resposta consolação?
- Foda-se.
Resmungou, mordendo o lábio inferior ao encarar a porta fechada de maneira irritada, dali conseguiam escutar as vozes alegres que preenchiam o local, tanto como os tilintares de copos e taças de vidro e os acordes de um violino. Esperou por um sinal de Charlotte, porém tudo o que conseguiu foi algo que o encheu ainda mais de dúvidas antes de finalmente adentrarem a casa.
- Elliot não mentiu, minha família é bem volúvel em relação à certos assuntos.
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