II. Best friend
Charlotte abriu os olhos com certa dificuldade, a luz do sol entrava fracamente, sua cabeça latejava e seu corpo estava dolorido. Rolou de barriga para baixo e se esticou sobre as cobertas macias em que se encontrava. Piscou devagar até focar sua visão na porta fechada do quarto, ao ver o lado de dentro da porta de madeira completamente coberto por uma paisagem que fora, possivelmente, pintada à mão, soube que não estava em seu apartamento. Se elevou sobre os cotovelos, um gosto amargo em sua boca fez uma careta adornar seu rosto.
Olhando ao redor do quarto não muito espaçoso, as lembranças da noite anterior vieram rápidas, o que a fez fechar os olhos novamente e afundar o rosto no travesseiro macio que exalava um suave cheiro de shampoo e amaciante. Grunhiu contra o tecido, o som reverberando por seu corpo, aumentando a dor de cabeça e as pontadas no lado esquerdo de seu pescoço. Um possível torcicolo sendo talvez o resultado de uma posição mal planejada.
- Toc, toc.
As batidas na porta vieram acompanhadas por uma voz calma. Assim que escutou passos adentrarem o quarto, levantou o rosto o suficiente para ver Henry parado ao lado da cama, soltou outro grunhido indecifrável e sentiu o colchão afundar quando ele sentou ao seu lado, mas longe o suficiente para não deixá-la desconfortável.
- Acordou bem?
- Não. - respondeu à força, o que o fez rir antes de informar.
Fechou os olhos novamente, sentindo que se se movimentasse a dor em seu pescoço aumentaria. E também não queria ver a clara alegria no rosto dele, quem acordava desse jeito após prováveis poucas horas de sono?
- Tem um copo de água com aspirina aqui. - apontou para uma mesinha de cabeceira e levantou-se em seguida. - Estou fazendo o café caso você queira comer algo.
Ela somente assentiu e o escutou se retirar do quarto e fechar a porta. Charlotte não queria levantar, estava tão calmo e confortável naquelas cobertas, mesmo com a dor que sentia, mas precisava ir para casa, só podia imaginar o quanto suas amigas deveriam estar preocupadas com ela. Sentou-se lentamente na cama e um leve sorriso apareceu em seu rosto quando viu que realmente havia um copo de água com uma cartela de comprimidos ao seu lado.
- Esse cara não existe. - falou baixo, se aproximando rapidamente para tomar algo que acabasse pelo menos com a dor cansativa em sua cabeça.
◇ ◇ ◇ ◇ ◇
Henry fritava alguns pedaços de bacon tentando não respirar o cheiro de fritura, o que se tornava praticamente impossível, mas imaginava que talvez fosse bom para Charlotte comer algo antes de ir embora. Tinha acordado com uma imensa dor de cabeça, mas por sorte seu amigo havia deixado uma de suas misturas milagrosas na geladeira e após tomar um comprimido, sentia-se bem melhor.
Terminava o café da manhã distraído quando a porta de seu apartamento foi aberta, quase deixou a espátula cair de sua mão quando viu quem atravessava a salinha com um enorme sorriso no rosto. O tempo pareceu correr em câmera lenta, conseguia detectar cada movimento da pessoa a sua frente, abriu a boca em descrença quando ela o comprimentou com uma energia característica.
- Oi, bebê!
- Oi... mãe. - seus olhos saltavam dela para a porta de seu quarto, esperava que Charlotte tivesse resolvido continuar um pouco mais na cama até sua mãe ir embora. - O que você está fazendo aqui?
- Preciso de motivo para visitar meu filhinho agora?
Houve uma tentativa de soar ofendida, mas o Hart sabia bem que tinha algo por trás, Siren nunca dava um ponto sem nó. Desligou o fogo e retirou as fatias de bacon, virou-se então para sua mãe, que modiscava um pedaço de torrada que ele havia feito e que estava sobre o balcão que separava a sala da cozinha.
- O que realmente está acontecendo?
- Nada muito grande, querido. - falou, mas seus olhos brilhavam em animação, porém, ela parou um pouco, estreitando os olhos enquanto o observava. - O que aconteceu com você?
- Como assim? - murmurou, arrumando algumas torradas em um prato.
- Você está um pouco pálido e essas olheiras em seus olhos. - apontou em um tom sério. - O que aconteceu, Henry?
Suspirou alto, resolvendo encará-la e quando notou a determinação em seus olhos, se forçou a abrir um sorriso tranquilo que a fez suavizar o olhar.
- Está tudo bem. Só estou um pouco cansado. - continuo antes que ela tentasse novamente. - Você tem novidades?
Siren balançou a cabeça em concordância, ainda o encarando analítica, mas resolveu continuar o assunto de antes.
- Seu irmão quer que tenhamos um jantar especial hoje porque ele tem algo para falar.
- Ele falou realmente que quer um jantar especial? - indagou incrédulo, os jantares especiais de sua família nunca eram simples.
- Bom, não exatamente, mas eu entendi as entrelinhas. - afirmou, certa de que era isso o que seu filho mais velho queria.
- Mãe.
- Não comece, Henry. - o cortou rapidamente. - Você vem me enrolando há séculos, não aparece mais para os jantares que faço, desmarca planos que fazemos em família, da desculpas furadas há meses e agora aposto que está pensando em algo para me enrolar e não ter que ir para o jantar.
Ele realmente estava pensando nisso, mas resolveu ficar calado, mais assustador do que seu pai irritado era sua mãe furiosa. E pela forma como ela o olhava, não duvidava de que ela estava a um ponto de ficar nesse estado.
- O que você está escondendo de mim?
- Mãe, eu prometo que não estou escondendo nada de você. - teve que mentir, mas tentou soar o mais sério possível, detestava quando ela o encarava magoada da maneira que o olhava naquele momento.
- Eu sei que você está escondendo algo, mas não vou lhe pressionar, sei que vai me dizer quando chegar a hora.
Assentiu rapidamente, ela aceitou seu silêncio como um acordo, porém, no momento em que ele achava que tudo ficaria bem e ela iria embora, a porta de seu quarto foi aberta. Uma Charlotte amarrando os cachos bagunçados em um coque, descalça e vestindo uma camisa grande que ele havia emprestado apareceu. Sua mãe virou-se rapidamente na direção dela, percebeu como Charlotte congelou na hora, Siren então levantou-se em um pulo e afirmou triunfante ao apontar para a jovem mulher do outro lado da sala.
- Ahá! Eu sabia que você estava me escondendo algo.
- Mãe, não é nada disso que você...
- Por favor, Prudence, eu te pari, garoto, não tente me enrolar. - o cortou impaciente, lançando um olhar que claramente dizia "nem tente, não vou acreditar em mais nada.", então se voltou para Charlotte e falou em uma voz doce. - Olá, querida.
- Hum, olá? - retribuiu o sorriso meio sem jeito, começando a dar pequenos passos para trás e tentar voltar para o quarto, mas Siren foi mais rápida e caminhou em sua direção.
- Vamos conversar um pouco.
A puxou pela mão para sentar no balcão com ela, Charlotte trocou um olhar descrente com Henry quando a mãe dele se virou animada para ela. Charlotte claramente estava envergonhada por toda aquela atenção, então desviou seus olhos para o prato com torradas que estava à sua frente.
- Mãe, só me escuta um pouco. - pediu, mas no fundo sabia que era em vão, não fazia a mínima ideia de qual teoria ela tinha criado em sua mente imaginativa. - Eu não estou...
- Não, Henry. Você só vai querer me enrolar e dizer que não é por causa dela que você está evitando a família. - acusou, enquanto os dois trocavam olhares impacientes.
A Page tomava seu café em uma falsa tranquilidade, sábia escolha dela em não se intrometer. Henry queria ignorar toda aquela conversa também.
- Porque não é! A Charlotte não tem nada a ver com isso.
Siren resolveu ignorá-lo e focar toda a sua atenção em quem estava ao seu lado.
- Que nome lindo. - elogiou simpática.
- Obrigada. - Charlotte agradeceu, engolindo um pedaço da torrada e estirando a xícara para Henry colocar mais café. - Mas o Henry está certo, nós...
- Não precisa tentar defendê-lo, querida - a interrompeu com um gesto.
- Eu não estou defendendo ninguém, só estou tentando dizer que...
- Está tudo bem. - Siren interrompeu novamente, dando tapinhas reconfortantes na mão de uma Charlotte chocada.
Henry não a culpava, talvez ainda restasse algum resquício de sono em seu sistema para que ela não conseguisse impedir Siren de falar, ou era porque o tom de sua mãe não deixava brechas. Arranhou a garganta para chamar a atenção para si e tentou novamente.
- Eu e a Charlotte não...
- Henry. - o tom foi certeiro e o calou imediatamente. - Não adianta mais mentir. Agora, Charlotte, quem escolheu seu nome?
O Hart fez seu próprio prato e não fez mais esforço para impedir o interrogatório de sua mãe, seria inútil e Charlotte aparentemente não estava muito incomodada, provavelmente havia desistido também. Poucas horas de sono acabam com as defesas de uma pessoa.
- Meu pai, ele sempre quis um nome de princesa e achou que Charlotte seria perfeito.
- Você parece ser tão inteligente, onde você trabalha?
Franzindo levemente a testa, Charlotte respondeu com um sorriso tenso:
- Sou professora de química em uma escola secundária no lado leste da cidade.
- Sempre quis ser professora, mas depois que tive meus meninos escolhi ficar em casa. - informou, soltando um suspiro saudoso ao lembrar de tempos passados.
A Page abriu um sorriso confiante E sincero para ela e afirmou:
- Ainda dá tempo.
- Não, estou bem onde estou agora. Um marido amoroso, dois filhos crescidos e criados, cada um trabalhando no que gosta.
- Pelo menos a metade dos filhos. - Henry falou baixo, porém foi escutado por sua mãe.
- O Noah gosta de advogar, ele tem a mesma paixão que você possui pelas artes. - defendeu rapidamente.
- Pode não ser a mesma, mas pelo menos ele ganha mais. Não é isso que o pai sempre fala? - rebateu sarcasticamente, deu às costas para ela e começou a lavar alguns pratos e copos sujos.
- Seu pai te apoia incondicionalmente.
- O que faça você se sentir melhor. - não estava com vontade de entrar em uma discussão envolvendo o pódio do amor de seu pai justo aquela hora da manhã.
- Ele é tão cabeça dura quanto o pai, por isso vivem discutindo. - fingiu sussurrar para Charlotte, que riu.
- Percebi que ele pode ser bem teimoso mesmo.
- Ainda estou aqui. - lembrou, em sua voz não existia mais nenhum resquício de impaciência.
- Que bom, pelo menos pode ver que não sou só eu que penso assim.
- Você está fazendo a minha caveira, mãe.
- Se ela vai fazer parte da família tem que saber no que está se metendo.
Um comentário simples que o fez ter certeza de que ela realmente havia criado uma teoria louca em sua mente. Olhou para Siren que encarava Charlotte encantada, ao contrário da Page que possuía uma expressão chocada no rosto. Talvez ela tenha ligado os pontos somente naquele momento, prensou os lábios para evitar o riso.
- Fami- o quê?!
Siren soltou uma risadinha bem na hora em que seu celular começou a tocar, checando com rapidez qual era a mensagem, levantou-se em um salto e começou a procurar por sua bolsa.
- Desculpem, mas tenho que ir agora. - disse, pegando a bolsa e caminhando apressada em direção à porta. - Ainda tenho que organizar a decoração do jantar, envio o tema para você depois.
- Mãe, mãe. - tentou pará-la, mas ela somente abriu a porta da frente e antes de sair cantarolou animada:
- Espero você no jantar, Charlotte.
- Mãe! - gritou assim que ela fechou a porta, não se deu ao trabalho de ir atrás dela, a mulher sabia ser mais rápida do que ele quando queria.
- O que foi isso? - perguntou estarrecida quando ficaram a sós.
Henry suspirou alto, caminhou até o sofá e caiu em cima das almofadas.
- Furacão, Siren. - respondeu, abraçando uma almofada com o rosto de um buldogue, uma das preferidas de Jasper. - Que merda, agora vou ter que ir nesse jantar.
Charlotte desceu da banqueta, com a xícara de café em mãos caminhou até sentar ao lado de Henry, tomou um pequeno gole antes de falar.
- Sinto muito e sinto também por você ter que aparecer sozinho.
- Sozinho? - indagou incerto, ela somente assentiu e desviou o olhar do dele.
- Sozinho, já deu a minha cota de mentiras por esse mês.
- Mas essa não entraria para a sua e sim para a minha.
- Henry.
- Por favor, Charlotte. Tudo o que eu menos quero é aparecer sozinho em um jantar que vai estar lotado de casais, e principalmente não quero que a Bianca saiba que mexeu tanto comigo ao ponto de eu não ter conseguido me relacionar com mais ninguém depois que a gente terminou o que quer que a gente estivesse tendo e...
-Tá bom, tá bom. - interrompeu impaciente. - Sua história de garoto triste me convenceu.
- Isso!
- Não comemore de mais, não vou fazer isso de graça. - informou, abrindo um sorriso sugestivo.
- Nunca pensei que você quisesse em troca favores sexuais, mas por mim.
- Seu idiota, não é isso! - exclamou irritada, dando um tapa nele que começou a rir. - Posso muito bem voltar atrás nesse acordo. - avisou, mas Henry somente continuou rindo.
- Eu aceito ser seu noivo. - disse, após se recuperar das risadas. - Mas não vamos ter que nos casar de verdade, não é?
- Claro não. - respondeu descrente. - Só preciso de você por alguns dias, então minha mãe vai surtar por você ser um artista e vamos entrar no looping de discussões novamente, no fim vou terminar por causa dela e vai ser como se nunca tivéssemos nos conhecido. - terminou, levando a xícara à boca enquanto ele a encarava impressionado.
- Você planejou tudo perfeitamente.
- Nunca faço nada pela metade.
- Hum, precisamos combinar nossas histórias.
- E vamos, mas primeiro preciso falar com a Piper. - informou, colocando a xícara sobre um papel na mesa de centro, não havia encontrado um único porta copos e Henry soube que esse fato a incomodou. - Preciso do seu celular. - estendeu a mão para ele que prontamente desbloqueou a tela e entregou o aparelho à ela. - Vamos ter que ir pro meu apartamento, se arruma logo.
Após a ordem, levantou-se do sofá e seguiu para a cozinha, Henry a observou sem reação por alguns segundos antes de seguir para o seu quarto murmurando.
- Que mulher mandona.
- Eu escutei! - gritou da cozinha, o que o fez se virar para ela com um sorriso que a fez fechar a cara.
- Era pra escutar mesmo.
- Posso muito bem arranjar outro noivo.
- Não somos vendidos em catálogos, querida.
- Não, são encontrados em bares mesmo. - rebateu, com um sorriso vitorioso que aumentou quando ele levou uma mão ao coração e fingiu estar magoado.
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