[60]
49 dias antes
O Luke abre a porta do seu apartamento e eu desencosto-me da parede aborrecida do corredor do nosso prédio.
Dou-lhe um sorriso envergonhado e ajeito a alça da mochila no meu ombro.
"O que estás aí a fazer?"
A sua voz suave preenche o silêncio e eu decido dar mais um passo na sua direção.
"Huh, à tua espera para irmos para a escola?"
Tento disfarçar a minha voz cansada devido às poucas horas de sono que tenho no meu sistema.
O loiro acena-me com a cabeça e, ainda com uma expressão desconfiada, começa a andar em direção ao elevador.
"E quando exatamente é que decidiste fugir da minha casa?" a pergunta deixa os seus lábios e eu sinto todo o ar do elevador a ser sugado.
"Hm, provavelmente antes de tu acordares? Tinha que arrumar as coisas da escola e queria tomar banho."
Escolho ignorar o facto de que o Luke tem um sono extremamente leve e ouviu a porta do seu apartamento a fechar às três da manhã. Algo que o loiro podia ter mencionado tal como o facto de que eu podia ter tomado banho na sua casa, até porque tenho lá roupa minha, ou o facto de que eu podia ter pegado na minha mochila quando saissemos até porque já o tinha feito de outras vezes.
Mas o rapaz de olhos azuis não diz nada e a conversa fica por aí.
O silêncio constrangedor que pairava entre nós é novamente quebrado a meio do caminho.
"Foi assim tão mau? Quer dizer eu esperava que tivesse sido, no mínimo, agradável."
Viro a minha cabeça para o lado tão depressa que por momentos achei que tinha partido o pescoço.
É então que, erradamente, respondo-lhe sem sequer processar as palavras que estou a dizer.
"O meu padrasto violava-me. Tudo o que tu pudesses fazer seria mais agradável."
Paramos os dois de andar exatamente ao mesmo tempo e eu arregalo os olhos.
Merda. Foda-se, sarcasmo e mecanismos defensivos, este não era o momento.
"Eu não queria dizer isso."
"Mas disseste."
Encaro a sua expressão vazia e tento perceber se ele está magoado ou zangado. Ou ambos.
"É isso que sou para ti? Uma espécie de plano de recuperação?"
A sua acusação deixa-me sem palavras e ele apenas me dá uma risada sarcástica e volta a andar.
"O quê? Não, Luke! Luke!"
Sinto os meus olhos a humedecerem quando ele ignora o meu chamamento.
Acelero o meu passo tentanto alcançá-lo, e quando consigo agarro na sua mão.
Ignoro o choque que o seu toque me dá e ponho a minha outra mão na sua bochecha.
"Luke, olha para mim." peço.
O loiro fecha os olhos, suspira, encosta a cara à minha mão, e por fim encara-me.
"A última noite foi fantástica. Tu és fantástico. Eu só-"
Faço uma pausa para respirar fundo e concentrar-me no que vou dizer de seguida, perante o seu olhar atento.
"Eu gosto de ti. Eu gosto mesmo de ti. Mas eu venho com um passado pelo qual eu não pedi, Luke. Acredita, eu tento esquecê-lo. Eu tento esquecer-me de tudo o que veio antes de ti e eu bem posso fingir que nunca aconteceu. Mas ao final do dia, quando eu estou despida e vulnerável tudo o que sinto é repulsa. Não só do meu corpo mas de mim como um todo.
E eu quero que tu mudes isso e, sim, eu sei que isso é incrivelmente egoísta da minha parte, mas não queria que fosse mais ninguém a fazer-me sentir da maneira que tu fazes."
No momento em que paro de falar, umas pequenas gotas de tristeza das nuvens começam a cair sobre nós. Mas que conveniente.
Antes que o Luke possa abrir a boca, eu resolvo acabar o mais perto que eu já estive de me declarar a alguém.
"Não és um plano de recuperação. És a minha hipótese de ser feliz."
É a sua vez de envolver a minha cara com ambas as suas mãos e sussurrar "Ninguém é egoísta por querer ser feliz." antes de unir os nossos lábios.
Continuamos o caminho para o inferno escolar de mãos dadas e, embora as nossas cabeças estivessem cheias de inseguranças, o silêncio que nos envolve é confortável.
Uma chuva molha-parvos continua a cair, mas já estou meio habituada.
Penso nos últimos 4 meses e em como parecem ter passado anos desde que me mudei para aqui.
A minha incapacidade de manter a boca fechada surge num momento indesejado.
"Alguma vez te contei porque fui obrigada a mudar-me para Inglaterra?"
"Hm, estava implícito, não?"
"Sabes porque é que a Scarlet me incomoda tanto?"
"Emma..."
"Não, Luke, ouve-me. Eu não vim para aqui para fugir daquilo, mas sim das pessoas que sabiam."
O loiro não diz nada e continua a olhar em frente mas o seu aperto na minha mão é intensificado para me encorajar.
"Um dia a minha mãe foi à minha escola contar à minha diretora de turma que a sua família era uma desgraça. O seu filho tinha acabado de ser preso por tráfico de drogas e a sua filha, bem, tu sabes, era uma desavergonhada e disse-lhe o porquê. Oh, desculpa, esqueci-me de o mencionar que o disse a meio de uma aula, a minha aula, porque achava que era a hora de atendimento? Deus me perdoe, mas isso não foi doença nenhuma. Foi pura maldade. Ela foi tão malvada como todas as pessoas que me olharam enojada depois e disso e como todas as pessoas que acharam que eu era uma puta, que só precisava de um pouco de atenção, e como a Scarlet que me deu esse mesmo olhar e eu não posso aguentar mais, eu já me sinto suja o suficiente sem ninguém ter que-"
"Emma, para!"
A maneira como a sua voz sobe de tom a primeira vez desde que o conheço faz-me encolher e largar a sua mão.
Lágrimas despercebidas já corriam pela minha cara e eu baixo o meu olhar.
A culpa é minha.
Isto é para o teu bem, Ems. O teu paizinho e o estúpido do teu irmão não precisam de saber. A culpa é tua.
"Emma, desculpa, eu não queria gritar contigo."
--Luke--
As suas lágrimas misturam-se com a chuva e a ruiva limpa a cara furiosamente com as mangas da minha camisola, que ela tinha vestida.
Pego nos seus pulsos delicadamente e respiro fundo.
Estúpido Luke. Sinto o peso de lhe ter levantado a voz a afundar no meu coração. Sei que ela precisava de desabafar mas magoou-me muito vê-la a começar a chorar no meio da sua explosão sem se aperceber disso e eu sei que só há um tanto de sofrimento com que uma pessoa pode lidar antes de algo quebrar dentro deles. E a Emma está despedaçada.
"A culpa é minha."
Franzo as sobrancelhas e sinto o meu coração a doer no meu peito.
"Shhh, olha para mim." entrelaço os nossos dedos tentando de alguma forma reassegurá-la de que ninguém lhe ia fazer mal.
Algumas pessoas nascem com o destino mal traçado e a rapariga à minha frente é definitivamente uma dessas pessoas.
Eu só queria poder envolvê-la nos meus braços e certificar-me de que mais ninguém a pode magoar de novo.
A Emma funga e finalmente fixa-me com os seus olhos marejados.
"Nós- nós não podemos fazer isto" outro fungo "Eu tenho problemas e-"
"E eu quero-te com ou sem eles." a frase escapa-me antes que eu o possa evitar. Não que adiantasse tentar esconder algo a este ponto.
Uma gargalhada adorável deixa os seus lábios, por entre soluços e fungos e eu aproximo-me dela.
Beijo a sua cara e apanho uma das suas lágrimas, sorrindo contra a sua bochecha.
"Hm, salty."
Desta vez recebo para além de outra risada, um murro no peito. Ao fazê-lo ela agarra na minha camisola e eu abraço-a.
"Obrigada." Não passou de um sussurro abafado pela minha roupa, mas eu ouvi-a.
"Não tens que agradecer."
"Ufa, eu odeio ser bem educada."
Desta vez rio com ela e sinto a tensão a dissipar-se à nossa volta.
"Com uma condição, não te quero mais ouvir a falar mal de ti. Ouvir pessoas a mentir deixa-me louco."
Com a minha própria manga limpo o que restam das suas lágrimas e tiro os cabelos da sua cara.
Deus, ela é mesmo bonita.
Recebo um revirar de olhos, seguido por um selinho.
Fico a sorrir feito parvo no meio da rua quando a Emma agarra as alças da sua mochila e continua a caminhar no sentido do inferno educacional com uma cara inocente, como se não tivesse passado nada.
"De que estás à espera? Vais ficar molhado."
"Por acaso, tu deixas-me-"
A ruiva volta-se para trás com uma expressão zangada mas um sorriso divertido baila nos seus lábios.
"Se tu acabas essa piada, Luke Robert, nunca mais te falo."
"Oh, e nós não queremos isso, pois não?" pisco-lhe o olho, recebendo um murro suave, para retomar o caminho.
"Porra, já estavamos a pensar em ir buscar-vos. O que é que estavam a fazer para demorarem uma eternidade? Esqueçam, não quero saber a resposta a essa pergunta."
Quase que reviro os olhos, como quase que aposto que a Emma o fez.
Oh, Katherine, se tu soubesses.
Resolvo responder-lhe na mesma moeda.
"Oh, mas que pena. Pensei que querias dicas para usar com o teu amigo. Como foi o teu encontro já agora?"
Um sorriso de gozo ((SIGNIFICA BRINCALHÃO, GENTE BRASILEIRA, NAO SEJAM INDECENTES)) aparece na cara da Emma.
Quase que me rio da cara raivosa da loira, mas paro-me quando vejo o meu melhor amigo a revirar os olhos com o maxilar firme.
Algo em que a Emma também repara e resolve mencionar.
"Michael, a Kath já te apresentou o Cody?"
"Cody? Não conheço nenhum Cody." ele encolhe os ombros levantando uma sobrancelha para a sua irmã, para ver se lhe sacava alguma informação.
"Okay, okay, já percebi. Podem parar com isso. Sim, Mikey, tenho um namorado. Não sei como aconteceu, nós sempre tivemos meio que uma relação amor e ódio. Em minha defesa, eu não tinha contado a ninguém. A Emma não conta. Eu tinha vergonha de te contar, porque sei lá, é estranho falar com o meu próprio irmão sobre isso. Tenho a certeza de que o Luke não fala sobre a Emma com a Marianne."
Resolvo interrompê-la, antes que a conversa fosse noutra direção.
"Porque é que me arrastas sempre para as tuas conversas, Katherine?"
"Lucas, não sejas comichoso."
Semicerro os olhos à rapariga à minha frente, que faz o mesmo.
"Chega, chega. Não comecem as vossas lutas infantis. Eu já entendi. Só gostava que tivesses confiança suficiente em mim para me teres contado."
--Emma--
O tom desiludido do Michael parece despertar algo dentro da Kath, que abraça o braço do irmão, encostando a cabeça no seu ombro.
"É claro que confio em ti, Mikey. Eu conto-te tudo o que tu quiseres a partir de agora, desde que não ultrapasse o limite de estranheza."
"O limite de estranheza? Oh meu deus, Kath, tu tens 16 anos!"
Ambos os irmãos estão prestes a rir, mas ambos sabem que há uma ponta de seriedade nesta conversa.
"Olha, aconteceu, está bem?"
Oh meu deus. Sinto os meus níveis de vergonha alheia a subir. Dou um sorriso divertido ao Luke que morde o seu lábio para não rir.
Bem, é nestes momentos que percebo o quão diferente sou da minha melhor amiga.
"Okay, tens razão, há coisas que prefiro não saber. Desde que andes a ter cuidado. Espero mesmo que não fales disto à tua irmã, Luke."
Todos olhamos expectantes para o Luke, que apenas encolhe os ombros.
"Ela bem tenta saber dessas coisas, por acaso. Mas, deus me livre."
A noite anterior volta a surgir na minha mente e eu sinto-me a corar violentamente, tentando evitar um sorriso, algo que tenho que disfarçar bastante bem perante o olhar sempre atento Kath.
Quando os irmãos já não estão a olhar, distraídos noutra conversa, eu junto os meus dedos aos de Luke, farta de senti-los balançar no meio dos nossos corpos.
"Ugh, se há coisa que odeio é o fim de outubro. Esta chuvinha incerta e o friozinho estúpido tira-me do sério. O inverno é muito mais fixe." a Kath começa um novo rant e o loiro ao meu lado responde-lhe.
"Katherine, tu vives em Londres. O tempo é assim literalmente o ano inteiro."
"Ai, é que nem penses nisso."
Por momentos todos achamos que ela estava a falar com o Luke, mas quando ela se separa de nós e começa a dirigir-se furiosamente para o portão da escola percebemos o motivo da sua raiva.
Encostado ao portão encontrava-se o Cody, com quem eu tinha falado uma ou duas vezes, a falar com, nem mais nem menos do que a Scarlet.
"Quem é aquele tipo?" o Michael pergunta ao que eu lhe respondo que é o seu cunhado.
"O que é que ela está a fazer?" o Luke pergunta-se a si próprio e eu fico sem perceber de qual das duas ele está a falar.
Por segundos, acho que ele vai largar a minha mão de novo.
Eu devia deixar de duvidar do que ele (não) sente pela Scarlet, quando ele já me assegurou que eu não devia duvidar dele. Mas, eu não consigo evitar.
O Luke não larga a minha mão.
Em vez disso, aperta-a com mais força e começa a puxar-me em direção aos três indivíduos, provavelmente prestes a causar drama.
"O que estás a fazer aqui?" ouvimos a Kath perguntar e o Cody lança-lhes um olhar confuso.
Pobre rapaz, foi apanhado numa guerra maior do que ele.
A loira já tinha um grande rancor guardado da Scarlet-vaca por causa de ela ter traído o Luke e ainda o ter deixado com cicatrizes emocionais.
Aperto a mão do rapaz ao meu lado ainda com mais força.
"Estou só a conversar com um colega. Oh, olá Luke." a sua voz era tão inocente que quase até eu acreditei que ela era inofensiva. Como é que eu tive pena de ter sido rude para ela?
"Posso dar-lhe um murro?" sussurro para o Luke, que sorri.
"Tu deves ser o Cody." o Michael resolve pronunciar-se e toda a nossa atenção é mudada para ele "Era mesmo de ti que estava à procura. Desculpa, Scarlet, continuam a conversa mais tarde. Ou nunca."
A Kath é rápida a enxotá-la e embora eu ache isso muito mau, dá-me um bocadinho vontade de rir. Um bocadinho.
"O que é acabou de se passar aqui?" o rapaz olha em redor para todas as caras desconhecidas.
"Eu sou o Michael, o irmão." o rapaz de cabelo descolorado apresenta-se. Mas ao contrário do que vemos nos filmes, nada na sua cara ou tom de voz era assustador. Ele estava apenas a ser simpático e adorável como sempre.
A cara do namorado da Kath muda totalmente de expressão e ele endireita-se.
"Oh, tu és o Michael, Michael. Hm, eu sou o Cody. Mas pelos vistos vocês já sabem isso?" o rapaz atrapalhado dá um olhar panicado à Kath.
"Okay, nós vamos embora. Divirtam-se. Adeus, Cody. Nós não gostamos daquela tipa e aconselhamos-te a também não gostar." o Luke fala e vira-se levando-me com ele. Aceno às três pessoas que ficam para trás e quando finalmente ficamos fora dos seus campos de visão, começo-me a rir.
"Ugh, dramas." o loiro revira os olhos com uma cara divertida.
Luke, tenho uma novidade, dramas é comigo.
Chegamos à porta da sala para encontrar a Carrie e o Calum a conversarem sobre o Kurt Cobain. É melhor nem perguntar.
A Carrie diz que não faz isso de "gostar de pessoas" e eu respeito isso, e dá para perceber que estes os dois se dão incrivelmente bem mesmo que sejam apenas amigos com todos os gostos em comum.
"Onde estão os irmãos maravilha?" o rapaz asiático pergunta quando nos aproximamos.
Pelo canto do olho vejo algumas das raparigas da minha turma a olharem-nos de lado e apercebo-me de que ainda estou de mão dada com o Luke, que não parece importar-se.
Ainda não consegui habituar-me a ouvir as conversas no balneário, quando elas acham que eu não estou a ouvir.
Eu sei que elas têm razão, o Luke é todo bom. E provavelmente merece melhor que eu.
"O que se passa? Estás a fazer outra vez aquela cara."
Viro a minha cabeça para o lado para encarar o Luke.
Reparo que a Carrie e o Calum já estão dentro da sala e muita gente já está lá dentro também.
Os seus olhos azuis pedem-me para ser honesta e, por muito que seja embaraçoso, eu sou.
"Huh, ainda não estou habituada a sentir algo quando vejo outras raparigas a olhar para ti como se te quisessem comer. O que provavelmente querem."
A sua expressão é simplesmente divertida. Tenho quase a certeza que ele está a usar todas as suas forças para não se rir e eu desvio o olhar.
"Não me julgues."
"Ems, não te estou a julgar. Isso é querido. Não acho que te tenhas que te preocupar. Só gosto de uma rapariga, não sou poliamoroso. Sabes, acho que nunca ninguém tinha tido ciúmes por minha causa."
Cruzo os braços e faço-lhe beicinho.
"Não estou com ciúmes."
"Bem, acabaste de dizer que estavas."
Semicerro os olhos e dou-lhe um murro no braço.
"Idiota."
Entro na sala, a tempo de ele não me ver a sorrir.
❇❇❇
hey, podem achar este capítulo meio lamechas ou patético, mas actually it means a lot to me
não só porque a emma e este luke são os meus bebes e me deixam incrivelmente nostálgica, porque acreditem ou não estou a escrever esta história há 4 anos
mas também porque tenho a dedicar este capítulo à MissSmily , que eu ainda nem sei se usa wattpad, mas que faz anos amanhã 🍰
Não consegui arranjar uma melhor maneira de te dar os parabéns quando já nem sei se é estranho tos dar
mas sei que esta história, devo-ta a ti, porque foste tu que me ajudaste a desenvolver as personagens e foste tu que me incentivaste no início, mais do que ninguém, tecnicamente esta história também é tua, por isso foi a única maneira que arranjei de fazer isto valer a pena
rita, parabéns, obrigada and remember that I'm always going to be sorry ♥ e vais sempre ser a minha kath.
é agora o momento certo para dizer que muito provavelmente faltam apenas 10 capítulos até ao final?
muito obrigada e espero que gostem xx
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