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Capítulo 7

— Eu proponho que a SamVita compre a Criotec!

A convicção de Samuca ativou os pensamentos de Carmen, que agora trabalhavam na formulação dos prós e contras daquela ideia.

— Ah, meu filho. – ela iniciou, levantando-se e indo de encontro ao jovem, que também se colocou de pé. – Eu agradeço imensamente por querer ajudar-me dessa forma, mas adquirir uma empresa nesse momento de crise é uma atitude bem intempestiva.

— Não, não, mãe. A senhora sabe melhor que qualquer um que a Criotec está à frente de qualquer outra organização no ramo da criogenia. As pesquisas realizadas aqui só vão nos beneficiar.

— Samuel, o instituto não possui fins lucrativos, trabalha constantemente no vermelho.

— Como todos os centros de pesquisa no Brasil. Isso não é novidade. E também não será a primeira aquisição da SamVita que dá prejuízo. Mas o fato é que desde que os congelados apareceram, muita coisa mudou. É assunto dominante nos meios de comunicação e isso pode se traduzir em lucro no futuro.

— E se o conselho diretor alegar motivos pessoais pelo nosso grau de parentesco?

— Eles me conhecem o suficiente para saberem que essas razões não interferem nas minhas decisões.

Carmen não pode conter um suspiro de preocupação. Os argumentos do filho eram irretocáveis e a chance de poder fazer mais pelos pacientes era demasiadamente tentadora, todavia a decisão final não estava em suas mãos. Tudo dependia do irresponsável presidente do instituto, Diego Uirapuru.

— Mãe, pensa comigo: além de podermos acompanhar a adaptação dessas pessoas, poderemos ajudar muitas outras. A sobrevivência deles a anos de congelamento comprovou que a criogenia tem fundamento. Com mais tempo e recursos para as pesquisas, vocês terão as condições de desenvolver métodos de prevenção e tratamento de doenças graves. Isso seria um salto na qualidade de vida em escala global!

— Tudo bem, me convenceu! – respondeu com um sorriso esperançoso. – Entre em contato com a presidência da empresa e faça a proposta. Se minha opinião for solicitada, falarei em seu favor.

— Obrigado! – abraçou-a. – Preciso ir para casa. Alguma recomendação?

— Sim, poderia passar no meu apartamento e trazer Aurélio e Julieta para cá? Eles passaram o dia sozinhos.

— Hum... Acha que os dois resolveram tirar o atraso? – sugeriu com certa malícia, rindo em seguida.

— Samuel! – ela advertiu, dando-lhe um leve tapa no braço. – O foco não é esse. Não é prudente que permaneçam tanto tempo desacompanhados em um ambiente totalmente novo para eles.

— Entendo. Mais tarde estarão aqui. Já vou. – beijou a cabeça da mãe e saiu.

**********
Apartamento de Carmen

— Julieta, depois de tudo que conversamos, me ocorreu uma dúvida.

— O que foi, Aurélio?

— Como faremos para reaver nosso patrimônio? Entendo que os documentos e as joias que estavam no navio jamais serão recuperados, mas tínhamos as fazendas, as plantações, o rebanho, até a sua mansão aqui em São Paulo. O que foi feito de tudo?

— Confesso que também penso nisso. Acredito que Carmen possa nos dar uma orientação, indicar um bom advogado, talvez.

O botânico sorriu triste ao lembrar-se de Jorge, o profissional do direito mais reconhecido da região e que, certamente, saberia resolver esse imbróglio com facilidade.

A rainha, notando a feição do noivo, entrelaçou suas mãos às dele como ele sempre fazia para demonstrar apoio, por pior que fosse a situação.

— Meu bem. – ela iniciou. – Eu sei que muitas coisas mudaram e que teremos de nos adaptar a este novo século, mas quero que saiba que o meu amor por você segue intacto, vivo e intenso. Não importa que 108 anos tenham se passado, aqui dentro tudo segue igual. – respondeu com uma das mãos pousada sobre o peito, onde era possível sentir o pulsar de seu coração.

— A Rainha do Café fazendo declarações? – soou divertido. – Eu também sigo te amando com devoção, Julieta. E assim que a situação se acalmar, nos casaremos! Porque reaprender a viver, contigo ao meu lado, é tudo o que eu poderia pedir aos céus.

Ambos sorriam abertamente, mantendo os olhos conectados. A promessa de permanecerem juntos lhes dava coragem para enfrentar o que quer que fosse. Sem se darem conta, diminuíram a distância entre os corpos, mas antes que as bocas tivessem a mesma oportunidade, a porta da residência se abriu revelando a presença do jovem Tercena, que decidiu se manifestar antes que o constrangimento dominasse o ambiente por completo.

— Err... me desculpem por chegar assim. Minha mãe pediu que os levasse para o instituto.

— Ah, sim. – Aurélio concordou de pronto. – Mas antes de irmos, senhor Samuel, gostaria de agradecê-lo pelo auxílio no hospital e pela hospedagem. Não tive a chance de fazê-lo antes, então obrigado.

— Vocês podem me chamar de Samuca e é um prazer, tanto para mim quanto para Carmen, ajudá-los. – afirmou sincero. – Vamos?

— Sim. – o casal respondeu em uníssono, direcionando-se à saída.

**********

Enquanto o ritmo frenético ditava o tempo em São Paulo, a quilômetros de distância, a calmaria reinava na isolada Ilha Vermelha, pertencente ao litoral do Guarujá.

Suas águas quentes sempre foram um convite para Stefânia, única moradora do local, praticar sua atividade favorita: mergulho noturno.

Durante os anos em que viveu no continente, a mulher de cabelos loiros e olhos verdes dedicou-se ao que considerava ser sua missão de vida: o cuidado com a natureza. Não à toa, optou pela formação em biologia e fez daquele lugar afastado o seu mundo.

Devidamente vestida e equipada, a jovem lançou-se ao mar, alcançando rapidamente a parte mais profunda. O talento para natação a fazia se mover por entre as rochas submersas com perfeição. A lanterna especial iluminava o território percorrido, no entanto, um brilho diferente logo chamou sua atenção.

Aproximou-se do objeto e, livrando-o da areia, surpreendeu-se ao reconhecer um colar. Como a ilha não era aberta a visitação, não fazia ideia de como aquela joia chagara lá.

Intrigada com a descoberta, Stefânia encerrou o mergulho antes do previsto e voltou para a cabana onde morava.

— Nossa, nunca vi um trabalho assim, tão diferente. - pensava em voz alta, analisando a peça.

O cordão fino era feito de ouro puro e no pingente destacava-se um belo rubi, perfeitamente lapidado para se tornar uma rosa vermelha. O caule da flor, também feito de ouro, possuía um formato atípico e trazia a seguinte inscrição: "A letra nasce da rosa". Foi assim que a mulher reconheceu um "J". Por um momento, desejou ter o nome com aquela inicial apenas para poder usar aquela joia tão linda.

De repente, um lampejo passou por sua mente, fazendo-a recordar-se do último final de semana. Havia acabado de atracar o barco em uma área deserta da Praia de Pernambuco quando avistou um homem – talvez um surfista, a julgar pelos trajes – reanimando uma mulher que acabara de retirar da água. Pensou até em se aproximar, mas a senhora era por demais escandalosa. No entanto, chamava-lhe a atenção as roupas que usava, a escolha de palavras – ainda que para insultar o rapaz -, a insistência ao afirmar que era uma nobre inglesa.

— Lady Margareth... – recordou-se. – Será que você e esse colar têm alguma ligação?

Com esse questionamento, Stefânia deixou-se levar pelos pensamentos, tendo apenas a solidão como testemunha e companheira.

**********
Instituto Criotec

Passava das nove da noite quando Carmen pronunciou um sonoro "finalmente", anunciando o término de uma pilha de documentos e relatórios de progresso dos pacientes. Penitenciava-se pelo acúmulo de trabalho, mas desde que Julieta e Aurélio despertaram, haviam se tornado sua prioridade. Os papeis poderiam esperar.

Observou a hora indicada no relógio de parede e perguntou-se quanto tempo mais teria que esperar até o filho chegar com seus ilustres hóspedes. Sacou o celular do bolso do jaleco e discou os primeiros números.

— Melhor não. Ele deve estar dirigindo.

Bloqueou o aparelho e seguiu para a sala de criogenia, que aquela altura já era mais a sua casa do que dos congelados. O ambiente de tons azulados e baixa temperatura trazia-lhe conforto. Era seu trabalho, a recompensa por anos a fio de dedicação. Era parte da sua vida, o reflexo de suas escolhas sempre humanas. Jamais permitira que um ser vivo sofresse qualquer tipo de dano em suas mãos ou sob suas ordens. E essa conduta a impulsionava a ir além, ao ponto de não saber qual seria a sua zona de conforto. Nunca a conhecera, nem fazia questão de tal. Seus prêmios, honrarias e condecorações mundo afora chancelavam sua competência, mas nenhum deles trazia a mesma paz que o reconhecimento de sua própria consciência "estas pessoas estão seguras com você e tu sabes disso".

Aquela viagem por seus pensamentos poderia durar todo o expediente se o alarme do local não a despertasse abruptamente. Mais uma cápsula estava se despressurizando, o que a fez se aproximar. Chegou no exato momento que o par de olhos azuis revelava-se pelo abrir das pálpebras levemente envelhecidas. Ele parecia agitado, revezando o olhar por todas as direções possíveis. Com dificuldade, levou as mãos grandes ao vidro que o mantinha enclausurado.

— Mas... o que...? O que é isso? – ele questionava num misto de confusão e irritação. – Por que estou preso aqui?

Por alguma razão, a câmara não abriu automaticamente, abafando a voz do recém-despertado. Carmen precisou de muito autocontrole para acalmar aquele temperamento arisco e acionar o comando manual do equipamento.

— Senhor, pelo amor de Deus, pare de esmurrar a máquina! Vai acabar se machucando!

— Isso é um ultraje! Um homem como eu sendo posto a ferros injustamente! – os socos continuavam. – Eu exijo sair daqui... AGORA!

A última palavra reverberou por toda sala, junto ao som dos estilhaços chocando-se com o chão. A cientista observava a cena atônita! Aquele senhor – lindo, por sinal, com os cabelos grisalhos e porte atlético, pensou e logo se puniu pela desvirtuação – havia quebrado a estrutura de vidro com as próprias mãos.

— O... o senhor está... bem? – ela questionou, voltando a se aproximar com cautela.

— Agora estou. – respondeu direto, enquanto saía da cápsula. – Ah, eu peço perdão por esse incidente, mas esta coisa estava privando-me da liberdade sem que eu soubesse o motivo.

— Err... T-tá... – foi o que conseguiu verbalizar.

— Ah, perdoe-me a indelicadeza. – disse, finalmente se concentrando na mulher. – Permita-me que eu me apresente. Teotônio Augusto Sabino Machado, seu criado.

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