V. Cinco
Uma das obrigações de todo aluno do Blasphemous Hampsher, além das tarefas normais com relação aos estudos, era que todos precisam fazer atividades extraclasse. Era preciso estar em pelo menos uma atividade envolvendo artes e outra envolvendo esportes, o que não era muito do agrado de algumas pessoas, mas fazia parte do programa de formação entre corpo e mente que o conde Hampshér não dispensava.
Felizmente, havia uma gama infinita de opções para se escolher.
O Blasphemous Hampsher participava de campeonatos intercolegiais importantes entre os colégios de prestígio do Brasil, e se saía bastante bem na maioria das modalidades justamente porque seus alunos praticavam desde cedo. Nenhum time, entretanto, era tão bom quanto o de polo, que já foi campeão várias vezes. Havia uma sala na ala da diretoria no prédio principal onde ficavam os troféus e as fotos dos times vencedores em todas as modalidades, mas o polo era a grande estrela de todas.
Atualmente, o capitão do time era César Clarencer, que praticava o esporte desde criança. A verdade era que a maioria de nós do Blasphemous Hampsher era obrigado a praticar esportes de gente rica desde cedo e já estávamos acostumados a isso quando entrávamos no colégio. Todo mundo escolhia o que geralmente já era algo que gostava de jogar ou já sabia que tinha aptidão, e a vida seguia como tinha que ser.
Infelizmente para Lucas Alexander Colón-Barrington, ele não era uma dessas crianças cujos pais tentavam disciplinar através do esporte e das mil e uma tarefas que os faziam ficar ocupados e não parecer que existiam. Ele nunca demonstrou interesse por nada do tipo, Lucas era o tipo de pessoa que preferia passar seu tempo ostentando o dinheiro em iates e festas e sua família nunca o obrigou do contrário.
O que dizia muito sobre os Colón-Barrington e a situação em que se encontravam naquela época em 2010.
Todo mundo no BH sabia quem era o ilustre filho de Robert Barrington e Angélica Colón, o maior exemplo de realeza que existia dentro do nosso castelo já composto por crianças de sangue azul. Só o hífen no sobrenome já denunciava que ele era o fruto da união de gigantes tão magnânimos que jamais abririam mão do seu sobrenome poderoso não apenas por vaidade, mas por prestígio. Por parte de mãe, Lucas era bisneto de Luigi Verucca e uma legítima princesa de Costa Malva – um pequeno país luso ao oeste de Portugal. Eles haviam tido quatro filhos, dentre eles o avô das crianças Verucca que também conhecemos nesse livro. Mas a segunda filha do casal se casou com um poderoso duque espanhol que se apaixonou pelo Brasil, Salvador Colón, e deu continuidade a uma nova família. A filha deles, Angélica, casou-se então com Robert Barrington, herdeiro de um império do aço inglês que também estava na fila de sucessão ao trono da rainha Elizabeth II, porém distante demais para ocupar o cargo sem que houvesse antes uma chacina. O que nos dá o incrível total de três família reais correndo pelas veias de Lucas Alexander Colón-Barrington.
Bisneto de princesas malvinas, neto de duques espanhóis, filho de nobres ingleses. Conhecido por nós como "o duque" e o rei de todas as festas. Ele era uma dessas pessoas que exalavam soberania mesmo quando estava apenas parado de pé no meio do pátio do colégio. Era uma dessas pessoas a quem foi dito que podia tudo e ele, é claro, acreditou. Por que não acreditaria?
E, assim, ele fez o seu reinado baseado em tudo aquilo que lhe era precioso.
Duque não era movido por poder ou por dinheiro, embora essas coisas fossem cruciais para manter o seu estilo de vida. Mas eram coisas tão corriqueiras na vida do rapaz, sempre lá desde que se entendia por gente, que ele não dava tanta importância assim. Apesar de ser uma majestade, ele nunca se preocupou em governar nada, pois isso era trabalho para os chatos. A não ser que estivéssemos falando sobre a diversão, então sim Duque ocupava a posição de chefe em dois segundos.
Mas havia algo sobre ser o rei da festa em um colégio de adolescente que fazia com que o mundo estivesse na palma das suas mãos soberanas.
Ele, afinal, vestia como ninguém a capa de majestade extravagante e inconsequente e não ligava de verdade para absolutamente nada.
Ou ao menos era assim que eu poderia descrevê-lo antes do que aconteceu naquele inverno.
Ele estava sozinho no quarto que dividia com César Clarencer e Olavo Albuquerque no dormitório masculino. A noite já estava começando a cair e todas as cortinas estavam fechadas e as luzes apagadas, deixando o ambiente abafado e escuro. Duque estava jogado no sofá do aposento, com a cabeça pendendo para trás, encostada na parede. Seus olhos estavam fechados e a pele suava enquanto ele respirava devagar, sentindo o mundo todo girar de um modo diferente. Os cabelos castanhos claros (ou loiro escuros) estavam grudados na cabeça e, quando o rapaz abriu os olhos, viu um monte de cores espalhadas pelo teto. Ele deixou escapar um sorriso de dentes perfeitos e riu consigo mesmo, o tórax se comprimindo e dilatando. Ele esticou a mão e pegou a garrafa de absinto já na metade, despejou o líquido dentro da própria garganta, mas o garoto não sentia mais nada a essa altura. Tudo estava entorpecido dentro dele, do jeito que procurava para conseguir lidar com os demônios que o perseguiam desde o último mês.
Lucas Alexander Colón-Barrington sempre foi um desastre ambulante que vivia flutuando entre a diversão, o sadismo e o deboche. Eram assim que podiam ser descritos seus sorrisos, sua postura, o modo como ele encarava o mundo. Ele era um cara errado, uma dessas pessoas que aos poucos eram consumidas pelo próprio excesso e extravagância. Talvez fosse por saber disso que ele conseguia disfarçar como ninguém quando seu mundo estava caindo em cima da sua cabeça, como era o caso daquele início de noite de 2010. O Duque, afinal, já era a pessoas drogada, a pessoa que todo mundo sabia que não tinha jeito e apenas riam e balançavam a cabeça para sua autodestruição divertida.
Ah, se eles soubessem...
Ele limpou a boca e devolveu a garrafa para a mesinha ao lado do sofá do quarto, sentindo a pele vibrar de um jeito mais palpável do que devia ser possível. Encarou suas mãos enquanto encolhia e esticava os dedos, como se estivesse descobrindo agora os movimentos que conseguia fazer com eles.
O rapaz nem ouviu quando a porta do quarto foi aberta nem reparou a luz do corredor que entrou pela fresta. Alguém acendeu a luz do cômodo e foi só então que Duque se virou naquela direção, os olhos cor de mel opacos um tanto perdidos. Ele sorriu para a garota e esticou o braço na direção dela, como se a estivesse convidando para entrar no seu mundo.
― Mi Hermosa. My lady. Mi amor – ele declamou com sua intensidade exagerada.
A garota ignorou completamente o chamado, mas marchou em direção a ele da mesma maneira. A expressão em seu rosto, entretanto, não era nem um pouco amigável. Havia uma tempestade atrás dos seus olhos castanhos e os dentes estavam rangendo uns nos outros enquanto o coração dela acelerava. Duque permaneceu sorrindo, seu mundo ainda meio nublado, meio em câmera lenta, mas agora ele ao menos tinha onde fixar sua atenção.
Sua atenção era sempre dela toda vez que Mel estava presente.
Ela parou de frente para ele com uma cara furiosa e levemente preocupada, embora tentasse esconder essa última parte. Duque a pegou pela mão e entrelaçou seus dedos nos dela. Ele a puxou para mais perto, no espaço entre suas pernas abertas, e curvou o tronco até encostas a cabeça na barriga da garota. Ele suspirou e Mel prendeu a respiração, tentando evitar o impulso de passar os dedos pelos cabelos dele. Mas ela estava muito brava no momento.
― Cariño, eu estive pensando em você o dia todo – disse ele com sua voz grave. Ele era uma pessoa sempre muito direta, o tipo de segurança que só existia naqueles que sabiam que conseguiam conquistar qualquer coisa. Que tinha tudo.
Os soberanos.
Ele beijou a barriga dela e olhou para cima, encontrando o olhar da garota. Mel ainda estava enfezada e seu peito estava apertado como pedra pela raiva e pelo nervosismo e por todas as questões que se passavam pela sua cabeça naquele momento. Ele sorriu e ela finalmente cedeu, passando as mãos pelos cabelos do rapaz, sentindo-se aliviada por tocá-lo e constatar que ele não estava se desfazendo.
Ele parecia estar se desfazendo, só que por dentro.
― O que foi que você usou? – ela perguntou, a raiva borbulhando pelas suas veias. Queria chacoalhar a cabeça dele, queria sair dali e nunca mais voltar a encontra-lo, mas não podia fazer isso agora.
― Muitas coisas – foi a sua resposta. Ele a envolveu pela cintura, mas Mel se desvencilhou na mesma hora, sentando ao seu lado no sofá com um olhar tenso no rosto. Duque riu de novo e jogou os cabelos para trás, encostou a cabeça no encosto do sofá, sem tirar os olhos dela um segundo sequer. Havia uma depravação divertida no modo como ele a encarava, como se quisesse devorá-la e montar um altar para ela ao mesmo tempo. – Você quer me usar como fez na semana passada?
Mel estufou o peito e mordeu o lábio, ciente demais do corpo dele ao lado do seu. Engoliu em seco e tentou se concentrar no que havia ido fazer ali, afinal de contas.
― Alexander, eu estou com um problema – disse. Porém do jeito como ele estava fora de si, seria impossível que ela conseguisse que Duque entendesse a gravidade da situação. E ela se odiava por isso, odiava se sentir atraído por alguém como ele, assim, destruindo-se pouco a pouco. Ele era errado, era uma pessoa repugnante e exatamente o oposto do que a garota perfeita e brilhante queria para si.
O exato oposto do seu também perfeito namorado.
Duque, ao contrário da garota, não tinha nenhum remorso ou conflito moral quanto a beijá-la sempre que tivesse a oportunidade. Ele e César, o namorado dela, eram amigos há anos, desde que entraram juntos no Blasphemous Hampsher e passaram a dividir o quarto. Quem diria que acabariam dividindo também outras coisas.
É claro que Duque estava a maior parte do tempo chapado para se importar com qualquer coisa.
Mas por incrível que pareça, havia sim uma coisa que para ele era importante.
Ele a encarou, tentando se concentrar, mas o perfume dela o distraía, os lábios rosados dela eram uma tentação, a lembrança do gosto da pele dela era quase insuportável.
Ele queria de novo. E de novo. E mais outra vez.
― Alexander – Mel estalou os dedos na frente do rosto dele, trazendo-o de volta para o presente. Estava nervosíssima e precisava conversar com alguém; precisava conversar com ele, já que era a única pessoa que sabia. Ou ao menos era assim que deveria ser.
Um frio subiu pela espinha da garota. Ela segurou o pulso dele, mostrando que agora estava mesmo falando sério.
― Você por acaso contou alguma coisa pra Morgana? – ela perguntou, inquisitiva. – Sabe se ela descobriu?
As sobrancelhas de Duque se uniram.
― Sobre nós dois?
Mel quase bufou de frustração. Era por isso que ela detestava drogas, as pessoas perdiam a completa noção do que estavam fazendo. Só de pensar no estrago que aquelas coisas podiam fazer na vida dos outros, na vida da própria Mel, ela se sentia nauseada. Parar para pensar no quando Duque estava chapado a deixava com asco – ou ao menos uma parte dela.
― Não, seu idiota. Sobre a outra coisa – ela estava mais nervosa do que gostaria de admitir, mas havia coisas demais em risco. Coisas demais que alguém fora de controle como Lucas Alexander Colón-Barrington sabiam.
Agora ela se arrependia demais por ter recorrido justo a ele quando precisou, mesmo sabendo que ele era a única pessoa que teria tido a frieza necessária para fazer o que era preciso. A mesma frieza que ela também possuía.
― Eu não disse nada a ninguém – Duque assegurou, os olhos cor de mel brilhando para ela com a sinceridade que queria esboçar. O maxilar quadrado parecia ainda mais marcado e o rapaz engoliu em seco. Se Morgana sabia de alguma coisa, não foi por culpa dele. – Juro. Não disse nada. Por que você acha que ela sabe?
Mel suspirou e se virou para frente, passando as mãos pelo rosto e apoiando os cotovelos nos joelhos. Duque se aproximou e tocou o ombro dela com os lábios, apenas pelo prazer de encostar sua pele na dela, de tê-la por perto. Ele sentia todo o resto do seu mundo girando em uma espiral infinita, todos os seus sentidos pareciam dormentes, exceto por aquele ponto em que ele a estava tocando.
Então ele fechou os olhos e tudo desapareceu.
O quarto, a garota, o seu mundo. Tudo. O que sobrou foi apenas a lembrança, o grito desesperado de vinte outras pessoas, o frio do vento farfalhando nas árvores naquela noite de inverno. O que sobrou foi o pânico que subiu pela sua espinha, que o sufocou e arrepiou sua pele. Foram os estouros no céu escuro, sem nenhuma estrela, nas palavras que ecoavam em seu cérebro enquanto não sabia se corria ou se ficava, para onde ir, para onde se esconder.
De repente ele estava frio e o suor pingava do seu rosto e o ar não entrava nos seus pulmões, por mais que ele tentasse puxá-lo para dentro. Tudo estava escuro novamente e Duque não sentia nenhum dos seus membros, não sentia nada além do desespero que o invadiu sem pedir passagem. E a lembrança daqueles gritos, daquela noite...
― Alexander, o que está acontecendo? – Mel perguntava, aflita, alisando o rosto dele no sofá enquanto ele tentava respirar. Ela se aproximou dele e tentou acalmá-lo, mas não sabia como fazer alguém conseguir voltar a respirar quando já havia ar o suficiente na sala. – Alex, por favor, fica calmo. Fica calmo – ela pedia, mas ele parecia muito longe dali.
Ele a encarou, o pânico visível em seus olhos, os dedos agarrando o pulso dela como se pedisse por ajuda. Mel afastou o cabelo dele e acariciou seu rosto, beijou sua bochecha várias vezes e o abraçou, ainda tentando fazê-lo se acalmar. Ela fechou os olhos, tentando afastar o medo que estava sentindo por aquele ataque repentino e se concentrando apenas em tentar ajuda-lo a respirar.
Aos poucos, Duque foi se tranquilizando, enquanto o calor da garota o invadia e trazia sua mente de volta. Ela beijou os lábios dele, sentindo o gosto do álcool e do cigarro, mas naquele momento aquilo não fez seu estômago se embrulhar como normalmente faria.
Naquele momento ela ainda estava assustada demais.
Ele a apertou contra si e os dois permaneceram assim até que ele conseguiu voltar a respirar normalmente, com regularidade. Mel ainda permaneceu colada ao rapaz, para garantir que estava tudo bem e tentando entender o que havia acontecido ali. A mente de Duque, por outro lado, estava em frangalhos. Ele se sentia exausto e perdido, como se houvesse entrado em um liquidificador e agora não soubesse se orientar. As drogas faziam com que ele ficasse nebuloso e entre a realidade e a fantasia.
Nem mesmo Mel parecia palpável o suficiente depois daquilo. Ela finalmente teve coragem de se afastar dele e, descendo a mão pelo seu peito, o encarou e disse:
― O que foi que aconteceu com você?
Heyyyyyyy folks! Olha o capítulo novo saindo quando ninguém esperava hehehehe Como vocês estão? Eu tô ótima pq o lançamento do meu livro Sobre(O)postos no Rio é hoje e daqui a pouco já vou começar a me arrumar <3 (quem quiser ir, será na livraria Leitura do shopping Nova América das 15h às 18h).
Mas o que vocês acharam do capítulo? Finalmente conhecemos um pouquinho mais do famoso Duque, ou ao menos tivemos uma ideia de que algo de errado não está certo com ele. Algum palpite? E quanto ao segredo que ele e a Mel estão escondendo? Os dois estão mesmo tendo um caso, como vcs imaginaram, mas trollei vcs pq esse NÃO é o grande segredo deles hahahaha é aquele ditado, de segredos o BH está cheio e eu amo demais o relacionamento complicado desses dois socorro.
A música de hoje é Lucy in the sky with diamonds - Beatles. Oremos pra eu conseguir escrever o próximo logo porque é o capítulo do Bash!!! Quem aí está ansioso?
Beijos e queijos, câmbio desligo.
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