Capítulo 28
— Onde você se meteu?
Quando o Fred encontrou a Bia no cantinho do bar, bebendo um suco de laranja, ela tinha a desculpa do seu sumiço na ponta da língua.
— Eu estava aqui.
Não era uma grande desculpa, tudo bem, mas quem conseguia fazer o cérebro cooperar depois de ter sido eletrocutado por três dedos? O Lourenço tinha acabado com ela com três dedos! Ela não queria nem pensar no que ele seria capaz de fazer com o resto do corpo.
Não queria e nem podia!
— Tem duas horas que eu tô te procurando. Por que você não tá atendendo o celular?
— Fred, a gente deve ter se desencontrado. E como eu ia escutar o celular com esse barulho? — A banda estava fazendo um intervalo, mas a música dos alto-falantes continuava alta o suficiente para validar sua justificativa.
— A gente precisa ir embora. — Ele segurou o braço da Bia, que só teve tempo de largar o copo em cima do balcão, antes de ser puxada. — A Mariana tá passando mal.
— O que você fez com ela? — A Bia se apressou para acompanhar os passos do irmão. — E cadê o Lourenço?
— Por que a culpa é minha? — ele gritou confuso, por cima do ombro. — O Lourenço tá lá fora com ela. E não é nada de mais. Ela bebeu um pouco além da conta.
Mesmo sendo arrastada pelo irmão, a surpresa da Bia foi forte o suficiente para fazê-la parar o movimento dos dois.
— Tem alguma coisa errada aqui. Você tá falando da Mariana? A irmã do Lourenço? Mariana?
Se alguém tivesse lhe perguntado no começo da noite qual o cenário mais improvável de acontecer: escutar o Lourenço confessando que era gay, ter praticamente transado com seu ex-namorado no banheiro do bar ou a Mariana tomar um porre, a Bia teria apostado todas as suas fichas na intoxicação alcoólica da mulher que, um dia, tinha olhado para ela com desprezo porque ela estava bêbada quando conheceu o Lourenço. Ah, as voltas que o mundo dá.
O Fred não se dignou a responder e voltou a puxá-la, sendo interrompido uma segunda vez pela Naiara se plantando na frente deles.
— Você já tá indo, Fred? Tá cedo — ela gritou por cima da música.
— Eu tenho que...
— Você não tem que nada. — A Bia chegou perto do ouvido dele. — Por que você não fica?
Ele se inclinou para perto dela, juntando as cabeças para poderem conversar sem gritar.
— Claro que não. A gente veio junto, a gente vai embora junto.
— É a confraternização de Natal da clínica, você é o patrão, o anfitrião. Tem que ficar com os seus companheiros de trabalho. — E com a minha futura cunhada, a Bia quase acrescentou. — E o que você vai fazer pela Mariana? Eu vou dirigindo e ela tem o irmão pra cuidar dela.
— Você não acha que pega mal? Eu abandonar vocês?
— Claro que não — a Bia respondeu o irmão e se virou para a Naiara. — Ele vai ficar.
O sorriso que a moça abriu foi o incentivo que o Fred precisava, e ele assentiu, concordando.
— Eu te dou uma carona, depois — a Naiara ofereceu com um olhar que disponibilizava muito mais que um lugar no carro dela.
A Bia achou que estava fazendo um ótimo trabalho em disfarçar a satisfação ao ver que a fofoca da clínica tinha fundamento, mas o rolar de olhos do Fred jogou sua ilusão por terra, mas ela não estava nem aí se ela era transparente.
E sério, ela tinha que reaprender a paquerar. Talvez com um livro, ou um blog. Sua competência precisaria melhorar, e muito, se algum dia ela quisesse voltar ao jogo de pega-pega dos solteiros. A mulherada não estava dando trégua!
— Qualquer coisa você me liga — o Fred disse alto antes de chegar bem perto da Bia para que as próximas palavras fossem só para ela. — Não é nada disso que você tá pensando. E vai embora, vai! A Mariana lá fora, passando mal, e você brincando de casamenteira.
A Bia respondeu do mesmo jeito sussurrado.
— Pela pressa que você tá de se livrar de mim, eu diria que não tem nada de brincadeira no meu planejamento das suas futuras núpcias. — Ela aproveitou a gargalhada do irmão e deu um beijo na bochecha dele. — Não se comporta!
Com um aceno de despedida para a Naiara, a Bia foi em direção à saída do bar. Se ela achou que ia encontrar risadas altas e fala enrolada, se decepcionou. Até na embriaguez, a Mariana era discreta, simplesmente de olhos fechados, a cabeça deitada no ombro do irmão.
— Vamos?
Não era preciso mencionar que a Bia fez a pergunta olhando para todos os lugares, menos para o rosto do Lourenço. O único problema foi que seu olhar foi pousar na mão que apoiava as costas da Mariana. A mesma mão que...
Nada disso!
Ela se forçou a encarar os pés do Lourenço. Talvez, a única parte da anatomia daquele homem que não a fazia se sentir encalorada e atrapalhada. Muito.
— E o seu irmão?
— O que tem o meu irmão? — Ela segurou o impulso de levantar os olhos, tentando entender a pergunta. — Ah! Ele vai ficar. É a festa da clínica. É meio que obrigação dele como patrão.
— Então, vamos. — Os pés do Lourenço se moveram e a Bia fez o mesmo.
A viagem de volta foi feita em silêncio. A Bia fingindo que precisava ficar calada para dirigir. O Lourenço, no banco de trás com a irmã, a atenção toda focada nela, que parecia estar dormindo.
Se aquele desconforto era o exemplo de como seriam os próximos dias, ela estava ferrada. Porque aquela conversa que o Lourenço queria ter com ela? Nem morta. Nem amarrada e amordaçada.
E por que ela estava se imaginando amarrada e amordaçada e nua, com o Lourenço na sua frente usando só uma calça jeans rasgada, com o botão aberto?
Por puro milagre eles chegaram em casa sem nenhum acidente, tantas foram as vezes que a Bia se perdeu em devaneio e se puxou do buraco negro que eram os seus pensamentos e se obrigou a prestar atenção no trânsito. Só para se pegar distraída poucos minutos depois e começar tudo de novo.
A Mariana cambaleou ao descer do carro e o Lourenço ameaçou pegá-la no colo.
— Não. — Ela o empurrou. — Eu consigo andar.
Ela foi se arrastando agarrada a ele, a Bia na frente, abrindo portas e acendendo luzes, até chegarem ao quarto dela.
— Você quer ajuda? — a Bia se ofereceu.
A Mariana resmungou algo parecido com 'eu num prechiso de ajuda', sendo ignorada pelos dois.
— Deixa comigo — o Lourenço respondeu.
— Se você precisar, pode me chamar. A qualquer hora, não tem problema.
— Obrigado. E, Bia?
Foi por tão pouco. Mais uns minutinhos e ela chegava no quarto sem ter cruzado o olhar com o do Lourenço nenhuma vez depois que ele a deixou sozinha naquele banheiro, mas ele estava esperando e, a não ser que ela quisesse ser mal-educada (coisa que ela não era) e covarde (coisa que ela totalmente era, mas esperava que ninguém percebesse), não tinha como continuar de cabeça baixa.
— Se você quiser, também sabe onde me encontrar. — A voz dele era calma e leve, o oposto completo do verdadeiro significado da proposta nem um pouco sutil. Ela nem podia fingir que não tinha entendido.
E por que aquele sorriso torto? E aquele olhar? Igual ao da Naiara oferecendo carona ao Fred. Um olhar cheio de promessas. Que a deixava com vontade de dizer sim para tudo o que ele pedisse.
Você quer que eu vá no seu quarto? Sim.
Você quer que eu tire a roupa e deite na sua cama? Sim.
Você quer que eu deixe você fazer tudo o que você quiser comigo? Sim. Sim. Sim!
— Eu... hum... — Ela limpou a garganta e levantou o polegar por cima do ombro, na direção do seu quarto. — É melhor eu ir. Boa noite.
— Boa noite — ele respondeu num tom conformado, antes de guiar a Mariana para dentro do quarto.
A Bia foi direto para o chuveiro. Lavou a maquiagem, o suor e a tentação. Vestiu uma camisola de malha preta e se enfiou entre os lençóis. Era tarde. Quase três da manhã. Mas ela estava mais alerta que nunca e, claro, suas divagações não poderiam ser outras senão o orgasmo do século.
Ela revirou aquele primeiro beijo, tentando se convencer que foi o Lourenço quem iniciou tudo, mas não tinha como não encarar que foi ela. Foi ela que o beijou. Foi ela quem começou a tirar a roupa dele primeiro. Foi ela quem não fez nada quando ele enfiou a mão dentro da sua calcinha. Foi ela que rebolou, desavergonhada, nos dedos gostosos, querendo mais que tudo no mundo, que ele a fizesse gozar.
Como foi que ele disse?
'Eu dou um empurrãozinho aqui e ali, mas não esquece, é tudo você.'
O filho da mãe tinha que ser tão bom com os tais empurrõezinhos? Tão bom em saber o que ela queria antes mesmo de ela querer?
E quanto mais ela pensava, mas ela ficava quente, ofegante e com a boca seca. Se ela se virasse devagar, podia fingir que a carícia do lençol nos seus ombros era a mão do Lourenço.
Que droga!
Ela sentou na cama e estendeu a mão para o copo de água que ela sempre deixava na mesinha de cabeceira, de noite. E que não estava lá porque ela tinha subido direto com o Lourenço e a Mariana e nem tinha lembrado da água.
Ir na cozinha beber água não foi uma desculpa para passar na frente do quarto do Lourenço que, por acaso, tinha um clarão suave escapulindo por baixo da porta. De jeito nenhum. A prova maior foi como ela não acendeu nenhuma luz e andou na pontinha dos pés descalços, com todo o cuidado para não fazer barulho.
Ela matou a sede feliz por ter cumprido metade de seu plano — ir e voltar da cozinha sem ser notada — com sucesso. E encheu o copo para levar de volta, se repetindo que ela era capaz de cumprir a metade final do mesmo jeito.
A luz do quarto do Lourenço continuava acesa. Será que ele não estava conseguindo dormir pelos mesmos motivos que ela? Será que ele estava pensando no que tinha acontecido mais cedo e terminando sozinho o que ela não teve tempo de retribuir?
A Bia parou em frente a porta, o copo apertado entre as duas mãos. Um pedaço de madeira a separava do Lourenço e, na sua fantasia, ela o viu esparramado sem roupas na cama, se acariciando, os olhos fechados e seu nome nos lábios entreabertos.
Seria mesmo ruim bater naquela porta e esquecer por alguns momentos as responsabilidades e obrigações? Voltar a ser a Bia sem vergonha por algumas horas? Os itens da lista de motivos para ficar longe dele, que ela tinha feito naquela manhã, se tornaram tão frágeis depois do que tinha acontecido no banheiro. Nada que eles não pudessem resolver, se quisessem...
— Você vai ficar aí a noite inteira? — o Lourenço perguntou, com a voz abafada muito mais perto do que deveria.
Sua mão voou até a boca, abafando o grito que ela quase deu. Ele estava parado logo atrás da porta! Com cuidado, ela deu um passo para trás, e outro, mas quando a maçaneta abaixou, não ser notada deixou de ser prioridade, e ela se virou para correr de volta para a segurança da sua cama.
— Biatriz! — ele a chamou, sem se preocupar com o tom alto da voz.
Ela continuou andando rápido, a mão com o copo estendida na sua frente, derramando água para todo lado, os olhos focados na porta do seu quarto, logo ali, tão perto. Dois passos depois, ela foi levantada do chão por um braço passado na sua cintura e foi levada na direção oposta que ela queria ir.
— Me solta! — ela se debateu, não por medo do Lourenço. Ele não faria nada com ela a força. Ela não confiava era em si mesma.
Ele entrou no quarto dele, empurrando a porta fechada com o pé, antes de colocá-la no chão. A Bia passou a mão pelo decote da camisola e, só depois de confirmar que todas as partes importantes estavam cobertas, se virou para ele.
— Olha o que você fez! — Ela passou o copo para a outra mão, e secou os dedos na camisola que também estava toda respingada.
— Eu estava mesmo com sede. — O Lourenço pegou o copo com o pouco da água que tinha sobrado e bebeu tudo. — Obrigado.
O quarto de hóspedes era o menor da casa. Embora tivesse banheiro próprio, como os outros, não tinha closet, a mobília consistindo apenas de uma cama de casal ladeada por duas mesinhas de cabeceira, um guarda-roupas pequeno e uma cômoda, que foi onde o Lourenço depositou o copo vazio, ao lado do notebook dele.
Ele também tinha tomado banho. Um leve perfume flutuava pela porta aberta do banheiro, de onde vinha a luz suave que se esparramava pelo quarto. E os cabelos dele estavam úmidos. E ele estava sem camisa.
A Bia se obrigou a não baixar mais os olhos e descobrir qual o estado dele da cintura para baixo. Ele não estava nu, ela sentiu algum tipo de barreira além da sua camisola quando ele a carregou, mas era justamente o que estava atrás daquela barreira que a preocupava.
— O que você veio fazer aqui? — ele perguntou, se posicionando em frente à porta, como se ela estivesse prestes a fugir a qualquer momento.
O que ela estava, só deixando claro.
— Foi você que incorporou o homem das cavernas e me trouxe a força, esqueceu?
— Porque você estava parada na porta, decidindo se ia bater ou não.
— Eu não ia bater. Eu fui buscar um copo de água e estava voltando pro meu quarto.
— E parou na minha porta — ele afirmou com toda certeza do mundo.
— Talvez — ela concedeu. Ele não ia ficar satisfeito enquanto ela não admitisse o óbvio. — Eu estava preocupada com a sua irmã.
Não era mentira. O estado da Mariana era uma das suas preocupações. Só não era uma que ela não poderia esperar até a manhã seguinte para satisfazer. Óbvio que se a irmã estivesse mal, o Lourenço não teria voltado para o quarto dele.
— Ela apagou. — O olhar arrogante de um segundo atrás, se encheu de aflição. — Ela não estava coerente e eu não consegui entender o que rolou, mas... eu não sei. Eu nunca vi a Mari bêbada.
— Amanhã, depois que a ressaca dos infernos dela passar, vocês conversam.
Aquilo arrancou uma risadinha dele, mas não afastou a preocupação.
— Se eu conheço a minha irmã, a vergonha vai ser muito maior que a ressaca. — Ele virou a cabeça de lado, a estudando com atenção. — Então era isso que você queria, saber da Mari?
— Era. Não! Quer dizer, eu tenho uma coisa pra te falar. Eu ia esperar até amanhã, mas já que eu tô aqui...
— Tô ouvindo. — Ele cruzou os braços, as duas mãos empurrando os bíceps para frente, fazendo os músculos parecerem maiores. Como se ele precisasse daquilo. Ela ignorou o arrepio que desceu pela sua coluna e foi em frente.
— O que aconteceu no banheiro do bar, não pode acontecer de novo.
Ele puxou os lábios para dentro, esfregando um no outro, olhou para o lado por alguns segundos e voltou a encará-la.
— Tudo bem. — Ele deu de ombros.
Ele andou até a cama e ajeitou os travesseiros contra a cabeceira. Ele estava com uma toalha enrolada na cintura e foi a vez da Bia cruzar os braços. Naquele caso, se escondendo. Ela estava sem sutiã e sua reação ao Lourenço a um pequeno puxão de ficar sem roupa nenhuma estava clara e evidente nos seios colados contra a malha da camisola. Mas, peraí. Ele tinha dito que...
— Tudo bem? Só isso? Sem discussão? — Sua confusão nem a deixou perceber que estava livre para fugir, se quisesse.
— Quando a mulher diz não, é não. Não é assim? — Ele se virou de frente para ela, a luz suave do banheiro iluminando toda a glória daquele corpo coberto só por uma toalha. Uma mísera toalha!
— Isso. Eu tô dizendo não — ela reafirmou com um aceno de cabeça exagerado. Se querendo convencer a ele ou a ela, difícil saber.
— Pra eu não ficar com dúvida nenhuma, faz um favor? — Ele deu um passo à frente, enquanto a Bia continuava a balançar a cabeça como um dos enfeites de papai Noel que estava lá embaixo, cuja cabeça era presa com uma mola, e para quem as meninas adoravam brincar de pedir presentes, porque ele sempre concordava com tudo. — Repete pra mim, 'Lourenço, eu nunca mais quero que você me faça gozar'.
— Nunca? — Sua voz saiu alta demais e ela raspou a garganta antes de continuar. — Eu não gosto de usar essa palavra. A gente não sabe o que vai acontecer amanhã, dizer 'nunca' é muito perigoso.
— Eu entendo. Então... — Outro passo. — Que tal assim: 'Lourenço, eu não quero que você me faça gozar num futuro próximo'.
— Futuro próximo? — Ela franziu a testa. — Isso dá margem à interpretação. Futuro próximo poder ser alguns dias, algumas semanas, alguns meses. Dá pra ser mais específico?
— Você tá certa. Melhor deixar tudo bem claro. — Mais um passo, com os lábios apertados prendendo um sorriso de divertimento que os olhos brilhantes não escondiam. Ela tinha dito como o quarto era pequeno? Três passos e ele estava de volta na sua frente. — Fala então... 'Lourenço, eu não quero que você me faça gozar nesses dias que você tá passando aqui em casa'.
— Lourenço... — A Bia respirou fundo. Não era uma frase complicada. Era até bem simples e direta. Só não era o que ela queria dizer, e a verdade acabou escapulindo pelos seus lábios. — Eu tô com tanto medo.
Na mesma hora o ar de provocação sumiu do rosto dele e ele a abraçou.
— Eu sei, minha linda. — Ele deu um beijo nos cabelos dela. Ele era tão forte e seguro. Ali, nos braços dele, ela até conseguia acreditar que nada de ruim podia acontecer com ela. — Eu sei que eu não vou ter a sua confiança de volta de uma hora pra outra. Mas eu tô tentando, eu juro que eu tô tentando provar pra você que você pode confiar em mim. E você é tão corajosa.
— Eu não sou nem um pouco corajosa.
— Claro que é. — Ele segurou o rosto dela e a obrigou a olhar para ele. — Olha quanta coisa você passou e tá aqui, de pé, de cabeça erguida.
— Por um fio. — Ela deu uma risada.
— Você só precisa acreditar um pouquinho em você. Agora, me conta, do que você mais tem medo?
Ela não precisou pensar.
— Nesse momento? De perder as minhas filhas.
— E eu não tô querendo forçar a barra, mas por que você acha que repetir o que aconteceu no banheiro vai te atrapalhar nisso?
— Em nada, eu acho. Eu não sei. Mas, não é isso. — A Bia respirou fundo tentando organizar os pensamentos e conseguir se explicar com um mínimo de lógica. — Responde você, uma pergunta minha agora. O que você mais quer, nesse momento, na sua vida?
A resposta dele também saiu rápida e sem hesitação.
— Ter um bom relacionamento com a minha filha. Poder estar aqui, perto dela, conhecer ela melhor.
Exatamente o que a Bia esperava que ele fosse dizer.
— Eu quero muito que isso aconteça. — Ela soltou um dos braços que estavam em volta da cintura dele e pousou a mão em cima da tatuagem da Alícia, e do coração que batia forte. — Não só por você, mas pela nossa filha também. Ela tem tanto a ganhar com você fazendo parte da vida dela. A sua experiência de vida é tão diferente da minha e do Fred e do Diego. Tem coisas que ela vai aprender com você, que nenhum de nós três tem como ensinar pra ela.
— Biatriz... — Ele soltou a respiração com força, o maxilar trancado, a garganta subindo e descendo enquanto ele engolia. — Ninguém nunca me disse nada tão... Eu quero dizer bonito, mas é muito mais que bonito. Generoso, emocionante...
— Verdadeiro — a Bia terminou por ele. — E eu quero confiar em você, Lourenço. Eu também juro que eu tô tentando, mas eu não consigo deixar de ter a sensação de que assim que eu relaxar, que eu me sentir confiante, vai dar problema. E eu não ia me perdoar se alguma coisa que acontecesse entre nós dois, atrapalhasse o seu relacionamento com a Alícia.
— Tudo bem. Vamos pensar no pior. Vamos supor que vai dar merda de novo. O que não vai acontecer, pode confiar em mim. — Ele deu uma sacudidela na Bia como se pudesse fazer a garantia entrar nela à força. — Você pegou o seu ex-marido no flagra com outra. No que isso atrapalhou o relacionamento dele com as meninas? Você não consegue ter uma convivência, no mínimo, civilizada com ele, pelo benefício delas? Você não conseguiria fazer isso por mim?
— Acho que sim.
Ela tinha certeza que sim. Seria horrível ter com o Lourenço o mesmo contato frio e impessoal que ela tinha com o Diego, mas, se fosse preciso, ela conseguiria.
— Então? — O Lourenço a encarou por vários segundos, esperando uma resposta que ela não foi capaz de dar porque ela não tinha a mínima ideia do que ele esperava dela. — Vem cá.
Ele a levou até a cama e a colocou sentada na beirada, se ajoelhando na sua frente.
— Quando você me ligou, eu vim pro Rio porque você estava precisando de um amigo. E foi isso que eu vim fazer aqui. Te ajudar. Te apoiar. Ser seu amigo. Mas eu descobri que é impossível.
— Impossível ser meu amigo? Porque eu superei aquela imaturidade de achar que não existe amizade entre homem e mulher. Eu achei que a gente era amigo.
— É impossível ser só seu amigo. — Ele riu da expressão ofendida no rosto dela. — E o que eu resolvi fazer, foi deixar as coisas acontecerem. Um dia de cada vez. Sem forçar nada. E é o que você devia fazer.
— Deixar as coisas acontecerem? — A Bia mordeu o lábio inferior. Aquilo era o contrário de tudo o que ela fazia. — Você quer dizer, não fazer planos?
— Não. A gente pode fazer planos. Eu quero fazer muitos e muitos planos com você, mas sem esquecer que esses planos são flexíveis. Você mesma acabou de dizer que a gente nunca sabe o que vai acontecer amanhã. Por exemplo, eu levei você pra aquele banheiro só com a intenção de fazer você admitir que tinha ficado com ciúmes...
— Eu não fiquei com ciúmes! — a Bia o interrompeu.
— Depois a gente volta nesse ponto. — Ele deu aquele sorriso torto, atrevido e irritante, antes de continuar. — O que eu tô tentando explicar é que, o que aconteceu depois, aconteceu naturalmente. Ninguém forçou ninguém a nada. Ninguém lutou contra nada. Aconteceu. Não é o caso de ser inconsequente ou irresponsável, mas se alguma coisa acontecer, se for uma coisa que você quer que aconteça, não luta contra. Um dia de cada vez.
O que ele estava pedindo não seria fácil, mas era sensato e lógico. Ela vivia num eterno conflito entre querer controlar e planejar tudo para evitar desastres, e a consciência que era uma batalha perdida, porque, por mais que ela tomasse suas decisões pensando nos outros, esses outros tinham vontades próprias imprevisíveis. O que o Lourenço estava propondo era um meio-termo que poderia funcionar. E ela estava cansada de resistir à atração que sentia por ele.
Um dia de cada vez, sem planejar, era uma perspectiva ao mesmo tempo, assustadora e libertadora. Seus olhos pousaram na tatuagem do seu quadro no braço dele. Ali estava ela, novamente na beira do abismo, confrontado o desconhecido. Na outra vez, ela tinha pulado e se esborrachado lá embaixo. Aquilo poderia acontecer de novo. Ou não. O que ela não podia era ficar ali parada, sem saber.
— Eu posso tentar. — Ela olhou dentro dos olhos dele, se fortalecendo no orgulho e certeza que brilhavam lá. — Mas eu tenho uma condição.
— Pode falar. — O Lourenço segurou suas duas mãos entre as dele, pousadas no seu colo.
— Ninguém pode saber. Se é pra deixar acontecer naturalmente, eu preciso não escutar nem palpite, nem recriminações, vindos de fora.
No caso, do Fred, que não ia ter o menor problema em dar a opinião dele, que a Bia tinha a forte desconfiança, não seria favorável. E ela precisava pensar nas meninas também. Criança tinha facilidade em criar expectativas e sofrer sem necessidade quando aquelas expectativas não se cumpriam.
— Eu concordo. Por enquanto. Até o dia que eu for embora, a gente não conta nada pra ninguém.
— Você vai embora... — O coração da Bia se apertou dentro do peito.
— Eu preciso ir, mas a gente não vai se preocupar com isso hoje, porque hoje não é o dia em que eu vou embora. No dia que eu for embora, a gente vai conversar e fazer planos, mas não hoje — ele disse, com firmeza e ficou de pé, a puxando junto com ele. — E você sabe o que a gente vai fazer agora?
O sangue da Bia correu mais rápido dentro das veias. Eles estavam sozinhos, dentro de um quarto, uma cama enorme ali pertinho, e o Lourenço, quase sem roupas. Se era para tudo acontecer naturalmente...
— Dormir. — Ele apagou o fogo dela com uma palavra.
— Dormir?
— É — Ele deu uma risadinha porque a decepção dela não podia ser mais óbvia. — Já são quase quatro da manhã. Foi um dia longo. A gente precisa descansar.
— Tá certo. — Ela deu um passo para o lado. — Boa noite, então.
— Dorme aqui, comigo? — Ele não soltou as mãos dela.
— E a sua irmã?
— Ela tá apagadaça.
Aquele era o primeiro teste, não era? Não lutar contra uma coisa que ela queria que acontecesse. E seria tão bom dormir com o Lourenço. Mesmo que fosse só dormir.
— Só se eu puder escolher o lado da cama.
— Você pode o que quiser. — Ele sorriu e deu um beijo na testa dela.
Ele a acompanhou até o lado que ela escolheu, que era o mesmo onde ele tinha arrumado o travesseiro antes, e a cobriu com o lençol.
— Eu vou dar uma olhadinha na Mari e já volto.
Depois que ele saiu, a Bia enterrou a cabeça no travesseiro que tinha o cheiro delicioso dele e abafou uma risada. Ela parecia uma menina de quinze anos, entusiasmada em dormir com o namorado pela primeira vez. Não que o Lourenço fosse seu namorado. E pensando bem, quando eles eram namorados nunca tinham dormido juntos. Alguns cochilos cansados depois do sexo e por algumas horas na manhã depois da surra dele, mas nunca desse jeito, ir deitar de noite e acordar juntos pela manhã.
Ela se controlou e se obrigou a não demonstrar sua imaturidade quando ele voltou. Ele fechou a porta e apagou a luz do banheiro. A Bia se guiou pelos sons para saber que ele estava dando a volta na cama, fechando a cortina e jogando a toalha no chão. Antes que ela pudesse provocá-lo por causa da toalha molhada no chão, o colchão afundou atrás dela e ela foi puxada contra o peito firme e quente.
— Lourenço! — Ela tentou se afastar. — Você tá sem roupa?
— Ahã — ele murmurou preguiçosamente enterrando o nariz no pescoço dela e entrelaçando as pernas dos dois. — Eu gosto de dormir pelado, mas eu posso colocar um short, se você quiser?
Sério? Um short não ia fazer nenhuma diferença na ereção enorme apertada na sua bunda.
— Não. — Foi puro instinto que a fez dar uma reboladinha.
— Shhhhs — Ele colocou a mão espalmada na barriga dela e a segurou. — Fica quietinha ou eu não consigo dormir.
Ela podia ter se virado de frente para ele. Ela podia ter, naturalmente, dado um beijo nele e iniciado o que, com certeza, terminaria com outro orgasmo arrasador, de preferência, para os dois. Mas, ela o obedeceu e ficou quietinha, porque o que ela precisava naquele momento, mais que qualquer outra coisa, era se sentir como sempre se sentia nos braços do Lourenço. Segura e invencível.
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