V. Preso em meu próprio paradoxo
❝ Com toda essa raiva, culpa e tristeza vindo para me assombrar para sempre, eu mal posso esperar pelo penhasco no final do rio. ❞
Ainda era estranho para ele como tudo tinha acontecido, mas quando abriu os olhos, estava preso, pés e braços amarrados contra uma cadeira. Mas a pior parte, a que permaneceu com ele, foi o pano amarrado em sua boca.
Jeongguk não conseguia falar direito.
A dor que sentia em todo corpo mostrava que não estava dormindo, mas sim que tinha desmaiado. Haviam lágrimas secas em seus olhos, seus braços doíam, suas pernas também. Havia algo afiado pressionando contra seu pescoço. Olhos vermelhos o encaravam com ódio.
Ele tentou gritar de novo, mas a amarra em sua boca impedia-o de fazer barulhos. Era terrível. O medo corroía seu corpo por dentro.
- Acordou de novo? Finalmente - o que ele sabia agora ser uma unha fincou mais contra sua pele, fazendo Jeongguk gritar de agonia, mesmo que tudo fosse abafado. - Eu queria torturá-lo mais, mas ao mesmo tempo, quero ter sua pele perfeitamente bonita para mim. Se eu exagerar demais, não vou ter o que quero.
Novas lágrimas caíram do rosto de Jeongguk de forma incontrolável. Ele não entendia porquê estava acontecendo isso consigo. O que ele fez de ruim?
Em toda a sua vida, ele foi bom! Ele deu o seu melhor na escola, em casa, com todos ao seu redor. Nunca tinha sido malvado com ninguém. E ainda assim, havia um ser horrível em sua frente, olhos vermelhos e unhas afiadas que clamava por vingança.
Jungkook riu alto, como se ouvisse cada palavra que ele pensava.
- Por favor! - sua voz era quase totalmente inaudível, mas a prece em seu tom era perceptível. - Por favor! Pare com isso!
- Pare de resmungar! - Jeongguk sentiu o tapa forte contra seu rosto, fechando os olhos com o arder dos arranhados em sua pele. Suas lágrimas se misturaram com o sangue dele que escorreram dos finos cortes abertos em sua bochecha. - Estou tão cansado da sua voz!
Jeongguk ficou quieto, chorando, olhos fechados. Talvez se ele fingisse que estava dormindo, poderia acordar daquele pesadelo. Mas é claro, estava completamente errado, e sua atitude só deixou Jungkook mais irritado.
A mão dele puxou seus cabelos para trás, fazendo-o gritar contra a amarra em sua boca.
- Tenho pena de você, Jeongguk. Se você quer saber, eu não te odeio - seu tom era tão irônico. Jeongguk sentiu nojo dele. - Mas somos como irmãos, sabe? Gêmeos. Eu nasci no momento em que você nasceu, e desde então, tudo que ouço são seus sons, sua maldita voz. Tudo que vejo é você e sua maldita vida quando tudo que eu tinha era sangue como comida! O que você esperava? Eu viria pegar o que é meu, e agora chegou o momento.
Ele não tinha culpa. Ele nunca fez nada ao ser a sua frente. Por que então tinha que ser punido por isso?
- Não foi você. Foram seus pais. Eles eram bonzinhos com você, mas são pessoas horríveis. E todos essas merdas me fizeram em um lugar diferente daqui. Mas tenho que agradecer a eles também, se não fosse por eles, eu nunca teria conseguido vir para cá, já que você é uma coisinha cheia de felicidade - Jungkook estava dando seu último parecer, preparando-se para finalizar o trabalho. - E você pode não ter sido o culpado, mas ainda é você. Ainda é a sua voz. E você ainda é um desgraçado. Eu vou te matar e vou ter tudo que quero - Jungkook riu com maldade, e Jeongguk podia sentir a última força saindo dele. Como queria estar na sua cama para acordar daquele pesadelo - Vá dormir, então.
Jeongguk se desesperou quando a mão de forma desengonçada, mas incrivelmente forte, segurou seu nariz, a outra pressionando sua boca já coberta pelo tecido. Seus olhos se arregalaram, a falta de ar aumentando a adrenalina do seu corpo e o desespero que corria por ele. Seus pés bateram no chão desesperadamente, mãos tentando se soltar das amarras.
Os olhos de Jeongguk começaram a virar para trás, a falta de ar afetando sua cabeça, e ele quis que tudo aquilo acabasse logo. Morrer daquele modo... Que infelicidade.
A última coisa que ouviu foi a risada de Jungkook, mãos apertando seu nariz com mais força. Jeongguk sentiu a última lágrima cair de seus olhos antes de seu coração parar pela falta de oxigênio.
Quando seu corpo caiu sem vida sobre si mesmo, Jungkook riu, mas gritou de agonia em seguida quando a transformação começou a acontecer. Finalmente aquelas unhas horrendas sumiriam.
Depois de alguns minutos, ele sentiu a dor parar, e foi em direção ao espelho apenas para olhar a si mesmo, seu novo e verdadeiro eu. Um humano normal.
Sorriu satisfeito, virando-se para o corpo que estava na cadeira. Ele viu que já quase não existia mais, quebrando-se em pequenos pedaços que sumiam aos poucos. Perfeito, assim ninguém desconfiaria.
Quando ele saiu do quarto, pode perceber que "seus pais" estavam do lado de fora, olhando para si com desconfiança. Foi difícil fazer Jeongguk calar a boca antes, e isso provavelmente tinha chamado a atenção deles. Que dor de cabeça Jeongguk lhe deu mesmo depois de ter desaparecido de sua vida.
Deu de ombros, não os suportando por nenhum segundo. Foi a imagem deles que Jungkook viu ao chegar na Terra. Por sua própria vontade, acabaria com eles também, mas então isso poderia acarretar suspeitas demais. E foi por isso que Jungkook os ignorou não só por aquele dia, mas por todos os próximos que vieram. Ele fingia não conhecê-los, e seus pais pareciam concordar com a ideia, como se de repente tivessem em mente que ele não era filho deles.
Ele estava bem com isso até conhecer alguém.
Taehyung era uma pessoa maravilhosa, e ele se apaixonou facilmente. Depois de alguns meses juntos, Jungkook quis apresentá-lo aos pais, pela simples necessidade de parecer o mais humano possível. Mas é claro, seus pais odiaram a ideia, dando como desculpa o fato de que Taehyung parecia ser alguém ruim. Jungkook não esperou para ouvir mais, e a discussão acabou fazendo com que ele decidisse morar com Taehyung. Tinha sido seu primeiro trauma; a briga com os pais. Mas mesmo assim, ainda foi a melhor escolha de sua vida.
Ele e Taehyung viveram bem pelos próximos anos. É claro que não se entendiam as vezes e isso ajudou a aumentar o trauma que já tinha, mas isso era normal. Nem todo mundo se entendia completamente. Mas a melhor parte é que eles sempre se resolviam. Isso fez com que Jungkook desistisse de sua casa com os pais por completo - apesar de que mesmo se fosse lá, eles apenas fingiriam que não o viam, deixando que ele pegasse o que precisasse e fosse embora.
Eles estavam bem e se amavam. Era tudo que importava para Jungkook. Mas então, aquilo aconteceu.
Taehyung foi para o trabalho no início da tarde, sendo doce e gentil ao se despedir dele, como sempre era. Mas pela noite, no horário que devia voltar, ele não retornou para casa.
Isso deixou Jungkook desesperado, porque nunca tinha acontecido antes. As piores hipóteses surgiram em sua mente, e ele pagou um táxi, o que mais odiava fazer, para ir até o trabalho de Taehyung. Havia um rapaz que provavelmente era recém contratado saindo de lá, o último do turno, e Jungkook correu até ele.
- Onde está Taehyung?! - ele perguntou, o desespero em sua voz. O garoto o olhou confuso, sem entender, e isso irritou Jungkook ainda mais. - Você não o viu??
- Eu não sei quem é esse, senhor - ele murmurou, cheio de confusão, começando a apresentar indícios de medo. - Estou saindo agora, não vi ninguém. Todo mundo já foi embora.
Os olhos de Jungkook se arregalaram, e ele empurrou o garoto contra o chão, ouvindo o som oco dele caindo. Ele se afastou dali o mais rápido que podia, sentindo que seus olhos estavam vermelhos. Maldita hora para isso acontecer. Onde diabos Taehyung estava? Por que ele não ligou ou avisou algo? Ele estava bem? Jungkook estava ficando maluco, mas sua única alternativa foi voltar para casa.
Ele ligou para o número de Taehyung diversas vezes, mas resolveu que o melhor que poderia fazer era esperar. Não podia e nem queria expor a si mesmo, e todo aquele tempo nada aconteceu, seria realmente justo um acaso acontecer agora?
Quando amanheceu, ele ainda estava acordado, pés batendo contra o chão na cadeira da cozinha. A porta se abriu, e ele levantou rapidamente, correndo até a sala.
Taehyung estava lá.
- Taehyung! - ele gritou, correndo até o homem para abraçá-lo. Ele estava ali, finalmente. Como imaginou, nada tinha acontecido. - Você demorou demais! Eu te liguei tantas vezes. O que aconteceu?! - ele se afastou apenas para ouvir qual seria a resposta de Taehyung, e levou um susto que conteve para si mesmo ao notar um vislumbre vermelho nos olhos do outro. Mas isso só podia ter sido coisa de sua cabeça. Ele não dormiu um momento sequer esperando por Taehyung, e isso poderia estar começando a fazê-lo alucinar. - Tae...?
- Tive alguns imprevistos no trabalho - Taehyung falou secamente, se desvencilhando do toque dele. Jungkook ficou chocado. Ele nunca tinha feito isso antes. - Só quero dormir.
- Eu não dormi a noite toda esperando por você. Você podia pelo menos me dar uma resposta mais explicativa! - Jungkook tentou, mas o olhar que recebeu pareceu tão cheio de ódio que ele recuou para trás. - Não me olhe assim... Eu só estava preocupado com você... - sua voz saiu fraca.
- E eu já estou em casa. Posso ir dormir agora? - seu tom era tão irônico. Fez Jungkook odiar ouvir isso dele. Ao invés, ele só ficou em silêncio, e isso serviu como resposta para o homem que saiu da sala e foi para o quarto, trancando a porta.
Isso significava que não poderia dormir na cama aquele dia. O que nunca tinha acontecido antes. Todo aquele dia parecia ter sido um grande pesadelo. E quando Jungkook finalmente se deitou para dormir no sofá, ele torceu para que tudo fosse como era antes. Que o modo como Taehyung o tratou tivesse sido apenas algo passageiro e que nunca mais voltaria.
Mas não foi.
Taehyung, de fato, pareceu se tornar alguém completamente diferente de um dia para o outro. Haviam momentos onde eles eram quase o mesmo de antes. Taehyung seria gentil com ele e o trataria bem, como se lembrasse de que gostava dele. Mas então, um segundo olhar, e lá estava o ódio implícito.
E isso só machucou Jungkook cada vez mais, de forma profunda e imutável. Ele não reconhecia mais Taehyung ou seu olhar. Era estranho. Ele tinha se tornado um completo estranho.
Mas toda vez que Taehyung lhe dava um pequeno vislumbre de que seria bom com ele, Jungkook aceitava e voltava como se nada tivesse acontecido. Ele engoliu todas as coisas ruins que o homem fez desde então, como tratá-lo rude ou forçá-lo a ficar longe dele o máximo que poderia. Mas por mais que o mantivesse longe, Taehyung ainda conseguia mantê-lo sob seus olhos. Sua possessividade fez com que Jungkook evitasse sair de casa, e sua mente só piorava e piorava mais e mais. Mas Taehyung ainda faria sexo com ele, o que o fazia pensar que não tinha acabado. Ainda existia um eles. Ele acreditou nisso por um ano inteiro.
Mas mesmo para Jungkook, havia um limite a se aguentar. Tinha acabado. Taehyung provavelmente o odiava agora porque o sentimento que existia entre eles terminou. O que era estranho quando Jungkook jurava que estavam bem. Mas o amor de Taehyung não existia mais, e no lugar disso havia apenas ignorância e ódio; Taehyung até mesmo fingia que ele nem existia as vezes, e isso doía mais do que tudo.
E foi exatamente por isso que Jungkook saiu de casa naquele dia antes que Taehyung voltasse do trabalho. Não aguentava mais. Taehyung era tudo para ele, e sem ele, o que restava? Jungkook não conseguia se imaginar sem o homem na sua vida, mas machucava demais simplesmente estar ao lado de Taehyung agora.
Ele queria desaparecer, porque esse seria o único modo de se livrar da dor. Mas ao mesmo tempo, não poderia fazer isso sozinho; não poderia ficar longe de Taehyung.
Ele só não queria voltar para uma casa onde a pessoa que ele amava o trataria tão mal. Ou na pior das hipóteses, se Taehyung estivesse se sentindo especialmente ruim, o fingimento que ele nem existia.
Jungkook só desejava que tudo acabasse. E naquela noite, ele conseguiu exatamente o que queria.
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