26 • Longe
Forçou-se a abrir os olhos, tendo dificuldades para enxergar o que acontecia ao seu redor. Parecia que algumas pessoas o carregavam para algum lugar. Sua audição captou vozes, gritos, com um tom bem preocupado, além de rosnados de dragão. Sentiu o cheiro diferente do ambiente, o lugar estava cheio de dragões. Muitos. Não havia nenhum humano sequer, o que o deixou um pouco mais aliviado, mas ao mesmo o tempo o perturbava. Onde estava Bakugou? Só se lembrava de tê-lo visto com flechas cravadas em seu corpo enquanto o defendia do cara com madeixas azuladas. Depois de sua "última transformação" não lembrou de mais nada.
Era bem assustador, por mais que os aromas que sentisse o deixassem mais calmo diante da situação que se encontrava, com o corpo doendo de maneira insuportável, não pôde deixar de se preocupar um segundo sequer com aquele que tratou de proteger e a possibilidade de que estivesse morto gritava em sua mente, porém, se recusava a acreditar nela.
Queria saber se estava bem. Se havia o protegido corretamente, nunca se perdoaria caso deixasse outra pessoa que amava morrer.
Nunca...
E então, sem mais forças para manter-se acordado, cedeu à inconsciência.
***
Havia amanhecido, a luz do sol se manifestando e acordando aqueles que pacificamente dormiam. Eijirou fora um que acordou por ela, abrindo os orbes com dificuldade e sentindo seu corpo pesar. Estava exausto, como se houvesse treinado até desmaiar.
Bom, era perto disto, mas pior.
O local onde estava era realmente confortável, macio e aconchegante. Não gostaria de sair dali tão cedo, então preguiçosamente passeou o olhar pelo cômodo, percebendo ter uma estrutura bem simples e convidativa. Se levantou um pouco, percebendo a bandagem que cobria boa parte de sua barriga, além das faixas no braço e nas pernas.
Foi então que se tocou dos acontecimentos anteriores. Merda, sua cabeça começou a latejar de dor apenas de pensar que Katsuki poderia ter morrido. Precisava encontrá-lo, saber se o loiro estava bem. Tentou se levantar da cama e sentiu algumas pontadas de dor, grunhindo irritado, fazendo com que insistisse novamente em se levantar.
Ouviu uma porta sendo aberta, cheiros fortes percorrendo o local. Cheiros de dragão. Já havia sentido antes quando estava sendo levado, então olhou para as figuras que adentravam o cômodo com um olhar irado, rosnando com certa fúria para aqueles que o levaram para longe.
- Sei que está assustado, mas não há necessidade de rosnar. Somos seus aliados. - Um dos dragões, qual era bem estranho ao seu ver, possuindo penas negras e um bico de pássaro junto aos pequenos chifres em sua cabeça, explicou, buscando tranquilizar o ruivo.
- Aliados? Vocês me raptaram! - Exclamou, indignado com a audácia alheia.
- Errado. Nós te salvamos. - Desta vez, fora uma dragoa de madeixas arroxeadas, que deu um passo à frente para explicar a situação. - Você estava sendo atacado.
- Mas precisavam me levar para longe? - Sabia a resposta, era óbvia, porém a irritação por ter sido afastado do amado tomava o lugar da racionalidade em seu ser.
- Você sabe que sim. - O dragão com aparência de corvo afirmou.
Eijirou ficou calado. Era verdade, mas ainda assim, queria retornar aos braços de Katsuki.
- O que aconteceu com o Bakugou? - Acabou perguntando sem pensar muito, a esperança tomando lugar em seus orbes.
- Bakugou?
- O cara loiro e irritado... vocês viram ele, não viram? - Questionou ansioso, precisava de respostas, ao menos saber que o loiro estava bem.
- Ele te fez algo? - Outra figura feminina surgiu, desta vez uma dragoa com pele e cabelos rosados, seus olhos eram amarelados, tendo escleras negras, deixando sua aparência menos humana - Eu devia tê-lo matado! - Praguejou, o nojo em sua voz pelo humano era evidente, causando pânico ao ruivo.
- Não! Não era para matá-lo! - Protestou contra aquele ódio todo. Bakugou não merecia ser morto.
- Exato, não devemos matar humanos, Ashido. - O dragão negro explicou - Por mais mal que ele o tenha feito, não deixe que o ódio lhe consuma.
- Mas ele não fez mal algum... - declarou, sua voz mais triste por conta de tais acusações contra seu amado.
- O trauma deve ter sido grande a ponto dele negar o mal que este humano o fez. - Falou aos seus companheiros, lamentando pela mentalidade do dragão vermelho.
- Por isto devemos matar esses malditos humanos! - a rosada proclamou odiosa novamente.
- Pare com isso, Ashido. Aizawa repreende este tipo de conduta.
- Não muda o fato de humanos merecerem nada menos que a morte. - Rosnou, batendo o pé e se aproximou do ruivo, que estava cabisbaixo com tantas acusações - Vai ficar tudo bem, viu? Não irão te machucar mais. - Tentou tranquiliza-lo, sua personalidade mudava quando se tratava de lidar com dragões. Queria assegurar ao ruivo que estava tudo bem em admitir que o tal humano loiro fez coisas horrendas com ele, porém, o ruivo apenas fitou seus orbes magoado e aceitou o "consolo" em silêncio, imaginando que não poderia convencer as criaturas ali de que haviam humanos bons.
O único que não disse uma palavra sequer, apenas observando a situação com uma expressão impassível fora um dragão de cabelos roxos, com olheiras abaixo de seus orbes hipnóticos.
Eijirou estranhou seu silêncio, porém, não deu importância a isto.
***
A tarde chegou e Kirishima prosseguiu deitado na cama, quase imóvel. A exaustão consumindo cada pedacinho de seu ser e o remorso destruindo-o por dentro. Colocou a vida de Bakugou em risco, tudo por ser um dragão, e agora não sabia nem o estado em que se encontrava.
Estava preocupado, ao mesmo tempo em que aquele quarto o tranquilizava.
Olhou pela janela, avistando algumas crianças brincando, gargalhando alto e sorrindo. Era uma visão adorável, de aquecer o coração, pois fazia tempos que Eijirou não via crianças... e aquilo trazia à tona aquela maldita memória de um passado qual gostaria de se esquecer. O passado composto por humanos que foram de fato cruéis com si.
Balançou a cabeça, se desvencilhando de tanta negatividade, tentando voltar sua atenção às crianças fora da janela.
- Kirishima. - Ouviu a voz do corvo, que descobriu chamar-se Fumikage Tokoyami, chamá-lo.
- Ah, Tokoyami... - voltou sua atenção ao dragão - Quando vou conseguir me levantar de novo?
- Bom, você dormiu por cinco dias, mas parece ainda estar cansado. - afirmou - Durma mais um pouco até se sentir completamente descansado para tentar se mover novamente.
Kirishima assentiu em silêncio, esperando que o outro falasse o que viera fazer em seu quarto.
- Vim te informar que nosso líder, Aizawa, não deixará que saia para encontrar este rapaz a quem procura. - Concluiu, vendo o semblante de Eijirou mudar. Suas sobrancelhas arquearam-se em indignação e não compreendeu o porquê de tal decisão.
Não pertencia àquela aldeia, não tinha a menor obrigação de continuar nela.
- Por quê? - Rosnou, mas o outro dragão não perdeu a postura.
- Você está ferido graças aos humanos, não deixaremos que se arrisque novamente, por hora. - Concluiu e se afastou do ruivo, indo até a porta do quarto.
Kirishima observou seus passos, não contendo o ódio e indignação. Certo, era pelo seu bem, mas ele era um adulto, não precisava ser trancado em uma vila apenas pelo mundo exterior ser perigoso, além do fato de não terem nenhum direito sob ele. Era injusto, mas não podia resistir, não naquele estado deplorável, então aconchegou-se na cama frustrado e buscou pegar no sono.
***
Ouviu os gritos desesperados de dor, sentindo o cheiro horroroso de carne queimada. Seus olhos ardiam de tanto chorar, vidrados na cena que se desenrolava desesperado, pois sabia ser sua culpa.
Seu corpo estava imóvel, não conseguia se mexer e os gritos recheados de dor apenas pioravam, ficando cada vez mais audíveis. Sentia a angústia de quem estava sofrendo tudo aquilo, logo a pessoa que amava...
"FUJA EIJIROU" Mesmo tendo sua carne sendo consumida pelas chamas, a voz tentava incentivá-lo a ir embora, tentava livrá-lo daquela morte horrenda.
Mas Eijirou não poderia fugir. Havia sido pego e amarrado com cordas, e podia muito bem rasga-las, mas seu corpo não se mexia. Estava estático, paralisado, o remorso e o medo corroendo seu ser.
Em determinado momento, a voz cessou. O corpo carbonizado fora retirado da fogueira e o ruivo se recusou a observá-lo por muito tempo. Não queria vê-lo naquele estado... as lágrimas prosseguiram e ele começou a ser arrastado para a fogueira.
Ele seria o próximo a ser punido por seus pecados e já não tinha mais forças para resistir. Seu amado morreu por sua culpa, nada mais justo que ter o mesmo destino, não?
Se sentia tão culpado...
"Você o matou" aquela voz ressoou em seus tímpanos. A voz de Katsuki.
Ele estava sendo culpado... pelo loiro?
"Você me matou"
E então olhou para trás, vendo Bakugou com as flechas cravadas no ombro e na panturrilha, mas agora ele estava caído no chão, seus olhos estavam opacos e uma poça de sangue formava-se ao seu redor. Estava morto.
Essa frase. Esse cenário. Essa situação.
Tudo que mais temia havia acontecido bem diante de seus olhos. E ele não fez nada para impedir.
Acordou ofegante, olhando para os lados desesperado e notando ainda estar no quarto que lhe fora designado pelos dragões, respirou fundo na tentativa de normalizar a respiração.
Passou a mão pelos olhos, vendo as pequenas lágrimas que se formaram por conta da cena que revivera.
Aquilo havia sido um pesadelo, sim, apenas um pesadelo...
[...]
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