O segundo narrador: A visão do esportista popular.
2307 Palavras
Minha mãe chorava muito.
Quase todos os dias.
Então lógico que eu gostei quando ela se juntou as amigas e teve forças para pedir o divorcio e eu fiquei ao lado dela quanto meu pai perdeu as estribeiras e tentou a agredir. Foi ele quem tomou um coro.
Não me orgulho disso.
Mas é complicado de explicar.
Nós iríamos nos mudar sim e ele teria de pagar uma gorda pensão para cada um de nós. E ainda financiar minha faculdade.
Quero é ver.
Olha... eu não odeio o meu pai. Mas é uma situação complicada.
Ela traiu ele há uns sete anos e desde então as coisas nunca foram as mesmas, ele nunca a perdoou de fato e parecia estar com ela apenas por obrigação social, ou por vergonha de assumir que foi corno. Eu não tenho como saber o por que, mas de todo caso ele fazia da vida dela um inferno, sempre com indiretas e mantendo um clima terrível na casa.
Então aquilo foi um final lógico.
Fui com ela ver as casas e tudo mais, só que tudo era caro pra caralho sem falar daquele racismo básico... Sabe. Não importa se você é bem de vida o povo só olha para a sua pele.
Então quando as amigas brancas dela entraram na jogara tudo ficou milhares de vezes mais fácil. Todos os vendedores confiam em uma japa como se eles fossem os opostos de nós.
Da raiva sim. Mas o que eu posso fazer, se em séculos de luta e "evolução social" essa merda continua?
No fim das contas elas escolheram uma casa bem grande.
Ficava em um apartamento chique no centro da cidade. Mas o lado ruim é que só tinha dois quartos e eu teria de dividir com os filhos delas; ok elas tinham de dividir entre elas também. Seria divertido. Como morar em uma irmandade de faculdade e era maravilhoso ver minha mãe tão cheia de energia e feliz.
E eu continuava falando normal com meu pai e tentando o acalmar com toda esta situação, afinal ele foi a vitima desta parada toda.
Mas o pior era como todos me tratavam. Pareciam exigir que eu surtasse só por que meus pais estavam se divorciando; querer que eu me rebelasse ou agisse como "um adolescente normal"; poxa; mas o que isso quer dizer?
Meus amigos e ate meus professores parecia esperar que eu fizesse algo maluco, mas eu não queria; eu só queria apoiar os meus pais, pois eles estavam em um momento complicado não eu. Eu só queria continuar treinando e ver se conseguia levar mais um troféu para casa.
Mas o treinador disse que o estresse que eu estava passando iria afetar meu desempenho e me pois no banco. Saco... O jeito foi ver se tinha alguma vaga na equipe de natação ou qualquer outra modalidade. Eu não queria mesmo ficar parado.
Ai sim ia surtar.
Então falei com a conselheira da escola sobre essas idiotices que todos estavam me impondo: "Eu não tenho que surtar ou me revoltar por causa do divorcio dos meus pais". E ela fez o que pode, conseguindo deixar a continuar treinando, mas não podia obrigar o treinador a me por em um jogo oficial.
Então fui fazer Box a tarde.
Imaginava ser a cara de cada um que me tirava do serio. E na piscina descarregava o resto da energia que tinha.
Foda era os olhares que isso trazia.
Afinal ficavam todos de sunga e as meninas amavam vir ver os treinos.
Os caras adoravam, mas eu... não era lá muito fã deste "tipo" atenção.
A verdade é que existia uma guerra dentro de mim.
Um lado meu queria muito mesmo poder assumir isso, mas se já era foda ser preto imagina gay? Eu sei que já tem muito filme e ate serie que fala sobre isso, mas tenta levar isso na pele?
Não me entenda mal ok. Isso foi uma coisa que aprendi com a vida; que nós temos de dar um passo de cada vez se não caímos de cara no chão e todos a nossa volta ainda apontam e riem ao invés de estender a mão.
Quem sabe com a idade eu conseguia mais coragem.
Ter mais noção de como meus pais iriam reagir; já ter algo bem estabelecido na vida que não poderiam me negar ou me tirar.
Então eu fingia que curtia mulher para os caras do time, na verdade pra escola toda, menos os meus amigos mais chegados e uma mina que fingia ser minha namorada para os meus pais não desconfiarem de nada. Eles eram a minha salvação em toda festa ou "ocorrido".
Mas viver uma mentira é um inferno. Não podia namorar serio com ninguém, e se tentasse a pessoa percebia o quanto eu era fingido e sínico.
Alem disso estava com problemas maiores na mente, como as minhas notas que não estavam boas o suficiente para as faculdades que eu queria. Então desculpa ser tão egoísta e não surtar pelos meus pais.
Eles são adultos e sabem o que é melhor pra eles.
Pelo menos era o que eu queria acreditar.
Minha mãe dizia que eu tinha todo direito de não querer morar com ela já que foi ela quem traiu e começou tudo isso; ela ate parecia exigir que eu brigasse com ela, enquanto que o meu pai virou uma criança: Queria culpar deus e o mundo, queria que ficássemos na casa pra ele continuar a tratando como lixo porque na cabeça dele era o que ela merecia por trair. Estava complicado ser o maduro da casa e virar o tutor dos meus pais. Mas pude ver que os adulto nada mais são que crianças que estão na terra há mais tempo; fazem todos os dramas que os meus colegas fazem.
O bom era que meus pais eram bons de grana, tipo estavam muito bem de vida e sabiam lidar muito bem com dinheiro. Tanto que minha mãe ficou em um apartamento alugado no centro ate perceber a situação das amigas e ter a ideia de dividir o aluguel e ajudar elas neste momento tão complicado. Era muito bonito ver esse apoio que uma tinha na outra.
― Filho. Posso mandar uma foto sua pras meninas? ― Ela me pergunta distraída ao me entregar o copo.
Amávamos vir a esse café. Ficava entre o trabalho dela e o meu colégio e todos eram muito legais ali.
― Claro. Sem problemas. Mas por que? ― Pego já "curiando" o que ela mexia e ela sorri me mostrando a foto dos outros garotos.
Um branquelo e um japa.
Não seria nada de mais se o branquelo não tivesse óculos.
Não sei por que, mas tinha esse fraco pelo tipo "nerde, fofo e puro". Mas acho que nada me deixava mais loco que uma bela e enorme tatuagem; e o que você acha que o japa tinha? Exatamente era o combo da perdição.
― Gatinhos. Comia. ― Brinco com a verdade e ela ri sem desconfiar.
Mas isso não seria um problema.
Eu sei bem me controlar.
Então quando nos mudamos eu fui ajudar. Iria ficar uma semana com ela e uma com o meu pai e dividi o que iria ficar em qual casa e lógico que tudo de mais precioso não iria para o quarto que eu dividiria com dois estranhos. Principalmente com um que tem a maior cara de... Estar no caminho errado.
― Ai que inveja. Seu filho é um exemplo, um amor, uma dádiva. ― Ela tinha um sotaque bem forte, mas eu não sei descrever sotaque. ― O meu nem sei onde esta. Deve estar na rua pra variar. Como eu errei tanto? ― A japinha que eu não conseguia lembrar o nome diz ao se sentar na mesa redonda da cozinha.
Só tinha quatro cadeiras. Como todos iriam usar?
― Não se culpe. Ele ficou um pouco rebelde depois daquela intervenção não foi? ― Minha mãe diz ao tentar a acalentar e eu só saio para não ficar ouvindo.
Não era da minha conta a vida deles e sempre achei feio ficar ouvindo.
― Você é mesmo um bom garoto. O meu esta no cursinho. ― A branquela diz toda risos; e eu só vazo dali como já planejava fazer.
Sei muito bem o que ela estava pensando. Era nítido em seu olhar e modo de falar.
Que pra alguém "como eu" eu surpreendo por que não é o "comportamento padrão" eu sei o que eles pensam; afinal eu sempre tenho que ser três vezes melhor pra ser tratado com alguma dignidade.
Eu vejo como as pessoas me olham mesmo que não falem na cara lavada.
Nesse bairro chique e esnobe, nessa escola de elite cheia de gente arrogante que nunca teve que fazer nada pra merecer o que tem, eu sou uma atração. Algo diferente. Andar comigo é status social. Eles podem falar: eu tenho um amigo negro não sou racista. Me sinto um premio que se põe na prateleira e expõe.
Não sei o que é pior o racismo exposto onde pelo menos posso responder ou esse velado onde você ate sente os pensamentos e olhares, mas como não estão fazendo nada ninguém pode nem sequer comentar.
Tudo era melhor antes dos meus pais receberem promoções e melhorarmos de vida. Lá também era cheio de racistas, afinal essa gente esta em toda parte, mas ao contrario daqui eles não fingiam não ser.
E alem disso, tinha amigos de verdade. Ok esses eu nunca perdi e são os únicos que sabem tudo sobre mim e eu me sinto eu mesmo. Mas sinto falta de não ser encarado dessa forma, como se eu não tivesse o direito de estar ali, como se eu fosse alguma atração.
Mas eles lutaram para isso.
Meus pais batalharam muito para ter a promoção e tudo mais. Merecem estar aqui e esfregar seus rabos pretos na cara desses desgraçados.
Mas e eu?
As vezes sinto que não pertenço a lugar algum.
E nessas horas algum amigo sempre me levava a alguma festa para me fazer sentir melhor.
E quase sempre isso funcionava.
Afinal quem não fica mais feliz ao saber que tem amigos que se importam?
― Nossa que gingado desse moreno. ― Ouço uma das lideres de torcida comentando com os caras do time enquanto estava na pista. Acho que gostar de dançar e dançar bem é o único estereótipo gay que eu tenho; mas eu aprendi tudo com amigos héteros então... né. ― To ficando doente vendo isso. E acho que o único remédio que pode me salvar é esse ai. ― Ela diz toda provocativa ao se aproximar de mim. Dou um sorriso meio sem graça e penso no que responder.
A cantada foi rim eu sei. Mas é normal as gostosas serem ruim de papo. Elas não precisam aprender isso.
― Foi mal. Melhor ler a bula. ― Digo com aquele mesmo tom de duplo sentido que eu amava por a todo momento e em tudo, ao segurar sua mão impedindo que ela me de uma apalpada, já mostrando a aliança na minha mão.
Essa coisa custou caro, mas me salvava a vida.
Eu ainda estava lutando para ser respeitado como negro; não tinha tempo nem cabeça para lutar por uma segunda causa. Já que nem a primeira eu sabia o que fazer.
Tentei escrever um blog, mas não tinha nada novo para dizer e só os idiotas que não tem nada pra fazer alem de xingar e ofender me visualizavam, e se eu disser que isso não desanima vou estar mentindo; outras pessoas que são mais antigas no assunto ate me adotaram em suas redes sociais, mas me sentia como a estatua do parque. Ignorada e vandalizada.
Principalmente por que as vezes as pessoas só querem falar do meu "problema de pele".
Isso é ate engraçado se não fosse desconfortável; pois ou a pessoa não sabia o que fazer e dizer ficando toda confusa ou agia de uma forma bem retardada.
Tem gente que me tratava como se eu tivesse lepra ou algo pior; mas a maioria ficava encarando e olhando como se fosse a coisa mais estranha do mundo; e estando na equipe de natação isso piorou um pouco mais já que meu corpo ficava mais exposto.
Mas tudo bem.
Eu vou pegando um tema por vez para lutar e quem sabe esse poderia ser o meu diferencial para falar sobre pele?
Ainda não sei.
Bem esse cap não nego que fui com cuidado, pois eu tenho a minha ideia, mas como disse não tenho o domínio, e eu queria muito por as fortes opiniões que ele tem sobre tudo a sua volta principalmente como é tratado por todos.
Então pfv se algo ficou feito me avisa que eu arrumo.
Quis demonstrar como ele vê cada coisa; que seus pais e assim como ele são esforçados e por isso são bem de vida, lutando contra tudo que passam no ambiente de trabalho entre outras coisas, eu queria ate citar a HQ "Pele" da turma da Monica, se puder ler, leia; eu amei as coisas demonstradas lá e a forma que ajuda quem não tem noção ainda a refletir.
Ele mesmo é uma pessoa muito segura e madura.
Tbm vou expressar coisas como se a obra não se passasse no Brasil, mas não quero dizer exatamente onde se passa então pode tratar como um mundo paralelo ao nosso, pois como quero generalizar tudo que sei de racismo pelo mundo o lugar que eles estão é totalmente fictício. Pois em cada lutar o racismo é demonstrado de formas diferentes.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro