6 Vivendo no inferno
2054 words
Eu nem sei dizer quanto tempo se passou.
O tempo pra mim parou.
Meu mundo se foi.
Ouvia as pessoas falando comigo em outro idioma ou como se estivessem debaixo d'água. Simplesmente não as entendia; a dor não me deixava entender.
O ocorrido ficava se repetindo na minha mente em um lup interminável, e eu não conseguia fazer parar. E eu não sei o que era pior: não o ter mais ou ninguém alem de mim se importar com sua morte.
Logico que seus familiares se importavam e muito, mas estou falando que ate as pessoas na loja que ele trabalhou por anos, pareciam não se importar com o que ouve. No máximo diziam coisas terríveis sobre ele: que pra ele morrer assim devia ter merecido, devia ter feito algo errado.
Mas não.
Seu único erro foi não ter nascido branco. Foi ser gay e estar junto comigo. Ele nunca fez nada de errado em toda vida, era um cara estudioso nerd pra caralho e trabalhador; ia para uma ótima faculdade no ano que vem e tinha planos. Ótimos planos.
Foi como se toda a ótima reputação dele tivesse sido destruída após sua morte e isso me doía mais do que qualquer coisa. Nem morrer ele tinha direito?
― Eu vou te contar o que ouve. ― Ele tinha sido legal e demonstrado se importar. E sua história com o pai me tocou.
Eu entendi.
A historia dele não era sobre o tiro, era sobre o que o pai dele o disse depois, e a reação das pessoas a tudo o que ocorreu. O tiro ali foi o que menos importou.
Igual na minha historia.
All tinha saído tarde do trabalho aquele dia, então fui o buscar e o esperei do lado de fora da loja em uma praça onde muitos casais e famílias frequentavam, então era um lugar bem seguro para ficar mexendo no celular.
Como em casa estava um inferno, achei melhor ficar conversado com ele e desabafando na praça mesmo, pois dali ele podia pegar o ônibus fácil e eu iria caminhando facilmente ate a nova casa.
― Ela não me apóia de verdade. ― Murmurei, não tinha o que mais falar, ele sabia de cor todos os meus problemas. ― A minha mãe apenas esta seguindo uma obrigação que se impôs um: "Já que ninguém esta do lado dele, eu não vou deixar meu filho sozinho". Ela vive tentando me "concertar"; já me mandou ir para a igreja rezar para ser curado, já disse que esta tentando me ajudar a melhorar e ser normal.
― Em casa não é fácil também. Meu pai disse: "Eu não ligo desde que eu não veja nada" e minha mãe disse: "Desde que você se case na igreja e me de netos eu não me importo". Mas a nossa igreja é...
― Eu sei. Ela deixa adotar?
― Não. Quer neto do sangue dela.
― Tenso.
Estávamos assim.
Simplesmente conversando, sentados em um banco um do lado do outro com algo em nossas mãos, algo que nem me lembrava mais o que era, nem se estava vazio como lixo que não jogamos fora por algum motivo ou se era algo relevante .
Nós mal íamos nos beijar quando:
― Fora. ― Uma voz forte nos interrompeu. ― Aqui é um local de família.
Essa frase.
Como eu odeio esse tipo de frase; é o mesmo que dizer que o nosso amor é algo nojento. Todo desenho animado mostra beijo, mas um casal gay não... ai é falta de respeito, é sexual de mais para ser mostrado a uma criança, ai você esta a influenciando. E por que isso de "de família"? Um casal gay não pode ser uma família?
― Somos noivos então... família. Podemos ate entrar na área medica pra ver o outro. ― Ele responde serio voltando a me abraçar, mas aquele homem não se acalma.
Olho para os lados e posso ver que outras pessoas viam a cena sem se aproximar, mas apreciam torcer para sairmos dali e poucos para ficarmos, gostando da responda do All; mas de toda forma ninguém fazia nada.
Mas esse cara não estava sozinho e isso era perigoso para nós, e por isso me levantei do banco e me pus entre os dois. O mais estranho é que eu me lembro bem com clima estar ameno, nem frio ou quente, me lembro das folhas das arvores e de uma cair na minha cabeça nessa hora, mas não consigo lembrar do rosto deste cara ou de seus amigos. Não importa o quento eu me esforce nem de suas roupas eu consigo lembrar.
― Cai fora. A praça é publica, você não pode nos expulsar daqui. ― Disse firme sabendo que tinha seguranças que circundavam a área esperando que viessem nos ajudar.
Mas não foi o que rolou.
― Acha mesmo...? Vou te mostrar sua bichinha.
Ele tentou me dar um soco, esquivei pois já esperava por isso mas mesmo assim o golpe pegou de raspão, e logo virei dois socos bem na barriga dele e comecei a meter a bicuda no filho da puta.
Eu sei.
Me exaltei.
Fui descabeçado e isso me custou mais do que eu podia pagar.
Com isso tudo os amigos do cara entraram na briga e o All foi me ajudar. Ele era grande e forte então intimidava bem, e as tatoos faziam o resto do efeito.
Mas então quando o segurança finalmente chegou... Ele tinha apenas um taser e tinha de apartar aquela briga rápido; e em quem você acha que ele atirou? Exatamente...
Um taser tem 50 mil volts... e age direto no celebro da pessoa, alem de dar fortes espasmos musculares e uma dor enorme e ele já sofria de ataques epiléticos...
― Para! Você vai matar ele! Ele é doente! ― Lógico que ninguém acredita que um homem daquele tamanho tenha qualquer problema de saúde.
A culpa foi toda minha.
Se eu não tivesse sido tão esquentando e brigado... Se tivesse abaixado a cabeça como dita a sociedade e saído dali...
E eu posso dizer que teve algo bom nisso? Não. Ate que foi bem comovente ver o meu pai de descabelar para fazer alguma coisa. Mas agora já era. O que ele pode fazer? O que qualquer uma pode fazer? Nada. Não adiantava ir atrás dos direitos dele. No máximo ele viraria um Martim por alguma "causa maior". Mas eu preferia ele vivo comigo do que isso, e eu duvido que ele achasse isso legal, ele vivia rindo destas coisas. Era o jeito que as pessoas tinham de lidar com a morte de quem amam, mas ele achava tosco.
Sabe o que eu também é uma merda?
O direito ao luto tem tempo de validade.
Sim.
Se você fica triste por mais de uma semana as pessoas já começam a dizer coisas como: supera, você já esta sendo dramático, já deu o tempo disso, etc.
As pessoa são terríveis.
Não se importam de verdade, e você percebe isso facilmente e a todo momento se realmente olhar.
― Oi. Você é gay assumido né. ― Não vou negar que essa pergunta me chamou muito a atenção.
Estava de boaça no quarto olhando para o teto e sofrendo calado, quando o carinha entrou e depois de não sei quanto tempo me perguntou o óbvio.
― Não. Eu sou "hétero enrustido". ― Respondi e ele fez uma cara de duvida ate entender a piada.
― Para com isso. É que eu... tenho um amigo e...
― Puts. Serio que você quer meter esse cá-ô? ― Me levantei. Não deu. Era idiotice demais. Meu "gaydar" explodia perto desse cara; ele ate que tentava, mas não conseguia esconder. Só faltava salivar quando eu me trocava. ― Fala que é você que é menos ridículo.
― Mas é um amigo mesmo! Eu só não sou preconceituoso e não sei como ajudar ele.
― Ok. Finge que é isso. ― Nem vou fingir que acreditei. Apenas me sentei de lado com as pernas para fora da cama olhando ele sentado na dele. ― Qual o problema? Ele esta dividindo quarto com dois caras gostosos e quer muito sentar na pika deles?
― Para!
― Fala logo.
― Ele... Tem medo dos pais descobrirem, mas tem um cara na escola... que ele esta muito apaixonado, e agora esta achando que ele esta dando bola. Mas ele não sabe o que fazer. Por que... Como ele pode namorar escondido sem ofender o cara?
Entendi.
O tema ate que era interessante.
Ele tinha medo?
A família dele nem ao menos é religiosa como a minha. Do que ele tem medo? Ele é branco. Ta mega protegido. Foda seria se o Dylan... um...
Preciso prestar mais atenção nos relatórios do meu gaydar.
― Esse cara é assumido? ― Pergunto espantando meus pensamentos sobre o negão delicia que aparecia aqui as vezes.
Tava cedo de mais para seguir em frente.
Eu sei que um dia iria me apaixonar de novo, mas por hora sentia que ate bater uma seria desrespeito a memória do Alejandro.
― Não.
― Ok. Fica os dois se pegando no armário. Fim. ― Respondo ao voltar a me deitar, me entregando ao meu marasmo e luto.
Mas um lado meu ficou pensando no carinha e seu problema bobo.
Não parecia ser bobo para ele; na verdade ele parecia realmente apavorado em conversar comigo. E por conta disso passei a prestar mais atenção nele, afinal ate então o ignorava completamente, e com isso notei muita coisa
.
Por que ele tinha tanto medo? Eu podia o ajudar de alguma forma? Assim como o Alejandro me ajudou?
Me sentei, pulei da minha cama e pequei no notebook do carinha e como já tinha visto inúmeras vezes sua senha entrei e já fiz um loguim pra mim.
Folgado eu? Imagina.
Entrei no Canvas porque não era bom nessas coisas... fiz umas thumbnails e fui gravando videos. Videos falando do que ouve com o All e dessa forma desabafando tudo o que passei.
Isso me ajudou muito.
Contei como ele me ajudou a me libertar das minhas amarras, e como era as coisas na casa dele e ainda são na minha. E quando vi já tinha uns nove vídeos.
Programei cada vídeo para um dia e fechei o PC.
E praticamente essa foi minha terapia. Fazer vídeos e postar. Mesmo que ninguém curtisse eu desabafava. Nem tinha nome meu canal, e eu também não lia os comentários, na verdade nunca ativei isso; eu já sei o que as pessoas iriam falar, seja para concordar e me dar apoio ou zombar. E ate qual seria a maioria dos comentários.
Então no mês seguinte eu pus o nome do canal de: "Bicha desabafando", e continuei as postagens diárias. Era fácil manter a freqüência, eu só tinha que falar o que já vivi o que já passei. E quando me dei conta tinha tantos seguidores que estava ganhando dinheiro e podendo por comerciais.
Aumentei o tamanho dos vídeos para por mais propaganda e ganhar com isso, fiz um vídeo explicando isso e falando do por que da escolha do nome e agradecendo o apoio de todos, e segui com o tema e quando dei por mim estava levemente popular e ate tinha virado meme.
Curt.
Pela primeira vez não estavam me julgando por um estereótipo e sim por algo que realmente fiz. Mesmo que seja para mal falar, não era um pré-conceito imposto pela minha aparência ou sexualidade, e sim pelo que fiz.
Bem... eu não quis passar pano, mas quis mostrar que as pessoas morrem simplesmente por serem diferentes; e como uma coisa boba leva a outra e no fim a maioria sai impune.
Tbm quero fazer de conta que o Alejandro fez todas as plantas que vou por de agora em diante ok. Ai ele fica na obra de alguma forma.
Bem... no prox cap vou falar um pouco mais aprofundado de pesquisas que fiz sobre um ou outro tema religioso, logicamente não vou dizer exatamente a religião e citarei apenas trechos da bíblia tirados na internet mesmo.
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