25
Quando Minjeong acordou na manhã seguinte, se sentou na cama e passou os dedos pelos cabelos.
As palavras da noite anterior voltaram à sua mente.
Aceitei sua proposta porque queria te ajudar.
Não porque queria ficar com ela, nem mesmo por afeto. Por pena. Porque ela era autista.
Um sentimento terrível a envenenou, e Minjeong cobriu a boca para abafar os sons que sua garganta emitia. Ela pensou que estivesse conquistando o afeto dela. Pensou que era especial. Pensou que Jimin poderia retribuir seu amor. Mas todo o seu tempo juntas não passara de um ato de caridade. Agora que a boa ação estava feita, a morena podia seguir em frente.
A dor que sentia a atingiu de novo com força total, destruindo-a por dentro. Minjeong não era uma boa ação. Era uma pessoa. Se soubesse como Jimin se sentia, jamais teria feito a proposta. Não era um caso de caridade.
Esfregando o rosto irritada, ela disse a si mesma que era forte o bastante para aguentar aquilo. Não ia desmoronar por causa de uma garota que não a queria.
Minjeong fez a cama com gestos bruscos e foi para o banheiro pisando duro. Chegou a pegar a escova, mas algum impulso a fez ir para o chuveiro antes. De forma deliberada, inverteu a rotina habitual do banho, esfregando o corpo de baixo para cima. Não era um robô nem uma autista disfuncional. Era o que era. E aquilo bastava. Podia fazer o que quisesse. Podia se transformar no que quisesse. Podia provar que todos estavam errados.
Quando saiu do chuveiro, estava ofegante. Faria mesmo aquilo, e faria direito. Quando terminasse, seria uma pessoa renovada e incrível. Merecia tudo aquilo.
Minjeong se secou esfregando a toalha com força. Passou direto pela escova de dente e foi até o closet pegar o moletom que Jimin adorava.
Então voltou para a pia e enfim começou a escovar os dentes, vendo no espelho seus olhos faiscando de determinação. Seus cabelos estavam meio bagunçados, mas não pretendia arrumá-los. Não estava no clima. Outras garotas permitiam que seu estado de humor afetasse suas atitudes, alterasse sua rotina. Por que não ela?
Enquanto tomava seu café da manhã, Minjeong foi surpreendida por uma Ningning despreocupada entrando na cozinha.
— Estou surpresa por ver você em casa hoje — a chinesa se aproximou para roubar uma das torradas dela. — Ontem não foi o tal evento beneficente da sua mãe? Pensei que fosse ficar com a Jimin depois que saíssem de lá.
Minjeong deu de ombros, lutando contra suas emoções.
— Tive uma mudança de planos.
Ningning ficou em silêncio, encarando-a com um olhar atento.
— Então o que aconteceu?
Minjeong hesitou.
— Por que você acha que aconteceu alguma coisa?
Ningning deu-lhe um olhar desconfiado.
— Talvez porque eu conheça você bem o suficiente para saber quando tem algo errado. Então pode ir abrindo o jogo, MJ.
A ruiva passou os dedos do lado de fora do copo, não querendo encará-la enquanto tivessem aquela conversa.
— Jimin decidiu terminar logo depois da festa. Eu nem estava preparada; Eu acreditei que as coisas entre nós tivessem migrado para algo maior. Então ela insistiu que eu merecia alguém melhor e que não tivesse uma vida tão complicada quanto a dela.
— Como assim?
Minjeong balançou a cabeça. Ningning não tinha conhecimento de todas as questões pessoais pelas quais Jimin havia passado. Ela não podia mencionar isso.
— Não importa. Depois de tudo o que compartilhamos, ela ainda achou melhor seguir o seu caminho. Então vou aceitar isso e seguir em frente também.
A chinesa respirou fundo, e Minjeong sabia exatamente o motivo: ela estava se controlando para não ir atrás de Jimin naquele exato momento. Se existia alguém tão preocupada com seu bem estar quanto os seus pais, esse alguém era Ning Yizhuo.
— Você tem certeza que vai ficar bem? — sussurrou ela enquanto segurava sua mão de leve. — Se precisar conversar, eu estou aqui. Você sabe disso.
— Está tudo bem — respondeu Minjeong. — Você não precisa se preocupar comigo... E nem fazer nada impulsivo.
— Legal. — Ningning balançou a cabeça. — Só porque eu queria dar uma lição na Jimin quando cruzasse com ela pelo campus. Isso ia me distrair um pouco do fato de que meu projeto da optativa de inverno está sendo complicado porque ainda não consegui entrar em consenso com minha dupla de trabalho.
— Eu sinto muito.
— Me desculpe, eu sei que você está passando por um momento delicado e não devia estar falando dos meus dilemas universitários.
Minjeong olhou para sua amiga com preocupação.
— As coisas vão dar certo com seu projeto?
Ningning franziu a testa.
— Eu não sei. Mas eu não vou desistir.
A ruiva sorriu de forma singela.
— Você é talentosa. Tenho certeza que vai se sair bem.
— Isso é um fato. — Disse Ningning, lançado-lhe uma piscadela. — Bom, eu vou precisar ir a faculdade agora, mas o que acha de fazermos uma sessão de filmes hoje a noite? Para relembrar os velhos tempos.
Minjeong ficou pensativa por alguns instantes, mas enfim assentiu.
— Eu adoraria — ela sussurrou.
— Então vou providenciar tudo. — Ningning parou, encarando sua amiga. — Eu realmente espero que você fique bem, MJ. Mas não precisa ser forte o tempo todo comigo, ok? Eu sou sua melhor amiga e estou aqui para te apoiar nos momentos bons e ruins da vida.
Depois que Ningning saiu, Minjeong olhou para a casa vazia. Àquela sensação de mais cedo estava de volta. Seu corpo clamava por ação, por mudanças, por violência. Não podia ser só mais um dia como outro qualquer. As pessoas faziam coisa diferentes aos domingos. Quando as lojas abriam, saíam para fazer compras. Encontravam outras pessoas e faziam coisas juntas.
O conceito de “junto” não existia mais para Minjeong.
Ela foi para o seu estúdio pessoal e sentou em frente a uma das telas em que vinha trabalhando. Automaticamente, começou a pintar, mas as cores e traços eram semelhantes demais, algo que a fazia lembrar de Jimin. Fez uma pausa depois de poucos minutos. Em vez de permitir que a pintura voltasse ao ritmo suave, pesou na escolha de cores, impregnando a tela de uma angústia. Sua garganta se fechou, seu coração se derramava assim como a tinta através do pincel.
Aquilo não bastava. Ela transmitiu a tela sua raiva. Criou os traços em rápida sucessão, como as ondas do mar se chocando contra um penhasco em meio a uma tempestade. Onda após onda de pura raiva. Mas ainda não bastava.
Então fez algo que nunca fizera. Sempre fora uma pessoa gentil. Que falava baixo. Que não ofendia ninguém de propósito. Que adorava arte, ordem e padrões.
Ela jogou a tela no chão, em seguida fez o mesmo com seu material de pintura, produzindo uma avalanche de sons desordenados. Um aglomerado de caos. Alto, alto, cada vez mais alto. Várias vezes seguidas até seus dentes rangerem, seu corpo inteiro estremecer com a overdose de sons. Àquela altura, não se importava com nada, enfrentando o ruído e a si mesma.
Um estalo reverberou pelo cômodo. Só então ela parou, com as mãos trêmulas, eliminando o ressoar residual. O retumbar de seu coração em disparada invadiu seus ouvidos.
O estúdio precisaria ser reorganizado.
Ela se preocuparia com aquilo depois. Havia uma tela em branco ali, e ela tinha algo que ansiava por pintar.
\[...]
A academia de artes marciais fechava aos domingos, então Jimin não poderia extravasar suas frustrações em um treino. Ela destrancou a porta do seu apartamento e entrou. Depois de passar pela sala vazia, chegou ao seu estúdio no corredor. Uma vez lá, observou os tripés onde ficavam expostas as telas nas quais trabalhara, as prateleiras com tintas de todas as cores e os variados matérias para pintura.
Aquele era o seu refúgio pessoal nos momentos em que precisava fugir. De toda a família, ela era a mais ligada ao meio artístico. Ou seria, caso não tivesse ficado parada por tanto tempo.
Para Jimin, aquele lugar estava cheio de lembranças, nem todas positivas. Ela não queria passar seu tempo se afundado nessas em particular. Queria criar alguma coisa a partir do zero. Ela se dirigiu à escrivaninha no fundo do estúdio e abriu a gaveta destinada a seus desenhos. Sentiu a textura fria e familiar do caderno nos dedos, a maciez do papel, depois sentou em um branquinho e abriu numa página em branco, com o lápis na mão.
Em geral, começava desenhando o que determinava o resultado final, fosse uma paisagem, ou um modelo humano. No caso do segundo, o rosto costumava ser só um contorno, um perfil, uma curvatura de um queixo. As pernas e mãos eram traços rápidos, dando apenas uma ideia vaga. Naquele dia, ela começou pelo rosto. Era a única coisa que passava por sua mente.
Olhos com cílios grandes. Sobrancelhas arqueadas. O nariz. Lábios tentadores. Quando terminou, Minjeong a encarava do papel. Havia capturado a essência dela com perfeição. As mãos da morena conheciam cada contorno do rosto dela.
A semelhança foi suficiente para lhe provocar um nó na garganta. Jimin pegou o celular no bolso para ver se havia alguma mensagem ou chamada perdida.
Nada. Assim como nas outras noventa e nove vezes em que o havia feito.
Ela disse que estava obcecada, e Jimin era desequilibrada o bastante para querer aquilo. Se a obsessão fosse a única coisa que poderia ter dela, por ela, tudo bem. Quanto mais drama, melhor. Talvez não restasse alternativa a não ser ficarem juntas.
A tela de seu celular se apagou, e a dura realidade veio à tona. A obsessão dela não era forte o bastante para passar por cima do passado criminoso de sua família, além de todos os seus outros defeitos e problemas pessoais. Só haviam tido uma relação de aprimoramento sexual.
O telefone vibrou com a chegada de uma mensagem. Por um momento, pensou que pudesse ser Minjeong, e uma alegria radiante a invadiu. Apesar de saber tudo a seu respeito, a ruiva ainda o queria. Ela abriu o aplicativo de mensagens o mais rápido que pôde, então viu que era uma mensagem do hospital onde fazia acompanhamento. Seu estômago se revirou.
Tinha esquecido que os resultados dos seus exames mais recentes sairia naquela semana e que havia marcado uma consulta de rotina. Tudo por que tinha ficado presa a rotina que criara ao lado de Minjeong... Coisa que jamais acontecera antes.
Era só ver o número de pessoas com quem tinha transado nos últimos tempos. O que havia produzido de relevante? O que tinha feito da vida? Só criara problemas. Era uma nada. Servia para um test drive, mas não era boa o suficiente para ser levada para casa. Podia se orgulhar de ter elevado a autoconfiança de Minjeong e provado que era melhor que o próprio pai, mas continuava sendo uma imbecil egoísta, e só conseguia pensar em ter mais dela para si.
Num futuro próximo, Minjeong estaria levando outra garota à loucura — ao menos não seria o idiota do Sunghoon — do mesmo jeitinho que fazia com Jimin. As mãos dela tocariam outro corpo, sua boca ia...
Jimin levou as mãos aos olhos e respirou fundo para tentar se livrar da náusea. Se Minjeong ia transar com outras pessoas, ela faria o mesmo. E o quanto antes. Fez menção de ficar de pé, mas se interrompeu. Era domingo de manhã. Não era hora para aquilo.
E ela estava fisicamente incapacitada.
O toque de outra garota naquele momento faria com que vomitasse.
Ou pior, chorasse como um bebê.
Já estava difícil demais manter a cabeça no lugar. Seus olhos e sua garganta ardiam, seu corpo todo doía. Nada de garotas. A não ser que fosse uma de olhos azuis gentis, com um sorriso tímido, um amor desmedido por arte e capaz de produzir os ruídos mais deliciosos quando ela a beijasse... Não. Era preciso dar um basta. A morena agarrou os cabelos e tentou arrancar da mente os pensamentos direcionados a Minjeong.
Aguenta firme.
Mas Jimin estava cansada de aguentar firme. Era o que vinha fazendo havia três anos. Estava aprisionada ali, naquela vida, com aqueles problemas sem fim. E agora tinha sido aprisionada pelo amor.
Aquele era seu problema. Ela amava demais. Se conseguisse destroçar seu coração e deixar de ter sentimentos, estaria livre. Um frenesi a dominou quando olhou para o papel.
Murmurando para si mesma um pedido mental de desculpas, ela arrancou a página com a imagem de Minjeong e a rasgou no meio, depois picou em pedacinhos, que foram ao chão como folhas caídas de uma árvore morta. Em seguida, voltou o olhar para o cômodo silencioso. Momentos passados tinham inspirado algumas daquelas telas.
Jimin se levantou e caminhou até uma delas. Levou poucos instantes para que a tela fosse lançada ao chão e destruída. E ela fez o mesmo com a seguinte. E a seguinte. Todas elas. Depois voltou à escrivaninha nos fundos, pegou todos os seus desenhos e os jogou no lixo. Então abriu a gaveta maior, onde guardava os projetos em que trabalhava em segredo. Cerrando os dentes, rasgou os papéis, traço por traço, momento por momento, lembrança por lembrança.
Quando enfim tinha destruído tudo o que poderia ser destruído, observou os restos no chão e o cesto de lixo transbordante.
Tinha funcionado. Àquela altura, não sentia mais nada.
Jimin caminhou até o canto onde costumava guardar as telas em branco, pegou uma e a posicionou sobre um cavalete. Então reuniu seu material de trabalho em meio a bagunça, se sentou no seu branquinho e observou mais uma vez os restos sobre o chão. Trabalhos que outra versão sua havia criado. Visões que não eram mais suas.
Era melhor começar logo com aquilo. Pelo menos lhe daria um respiro durante a semana.
Ela começou a pintar.
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Bom pessoal, passando aqui para avisar que infelizmente a fic está na reta final. Por mais que eu esteja adorando escrever essa história e acompanhar a reação de vocês, esse momento chegou.
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