Vinte
“Eu falei por muito tempo quando lhe contei todos os meus sentimentos naquela noite? Me diga o que odeia sobre mim. Seja o que for, sinto muito. Eu estou chegando a um acordo com um coração partido. Eu acho que às vezes, até as coisas boas desmoronam.”
Illenium | Good Things Fall Apart
15 de abril de 1998,
quarta-feira.
A brisa amena e abafada atravessa as frestas da janela, bagunçando meus fios ruivos sobre o travesseiro macio. O lençol roça suavemente em minhas pernas e sinto um peso quente sobre a minha barriga. Abro as pálpebras, sendo recebida pela escuridão do quarto. O relógio marca seis horas da manhã. Viro meu corpo sobre o colchão, analisando a expressão serena de Scott Summer adormecido. Levo meu indicador até a cruz invertida tatuada abaixo de seu olho esquerdo, contornando-a. Ele não se move, continua de olhos fechados e a respiração calma.
Diferente dele, não me sinto tranquila; sinto-me ainda mais confusa. Queria ser menos previsível e ter acordado com todas as minhas perguntas esclarecidas, mas o meu questionário só aumentou desde que eu mandei tudo para o inferno e decidi transar com o meu melhor amigo.
Como o esperado; acordei arrependida.
Fito o teto branco do quarto, recordando de cada mísero segundo desta madrugada. Desde o instante em que sentei sobre o seu colo, até o momento em que transamos novamente debaixo do chuveiro. Embora o ambiente esteja silencioso, minha cabeça está barulhenta. Estou prestes a entrar em colapso, tendo uma noção mínima das consequências que virão assim que ele acordar. Merda, Anastásia! Queria ter consumido uma boa quantidade de vinho ontem a noite, assim, poderia colocar a culpa no álcool. Porém, a única coisa que posso culpar agora, sou eu mesma.
Repouso meus pés no chão, sentindo a pelagem fofinha do tapete se infiltrar entre meus dedos. Faço os mínimos movimentos possíveis para tirar seu braço de cima de mim. O colchão afunda um pouco, mas o loiro continua absorto aos barulhos em sua volta. Começo a caçar minhas roupas no chão, esbarrando em um pacote aberto de camisinha. Aperto meus olhos com força, me condenando mentalmente por ter me deixado levar pelo instinto mais primitivo. Essa madrugada, com certeza, me custará muito caro.
Visto minhas roupas rapidamente, sentando sobre a poltrona para calçar as minhas botas de cano alto. Ajeito a lapela da jaqueta jeans, indo até o banheiro para escovar meus dentes. Abaixo minha cabeça para cuspir a pasta branca, dando um sobressalto ao levantá-la e enxergar o reflexo de Scott Summer atrás de mim no espelho. Entretanto, não digo nada.
— Aconteceu alguma coisa? — Sua voz é rouca e quase posso sentir o receio emanar de seus poros.
Seco minhas mãos e a boca na toalha de rosto, saindo do banheiro. Seus passos me seguem no caminho.
— Sim — engulo a bola áspera de saliva alojada em minha garganta, guardando meus pertences dentro da mochila. — A gente pode fingir que essa noite nunca aconteceu?
— O quê? — Ele joga o corpo coberto pelo lençol branco sobre a poltrona, unindo as sobrancelhas em minha direção.
— Foi só sexo, né? Como você faz com as garotas que sai. É apenas isso. Sexo — cruzo os braços em frente ao corpo, afundando meus dedos no tecido grosso da jaqueta escura.
— A diferença, Anastásia, é que elas não são minhas melhores amigas e muito menos sinto outra coisa por elas que não seja atração sexual — aponta, o vinco no meio de sua testa se aprofundando ainda mais.
— Scott, eu conheço você. Sei que gosta de lances casuais e que não se apega. Não confio meu coração a você. Não desse jeito.
— Então por que confiou a sua virgindade? Se sou tão perverso e mulherengo assim pra você, por que me deixou… — Scott para, inspirando e expirando profundamente. — Puta merda. Achei que você… — ri, mas não há humor no gesto.
— Nunca fui exigente nessa questão de perder a virgindade, mas queria que fosse com alguém especial — encolho-me, dando um passo para frente.
— Você é contraditória pra caralho, sabia? Diz uma coisa e depois faz outra. Inacreditável!
— Eu não quero te magoar.
— Uau — sorri. — Imagina se quisesse, huh?
— Não venha com sarcasmo agora — bufo, revirando os olhos. — Nós vamos entrar na faculdade esse ano. Você vai conhecer pessoas, ir em festas, se interessar por outras garotas e eu não quero viver na sua montanha-russa. Desde que a gente se esbarrou naquela maldita calçada, você tem feito da minha vida uma verdadeira tempestade. Eu vivo confusa, questionando a todo momento o que realmente sinto por você e nunca chego a uma conclusão — umedeco os lábios, sentindo minha visão embaçar.
— Todas as coisas que você me disse… não significaram nada? — Indaga, se levantando. A decepção é evidente em seu tom de voz.
— Sim, claro que sim! Eu também gosto de você…
— Esse é o problema, Anastásia. Você gosta de mim. Eu amo você.
Uma lágrima solitária e quente percorre minha bochecha. Sou rápida em enxuga-lá.
— Scott, para. Eu só quis curtir a noite, como dois adultos fariam.
— Curtir? Isso que a nossa transa significou pra você? Curtição?
— Eu sinto muito, mas não sou responsável pelas expectativas que você mesmo criou — dou outro passo a frente, mas desta vez ele recua dois para trás. — Seria injusto fazer você esperar anos por mim, Scott. Não estou pronta agora e nem sei quando vou estar, ainda não me curei totalmente das coisas que aconteceram no passado. Você quer ter um relacionamento e eu só quero aproveitar a minha liberdade. Se ficássemos juntos, iríamos nos destruir.
O quarto fica silencioso, apenas o som de nossas respirações preenchendo a situação tensa em que nós mesmos nos colocamos. O alarme toca, anunciando que já são seis e meia da manhã. Scott Summer concorda com um maneio leve de cabeça, se deslocando de onde está e parando ao meu lado para murmurar:
— Se você magoa os outros por medo de ter o coração partido outra vez, então você é tão horrível quanto a pessoa que fez isso com você.
18 de maio de 1998,
segunda-feira.
Dezoito de maio. Último dia do ano letivo na High Five Snakes. Isso significa que os alunos do sênior estão tocando o terror nos corredores do colégio. Posso me incluir nesse meio, já que estou com bexigas recheadas de tinta azul nas mãos, correndo atrás de Sarah e Helena. O uniforme dos estudantes virou uma verdadeira obra de arte digna de se expor em uma galeria. O diretor Pasqual tentou intervir, mas acabou levando uma bexigada de tinta roxa nos bigodes pretos e espessos – essa guerra com balões é uma tradição, e uma tradição não pode ser quebrada.
— Alunos! Alunos, por favor, se acalmem — ele grita no exato momento em que acerto os cabelos loiros de Sarah com a tinta azul. — Se vocês não pararem agora, irei suspender a festa de formatura!
O silêncio é instantâneo.
— Ótimo — ajeita o paletó, soltando uma lufada impaciente de ar. — Na sexta-feira, o professor Charles pediu para que vocês escrevessem bilhetes para colegas e amigos. Agora, quero que peguem esses bilhetes e se encaminhem até o salão. Há um mural com fotos de todos vocês e um envelope embaixo de cada imagem. Depositem seus recados lá e os retirem no dia da formatura, no sábado. Isso é tudo.
— Nem acredito que finalmente vamos passar por essas experiências! — Sarah comemora, dando pulinhos animados entre Helena e eu.
— Quero uma carta de vocês duas, huh? Não aceito menos que três páginas preenchidas — digo, puxando ambas pelo braço até nossa sala.
— Você acha que Scott vai colocar algo no seu envelope? — Helena indaga, me deixando pensativa.
Minha animação some rapidamente, dando lugar a sensação angustiante de vazio que venho sentindo no último mês. Sinto falta de Scott. Muito mais do que já senti quando nos beijamos na festa de Felipe Blenson e ficamos duas semanas afastados. Agora, a dor corrói meu peito e sei que nada voltará a ser como era antes. Nos intervalos, ele parou de sentar na mesma mesa que nós e voltou a frequentar as arquibancadas. Não pude fazer nada para impedí-lo de se afastar; e mesmo se pudesse, não o faria. Já fui egoísta demais e o machuquei mesmo que essa não tenha sido a minha intenção, para prendê-lo ao meu lado como se seu coração não estivesse em frangalhos por minha causa.
Me pergunto como estaríamos agora se eu não tivesse uma tempestade interna para resolver e correspondesse seus sentimentos com a mesma intensidade. Seríamos felizes? Eu finalmente conheceria o amor? Meu medo evaporaria pelo ar e levaria todas as minhas inseguranças embora? Talvez, eu nunca tenha essa resposta.
Ciclos se fecham e acho que o nosso infelizmente chegou ao fim.
— Eu acho que não — dou um leve sorriso, tentando demonstrar que ficarei bem caso não haja nenhum bilhete dele em meu envelope.
— Ei — Sarah me puxa pelos ombros, deitando minha cabeça em sua clavícula. O simples gesto desarma todas as minhas defesas e meus olhos ardem penosamente pela dor. — Você não precisa ser forte o tempo todo. Pense pelo lado positivo, você não conseguia se enturmar com ninguém fora da sua zona de conforto. Mesmo que não tenha dado certo, Scott chegou na sua vida com um propósito e tenho certeza que você aprendeu muito com ele.
— Eu estraguei tudo — sussurro, sentindo minhas narinas se dilatarem e as lágrimas escorrerem em minhas bochechas. — Eu sabia que não estava pronta. Sabia que ele gostava de mim e o usei sem me importar com os sentimentos dele. O quão horrível eu sou?
— Você é humana, Ana — Helena se aproxima, também envolvendo seus braços em volta de mim. — Cometemos muitos erros e está tudo bem, desde que você aprenda com eles.
— Acham que um dia ele vai me perdoar?
— Você conhece o Scott melhor do que nós duas, e olha que eu o conheço a mais tempo que você — a morena solta uma risada frouxa, alisando meus cabelos suavemente. — Acha que um dia ele vai te perdoar?
A resposta fica entalada em minha garganta como um soluço. Sei que Scott pode ser compreensível, mas também sei que pode ser insensível quando quer. Não sei o nível de sua raiva por mim no momento, mas é alta o bastante para, desta vez, não ter perguntado as meninas se estou bem ou não e, além disso, ter trocado todas as aulas no mês passado. Minha cabeça afunda no travesseiro todas as noites desde então, reprisando sua frase como uma maldição: ...você é tão horrível quanto a pessoa que fez isso com você.
Estou começando a acreditar em suas palavras.
Meu corpo pesa uma tonelada enquanto caminho pela grama verde do meu quintal rumo à varanda. Pelo visto, chorar por mais de dez minutos no ombro das minhas amigas não foram o suficiente para externar toda a minha angústia. Ainda sinto meu coração vazio bater de forma pungente contra as costelas.
Levanto a cabeça ao pisar no patamar, notando que a porta de casa está entreaberta. Sei que mamãe tirou uma semana de folga e deixou papai no comando, mas não é isso que me chama a atenção, e sim, sua voz exasperada ecoando pelas paredes assim que coloco meus pés dentro do hall. Estreito as sobrancelhas, largando minha mochila no sofá e caminhando em direção aos ruídos. Paro sob o marco da cozinha, observando minha mãe apontar uma folha de papel em frente ao rosto de meu pai.
Okay… o que está acontecendo aqui?
— Mãe? Pai? — Chamo a atenção de ambos, que rapidamente viram a cabeça em minha direção.
— Graças a Deus! — Papai se desencosta do armário, caminhando em minha direção e me acolhendo em um abraço apertado. Ouço as batidas apressadas de seu coração tocarem minha orelha. — Nós ligamos várias vezes pra você! Por que não atendeu o telefone?
— Eu deixei lá no meu quarto, deve estar sem bateria — estou perdida como uma barata tonta. — O que aconteceu?
— Você sabia, não sabia? — Minha mãe questiona em tom acusatório. A postura ereta, a cabeça erguida e a pele avermelhada entregam sua raiva.
— Por favor, Marina! É impossível. Nem nós mesmos sabíamos. Não culpe nossa filha!
Meus olhos saltam de Marina para Robert, que parece tão furioso agora quanto ela. Sinto meu coração tropeçar nas palpitações.
— Caramba! Vocês podem me dizer o que diabos está acontecendo?!
— Kennedy Summer. O pai do seu maravilhoso amigo, é um criminoso, Anastásia.
A revelação cai como uma bomba sobre a minha cabeça e fere minha alma, deixando-me atordoada. Por sorte, papai está atrás de mim e me segura pelos ombros. Caso contrário, teria desabado de encontro ao chão.
— Como… como vocês descobriram? — Minha voz é tão falha, que quase não a reconheço.
— Resolvemos solicitar no banco de dados a ficha criminal dos nossos funcionários após uma grande quantia de dinheiro ter sido desviada. Kennedy, na verdade, se chama Kahill Summer e já fez dois golpes em empresas de Londres, além de cometer plágio em uma fábrica pequena como a nossa — mamãe explica, enraivecida. — A One Enterprise Fashion seria a próxima.
Pisco, incrédula. Sinto meu coração martelar nas têmporas e o ar entrar com dificuldade em meus pulmões. Helena sabe? A Emma ou o Felipe? Cynthia é sua cúmplice? Céus! Scott deve saber sobre tudo isso e nunca me disse nada…
— Querida — a voz de papai é distante, mas séria o bastante para me despertar do choque. — Nós achamos que Scott é cúmplice.
— O quê? — Dou um passo para longe dele, como se suas palavras tivessem me dado um soco no estômago. — Vocês não podem acusá-lo dessa forma. Kennedy talvez seja um criminoso, Scott é uma pessoa boa!
— Assim como achávamos que o pai dele era? — A risada amarga e gutural de minha mãe reverbera pela cozinha, causando arrepios em meu corpo. — Por favor, Anastásia! Não seja inocente.
— Mãe, por favor. Scott não se meteria com esse tipo de coisa!
— Qual é a certeza que você tem, huh? Não é muita coincidência que o filho daquele criminoso tenha se aproximado de você?
— Está insinuando que…
— Ele te usou esse tempo todo para conseguir informações? É claro que sim!
— Meu Deus, você ficou louca! — Aponto, sentindo meus olhos marejarem.
— Estou tentando proteger você!
— Scott nunca faria algo do tipo pra mim, vocês não precisam me proteger de absolutamente nada!
— Por que você tem tanta certeza? — Grita.
— Porque ele me ama! — Berro de volta.
O silêncio se instala na cozinha, nossas respirações agitadas e falhas pelo esforço na voz. Papai dá dois passos para frente, esfregando meus braços com as mãos pesadas.
— Querida, sua mãe pode ter razão e Scott só estava se aproveitando da sua amizade…
— Não! — Arquejo, me afastando de ambos. Sinto lágrimas quentes e grossas escorrerem sem freio pelo meu rosto. — Ele não faria isso, vocês estão errados!
— Amor — minha mãe retorna a gargalhar. — O que você sabe sobre o amor, Anastásia? É uma adolescente ainda!
— Aposto que sei muito mais do que vocês, que juraram amor um ao outro e agora estão aí — aponto para meus pais, soltando um sorriso forçado. — Seguindo a vida com pessoas totalmente diferentes. Me digam; quem são vocês para julgarem o que é o amor e o que não é?
— Vai pro seu quarto, Anastásia.
— Eu não tenho mais oito anos, mãe.
— Enquanto você estiver morando sob o meu teto, terá que fazer o que eu disser! Então, vai pra merda do seu quarto! — Grita pela última vez, jogando o papel sobre a mesa e saindo da cozinha pisando duro. Mordo minhas bochechas internamente, tentando impedir que os soluços venham ao mundo exterior.
— Vocês vão fazer o quê?
— Já contatamos nosso advogado. Kennedy, na verdade Kahill, está foragido há mais de três anos. Por enquanto, manteremos sigilo. Quando chegar a hora, acionaremos a polícia.
— Você realmente acha isso? Que Scott está envolvido?
Meu pai coça a nuca, evitando me encarar nos olhos. A vontade de externar minha angústia para o mundo se torna ainda mais intensa e insuportável de se aprisionar em meu interior.
— Filha…
— Tudo bem. Eu não quero falar, tá? — Abano as mãos em frente ao corpo, balançando a cabeça negativamente. — Não quero.
Giro sobre os calcanhares, saindo da cozinha e rumando rapidamente em direção às escadas. Subo para o meu quarto, fechando a porta em um baque que estremece o marco de madeira. Caço meu telefone entre as cobertas bagunçadas, mas o encontro sem bateria. Solto um grunhido frustrado, conectando-o no carregador e pressionando o botão verde. Quando a tela finalmente se ilumina, digito o número de Scott com as mãos trêmulas. Preciso saber a verdade.
A linha fica tocando…
Tocando…
E tocando…
Até que a voz eletrônica comunica algo que faz meu mundo ruir completamente:
Esse número de telefone não existe.
Meus sinceros parabéns a quem acertou que o motivo do prólogo tinha haver com a família Summer e a One Enterprise Fashion. Tô chocada demais, FBI note as minhas leitoras, por favor! KKKKKKK
Sexta-feira é o último capítulo e eu
já estou com saudades!!! 🤧❤️
Quer entrar no Grupinho de Beautiful Storm lá no WhatsApp? É só entrar no meu perfil e clicar no link da bio! ❤️
Beijinhos cintilantes e até breve!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro