𝟭𝟮. 𝗼 𝗺𝘂𝗻𝗱𝗼 𝘁𝗼𝗱𝗼 𝗲𝘀𝘁𝗮́ 𝗾𝘂𝗶𝗲𝘁𝗼 (𝗲𝘅𝗰𝗲𝘁𝗼 𝗽𝗼𝗿 𝗻𝗼́𝘀)
․⚬་◦➣ O MUNDO TODO ESTÁ
QUIETO (EXCETO POR NÓS).
SÃO DUAS DA MANHÃ e tudo o que Ravena consegue fazer é reclamar, mentalmente, sobre o calor. Não estava quente, mas ela estava tentando incansavelmente procurar por algum agente que estivesse lhe impedindo o sono. Antes, acreditou que tinha esquecido de tomar o calmante. Depois que viu que tinha ingerido sua dosagem, culpou o ronco de Elliot ─ alternativa que descartou depois de cinco segundos, quando percebeu que não sabia se ele realmente roncava. Por fim, culpou a temperatura, mesmo que o bunker fosse um lugar geralmente gélido. Ela sacudiu os cobertores com as pernas até que estivesse livre dos lençóis, e começou a rodar o seu quarto pequeno como se aquilo a fosse cansar e causar algum sono. Depois de sete minutos inteiros persistindo nessa ideia, ela desistiu, e saiu do pequeno cômodo que lhe foi cedido há poucos mais de dois meses.
Como era de se esperar, tudo estava muito silencioso. Ela conseguia ouvir o atrito entre suas meias e o chão de cimento queimado, mas sabia que ninguém acordaria, e foi tranquilamente até a cozinha.
Se tinha algo que ela gostava de morar com Dean e Sam, era que os dois sempre tinham cerveja na geladeira. Parecia o estoque de um ano, ou algo reservado para um grande evento social, mas ela sabia que era a quantia exata para um mês. Pelo menos agora, enquanto ela, Elliot e Raphael estavam com os irmãos Winchester.
Bebendo da sua garrafa e olhando para a geladeira aberta, ela refletiu sobre como nunca viu Dean ou Sam indo para o supermercado, mas como todas as prateleiras sempre pareciam ter o essencial ─ e o não essencial também, como esses salgadinhos que tiram dois anos de vida a cada saquinho consumido. Ela sabia que Dean quem consumia toda aquela porcaria, apesar de já ter visto Elliot roubando alguns pacotes quando veio para cá. Ele vivia trancado no quarto, e costumava levar aperitivos para lá, quando pulava refeições. Aparentemente, Sam estava tentando reverter esse quadro, mas sem sucesso.
Quando a Melvac vai beber outro gole da bebida, pode escutar passos em sua direção. Apesar de ter a visão prejudicada devido às caçadas, o bunker estava tão silencioso que ela conseguia ouvir até mesmo a própria inspiração, então por que raios não conseguiria escutar outras também?
Por um momento, temeu que fosse Raphael. A última coisa que queria, naquele momento, era ter que interagir com ele, mesmo que fosse uma rápida troca de olhares. Estava tão furiosa com ele por querer interferir na sua vida que não queria estar no mesmo local com o irmão por mais de alguns minutos, pelo menos naquele dia. Ou aquela noite. Ou madrugada, que seja, ela pensou, afastando o corpo da bancada.
─ Já estou saindo. ─ Ela anuncia, e a luz é acesa no segundo seguinte, revelando outro rosto. ─ Por Cristo! Apaga essa luz.
E, no mesmo instante, Dean apaga o interruptor, voltando ao escuro.
─ Esqueci que você tem a visão sensível.
─ Eu estou me esgueirando no escuro por meia hora; qualquer um teria a visão sensível em uma situação dessas, Winchester.
Mesmo no escuro, ela consegue ver ele indo até a cozinha e pegando uma garrafa idêntica a dela.
─ Dia difícil? ─ A morena sugere, se permitindo apoiar as costas na bancada novamente.
─ Eu poderia perguntar o mesmo. ─ Dean imita o gesto da mulher, livrando a tampa de metal do recipiente logo depois e bebendo um pouco do álcool.
─ Eu perguntei primeiro.
Ele suspira.
─ Bem, eu fiquei meio perdido com o que aconteceu hoje. Há uma semana, você estava visitando a sua mãe, que estava doente, mas hoje eu descobri que ela faleceu há dois anos. E depois o seu irmão parece irritado e te arrasta até um dos quartos, e em algum momento de tudo isso, Sam, Elliot e eu escutamos alguns gritos, apesar de ninguém conseguir interpretar o assunto.
─ É, desculpa por isso. Eu tenho certeza de que foi desconfortável.
─ Quer conversar sobre isso? Vocês tiveram algum problema com ela?
─ Ela? ─ Ravena levanta a cabeça confusa.
─ Aurora.
─ O que que a mãe tem a ver com... ─ A ficha cai, e a Melvac tem que segurar a risada. ─ Meu Deus! Acha que ela virou um fantasma?
─ Era uma possibilidade ─ Ela consegue ver o loiro sorrir na penumbra, e depois ele leva outro gole de cerveja aos lábios.
─ Somos caçadores, Dean. Sabemos como lidar com a morte de uma pessoa. Ela nos mataria se errássemos nisso com ela.
─ Mas se ela está morta, como iria matar vocês? Ao menos que não tivessem cremado.
─ Nós cremamos ela. ─ Ravena diz por impulso, e só processa a mentira depois de ter dito. Mesmo assim, isso parece calar Dean. ─ Às vezes ele me deixa maluca.
─ Raphael?
─ É. Sei que ele quer me proteger, mas porra! Eu sei tanto sobre armas quanto ele. Tive a mesma criação, a mesma educação e me foram passados os mesmos valores. Então por que raios ele age como se eu não fosse capaz de...
─ Matar? ─ Dean sugere.
─ Me defender. ─ Ravena corrige, e o tom de sua voz delatando certa antipatia com a sugestão do mais velho.
─ Então é por isso que está tomando cerveja barata às duas da manhã?
Ela balança a cabeça, concordando.
─ Eu só detesto estar brigada com ele.
─ Então se resolvam.
─ Uau, isso é genial! ─ Ela revira os olhos. ─ Como nunca pensei nisso antes?
─ Detesto quando você é sarcástica.
─ Aprendi com você. Eu sou como o monstro de Frankenstein, só que do Dean Winchester.
─ Quem dera você fosse minha.
Ela fica em silêncio. Na verdade, ela bebe todo o restante de sua bebida apenas para não ter que responder aquilo. Ou assumir para si mesmo que sua barriga estremeceu depois de ouvir a frase.
Ela sabia que ele tinha falado da boca pra fora.
Conhecia Dean muito antes de eles ficarem juntos, quando ele saía para caçadas com ela e voltava pro motel com o cabelo bagunçado e a camisa amassada. Como um bom mulherengo que ele era, não podia perder qualquer chance de flertar com alguém. Ela só achava que, como ex dele, estaria livre disso.
Depois, ela se perguntou porque queria estar livre disso.
Por que ela queria estar livre da voz dele, do modo como ficava rouca pela manhã ou quando ele estava com muito sono ─ como naquele momento? Por que ela iria desejar se livrar do ronco dele, ou das piadas confusas, ou de como ficava envergonhado toda vez que um homem azarava ele, mesmo que ele estivesse do lado dela. Só para constar, Dean era bi. Ela sabia disso. Ele sabia disso. Ele só não queria assumir, como Sam tinha feito há alguns bons anos atrás. E Ravena não tinha nenhum direito de interferir no tempo dele.
─ Quanto você bebeu? ─ Ela abre a geladeira mais uma vez, pegando outra garrafa e passando para ele.
─ O mesmo que você. ─ O homem aceita. Quando ela está fechando a porta do eletrodoméstico, ele segura no objeto, barrando a Melvac. ─ Ei, pode deixar aberta. Eu mal consigo ver o seu rosto.
─ Está bem.
Silêncio. Ravena começou a beber mais rápido, como se aquilo fosse preencher um pouco do vazio que a cozinha estava se tornando. Agora, toda vez que ficavam quietos, ela continuava a enumerar todos os porquês de ela supostamente não querer ele em sua vida, daquele jeito. Só que todos os porquês eram fofos, ou alegres, ou românticos, ou divertidos, e isso estava frustrando ela. O único porquê ruim não era ruim, só o modo como ele foi desenvolvido e consolidado, e agora ela estava se frustrando enquanto bebia ainda mais cerveja. Todos os porquês não eram porquês.
─ Assim você vai ficar bêbada.
─ Achei que aqui era um lugar seguro para isso. ─ Ela sorri de canto, sentindo a luz amarela da geladeira em seu rosto.
Agora ela conseguia enxergar ele melhor, e tinha certeza de que ele estava sorrindo naquele exato momento.
─ Nenhum lugar é seguro quando você está bêbada, Rav.
─ Eu só rio! O que tem de tão perigoso nisso?
─ Não, não é só risada. Você fica perigosamente sincera.
─ E qual é o problema nisso? ─ Ela ri, e depois abafa o som com uma das mãos.
Dean parece melhor em disfarçar tal ação do que ela.
─ Talvez você fale algo que não queira falar.
─ Tipo...?
Ele fica quieto, mas encara ela como se estivessem conversando por telepatia. E tinha aquele sorriso cínico de quando uma situação era muito óbvia, mesmo que a pessoa do outro lado da conversa não soubesse sobre o que era toda a porra.
─ Merda, o sorriso. ─ Ela diz, colocando mais um porquê na sua lista mental.
─ O que?
─ "O que" o que? ─ Ela levanta a cabeça, bebendo mais da sua cerveja.
O sorriso dele se alarga ainda mais.
─ O sorriso. O que tem o meu sorriso?
─ Eu não... ─ Ela para. Merda!, pensou. Eu realmente falei aquilo em voz alta? ─ Quer saber? Você tem razão. Pega.
A morena balançou a garrafa de vidro algumas vezes e a estendeu, e Dean riu enquanto tomava o objetivo de sua mão e levava o gargalo até a boca, tomando o pouco de cerveja que ainda havia ali dentro.
─ Que horas são? ─ Ela pergunta, olhando ao redor e procurando por um relógio.
─ Deve ser três. Tá com sono?
─ Não... E você?
Ele balança a cabeça.
Silêncio de novo. Mas não era mais tão desconfortável. Só que Ravena ainda continuava a listar. Ela queria se livrar das costas dele. E do símbolo de anti-possessão no canto superior do peito. E da maciez da pele dela. Ou da falta dela na área das mãos, que eram muito ásperas.
─ Ei ─ Ela chama por ele, tentando afastar a lista da sua cabeça. ─ Eu realmente não sei como a minha sinceridade poderia ser um problema.
Ele ficou um pouco quieto. Quando a lista estava voltando, porém, ele falou:
─ É um elefante branco?
─ O que?
─ A sua briga com o Raphael. Ou o real motivo de você ter abandonado o caso.
─ Sim... Não! Quer dizer... Eu realmente não sei.
─ Se não é algo que você queira falar...
─ Não quero. ─ Ela responde rápido. Depois franze o cenho. ─ Quer dizer, não agora. Eu não acho que seja apropriado porque...
─ Você está bêbada? ─ Ele sugere, e ela balança a cabeça negativamente.
─ Porque eu quero ficar nisso por mais um tempo. ─ Ela revela, olhando-o nos olhos. ─ Você sabe... A gente na cozinha, e o mundo todo está quieto, e não está mais tão quente, e eu sei que não vou ficar de ressaca quando amanhecer, e isso tudo é meio... pacífico. De um jeito estranho, e eu não esperava que fosse ter um momento desse com você, então... A gente pode deixar isso pra mais tarde?
Ele balança a cabeça, como se entendesse o que ela queria dizer.
─ Mais tarde do tipo "daqui a algumas horas", ou...
─ Às vezes eu te odeio. ─ Ela revira os olhos, mas ainda está com uma curvatura discreta nos lábios.
Só Dean consegue enxergar esse sorriso. E ainda assim, é um dos mais genuínos que a Melvac tem.
─ Vou estar aqui quando você quiser me contar.
O sorriso no rosto dela se torna um tico maior: ─ Okay.
─ Então... Quer outra cerveja?
─ Ai, por favor! ─ Rav estende as mãos como se fosse uma criança esperando para receber o seu doce favorito, e eles bebem mais outra garrafa, e outra, e outra, e depois ela não se lembra muito bem das coisas que conversou com ele, mas na maioria das vezes eles dois estavam rindo ou sorrindo, então ela sabia que não havia falado mais do que deveria.
E depois de um tempo, eram cinco da manhã, e a pia estava cheia de garrafas, e ele estava deixando ela no próprio quarto como se fosse uma casa a parte do bunker, para depois ir para a sua própria cama.
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