Capítulo II
Binárias de contato
Estrelas binárias são quando duas estrelas orbitam uma à outra, quando as mesmas estão distantes, são chamadas de binárias de par separado, quando próximas de binárias de contato. Cellbit não gostava da sensação daquela distância imposta por Roier, não gostava de sentir que eram binárias de par separado.
A ansiedade era tanta que lhe corroía de dentro para fora. A forma como Forever tinha um ar de quem sabia mais do que estava falando não passou despercebida por ele, e isso só aumentava sua inquietação. Em uma ação impulsiva, depois de concluir que não aguentaria esperar até segunda – se não tivessem nenhuma emergência no trabalho. Ele apenas conferiu se havia comida e água nos potes de Richarlyson, nem ao menos pegou um casaco mais grosso, ou se preocupou em trocar as pantufas por sapatos fechados. Desceu as escadas correndo, ansioso demais para esperar pelo elevador, com pressa de chegar ao próprio carro.
Se deu conta de que havia começado a chover em algum momento, e ele provavelmente pegaria um resfriado, mas no momento aquilo não importava. Não sabia o que havia instalado em seu peito tamanho desespero e angústia, para que não se preocupasse com as roupas agora levemente molhadas, ou até mesmo com seu próprio bem estar.
Dirigiu pelas ruas tão rápido quanto as leis de trânsito permitiam – e talvez tendo levado uma ou duas multas por excesso de velocidade. Quando se viu em frente ao jardim bonito e florido da casa de Roier, o qual ele sabia que o outro cuidava com total dedicação – mas que logo seria coberto pela neve do inverno, – ele finalmente parou para refletir em suas ações. Que merda eu tô fazendo? Mas agora já era tarde para voltar atrás.
Desceu do carro, a chuva havia aumentado, e ele agora eles estava completamente encharcado, correu até a área coberta da entrada da casa, tocando a campainha, tentado a dar meia volta e fingir que aquilo nunca havia acontecido. Quando a porta foi aberta, ele soltou o ar que nem sabia estar prendendo.
— Cellbit?! – o outro exclamou com os olhos arregalados. — O que você...?
— A gente precisa conversar.
— Você enlouqueceu? – o outro indagou enquanto o puxava para dentro. — De onde tirou a ideia de sair com esse tempo? Você tá tremendo, vai ficar doente!
— Por que você tá me evitando? – cortou o outro, que provavelmente continuaria a lhe dar um esporro.
— O que? Eu não tô te evitando! – agora Roier parecia nervoso.
— Não mente assim pra mim... – sua voz saiu tremida. — Eu só quero saber, depois eu vou embora.
— Tá maluco? Você precisa de um banho quente e roupas secas – a voz preocupada lhe fez se sentir culpado. — O banheiro e a primeira porta do corredor, eu vou arrumar algo pra você vestir.
O outro disse enquanto se afastava em direção ao corredor, mas Cellbit foi mais rápido em lhe puxar pelo pulso.
— Depois promete que a gente vai conversar? – a feição insegura do outro o fez insistir. — Por favor, Roier.
— Tudo bem... – ele suspirou. — Agora vai tomar um banho, tem toalha limpa na gaveta.
Cellbit assentiu e rumou até o banheiro, se desculpando por estar molhando a casa do outro. Suspirou quando a água quente entrou em contato com sua pele fria. Havia shampoo e sabonete no box, ambos pela metade. Sabia que Roier não precisava tomar banho, a não ser que estivesse realmente sujo – o que acontecia algumas vezes quando o trabalho pedia uma intervenção física, – no entanto, ele aparente o fazia por algum motivo, isso explicava o porquê dele estar sempre cheiroso, essa conclusão o fez sorrir. O outro deu dois toques antes de abrir uma fresta na porta para colocar as roupas sobre a pia. De banho tomado, e vestido com roupas mais quentes, ele suspirou antes de voltar à sala, e ter que encarar qualquer que fosse a coisa que o outro fosse lhe dizer.
— Tô fazendo uma sopa para você, provavelmente vai pegar um resfriado – um espirro o cortou antes mesmo que ele conseguisse negar.
Sentou no sofá da sala enquanto observava as costas do outro atrás da bancada da cozinha americana. Se pegou, talvez não pela primeira vez, observando os detalhes de Roier, o cabelo castanho, assim como os olhos, as costas largas e a pele bronzeada. Todos os androides eram bonitos, mas a beleza de Roier parecia ter algo de especial, algo que o fazia se destacar dos outros, que lhe fazia parecer brilhar, pelo menos aos seus olhos. Cellbit corou com o pensamento. Sentiu Bobby, o gato de Roier, pular ao seu lado no sofá, e se espreguiçar e roçar em seu braço ronronando, fez carinho naquela pequena bola de pelos, que logo se cansou de interagir e se enrolou em uma almofada ao seu lado.
Todo aquele lugar parecia refletir a personalidade de Roier, desde as cores à decoração. Nas poucas vezes que esteve na casa do outro, sentia seu peito aquecer com a sensação de estar descobrindo um pouco mais sobre ele a cada detalhe novo que notava.
O androide voltou à sala com um prato de sopa, o oferecendo a ele. Cellbit tomou a sopa em silêncio, sentindo seu interior ser aquecido, mesmo assim, ainda havia um frio em seu peito que ele não entendia.
— Por que está me evitando? – começou depois de terminar de comer, descansando o prato na mesinha de centro.
— Eu não... – ele parecia se perder nas palavras, o que não era algo comum de se ver. — É coisa minha, eu só... sabe?
— Roier – ele se aproximou do outro, ainda mantendo uma distância respeitável, mesmo que quisesse chegar mais perto. — Se foi algo que eu fiz, eu prometo mudar, me redimir...
— Cellbit... – a expressão dele pareceu murchar.
— Por favor, Roier, eu faço qualquer coisa, desde que você pare com isso – sentiu sua voz tremer, tamanho o desespero. Juntando coragem para botar para fora o que estava sentindo. — Não sei o que tá acontecendo comigo, eu só sei que cada vez que você me ignora dói como se eu tivesse levado um tiro, parece que o tempo longe de você passa dez vezes mais devagar, e eu não sei o que é essa sensação apertada no meu peito toda vez que você me afasta...
— Eu tô apaixonado por você!
— O que? – parou de falar assim que o outro soltou aquilo de forma repentina.
— Eu não sei como isso foi acontecer – Roier desviou o olhar para os próprios dedos inquietos. — Eu só sei que todo o meu sistema parece entrar em pane quando eu te olho, ou sequer penso em você. É como se a minha programação estivesse corrompida e não importa quantas vezes eu confira, nada parece errado com ela, mas...
A mente de Cellbit parecia dar várias voltas ao redor de si mesma. De repente, era como se as coisas esquisitas que sentia passassem a fazer sentido, tudo pareceu se encaixar.
Ele sabia das possíveis consequências de quando binárias de contato chegavam perto demais uma da outra, sabia que elas não eram nada positivas para a estrela menos massiva, sabia que aquilo poderia se tornar um desastre, mas no momento ele não parecia se importar muito.
A voz de Roier se desfez quando Cellbit quebrou toda a distância entre eles repentinamente, levando uma das mãos ao rosto do outro, e a outra à sua cintura. O contato de seus lábios quentes com os frios do outro pareceu enviar uma corrente elétrica por cada terminação nervosa de seu corpo. Foi um beijo rápido, apenas um selar de lábios, que ele torcia para conseguir transmitir tudo que ela acabara de perceber que sentia. Se afastou com os olhos ainda fechados, sem coragem de encarar o outro. Consequentemente, não vira sua expressão chocada.
— Roier, eu... – tentou formular uma frase coerente assim que teve coragem para abrir os olhos. Mas fora cortado pela sensação de ter novamente os lábios do outro contra os seus.
Puxou levemente os fios da nuca dele, tentando descontar a overdose de sentimentos e sensações que estava inundando todo seu corpo. Roier levou as mãos até sua cintura, o puxando impossivelmente para mais perto, colando seus corpos, sentia seu corpo queimar onde o outro tocava, mesmo por cima do tecido. Aprofundou o beijo, suspirando com a sensação da língua dele contra a sua, se enrolando como se fossem velhas conhecidas. Aquilo era novo para eles, mesmo assim passava uma sensação tão familiar que era como se tivessem se beijado a vida inteira.
Quebraram o beijo quando Cellbit precisou de ar. Sentiu o outro depositar inúmeros beijos em seu rosto. Pelos lábios, nas bochechas, pescoço, sentiu ele beijar suas duas têmporas e por fim, deixar um último beijo mais demorado em sua testa. A risada que saiu de seu corpo era um misto de alívio, felicidade, amor, e tantas outras coisas que enchiam seu peito e expulsavam aquela sensação fria de outrora. Sentiu Roier sorrir contra sua pele, e o puxar para um abraço apertado, cheio de uma sensação de conforto, uma sensação de lar.
— Eu me sinto tão idiota de não ter percebido isso antes. – a voz dele lhe tirou de seus próprios pensamentos.
— Tudo bem – ele afundou o rosto na curvatura do pescoço do outro e sorriu. — A gente pode compensar o tempo perdido agora. Só promete nunca mais se afastar de mim de novo.
— Prometo.
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