Capítulo 6
Nicolas terminou de ajeitar o seu cabelo com sua mão.
Seus fios lisos e espetados eram muito difíceis de pentear, então ele geralmente levava o dobro do tempo que um garoto normal tomava só para arrumar seu cabelo.
As mechas azuis começavam a desbotar, dando lugar a um tom azulado seco e sem vida.
Preciso retocar a tinta, pensou.
Era ele que sempre pintava o seu próprio cabelo.
Não confiava em outros cabelereiros para tocar no seu cabelo então, desde os seus quinze anos mais ou menos, ele mesmo dava um jeito de cortar e pintar suas madeixas, geralmente seguindo tutoriais do YouTube.
Na maioria das vezes dava certo, mas a chance de dar alguma merda colossal e acabar com os cabelos com ruídos de rato era extremamente alta.
Ele colocou a blusa do seu uniforme. Por cima, colocou uma jaqueta vermelha de botões entre aberta.
Apesar do Colégio Direção se espelhar em uma escola estadunidense, eles ainda obrigavam os alunos a usarem aqueles uniformes ridículos e desnecessários. Muitos alunos já haviam protestado a favor da não obrigatoriedade da vestimenta escolar, mas suas vozes não foram ouvidas.
— Vocês carregam consigo o símbolo da excelência do Colégio Direção, não podemos deixar um veículo de identificação tão importante quanto esse seja instinto — disse o diretor Elias uma vez pelos interfones do colégio.
Os alunos sequer podiam usar uma calça com qualquer detalhe "chamativo", como estava nas regras do regimento escolar. O termo era subjetivo e variava de acordo com a interpretação pessoal mas, para o diretor Elias, qualquer calça que não fosse básica e sem detalhes era classificada como chamativa.
Então, ao invés de vestir as suas calças com rasgados que ele costumava usar, utilizava um jeans básico em conjunto com seu tênis all-star já desgastado.
Quanto mais desgastado melhor.
Ele pegou sua mochila de cima de sua cama e colocou em suas costas.
Após fechar a porta do quarto com sua chave, caminhou pelos corredores da mansão.
Uma empregada usava um aspirador de pó para limpar o chão, quando o viu. — Bom dia Nicolas, tenha um bom dia de aula.
— Bom dia Dorotea, desejo o mesmo para você.
Quando chegou o grande salão de entrada da casa, deu de cara com a sua mãe, vestindo suas roupas de ginástica.
Estava na academia, pensou ele.
— Bom dia Nicolas, já vai para o colégio? Ainda nem servimos o café da manhã, para que essa pressa toda... — Ela deu um beijo em sua testa.
A verdade era que Nicolas preferia morrer do que tomar café junto com seu pai e aquela família hipócrita e cheia de mentiras.
— Vou pedir alguma coisa para comer no caminho. Preciso chegar cedo para planejar o projeto da feira de ciências desse ano — mentiu.
— Isso mesmo. Continue se esforçando para o ENEM, espero receber a notícia que você foi o primeiro classificado em medicina pela USP — disse ela deslumbrada.
Quem vai avisar.
— De qualquer jeito já estou indo, o carro do uber já deve estar chegando — disse, encerrando a conversa.
Nicolas se despediu da mãe e saiu pelas portas da frente.
Enquanto caminhava pela trilha que passava pelo jardim e levava direto nos portões protegidos pelos seguranças da residência, ele sentiu o som de passos apressados a suas costas.
Quando virou viu seu pai correr desesperado em seu encalço com uma maleta preta nas mãos e as chaves do carro em outra.
— NICOLAS, ESPERE AI MESMO.
Ninguém merece...
O seu pai parou na sua frente, ofegante de cansaço.
Quando recuperou o fôlego, falou: — Hoje eu vou levar você no colégio.
— Na verdade, o uber que eu pedi-
Ele não o deixou terminar.
— Acho que não fui bem claro, eu vou levar você no colégio.
Nicolas deu de ombros. — Que seja.
Ele o fitou com aquele seu olhar autoritário que só podia ter um significado: queria ter uma conversa séria. Nicolas já se preparava pelo que estava por vir. Se o assunto da conversa estava relacionado ao que havia acontecido há dois dias atrás ele sabia que vinha bomba por aí.
Quando a porsche vermelha parou no semáforo da Avenida Trancoso Barretos com a Barjonas, seu pai resolveu quebrar o silêncio.
— Sabe Nicolas... acho que nosso relacionamento entre pai e filho está há um bom tempo passando por um momento turbulento.
Nicolas continuou rolando a sua timeline do facebook fingindo não se importar.
Antônio continuou: — Preciso da sua cooperação para que possamos voltar a ter uma relação harmoniosa entre nossa família.
Nicolas fitou os olhos do seu pai através do espelho do charro.
— Você não precisa falar desse jeito, não está em uma daquelas suas palestras ridículas sobre a segurança pública. Não tem nenhum jornalista por aqui por perto para assistir seu showzinho.
O sinal do semáforo ficou verde. Seu pai voltou a pisar no acelerador do carro.
— Nicolas eu estou tentando ter uma conversa civilizada sem me estressar e elevar a minha pressão — disse ele do banco da frente. — Você faria um grande favor se parasse com as suas ironias e me ouvisse com o coração aberto.
Um impulso malicioso surgiu em Nicolas e ele não pôde evitar dizer que estava prestes a falar, mesmo sabendo das possíveis consequências.
— Ah é mesmo? Ou apenas está com a consciência pesada por eu ter descoberto sobre a sua amante e tem medo de eu colocar a boca no trombone?
Antônio estacionou o carro ao lado da pista.
Quando o carro parou, ele retirou o cinto de segurança e se virou para olhar Nicolas nos olhos.
— Eu não queria fazer isso, mas você não me dá escolhas...
Nicolas sentiu a pesada mão do seu pai repousar com força em seu rosto.
Após o impacto do tapa, sua pele começou a formigar e inchar. Mesmo sem olhar seu reflexo no espelho ele sabia que uma marca vermelha púrpura deveria estar desenhada em sua pele.
— Escuta bem aqui seu moleque. É bom você ouvir o que eu tô dizendo sem fazer mais deboches. Sempre tentei ignorar as suas zombações, porém tudo tem seu limite. Você não vai dar nenhum piu sobre qualquer fato que ache ser verdade para qualquer um, do contrário, eu farei questão de te deserdar e fazer você passar um bom período em um convento para ver se aprende a ser gente. — Nicolas percebeu que ele finalmente havia colocado para fora tudo que estava entalado na sua garganta. — Não entendo onde eu errei para você ter crescido desse jeito.
Um bom filho a casa torna, pensou em falar ironicamente, mas temeu levar outro tabefe.
Antônio voltou a manobrar pela rodovia.
Nicolas pegou seu celular e ativou sua câmera frontal para ver o estado do seu rosto.
Na pele pálida de sua cara, havia uma marca vermelha inchada visível de uma mão. Ele não sabia como disfarçaria aquele hematoma.
— Se alguém perguntar sobre essa marca o que eu falo? — perguntou Nicolas prendendo as lágrimas que ameaçavam sair pelos olhos.
O seu pai o olhou através do espelho.
— Diz que bateu em algum lugar, isso não é da minha conta.
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