Capítulo 4
O barulho das cigarras era o único som presente naquela área matagada, além dos seus passos.
Ao seu redor, árvores e arbustos preenchiam o local desolado.
Nicolas abria caminho pelos matos, tomando bastante cuidado por onde pisava. Ele já havia ouvido relatos de pessoas que pisaram em ninhos de cobra naquela região, e se tinha uma coisa que ele tinha pavor era cobra.
As folhas faziam o som de crock conforme ele apressava o seu passo, ansioso para deixar aquele lugar deserto e selvagem.
Ele chegou em um corrego de água.
Do outro lado do corrego haviam túneis, há muito tempo abandonados.
A prefeitura de Sotopolis planejara a expansão do sistema de esgoto da cidade. O projeto, no entanto, foi abandonado depois das acusações de lavagem de dinheiro por parte do prefeito da época. Desde então aqueles tubos de concretos haviam sido abandonados, dando lugar à ervas daninhas e pequenos animais da floresta que se abrigavam neles.
O local também era um ponto popular de encontro entre traficantes de drogas e fumantes, os quais encontravam ali a paz afastada da urbanidade.
Nicolas viu uma fumaça sair da direção de um dos túneis.
Deve ser ele.
Caminhou em direção do túnel. Quando chegou no seu buraco de entrada ele viu Carl sentado no chão enquanto fumava um baseado.
Ele vestia o seu costumeiro jeans rasgado e uma camiseta com emblema de uma caveira.
— Quem é vivo sempre aparece, Nicolas Spell — disse ele após soltar uma grande quantidade de fumaça pela narina. Em seguida, voltou a por o cigarro na boca.
Nicolas tossiu. Começou a se explicar.
— Sobre ontem a noite...
Tudo aconteceu subitamente. Antes de sequer terminar de ouvir o que ele tinha para dizer, Carl levantou de onde estava estirado no chão e puxou Nicolas contra parede, o enforcando com suas mãos. De seu bolso do jeans, retirou uma faca.
— Você queria que eu fosse pego por um acaso, desgraçado? — Ele apontou a arma branca em sua testa. — Ainda bem que a polícia dessa cidade é incompetente, caso contrário eu precisaria pagar uma multa bem gorda.
Nicolas sentiu a lâmina de aço começar a perfurar sua testa. Um fio de sangue escorreu pelo seu rosto.
— Chuta o balde da barraca de uma vez! — disse ele, irritado. Nicolas forçou a sua testa em direção da faca, causando ainda mais sangramento.
Carl tirou a faca de sua testa e a posicionou próxima ao pescoço de Nicolas. — Eu deveria cortar a sua garganta até você afogar no próprio sangue. — Ele retirou a faca de sua garganta e colocou em seu cinto. — Teve sorte dessa vez, putinha.
Nicolas respirou de alívio.
— Babaca de merda — falou ele limpando o sangue de sua cara.
— Sou mesmo, e você ama isso.
Ele abriu o ziper de sua calça.
— Preciso de um belo boquete.
Nicolas riu. — Você não presta.
Ele já estava acostumado com aquelas migalhas, mesmo assim, não deixava de satisfazer o seu desejo por autodepreciação. Já que estava fadado a levar uma vida tóxica tinha que seguir conforme a música.
Era como dizia aquela música...
I'm addicted to you don't you know that you're toxic...
Ele deitava sobre o gramado fofo do parque.
O parque de santa cruz era o principal ponto turístico daquela cidade. Através de seus longos campos gramados e arborizados, os habitantes costumeiros costumavam passear com seus cachorros, fazer caminhada e empinar pipas. Casais sentavam em bancos e trocavam conversas fora.
A igreja de Santa Cruz constantemente tocava o seu sino, informando o início da missa do dia.
Muitos até comparavam com o Central Park de New York, o que para ele era uma grande bobagem.
Nicolas olhava a copas das árvores balançaram conforme a intensidade do vento. Um folha, já alaranjada, havia repousado exatamente em cima de seu rosto.
O que eu tô fazendo da minha vida?, pensou ele.
Faltavam apenas alguns meses para o fim do ensino médio e ele ainda não sabia em que direção queria seguir. Seu pai queria que ele viajasse para o exterior para cursar medicina, mas Nicolas não sabia cuidar nem dele próprio, quem dirá de um paciente. A simples sensação de ter a vida de alguém sobre a sua mão o causava uma sensação de terror absoluto.
Seu tempo estava acabando.
Ele sabia que se não melhorasse até alcançar a maioridade a escolha mais provável era que ele cometesse suicídio.
Não que já não tivesse tentado se matar.
Uma vez cortou seus pulsos com um pedaço de vidro e desmaiou na banheira de seu quarto. Quando recobrou a sua consciência, estava em uma cama de hospital conectado com várias agulhas de soro fisiológico.
Não, eu prometi a mim mesmo que tentaria melhorar!
Um cheiro de fritura encheu o ar.
Quando sentiu o cheio de batata frita adentrar suas narinas, a barriga dele roncou, o lembrando que havia passado o dia inteiro sem comer.
Ele levantou do chão e fora caminhar em direção do ponto da praça aonde localizava-se o carrinho de batatas fritas da Tia Lucinda.
Haviam outras pessoas na fila, então ele esperou elas saírem para poder fazer o pedido.
— Vou querer o de sempre — disse Nicolas sorrindo para a senhora de idade avançada.
Ao ouvir sua voz, ela esbanjou um sorriso de orelha à orelha.
— Ora, se não é o Nicolas. Esse minino tá magro demais, precisa comer uma boa pratada de arroz e feijão pra dar sustância.
Nicolas ficou constrangido. A verdade era que, ultimamente, ele não estava tendo a mínima vontade para comer. Apenas se forçava para não acabar desmaiando sempre que fazia qualquer tipo de esforço físico.
É claro que isso não incluía o seu absoluto xodó por batata frita. Ele acreditava que poderia comer um caldeirão inteiro delas e nunca iria se enjoar.
A mulher utilizou uma espátula para pegar as batatas fritas depositadas em um recipiente de alumínio. Em seguido, os colocou dentro de uma embalagem de papel.
— Vai o molho de sempre? — perguntou Lucinda.
— Sim. Você sabe que eu só consigo comer com maionese.
Seu molho preferido para acompanhar batata frita era maionese. Aliás, ele achava que era a única pessoa do mundo a prefirar o molho ao invés do ketchup.
O assistente da mulher o entregou a embalagem com as batatas fritas. Nicolas entregou o dinheiro para ele.
Começou a comer-las. As fritas, acompanhadas pela maionese, derretiam em sua boca enquanto mastigava.
— Você sabe minino Nicolas, estou muito triste pois esse é meu último dia como vendedora de batatas fritas.
Nicolas ficou curioso com a afirmação da senhora.
— Por quê? — perguntou.
— Em alguns dias estarei recebendo a minha aposentadoria. A partir daí infelizmente terei que deixar de trabalhar pois estou me transformando em uma velha caquética, acredita nisso?
Nicolas riu enquanto mastigava as batatas.
— Que pena, acho que nunca mais verei a senhora por aqui — disse ele.
— Calma minino, eu apenas vou me aposentar, não mudarei de cidade nem vou morrer — ralhou ela. — Além disso, vou começar a praticar zumba assim que eu entregar minhas contas. Velha sedentária... sai pra lá.
Ela sorriu mostrando os dentes brancos de sua chapa de dente.
— Só espero que o rapaz que vai me substituir aguente o tranco.
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