Prólogo
Agatha Albuquerque encarava a pequena televisão da floricultura onde trabalhava boquiaberta. Era seu intervalo do almoço e ela estava escondida na sala de descanso nos fundos da loja, onde os funcionários revezavam para ficar nas horas de movimento fraco em que todos já haviam cumprido suas tarefas do dia. Além dela, havia mais uma colega que alternava o olhar de olhos arregalados entre a tela e ela freneticamente.
ㅡ Ai, meu Deus! ㅡ gritou a loira, deixando a marmita de lado para se levantar do sofá mixuruca caindo aos pedaços. ㅡ Eu não acredito que fui sorteada!
ㅡ Milagres acontecem mesmo… então agora você é tipo uma celebridade?! ㅡ exclamou a colega encarando-a com devoção.
Agatha pulava sem parar pela pequena sala. Dentre tantas meninas que compraram caixas e mais caixas de sucos com sabores variados à base de soja até achar os canudos com o código de barras para se inscrever no sistema das loterias, ela teve a sorte de ser sorteada. Como é que alguém que costumava ter tanto azar na vida estava com tanta sorte?
ㅡ Bruna, marque hoje como o dia que o universo finalmente se aliou ao meu favor e eu….ai! ㅡ ela começou a voltar para perto da colega, ainda eufórica, quando tropeçou nos próprios pés e caiu de cara no chão.
Bruna deixou escapar uma risada alta e estridente que só aumentou quando seus olhos recaíram para o rosto emburrado de Agatha quase todo coberto pelos fios de cabelo loiro.
ㅡ Que baderna é essa aqui dentro? ㅡ questionou a gerente, seu rosto aparecendo de repente no vão da porta recém aberta. ㅡ Ah, foi só a Aggie que caiu de novo?
ㅡ Na verdade, foi a Aggie que foi sorteada pra participar do B-S-B e caiu de cara no chão com toda a emoção ㅡ justificou Bruna, porque Agatha estava tentando tirar o cabelo da cara depois de se levantar assustada com a presença da gerente carrancuda.
ㅡ Espera um pouco ㅡ a feição rabugenta da chefe se suavizou, seus olhos brilhando ambiciosos, mas sua expressão ainda parecia neutra. ㅡ Isso não é uma pegadinha?
ㅡ Não! ㅡ Aggie sorria tanto que suas bochechas doíam, mas ela não se importava. Pela primeira vez na vida, estava tendo sorte, ou pelo menos uma grama disso. ㅡ Acabou de passar na TV.
ㅡ AGGIE! AI, MEU DEUS! CADÊ ELA, JONATHAN?! ㅡ gritou uma voz ofegante vinda do início da loja.
ㅡ Aqui no fundo, May!
ㅡ Pelo amor, parem com essa gritaria, a hora do almoço não é o fim do expediente! ㅡ pediu a gerente, ainda pensativa na porta, até que o vulto de cachos revoltos de Maitê Neves passou quase a atropelando. ㅡ Vocês tem cinco minutos restantes e Neves?
Maitê travou no meio do caminho, girando devagar o corpo para encarar a mulher.
ㅡ Se não for comprar nada, vaza da minha loja logo que esses cinco minutos passarem.
A garota recém chegada balançou a cabeça positivamente, a gerente da Botões e Buquês Companhia botava um medo danado em qualquer um, ainda mais quando seus olhos estavam semicerrados e aquelas sobrancelhas artificialmente arqueadas ficavam ainda mais sinistras.
Assim que a chefe de Agatha saiu, a loira começou a pular dando gritinhos estridentes com a melhor amiga no meio da sala de descanso. Bruna tampando os ouvidos, assistia a tudo maravilhada.
ㅡ NósvamosproBatalhadasSolteiras! ㅡ cantarolavam rápido demais.
Quando pararam ofegantes, uma abraçou a outra emocionada.
ㅡ Nós vamos entrar juntas e vamos sair juntas, espero que casadas com caras gatos e saradões ㅡ prometeu Maitê, enquanto faziam seu toque da amizade.
ㅡ E nada de brigas por causa de homens ㅡ completou Agatha, selando as promessas das duas com o famoso juramento do dedinho.
Maitê balançou a cabeça positivamente.
ㅡ Ei, façam o favor de se lembrarem de meros mortais como eu que passou pela vida de vocês ㅡ pediu Bruna, aproximando-se para abraçar as duas. ㅡ Vou ficar torcendo de casa e sem acreditar que to vendo vocês na televisão.
Agatha mal tinha voltado a trabalhar com Bruna e Maitê havia acabado de sair para que a gerente não a expulsasse de vez da loja, quando seu telefone tocou. Voltar a trabalhar depois da ligação foi a tarefa mais difícil que tirar os espinhos das centenas de rosas que seriam usadas na decoração de um casamento naquele mesmo dia. Ela tinha certeza de que por mais curta que fosse aquela onde de sorte repentina, outras ainda estavam por vir.
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Fernando andava dando voltas pela sala da casa de seus pais, passando uma das mãos pelo cabelo ocasionalmente. O pai cuidava de algumas plantas no jardim dos fundos, alheio ao pandemônio formando-se na sala, enquanto a mãe chorava pela notícia que acabou de passar na televisão e Tatiana encarava o irmão mordendo o lábio inferior, tentando conter o sorriso de satisfação com a irritação genuína de um dos solteiros daquela temporada.
ㅡ Eu não acredito que você fez isso, Tatiana! ㅡ choramingou dona Fabiane tentando secar as lágrimas que escorriam sem parar de seus olhos.
ㅡ Eu também não ㅡ Fernando finalmente parou de andar em círculos. Encarava a irmã mantendo uma das mãos nos quadris enquanto massageava a ponte do nariz com os dedos da mão livre. ㅡ Você é minha irmã caçula e eu não quero te ver tentando conquistar um dos meus irmãos, isso seria nojento. Porque, entenda bem, pra mim iria parecer incesto! ㅡ completou com um misto de indignação e repulsa que pareciam cortar a alma de Tatiana.
Para ela, o tal irmão mais velho, de quem tanto ouviu falar durante dezesseis anos de sua vida até finalmente conhecê-lo, era o ser humano mais egoísta, chato e imbecil que existia no planeta. Responsável por virar sua vida de cabeça para baixo quando apareceu e por ter sempre sido o sol que seus pais orbitavam ao redor e a obrigavam a fazer o mesmo. Ouvir aquelas poucas palavras dele só a fez sentir mais raiva. Por que todas as vezes em que ela estava vivendo os melhores momentos de sua vida Fernando tinha que aparecer e acabar com toda a alegria?
ㅡ Ah, não vem com esse mimimi pra cima de mim, Ferrrnando! ㅡ ela gritou, levantando-se do sofá cama que ocupava praticamente toda a pequena sala, porque seus pais trocaram o velho sofazinho para o conforto do filho pródigo quando retornava para dormir em casa ao receber a autorização do governo. Daquela vez, Tatiana não deixaria barato, mesmo que precisasse...mentir descaradamente. ㅡ Eu me inscrevi nessa edição do programa porque queria ser feliz, queria encontrar um marido que me amasse pra construir a minha própria família e porque decidi pensar em mim pelo menos uma vez na minha vida em vez de me preocupar em orbitar a sua.
Fernando abriu a boca para falar alguma coisa, mas a voz que ambos escutaram não era a dele.
ㅡ Eu não acredito que essas são as preocupações de vocês! ㅡ soluçou a mãe. ㅡ Agora vou ter que assistir o governo usando os meus dois filhos, os meus dois únicos filhos, os bens mais preciosos que eu tenho ㅡ gritou, uma das mãos no peito e a outra no ventre. ㅡ Que desgosto, Tatiana! Eu não aguento isso, ai, não aguento!
Sem dar tempo para os filhos falarem mais nada, Fabiane saiu pisando duro em direção ao próprio quarto e se trancou lá dentro.
ㅡ Parabéns, Tati ㅡ Fernando sorriu com desdém. ㅡ Se você queria chatear a mamãe e ser uma completa egoísta, conseguiu.
Tatiana fez uma careta, odiava quando ele a chamava daquela forma, da mesma forma como ele odiava que ela arrastasse o "r" ao pronunciar o próprio nome. Mesmo assim, ergueu a cabeça e foi a vez dela colocar as mãos na cintura.
ㅡ É sério que eu sou a egoísta dessa história? A minha vida toda você foi enaltecido como um rei pela nossa mãe, mas desde que eu te conheci, eu não encontrei o que tanto ela vê em você, enquanto eu sou a decepção da casa. Tudo isso por que? Porque você tem um pau e eu não? Ah, que se dane, eu vou participar dessa edição sim.
ㅡ Mas que merda, não dava pra você ter esperado só mais um ano?! ㅡ foi a vez dele gritar, já farto da forma como Tatiana estava agindo.
Ela sentia a fúria queimando forte por dentro do peito em meio a dor que as últimas palavras da mãe antes de ir para o quarto causaram. A vontade de chorar era enorme, mas nunca em sua vida Tatiana deixaria que Fernando a visse chorar. Sua mente girava com todas as formas triunfantes de humilhá-la ainda mais só de saber que possuía aquele tipo de efeito sobre ela. Não, de jeito nenhum, Fernando nunca poderia saber sobre aquilo. E pensar em tudo isso bastou para conter as lágrimas.
ㅡ Não, não dava! ㅡ esbravejou, olhando bem no fundo dos olhos castanho escuros do irmão, tão iguais aos seus.
E suspirando, saiu da sala e se trancou no quarto, onde finalmente chorou com o rosto enterrado nos travesseiros. Simplesmente se casar com um homem que ela teria acabado de conhecer e ter sua suposta família feliz não era a real razão para se inscrever no programa. A verdade é que Tatiana se quer sabia se conseguiria passar da primeira fase, mas o estrago já estava feito e depois da crise de choro, teria a determinação necessária para encarar a situação com o mesmo egoísmo que Fernando e sua família acreditavam que ela tinha.
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