Vigésimo
Southward, Escócia - Dois dias depois
Amelia fechou com força o livro que estivera a ler grande parte da manhã. Nada ajudava a ultrapassar a sua ansiedade. Aquele era o dia em que Rosie e Caleb tinham planeado fazer o remake da sua festa de noivado com Richard. Mas não era o que mais a estava a preocupar. Passaram dois dias desde a última vez que havia estado com Mark. Amelia tentara evitá-lo, ficando em casa, indo para o NewScot quando apenas este estava em casa da Rosie e Caleb... Também viajara até Castle Cove com Richard no dia anterior, mas o noivo não era parvo e notara que algo não estava bem.
Não havia coragem no mundo que levasse Amelia a dizer a Richard o que se passava na realidade, então apenas dissera que estava nervosa com a festa. O que não era nenhuma mentira, porque se bem conhecia Rosie, o tema principal das suas festas costumava ser a música, então só poderia ser uma festa de karaoke.
Levantou-se da sua cama onde estava deitada. Abriu a porta do quarto e saiu para o corredor, entrando numa pequena divisão à sua direita. Esta podia ter sido aproveitada como quarto, mas era usada como uma pequena sala, com um sofá, televisão e lareira. Mas o que verdadeiramente interessava a Amelia, estava atrás de uma porta que dava para a rua: uma enorme varanda que tinha vista sobre quase toda Southward.
Saiu para a varanda e sentou-se num banco de pedra, respirando o ar fresco. Porque estava a acontecer aquilo com ela? Finalmente havia encontrado alguém com quem se sentia bem, alguém que começara a amar. De repente, aparecera um Mark para estragar tudo. E não era culpa dele, porque ela não o amava. Apenas trazia memórias de algo que já tinha começado a esquecer, mas cada vez que olhava para a sua cara vinha a correr de volta.
Fechou os olhos, recordando a primeira vez que vira aquele que iria revolucionar por completo a sua vida.
Estava uma noite quente de verão em Londres. O século vinte mal se iniciara. Amelia começara a ouvir relatos de animais a serem brutalmente atacados nos arredores da cidade. Pela descrição parecia ser o típico modus opperandi de vampiros. Porém parecia extremamente estranho. Porque estavam a deixar tantas provas? Não era normal! E logo ao pé de uma grande cidade como aquela... Se caçadores os descobrissem, podiam vir a ter grandes problemas.
Decidiu investigar. Não é como se tivesse alguma coisa melhor para fazer. Logo na primeira noite, conseguiu descobrir o rastro de sangue, analisando o local onde se verificavam a maioria das mortes. Estas pareciam ocorrer no raio de um quilometro de um bairro bastante pobre e um pouco degradado. Amelia estranhou, pois normalmente os vampiros escolhiam locais bastantes opulentos e cómodos para se instalar. Talvez as mortes não fossem realmente sobrenaturais.
Pouco depois da meia noite, as ruas estavam desertas. Amelia escondeu-se num beco escuro, vestindo uma longa capa preta que lhe cobria todo o corpo, incluindo os seus cabelos. O calor fazia-se notar mesmo numa vampira. Embora este não a afetasse fisicamente com os sintomas habituais de hipertermia, sentia o quão quente estava o tempo e estava levemente incomodada.
Subitamente, um grito pouco humano irrompeu pela noite. Amelia dirigiu-se o mais rápido que pôde para a origem do som e chegou a tempo para ver um vulto a sair das sombras. Voltou a esconder-se e concentrou-se para ouvir os seus batimentos cardíacos, mas não havia nenhuns. Esta foi a prova que Amelia precisava para confrontar o vampiro.
Apressou-se e correu sobrenaturalmente rápido de forma a apanhar o vampiro desprevenido. Arrastou-o para uma rua menos movimentada e encostou-o à parede.
- O que estás a fazer? - perguntou Amelia. Tinha que chamar o vampiro à razão para que ele parasse com as suas matanças em plena cidade.
O vampiro, espantado por alguém o estar a confrontar, não conseguiu se controlar e transformou-se, mostrando olhos vermelhos brilhantes. Amelia afastou-se, reconhecendo aqueles olhos. Apenas vira olhos vermelhos uma vez na vida e fora em John Southward. Quem era aquele vampiro?
- Como estás a fazer isso? - perguntou o rapaz.
Amelia, como correra na forma dos vampiros, impossivelmente depressa, também se tinha transformado, exibindo os olhos com uma luz esverdeada. O vampiro olhara para ela como se nunca tivesse visto tal coisa na sua vida.
- O que é tão estranho, nunca te olhaste ao espelho? - perguntou Amelia, fazendo o brilho desaparecer.
- Mas nunca o tinha visto noutra pessoa - revelou ele, com o brilho dos seus olhos a desaparecer lentamente.
O rapaz parecia novo. Amelia supôs que tivesse sido transformado recentemente contra a sua vontade. Provavelmente não sabia nada sobre como ser vampiro. Suspirou, não acreditando que alguém fizera uma transformação e deixara o pupilo solto em Londres.
- Há quanto tempo és um vampiro? - perguntou Amelia.
- O que é um vampiro?
- Não sabes o que é um vampiro? - estranhou Amelia - Isso é quase conhecimento geral.
- A minha mãe não tinha dinheiro para me mandar a mim e à minha irmã à escola - explicou o rapaz quando Amelia finalmente o largou - Depois de começarmos a beber sangue, ela também não nos deixava sair de casa.
- Espera. Com que idade começaste a beber sangue?
- Tínhamos doze anos.
- Tínhamos?
- Sim, eu e a minha irmã. Ela também bebe sangue.
Na breve conversa que teve com o rapaz, percebeu que a sua mãe era humana e que ele nunca tinha conhecido o pai. A sua irmã gémea também era vampira e o seu nome era Elisabeth. Depois de se apresentarem, seguiu o jovem Caleb, com apenas vinte e dois anos de idade, até ao local onde ele e a sua irmã estavam a morar. Era um pequeno apartamento de apenas uma divisão. Elisabeth tinha os mesmos olhos vermelhos do irmão e os dois tinham vivido sempre juntos, com medo de se separar, e pensando que eram aberrações.
Amelia teve dificuldade em contar aos irmãos o que significava ser vampiro. Pareciam bastante ingénuos, abandonados e assustados, sem saber o que fazer da vida. Como nunca tinham conhecido o pai, Amelia desconfiava que este poderia ser John Southward. Não era ele que costumava passar várias temporadas em Londres? Não era de admirar até que tivesse mais filhos. Mas aquilo não ficaria assim. Ainda confrontaria John com os filhos.
Passou vários anos tentando ensinar aos irmãos o que significava ser vampiro, além de muitas outras coisas, pois tinham sido separados do resto do mundo. Levou-os a conhecer outros países, outros vampiros.
Durante esse tempo, os irmãos cresceram, tornaram-se mais fortes e ganharam novos conhecimentos e visões do mundo que julgaram que nunca teriam. Deixaram de viver nas sombras. Na realidade, deixaram de precisar da tutela de Amelia, mas os três tornaram-se bastante unidos e nunca quiseram se separar.
Amelia começou a se apaixonar por Caleb. Foi algo que demorou a perceber, mas quando a atingiu, não conseguiu mais se desemaranhar daquela rede. Nunca dissera nada a Caleb pois sabia que ele apenas a via como uma amiga, até como uma irmã. Não importava, tinham tempo. Um dia aconteceria.
Na altura da primeira guerra mundial, os três encontravam-se fora da Europa, mas não conseguiram fugir quando a segunda guerra rebentou. Estavam em França e tiveram muita dificuldade em fugir para o Reino Unido. Uma vez lá, tiveram o azar de serem apanhados por uma rede de caçadores de vampiros que pareceram prosperar naquele ambiente.
Amelia, desesperada, teve de fugir para o último sítio que queria ir: Southward. Iria encontrar Hans e, possivelmente, também John Southward, o homem que pensava ser pai de Caleb e Elisabeth.
Quando chegaram ao clã, descobriram que este estava cheio. Muitos vampiros tinham-se juntado enquanto Amelia estivera fora e maior parte encontrava-se ali para fugir à guerra. Incluindo John Southward e Hans Boden.
Quando Caleb soube das desconfianças de Amelia sobre John, confrontou-o, e acabou por descobrir que aquele velho vampiro era, sim, o seu pai. Ele e Elisabeth ainda tentaram criar uma relação com ele, mas John só queria distância. Agia como se fossem outros vampiros quaisquer. Assim, no final da guerra, voltaram a partir.
O mundo mudara enquanto estiveram perdidos no meio da Escócia. Estava mais triste e ninguém era o mesmo que fora antes da segunda guerra mundial. Embora esta tivesse acabado, muitos tinham morrido e outros tantos continuavam a sofrer. Caleb também não se sentia a mesma pessoa.
Em finais dos anos quarenta, decidiu dizer adeus a Amelia e Elisabeth e ver o mundo por si próprio. Não era apenas algo que queria, era algo que precisava. A irmã não recebeu bem essa notícia pois nunca antes se separara do irmão. Já Amelia, não queria deixar Caleb partir, pois há várias décadas que era apaixonada por ele e nunca tivera a coragem de lhe dizer. Não conseguiria viver a sua vida sem ele. Como poderia? Seguir em frente sem o seu sorriso, sem aquela sua capacidade de ver sempre o lado positivo de tudo, de alegrar qualquer espaço onde se encontrava...
Na noite antes de Caleb partir, Amelia decidiu que era agora ou nunca. Estavam num pequeno bar no sul de Portugal, quando Caleb saiu para a rua. Amelia seguiu-o até à praia, onde ele se sentou à beira-mar. Durante alguns minutos conversaram sobre assuntos banais. Todavia, a coragem de Amelia parecia não chegar.
- Quando estás a pensar em voltar? - perguntou Amelia, engolindo em seco.
- Não sei - respondeu Caleb, revolvendo com a mão alguns grãos de areia branca - Eu preciso de tentar viver sozinho durante algum tempo.
- Vou sentir a tua falta - confessou Amelia - A minha vida não vai ser a mesma sem ti.
Caleb virou-se para Amelia e reparou nas lágrimas que escorriam pela sua face. Puxou-a para um abraço que durou alguns segundos. Naquele momento, Amelia conseguiu reunir toda a sua coragem e finalmente disse o queria dizer a Caleb já há várias décadas.
- Amo-te - confessou ela, deixando cair uma última lágrima.
Caleb afastou-a e olhou-a nos olhos, sorrindo.
- Oh Amelia, eu também te amo - revelou Caleb - És como a irmã mais velha que eu e Elisabeth nunca tivemos.
A esperança que Amelia reunira naqueles milésimos de segundos depois de Caleb dizer que a amava, desapareceu rapidamente nas suas seguintes palavras.
- Isso... - tentou Amelia, querendo explicar que ela não o amava como um irmão, mas acabou por perder novamente a coragem e esboçou um sorriso triste - Obrigada.
No dia seguinte, Caleb partira e Amelia sentira que perdera a sua última oportunidade. Elisabeth passara os seguintes anos com ela, mas depois também quisera partir, viver a sua vida.
Anos mais tarde, soube por amigos em comum que Caleb estava noivo de uma humana de Nova Iorque, a qual já tinha transformado em vampira. Amelia sentiu que o seu coração se despedaçava. Passou parte da década de cinquenta e sessenta no Brasil, tentando afogar as mágoas. Mas sabia que aquilo era tudo a sua culpa. Ela não tivera a coragem de dizer a Caleb como realmente se sentira e era tarde demais.
Só conseguiu reunir a coragem para ver novamente Caleb em inícios dos anos noventa, altura em que conheceu a sua esposa, grávida, e a filha. Rosie realmente era uma personagem e Amelia, por muito que quisesse odiá-la, não conseguia. Caleb continuava exatamente com a mesma simpatia e espírito que Amelia sempre lhe associara, embora houvesse nele um brilho que nunca vira. Estava apaixonado e parecia ser o tipo de paixão que nunca desapareceria.
Nesse momento, Amelia percebeu que se o amava, devia deixá-lo partir e apenas ficar contente por Caleb estar feliz. Já ela, tentaria esquecê-lo e apenas se dar por satisfeita por poder conviver com uma pessoa como ele. Era o máximo que poderia fazer.
Quando Rosie e Caleb se mudaram de Southward, Amelia aproveitou também para retornar à sua vida normal. Parecia que um peso lhe saíra de cima. Poderia aquilo realmente ser o final da paixão ensurdecedora que tivera por Caleb? Mas, depois disso, nunca mais se conseguiu se apaixonar da mesma forma.
Até mesmo quando conheceu Richard, anos mais tarde, não conseguiu sentir aquele tipo de paixão de novo. Era um amor mais simples e leve, mas Amelia sentia-se feliz por novamente conseguir sentir algo daquele género. Mas quando Mark entrou na sua vida, tudo voltara. E desta vez, não por Caleb, mas pelo seu filho que era exatamente tão igual a Caleb como quando Amelia o conhecera pela primeira vez.
Aquilo tinha de parar, Amelia não podia viver assim. Não podia viver com aquela paixão arrebatadora por alguém que ela realmente não amava, mas era sim a imagem de alguém que ela amara outrora. O problema é que antes Caleb nunca olhara para Amelia daquela forma galante que Mark a olhava. Esse era o verdadeiro problema. A sua paixão pela primeira vez estar a ser correspondida. Não havia nada mais perigoso do que isso.
Em qualquer outra altura, ela deixaria se levar, mas Amelia estava noiva e realmente amava Richard que era uma pessoa fantástica. Mas não sentia por ele, aquilo que sentia por Mark. Agora tinha medo de não conseguir resistir.
Um barulho perto de si, fez Amelia voltar à realidade. Olhou para baixo e viu alguém na rua acenando-lhe. Percebeu que era Richard. Acenou-lhe de volta e gritou a dizer que já ia abrir-lhe a porta. Para dizer a verdade, naquele momento só queria estar sozinha, mas achava melhor permanecer perto do noivo. Podia ser que aquelas ideias desaparecessem. Ou assim o esperava ela.
* * * * *
Nota da Autora:
Bom ano novo!!! Espero que esta época vos traga muita felicidade (e um ou dois Wattys kk). Eu prometi que voltava a meio da semana e cá estou eu!
O que acharam da revelação de Amelia? Bom, com certeza já previam que ela tinha alguns sentimentos reprimidos por Caleb. Como acham que isso vai influenciar a sua relação com Richard? Será que Amelia conseguirá se afastar de Mark?
Preparem-se, o capítulo de sábado trará muita emoção!!!
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