Trigésimo Nono
Um frio nevoeiro cobria Southward naquela noite, acompanhado por um vento forte que se fazia sentir vindo de norte. Amelia encostou-se à velha árvore do miradouro, olhando em volta nervosamente. Não havia qualquer sinal de que alguém se encontrava nas proximidades, mas Amelia sabia que isso não era verdade.
Nessa manhã, Elisabeth conjeturara um plano para apanhar Mark. Tudo dependia de Charles e Bran cumprirem de forma correta a sua parte. Estes deviam espalhar por toda Southward que Amelia queria falar com Mark no miradouro à meia noite. Se maior parte das pessoas soubesse e comentasse sobre o assunto, talvez Mark ouvisse.
Grande parte dos vampiros que estavam temporariamente em Southward, tinham começado a ir embora. Ninguém queria ficar tão próximo de um puro, principalmente sabendo o que este tinha feito a Erick, Valeska, Hans e todos os outros. Havia também quem já comentasse que o clã de Southward estava acabado. O que não estava longe da verdade. Nada disso importava. Nos tempos atuais, já não era tão necessário pertencer a um clã.
Amelia sentiu um arrepio que lhe congelou as costas. Nunca se sentira tão vulnerável na vida. Apesar de já ter passado por situações difíceis, nenhuma se comparava àquela. Tinha um estranho pressentimento de que ia acontecer algo coisa terrível. Estava tremamente enjoada graças a todo o stress e angústia que sentia. A ansiedade em voltar a ver Mark, por todas as razões e mais algumas, impelia-a para sair daquele local o mais rápido possível. Contudo, não podia fazer isso. Tinha um dever para com toda Southward, talvez até para com toda a humanidade.
Olhou novamente em volta, esperando encontrar Elisabeth, porém esta estava muito bem escondida, juntamente com a adaga. E se Amelia a conseguisse encontrar seria mau sinal, pois significaria que Mark também o poderia fazer.
Na teoria, o plano que combinaram parecia simples. Já na prática era bem mais complicado, principalmente para Amelia. Teria de conversar com Mark, incitá-lo de forma a que este voltasse todas as suas intenções para ela... Quando estivesse distraído, Elisabeth sairia das sombras e usaria a adaga nele. O que aconteceria depois seria uma incógnita. De alguma forma deveriam levar Mark para a casa mais próxima do miradouro, a casa de Charles e Harry, onde estariam estes e Bran, atentos a qualquer pedido de ajuda.
Tinham conseguido esvaziar parte de uma sala da cave que tinha uma pesada porta de metal, a antiga divisão das caldeiras que atualmente estava desatualizada. Erick tinha, de entre as suas coisas, algumas algemas de ferro bastantes antigas mas bastante fortes, que em teoria talvez conseguissem prender Mark até este adormecer. Seriam uns dias seguintes bastante intensos. Isto se Amelia e Elisabeth conseguissem cumprir a sua parte.
Amelia olhou para o relógio no seu pulso. Faltavam cinco minutos para a meia noite. Será que Mark apareceria? E se o fizesse, qual seria a razão? Amelia lembrou-se da noite em que este falara com ela quando já era um puro. Se realmente todos os seus sentimentos tivessem desaparecido, Mark não a visitaria. O que significava que havia ainda qualquer coisa que os ligava. Pelo menos era por isso que estava a torcer.
Os seus pensamentos voltaram-se momentaneamente para Richard. Ele ainda continuava desacordado, não existindo quaisquer sinais de que se transformara num puro ou num vampiro. Parecia se encontrar numa ponte entre os dois. Já passara um dia e não havia nada que se inclinasse nem para um lado, nem para o outro. Ficaria ele num estado de coma eterno, sem nunca despertar?
O estado de Richard estava a desesperar Rosie e Caleb, que se recusavam a sair do seu lado. Elisabeth não lhes contara nada sobre o plano que esta e Amelia conceberam. Não haveria forma de os convencer de que teriam de adormecer o seu filho para todo o sempre. Já estavam a passar por isso com um deles, sabiam muito bem o sentimento.
Bella recuperara quase totalmente, parecendo que ia acordar muito em breve, talvez naquela mesma madrugada. Mas para que mundo acordaria? Um para o qual Mark já estaria contido, ou um onde todos os que conhecia estavam destruídos, física ou psicologicamente?
Um restolhar próximo de si despertou Amelia dos seus pensamentos. Desencostou-se da árvore e virou-se para trás, encontrando, não muito longe de si, os olhos de Mark a observá-la. Este parecia ainda mais diferente do que a última vez em que o vira. Anteriormente ele parecera seguro de si, sedutor, mas aquele Mark que tinha na sua frente parecia ter um olhar que se assemelhava muito a quando ainda era humano.
Quando se aproximou mais, a impressão de Amelia desapareceu. Provavelmente tinha sido apenas a sua imaginação, recordando o passado que nem tinha sido há muito tempo.
- Porque é que estás à minha procura? – perguntou Mark, mantendo a distância de Amelia.
- Acho que é bastante óbvio – respondeu Amelia, colocando uma firmeza na voz que contrastava com o que ela sentia realmente – O que fizeste a Richard?
- Algo pelo qual ele me agradecerá mais tarde – comentou Mark, sorrindo levemente, de forma provocatória.
- Porquê, por o queres transformar num monstro igual a ti? – incitou Amelia.
- Não, por tê-lo livrado da noiva.
Amelia ficou boquiaberta, incrédula com as palavras de Mark. Não estava ele a querer insinuar que injetara Richard com o veneno original por causa dela? Tentou que aquelas palavras não a atingissem com a força total do seu significado, concentrando-se na sua missão. Tinha que representar um personagem com o dobro da sua coragem e capacidade de provocação. Imediatamente pensou em Rosie. Sim, era mais fácil tentar agir e falar como ela.
- E qual é o teu interesse na nossa relação? – perguntou Amelia, sentindo-se um pouco mais confiante, ainda que por breves momentos – Não te tornaste num psicopata sem quaisquer sentimentos?
Dessa vez, foi Mark que hesitou antes de falar. Amelia tocara num ponto que o preocupava mais do que deveria. Desde que tivera uma falha na barreira que o separava do seu anterior humano, andava bastante preocupado. Aquilo não era suposto acontecer.
Voltara à biblioteca de Hans, mas maior parte dos diários de Antícero tinham desaparecido. Os únicos a que ainda tinha acesso eram o primeiro e o último, que guardara e escondera anteriormente. Mesmo o livro sobre os puros que Hans escrevera não tinha qualquer informação relevante. Não sabia o que fazer. Por isso ouvira por alto alguns rumores de que Amelia se queria encontrar com ele, decidira encontrá-la. Talvez encontrasse algumas respostas.
- Ainda tenho memória. Bastante boa por sinal – respondeu Mark – E sei que nunca amaste Richard, apenas te juntaste a ele por causa de Caleb. Como fizeste comigo... Richard não podia continuar a ser enganado daquela forma. Por isso contei-lhe tudo o que fizeste e injetei-lhe o veneno original, sim! Para livrá-lo definitivamente de ti e das tuas mentiras.
Amelia engoliu em seco. Então Richard sabia de tudo. Se acordasse como puro, o seu primeiro ato seria procurá-la para se vingar, tal como fizera Mark. E dessa vez, poderia não escapar tão facilmente. Decidiu nesse momento acabar com aquela palhaçada e começar a provocar Mark tal como combinara com Elisabeth.
- É verdade – confessou Amelia, com a sua consciência perguntando-se o raio ela estava a fazer. De qualquer forma, levantou queixo de forma desafiadora – Eu nunca gostei de ti, apenas via alguém que era igual à minha antiga paixão de vários anos e que nunca foi correspondida. Mas depois chegaste, claramente demostrando a tua atração por mim... Por isso decidi aproveitar.
- Eu não demonstrava claramente a minha atração por ti! – reclamou Mark, franzindo o sobrolho – Tu é que vinhas atrás de mim no meu quarto!
- Estás a brincar, certo? – Amelia deixou escapar uma gargalhada, acreditando que imitar Rosie estava mesmo a dar resultado – Coitado, não consegue resistir a uma mulher...
- E tu não consegues resistir a trair o teu noivo ao primeiro sinal, quando alguém parecido ao teu grande amor parece gostar de ti! Apenas para aproveitar o que nunca teve! – lembrou Mark, esbravejando.
Amelia estremeceu. Estava a começar a perder aquela batalha. Os dois tinham agido de forma errada por tudo o que fizeram, mas Amelia sentia que ela era a pior. Ela era a traidora, a que tinha um noivo e que decidira usar alguém que acabara de conhecer apenas para ter um gosto do que poderia ter vivido. Estava extremamente desiludida consigo mesma, mas naquele momento não podia demonstrá-lo.
Por outro lado, percebeu que estava a atingir Mark de alguma forma, pois ele parecia perturbado. Só não conseguia perceber se isso era uma boa noticia ou se não sairia do miradouro com vida. De qualquer das formas, Amelia tinha de continuar a provocá-lo, senão Elisabeth não teria uma hipótese.
- Richard era o teu irmão, que acabaras de conhecer! Chegaras a uma nova família e a primeira coisa que fizeste foi te atirares para cima da noiva dele. De mim! Em vez de concentrares a conhecer os teus pais e... – Amelia deu uma gargalhada incrédula – Esta realidade sobrenatural que acreditavas ser apenas uma história... decides andar atrás de uma mulher com quem sabias que nunca poderias ter nada pois isso destruiria completamente a relação com a tua família, a qual atravessaras um oceano para conhecer!
Mark aproximou-se velozmente de Amelia, agarrando-lhe um braço com tanta força que esta pensou que o osso quase se partira. Mas isso não aconteceu. Na verdade, quando olhou nos seus olhos, toda a raiva que Mark sentira desapareceu. Largou repentinamente o braço de Amelia, voltando a experienciar toda a enxurrada de sensações que sentira quando viu Richard desacordado no chão de Arcade. Sem saber porquê, inclinou-se para a frente para a beijar.
Amelia deu um passo para trás, espantada com a dualidade das reações de Mark em tão pouco tempo. Sentiu novamente que quem estava à sua frente não era Mark, o vampiro, o puro, mas sim Mark quando ainda era humano. Pensando que aquela era a oportunidade ideal para realizar o seu plano, teve uma ideia que acreditou ser a mais genial da sua vida para distraí-lo ainda mais.
Voltou a aproximar-se de Mark, colocando as duas mãos na sua face, e puxou-o para si, beijando-o como nunca beijara ninguém na sua vida. Aquele tinha de ser o melhor beijo que alguma vez dera, porque se a sua teoria estava certa, havia ainda um lado humano em Mark que era capaz de sobressair em certas situações. Quando o sentiu a retribuir o seu beijo, colocando as suas mãos à volta da sua cintura, Amelia empurrou-o, afastando-o de si.
- Agora! – gritou Amelia, ao ver com agrado que o beijo fora o suficiente para confundir Mark.
Aparecendo de algum lugar que Amelia não soube identificar, surgiu Elisabeth. Tudo aconteceu rápido de mais para o olhar de um simples humano e até Amelia teve dificuldade em perceber o que aconteceu. Assim que gritou, a sua voz desconcertou Mark, que continuou a olhar confuso para Amelia até perceber que mais alguém se aproximava. Virou-se para trás de forma veloz, não conseguindo evitar que Elisabeth o atingisse de raspão com a adaga no antebraço. Porém, antes que pudesse usá-la por completo, Mark travou-a, agarrando Elisabeth por um braço e arremessando-a de encontro à arvore antiga. A adaga caiu a vários metros de distância.
Elisabeth caiu em cima da sua perna, dando um pequeno grito ao sentir uma dor aguda. De olhos fechados, processou a dor rapidamente, acreditando ter partido a tíbia. Teria de endireitar o osso para que conseguisse curar rapidamente, mas isso iria doer muito. Porém, era a única forma que tinha para se levantar imediatamente.
Amelia, ao ver Elisabeth fora de combate, correu para apanhar a adaga, mas Mark percebeu que ela se movimentava atrás de si. Agarrou-a e empurrou-a com força contra as rochas brancas que a separavam de uma queda até ao rio debaixo de si. Amelia bateu com a cabeça, perdendo os sentidos momentaneamente.
Nesse meio tempo, Mark olhou para o seu braço, franzindo o sobrolho. Ao contrário dos humanos e vampiros, o sangue dos puros não era vermelho, mas sim de uma cor prateada que parecia produzir luz própria na escuridão da noite. Observou o arranhão que não parecia estar a curar, perguntando-se o que acabara de acontecer. Não era suposto os puros serem intocáveis?
Olhou para Elisabeth que tentava se levantar com dificuldade. Fora ela que fizera aquilo. Aproximou-se, enraivecido, pensando em várias maneiras de acabar com a sua vida. Agarrou-a por um braço e levantou-a. Elisabeth não conseguiu evitar soltar um grito ao ser obrigada a apoiar-se na perna partida. Ao ver Mark levantar a outra mão, julgou que a sua vida acabara, fechando os olhos. Contundo, nada aconteceu. Alguma coisa impedira Mark de avançar.
Elisabeth abriu os olhos e ficou boquiaberta ao ver como Rosie prendia o braço de Mark, impedindo-o de avançar. Quando Mark percebeu o que estava a acontecer, Elisabeth sentiu que ele diminuíra a força com que a estava a prender. Aproveitando esse momento, Rosie separou os dois, atirando Mark para o chão a vários metros de si. Mark levantou-se, ficando boquiaberto, vendo novamente a perguntar-se como fora aquilo possível.
Amelia acordara a tempo de ver a façanha de Rosie, decidindo correr no meio da confusão para buscar a adaga. Assim que o fez, colocou-se do lado de Rosie. As duas trocaram um olhar, mas aquele não era momento de fazer perguntas. Elisabeth, que caíra no chão, finalmente conseguira colocar o osso no lugar, forçando-se a levantar.
As três observaram Mark que parecia ponderar se devia ir embora. Porém, ao ver a adaga nas mãos de Amelia, percebeu que devia ter sido aquilo a provocar os últimos acontecimentos. O arranhão, a sua fraqueza... Se não tirasse a adaga das mãos daquela gente, sabe-se lá o que fariam com ela. Mark acabara de se tornar imortal, não queria ter como ponto fraco uma simples adaga.
Mark evitou cruzar o olhar com Rosie e focou-se na adaga. Todos estavam em stand by, perguntando-se quem seria o próximo a agir. As três vampiras estavam um pouco mais confiantes, acreditando que finalmente teriam uma luta justa. Amelia apertou mais os dedos em volta do punho da adaga, percebendo o interesse de Mark nela.
Tudo aconteceu muito rapidamente. Quando Mark decidiu agir, querendo arrebanhar a adaga de Amelia, Rosie atravessou-se no seu caminho. Utilizando a força da velocidade de Mark contra ele mesmo, fê-lo dar uma volta de 180º graus, arremessando-o na direção contrária, caindo com um joelho e uma mão apoiando-se no chão. Porém, antes que pudesse agir, Rosie atacou de novo, dando um pontapé no seu peito e fazendo com que Mark caísse de costas.
Até ao momento, Mark tivera sorte. Apenas lutara contra pessoas desprevenidas e com algum nível de embriaguez. Contudo, não tendo qualquer experiência em ser vampiro, enfraquecido por uma adaga qualquer, e lutando contra alguém que realmente sabia o que fazia, estava a ter mais dificuldades.
Rosie era a mais forte de entre todos o vampiros e estava a conseguir dar luta a Mark. Prendeu os seus braços contra o chão, impedindo-o de se mexer por um momento que sabia que ser muito breve. Apesar de tudo, ainda estava a tentar combater um puro! Usou toda a sua força para o imobilizar enquanto gritava por Amelia. Esta, percebendo o que se passava, correu para junto deles, mas quando tentou usar a adaga, Mark conseguiu libertar uma mão, sendo o suficiente para lançar Rosie para longe de si, libertando-se.
Amelia ainda tentou afastar-se, mas Mark conseguiu pegar um dos seus braços. Percebendo a sua intenção, Amelia atirou a adaga para junto de Rosie, não dando hipótese a Mark para a capturar. Rosie apanhou a adaga antes mesmo de esta cair no chão. Mark bufou, contrariado. Continuou a agarrar Amelia e puxou-a contra si. Aproximou-se perigosamente das rochas brancas e colocou o braço direito em torno do pescoço de Amelia. Rosie parou com a adaga na mão, observando-os nervosamente. Elisabeth colocou-se a seu lado, ainda coxeando.
- Vamos parar com isto! – vociferou Mark, apertando mais o pescoço de Amelia, inclinando-a de forma a que esta conseguisse ter um vislumbre do rio abaixo de si – Dêem-me a adaga e ninguém tem de sair magoado.
- Não posso fazer isso – declarou Rosie. Tentou dar um passo, mas Mark colocou Amelia com uma perna sobre o vazio. A única coisa que a separava do rio, era o braço de Mark sobre o seu pescoço e um pé hesitante pousado nas rochas.
- Aproximas-te mais e eu mato-a – avisou Mark, elevando a voz para se fazer ouvir sob o vento forte que começava a aumentar – Deixo-a cair no rio onde nunca ninguém a encontrará.
- Por favor, não faças isto – implorou Rosie, com a voz a tremer – Não és assim!
- Como sabes se não sou assim? Só me conheces há duas semanas!
- Foi o suficiente! – afirmou Rosie, abanando a cabeça, descrente – Passámos dias e dias juntos... És o meu filho!
- Não pensavas assim quando me deste para adoção – lembrou Mark, com um tom de voz mais baixo.
- Eu contei-te a história, foi...
- Foi Hans que te obrigou? – interrompeu Mark – Mas não te forçou fisicamente a levar-me para aquela agência de adoção, pois não? Foram vocês! Podiam apenas ter saído de Southward, fugido, mas não...
- E como seria a tua vida? A da tua irmã? Não sabíamos nada sobre o mendax na altura! Estaríamos a pôr a tua vida em risco! – frisou Rosie, apertando os lábios. Começava a sentir novamente lágrimas a quererem escapar do olhos.
Encostada a Mark, Amelia sentiu-o hesitar após as palavras de Rosie. De alguma forma, estavam a afetá-lo, tal como acontecera anteriormente. Apesar disso, Mark não o deixou transparecer.
- Traz-me a adaga ou nunca mais verão Amelia – exigiu, com a voz firme e uma expressão fechada.
Rosie tentou processar rapidamente se haveria ainda alguma forma de usar a adaga. Para ela, aquele era um último recurso, mas depois de tudo o que se passara... Não podia deixar Mark no mundo, para continuar a tirar filhos de pais, irmãs de irmãos... O antigo Mark não quereria isso. Começou a conjeturar um plano. Era perigoso, provavelmente não resultaria, mas era a última oportunidade.
- Está bem – acabou por aceder Rosie.
- Não! – protestou Elisabeth, colocando uma mão no ombro de Rosie, fazendo-a virar-se para trás com um olhar indecifrável.
- Rosie, não faças isso – pediu Amelia com a voz rouca, tentando falar.
- Traz a adaga até aqui, com cuidado – disse Mark. Afrouxou um pouco o braço em volta do pescoço de Amelia e voltou a puxá-la para cima das rochas. Rosie começara a aproximar-se, mas Mark mandou-a parar – Espera, o punho virado para mim. Com as mãos afastadas dele.
Rosie segurou a adaga pela lâmina, tenho o cuidado de não tocar na ponta, mas sem conseguir evitar cortar a mão de lado. Mark vira-se de frente para ela, com Amelia a servir de escudo. Não havia forma de atingir Mark sem o fazer também com Amelia. Pelo menos não de forma eficiente, utilizando a maioria da lâmina, tal como descrito por Antícero. Mas o que saberia ele? Será que chegara sequer a usar aquele artefacto?
Quando já estava a dois metros de distância de Mark, este estendeu a mão esquerda para receber a adaga. Amelia abanou a cabeça com dificuldade, pedindo a Rosie para não fazer aquilo. Não percebia qual era o seu plano. Rosie não podia querer mesmo entregar a adaga a Mark! Mas não havia qualquer forma de usar a adaga, a não ser...
Amelia encarou Rosie nos olhos e depois olhou para a adaga, dando a entender que estava a perceber o que ela queria fazer. Rosie não disse nada e acenou levemente.
- Está tudo bem, Amelia – declarou Rosie, fazendo passar uma confiança que ela própria estava longe de sentir.
- Sim, dá-me a adaga e tudo ficará bem – insistiu Mark.
Rosie aproximou-se mais um metro, já bastante perto dos dois. Tinha de agir. Mark esticou mais o braço, querendo tirar a adaga de Rosie, porém num movimento que espantou a própria, pois julgara que iria se atrapalhar e deixar cair a adaga no chão, conseguiu balançar a lâmina, lançando a adaga para a outra mão e pegando-a pelo punho. A sua mão direita ficou com um arranhão de lado a lado, escapando por pouco à ponta da lamina.
Usando toda a força que tinha, golpeou Mark pelo lado direito, onde o seu braço estava ocupado a segurar Amelia. Rosie atingiu-o um pouco abaixo da linha das costelas e, tendo Amelia como escudo, não foi possível evitar feri-la superficialmente com um lado da lâmina. Rosie arrancou a adaga e recuou alguns passos, deixando-a cair no chão pois já não tinha uso. Cumprira a sua função.
Mark largou Amelia, que saiu a correr, deixando-se cair perto de Elisabeth. Mark olhou para baixo e cobriu com as mãos o local onde tinha sido atingido, observando o líquido prateado que escorria da ferida. Levantou o olhar e fitou Rosie, que o observava apreensivamente. A adaga cumprira o seu dever, mas seria o suficiente para imobilizar Mark imediatamente ou ele conseguiria escapar?
- Desculpa – pediu Rosie com a voz a tremer, hesitando em se aproximar. Não sabia o que Mark estava a pensar e receava este que tentasse atacá-la – Mas tens de vir connosco. Por favor, é para teu bem!
Mark fez menção de se afastar de Rosie, mas não conseguiu. Sentia uma fraqueza imensa a apoderar-se dele, congelando os seus movimentos. Arrepios frios começaram a percorrer o seu corpo, transportando a sua memória para as lembranças de uma forte gripe, quando ainda era humano. Contudo, segundos depois, começou a sentir um forte formigueiro a percorrê-lo e a sua cabeça estava tão leve que parecia estar num sonho qualquer.
Voltou o olhar para Amelia e Elisabeth. Esta última estava agachada ao lado de Amelia, que estava sentada no chão, cobrindo o leve ferimento que a adaga lhe causara. Todas o olhavam, em expectativa. Mark ainda tentou recuar um passo, mas que percebeu que não tinha para onde fugir. Atrás dele, existia apenas o Gargantula.
- Mark... - tentou Rosie, dando um passo vacilante.
Queria tentar convencer Mark a ir com ela a bem, sem que este tentasse escapar, magoando alguém no processo. Mas talvez isso não fosse ser tão difícil como antes esperavam. Mark não estava com uma expressão muito boa. Ao que parecia, a teoria de Antícero estava correta, mas tinha um efeito mais rápido do que esperavam. Afinal, levar Mark para casa de Charles e Harry e prendê-lo na cave seria simples.
Rosie decidiu arriscar-se a dar os últimos passos que a separavam de Mark, quando este se desequilibrou. O seu olhar foi primeiramente atraído pela pequena nuvem de pó que o seu pé levantou quando escorregou nas pedras brancas. Estas eram tão baixas e tão escorregadiças, diferentes de todas as outras em Southward. Porque é que no miradouro, no local mais alto, as pedras eram as mais pequenas? Não devia ser ao contrário?
Toda a cena foi vivida por Rosie como se fosse uma terceira espectadora. Tentou correr para Mark, querendo impedi-lo de cair, mas parecia que tudo estava em camara lenta. Apenas conseguiu tocar ao de leve nos seus dedos antes de estes escaparem do seu alcance.
Mark perdera toda a força nos joelhos, não conseguindo evitar que o seu pé resvalasse, fazendo-o perder um ponto de apoio. Não seria um problema em qualquer outro local, mas Mark encontrava-se à beira de um penhasco elevado, equilibrando-se em pedras escorregadias. A última coisa que viu antes de cair no vazio foram os cabelos azuis de Rosie, agitando-se ao vento, e a sua expressão de desespero, antes de cair na água gelada. Perdeu os sentidos antes mesmo de atingir o leito do rio.
Rosie soltou um grito de agonia quando percebeu que não conseguira agarrar Mark. Encontrava-se debruçada precariamente sobre as pedras brancas, chamando pelo nome do filho que desaparecera nos rápidos, quando alguém a agarrou, puxando-a para trás. Tentou debater-se, mas acabou por desabar nos braços de Elisabeth, chorando incontrolavelmente. Não o podia ter perdido, não podia! Porque não fora mais rápida, porque não o conseguira apanhar?
Elisabeth afastou Rosie da beira do penhasco, trazendo-a para o chão de terra. Não reparara no que acontecera até ouvir o grito desesperado de Rosie. Olhou para Amelia, que se encontrava ainda sentada, com lágrimas a cobrirem-lhe o rosto. Tentou levantar-se, mas Elisabeth abanou a cabeça, pedindo-lhe que ficasse no mesmo lugar.
De certa forma, Mark não era mais um perigo. Aquele rio tinha a corrente tão forte, que puxava tudo o que nele caísse para o seu fundo, criando um túmulo aquático de onde nunca nada sairia. Com certeza era mais seguro de que prender Mark numa cave. Contudo, Rosie não compreendia isso. Esta afastou-se de Elisabeth, limpando as lágrimas rapidamente com as mãos a tremer. Depois afastou os cabelos que tinham deslizado para a frente da sua face e fechou os olhos, respirando fundo.
- Não consegui apanhá-lo – murmurou Rosie, olhando desoladamente para pedras brancas que rodeavam o miradouro – Não fui rápida o suficiente...
Elisabeth não sabia o que responder. Rosie sentou-se no chão, virada para o local onde Mark caíra e ficou em silêncio. Provavelmente estava em estado de choque. Tentava decidir se devia ou não ir ter com ela, quando o som de Amelia a tossir cortou-lhe o pensamento. Era uma tosse seca, pesada e que a fez se inclinar, apoiando-se de bruços no chão.
- Amelia! – exclamou Elisabeth, aproximando-se a correr para junto desta – Não te mexas, é pior!
Amelia voltou a levantar-se e limpou a boca, reparando que tossira um líquido escuro e pastoso. Limpou rapidamente as mãos na roupa, mas Elisabeth já tinha reparado. Esta apertou os lábios, preocupada, enquanto se sentava a seu lado.
- Eu estou bem – tentou mentir Amelia, esboçando um leve sorriso.
- Não, não estás – notou Elisabeth, com um tom de voz ansioso – Temos de te levar para casa.
Rosie ouviu aquela conversa e levantou-se relutantemente, querendo encontrar alguma coisa para a distrair do que acabara de acontecer. Aproximou-se de Elisabeth e Amelia, franzindo o sobrolho.
- O que se está a passar? – perguntou.
Amelia e Elisabeth trocaram um olhar que não passou despercebido a Rosie.
- Algum do sangue de Mark deve ter entrado acidentalmente para o sistema de Amelia – acabou por explicar Elisabeth, com a voz a tremer, tentando transmitir uma calma que não sentia.
- E então? – insistiu Rosie.
- Sabia que... - tentou Amelia, quase sendo atingida por outro ataque de tosse.
- Eu explico – voluntariou-se Elisabeth.
- Não! – exclamou Amelia, com a voz um pouco mais clara – Sabia que havia uma probabilidade de isto acontecer, mas era a única forma, a nossa última hipótese de apanhar Mark – salientou, fazendo uma pausa, fechando os olhos, tentando suprimir um novo ataque de tosse.
Rosie agachou-se perto de Amelia, reparando no líquido preto espalhado na sua roupa. Porém, aquilo estava longe de ser sangue. Foi percorrida por uma sensação de que mais alguma coisa tinha corrido muito mal.
- O sangue dos puros possui um tipo diferente de veneno, o que transforma humanos em vampiros – explicou Amelia, focando o olhar em Rosie – Um puro teria que usar esse veneno num vampiro que ele próprio transformara para conseguir criar um puro. Deve ser alguma coisa transmitida pelo seu ADN, como uma chave biológica ou algo do género.
- O veneno dos puros é mais seletivo – prosseguiu Elisabeth – Não é como o veneno original que era capaz de transformar tanto humanos como vampiros em puros.
- Não estou a entender – confessou Rosie, abanando a cabeça.
- Se o veneno de um puro, entrar no sistema de um vampiro que ele não tenha criado...
Elisabeth interrompeu-se, olhando para Amelia, que puxara a sua camisola um pouco para cima, mostrando o corte na sua lateral, criado pela adaga. Numa situação normal já teria cicatrizado, mas este estava completamente negro, criando uns veios de cor escura que saiam do corte e se espalhavam lentamente pelo corpo de Amelia.
- Quando usaste a adaga, algum do sangue de Mark se deve ter misturado com o meu – continuou Amelia, com a voz a ficar mais rouca – Quanto mais me mexo, pior é, mas de qualquer forma atingirá o seu objetivo final.
Rosie engoliu em seco, quase receando perguntar:
- E qual é esse objetivo?
- Matar-me, Rosie – concluiu Amelia,voltando a puxar a camisola para baixo – Estou a morrer.
* * * * *
Nota da Autora:
E aí, alguém com vontade me matar? Calma, respeitem a quarentena...
O que acham que aconteceu a Mark? Será que uma adaga e o Gargantula serão suficientes para o deter? Ou será que tudo isto foi demasiado simples para um puro? E quando a Amelia, será que está enganada e irá se salvar no capítulo final?
No próximo fim de semana irão sair o ultimo capítulo e o epílogo, no sábado e domingo respectivamente. Preparem os vossos corações... Será que Richard irá acordar?
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