Supostos amores e jardins
|Awakening my world that you
fallen sleep some day
It can't be a coincidence
— Let me in, Haseul
Acordei com o barulho da porta abrindo, mostrando a empregada que carregava sorridente um balde cheio com água para encher a banheira no canto do quarto. O sol estava brilhando tão intensamente quanto nas tardes de verão, o que era estranho por estarmos em pleno outono. Antes de entrar no banho, levantei e fui até a janela, respirando um pouco de ar puro e observando os passarinhos cantarem animados.
Tomei banho o mais rápido que pude e por algum motivo desconhecido por mim, não estava sentindo fome alguma. Coloquei o vestido absolutamente agradecida por não precisar colocar todas as peças que ficavam embaixo, logo não pedir ajuda para apertar espartilhos ou coisas do tipo.
O dia estava quente e abafado, algo em tempos assim deixava-me cansada e insuportável, então decidi não tomar café e apenas continuar deitada na cama enquanto olhava para o teto torcendo para dormir novamente. Mas, como já era de se esperar, a cozinheira bateu na porta, perguntando gentilmente se poderia entrar. O avental branco já estava sujo com farinha e algumas manchas de amora que não saíam nunca, perguntou sorrindo o motivo pelo qual eu não apareci na sala de jantar.
— Estou derretendo com esse calor. Nem consigo acreditar que estamos em pleno outubro. — Digo enquanto balanço a mão para fazer vento. — Alguma coisa aconteceu? Não é de teu costume me chamar.
— Nada em específico, senhorita, apenas sua amiga, Kahei, estava a aguardando na sala. Pensei que tivesse sido avisada.
Levantei-me quase em um pulo, com o coração batendo agitado pelo simples fato de vê-la novamente. Sorrindo, perguntei se ela ainda estava aqui, depois da resposta positiva fiquei ainda mais animada e a mulher na minha frente percebeu, mesmo não comentando nada. Abriu a porta e me acompanhou até onde Kahei estava esperando, conversando animada com minha mãe sobre alguma coisa relacionada a vestidos de bailes, parou de falar quando viu-me na porta e sorriu, acenando com a mão coberta pela luva de renda amarela clara.
— Haseul, querida, sua amiga estava me contando sobre os vestidos que ela encomendou. Sabia que os pais dela estão planejando um baile?
— Sim, mas o baile não era apenas quando estivesses noiva e... — Fui interrompida com Kahei levantando-se um pouco nervosa.
— Bem, por que não aproveitamos o sol um pouco e damos um passeio? A coloração das folhas de árvores já estão alaranjadas, lindas. — Disse vindo até mim, entrelaçando nossos braços. — Trago sua filha de volta no almoço, senhora.
— Claro. É impressão minha ou a senhorita está evitando o assunto que estávamos falando?
— Venha, Haseul. — Começou a me puxar até a saída, com a cozinheira dando passos largos tentando chegar antes de nós para abrir a porta.
Saímos e logo um vento quente foi sentido, balançando os poucos fios de cabelo de Kahei que estavam soltos enquanto ela remexia a mão de forma nervosa contra o tecido um pouco mais fino que o de costume. Tentei controlar a vontade de interrogá-la sobre a conversa estranha de alguns minutos antes e sobre como aquilo pareceu muito estranho, preocupante até, quase impossível considerando tamanha curiosidade dentro de mim.
Começamos a andar pelo jardim, como quase todos os dias, mas com o sol quente de uma forma que não me lembrava da última vez que senti tanto calor. Imaginei que Kahei estivesse com mais calor ainda, mas não fiz nada em relação a isso. Continuamos andando até encontrarmos uma árvore grande o suficiente para nós duas conseguirmos sombra. Sentamos uma ao lado da outra, com as pernas esticadas para frente e encostadas no tronco da árvore.
Fechei meus olhos sentindo a brisa quente e ouvindo os pássaros cantarem, imaginando-os voando tão alto quanto conseguiam. Poderia passar o dia ali, apenas sentada na grama e ao lado de Kahei. Abri os olhos e ela estava me encarando com um sorriso, mas não desviou o olhar quando viu que eu percebi.
— O que foi? — Perguntei enquanto me virava para ela. — Aconteceu alguma coisa?
— Nada. — Ela suspirou e finalmente percebi que naquele dia não estava usando crinolina, já que o volume das saias estava bem menor. Inevitavelmente sorri, feliz por ela ter finalmente deixado alguma das peças desconfortáveis de lado. — Mas fiquei pensando em nossa conversa ontem, e como saberemos quando nos apaixonarmos que é de verdade?
— Simplesmente sabendo, eu acho. — Apoiei o rosto na mão e ficando deitada na grama. — Não vai estar escrito que estamos apaixonadas, apenas sentiremos.
Ela me olhava sorrindo sem mostrar os dentes e parecia tentar gravar cada detalhe do meu rosto. Fiz o mesmo e uma emoção rápida passou pelo seu rosto, algo como espanto ou surpresa. Como se despertasse de um sonho muito longo, a pergunta que eu mais evitava novamente voltou a me assombrar: e se eu estivesse me apaixonando por Kahei? Era assim, como se apenas a presença da pessoa fosse suficiente para fazer com que se sentisse bem, pelo menos nos livros. Mas o que eu iria fazer? Ela não era homem, estaríamos fadadas a morrer no momento em que nossos lábios se encontrassem, sabia disso.
E em um pensamento rápido, quase inevitável, ponderei se Kahei pensava o mesmo naquele momento. Mas ela continuou sorrindo, então apenas a imitei.
— Hei, podemos ficar mais tempo aqui do que até o almoço?
— Podemos comer e voltar, não tem problema. — Ela se aproximou mais, ficando deitada do mesmo jeito que eu estava.
Quis dizer a ela que o problema não era a comida, apenas não queria encarar minha mãe depois de ter cogitado a ideia, e ainda estar pensando, de ser apaixonada por uma mulher. Talvez tivesse começado a odiar a mim mesma naqueles poucos segundos, tendo uma trágica visão sobre o que aconteceria caso realmente estivesse certa. Minha mãe me odiaria, arruinaria seus planos perfeitos e logo eu estaria sozinha. E se eu saísse dali, talvez nunca mais quisesse voltar sozinha, porque a presença dela tornava tudo melhor e isso assusta.
Kahei se levantou tão rápido que até sentiu uma tontura, mas logo já estava tentando se pôr novamente de pé. Fiz o mesmo e limpei a grama da roupa, mesmo sem entender bem o que tinha feito com que ela ficasse tão aterrorizada. Depois de olhar para um pouco além de onde estávamos, vi uma carruagem e uma mulher com vestido elegante usando um chapéu imenso. Era a mãe dela.
Hei começou a andar e eu fui logo atrás, impressionada com a agilidade que ela tinha considerando que estava com um sapato pouco confortável. Quando chegamos perto, vi que a mãe dela tinha outras duas companhias: o pai de Kahei e um homem que não conhecia. Os três conversavam de forma bem animada com meus pais, mas ficaram em silêncio quando viram nós duas juntas, com cabelos bagunçados, eu sem espartilho e Kahei sem crinolina.
— O que está fazendo aqui, mãe? — Ela perguntou gentilmente, mas cruzou os braços quando se virou para o homem desconhecido. — Ainda mais com você. Tínhamos combinado que isso não seria tratado agora.
— Tenha modos. — Sua mãe advertiu, pegando-a pelo braço com mais força do que necessário. — Eles vieram apenas fazer uma visita rápida para tratar de negócios. — E com um sorriso, virou-se para mim. — Espero que não se importe de ficar uns cinco ou seis dias sem a companhia de Kahei, passará rápido.
— Não, tudo bem, entendo a situação. Poderemos aproveitar depois que tudo se acalmar lá na casa. — Digo com os braços cruzados abaixo dos seios, tentando distrair a falta de uma peça.
Fizemos uma breve despedida com um abraço bem apertado, o suficiente para suportar a saudade por alguns dias. Desejei ficar ali sentindo seu corpo no meu de forma respeitável aos olhos dos adultos, mas precisei soltá-la depois de perceber que as encaradas já estavam procurando alguma desculpa para falar de mim na reunião de domingo da igreja sobre a forma que fiz demorar um abraço. Ela sussurrou um breve "amo-te" e saiu, sendo acompanhada pela mãe e pelos dois homens até a carruagem.
Voltei para o meu quarto depois do almoço. Apenas ali, desfrutando do prazer um tanto esmagador da solidão temporária e do silêncio quebrado apenas pelos barulhos da natureza, quando deixei os pensamentos entrarem como o vento pelo janela, percebi o que seria caso realmente amasse Kahei: uma pecadora, como diziam em cultos de domingo e nas fofocas na cidade. Esse pensamento foi suficiente para uma culpa imensa tomasse conta de mim, repentinamente, tomei a decisão de me afastar. Seria quase uma semana sem vê-la, talvez ela até se afastasse por vontade própria.
Fiquei inconsolavelmente triste durante todo o resto do dia, sentindo culpa e saudade, mesmo que tivesse pouco tempo. Queria ouvir a risada dela novamente, pelo menos uma última vez, mas sabia que se ouvisse mais uma, iria querer ouvi-la eternamente.
Seriam dias longos, sem sua companhia e sem distrações para meus pensamentos julgadores entrarem em ação. Adormeci sem ter comido o jantar nesse dia, mas ouvi a cozinheira bater na porta, suspirar alto demais e sair do corredor.
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