Partituras e alianças de compromisso
|When I open my eyes
from the long night’s dream
— Let me in, Haseul
Fomos recebidas por um empregado desconfiado e sonolento, mas por sorte não nos confrontou e nem fez muitas perguntas. Os pais dela não estavam acordados e nem os visitantes, o silêncio predominava todo o ambiente e se quebrava apenas com alguns passos e reclamações.
Toda a energia da casa era negativa, desde que conheço o lugar já conseguia definir assim. Brigas eram ouvidas do quarto principal enquanto normalmente eram abafadas pela música tocada por Kahei em um piano na sala de música, empregados mal humorados passeavam pelo lugar quase que arrastando os próprios corpos. Não me impressonava que ela passasse tanto tempo em minha casa, mesmo que nos últimos tempos estivesse em uma situação próxima da dela.
Ficamos na sala por precaução, nunca se sabe quando os pais de Kahei estariam tão irritados ao ponto de decidirem que meu lugar era longe do quarto de sua filha. Mas não importava, ela sorria tanto que até me esqueci disso e do quão desconfortável era estar naquela casa novamente depois de tudo que ocorreu no dia quando disseram que eu era uma péssima influência.
Os primeiros que apareceram na sala foram os visitantes. O garoto, pretendente de Kahei, me encarou como se estivesse tentando descobrir todos os meus pecados para julgá-los e condenar-me à morte, uma lenta e dolorosa morte, assim como sua mãe que estava com o braço entrelaçado junto de um homem alto. Ignorei a situação depois de cumprimentá-los com um simples "bom dia" e um sorriso no rosto, logo voltando a conversar com Hei, que parecia estar um pouco aflita.
Apenas vi os pais dela no café da manhã, já que ambos saíram juntamente dos visitantes para a cidade durante a tarde, portanto, ficamos toda a tarde sozinhas no jardim sem precisarmos nos preocupar com despedidas antes da hora pela interrupção deles que de forma repentina decidiram que era melhor eu ir embora da propriedade.
Kahei pareceu transitar entre a felicidade extrema e a tristeza durante todo o tempo. De repente recordava-se de que nada estava melhorando com a minha presença ali e assim que eu fosse embora, tudo voltaria ao normal de um jeito ou de outro, então passava da gargalhada para os olhos repletos pelas lágrimas que me faziam rezar para não caírem. Até que cansei daquela situação.
— Venha, vamos fazer os instrumentos da maldita sala de música valerem a pena. — Disse enquanto me levantava do chão e batia as mãos no vestido para tirar a grama que ficou grudada nele.
— O quê? — Foi a única coisa que conseguiu dizer antes de eu puxá-la pela mão tão rápido que começamos a correr juntas.
Ela ria enquanto me seguia pelos corredores da grande casa, ignorando os avisos dos empregos para parar de correr pois iríamos acabar machucadas e parecendo feliz. Assim que peguei a chave da porta em uma mesinha no corredor e a abri, pude sentir a poeira chegando em meu nariz seguida por uma grande vontade de espirrar.
Kahei entrou comigo e fechou a porta, logo em seguida indo até a janela para abri-la e fazer um pouco de ar fresco entrar na sala. Pegou as partituras que estavam em cima de uma mesinha ao lado da estante pequena repleta por livros sobre música e foi até o piano. Sentei-me em uma cadeira ao seu lado e ela começou a tocar.
Não conseguiu chegar nem ao menos na terceira música já que foi atrapalhada por uma batida forte na porta. Com o susto, apertou algumas teclas de forma desajeitada e resultou em um barulho alto e esquisito que nos fez rir um pouco, mas ela ignorou isso e disse para a pessoa entrar. Um empregado que eu não lembrava o nome adentrou o cômodo com a cabeça erguida, postura impecável e sério.
— Senhorita Kahei, seus pais já voltarem e juntamente dos visitantes estão requisitando sua presença na sala de estar.
— Algo aconteceu? — Ela perguntou se levantando rápido e assustada, pude perceber isso pelo jeito que suas mãos tremiam.
— Não fui informado para saber tais coisas, mas sua presença é essencial no momento. — O empregado deu uma olhada rápida para mim e logo se voltou novamente para Kahei. — Mas creio que não queiram companhia de terceiros em assuntos familiares.
— Ora essa... — Ela se virou e começou a me encarar como se analisasse o que fazer, então apenas balancei a cabeça como um sim para informá-la de que eu ficaria bem sozinha por alguns minutos e por sorte, Kahei entendeu.
Eles saíram da sala de música e eu fiquei ali sozinha, sem mais nada a fazer além de esperar, esperar e esperar mais um pouco até que ela voltasse. Encarei a porta entreaberta batucando de leve os dedos contra minhas pernas cobertas pelo vestido e crinolina até sentir um arrepio seguido pelo medo do lugar que eu estava, então levantei e fui quase correndo até a porta.
Saí andando pelo corredor da maneira mais silenciosa que consegui até ficar a poucos passos da sala de estar onde Kahei e todas as outras pessoas estavam. Vi que nenhum empregado estava passando e pela janela consegui observar que a maioria estava do lado de fora da casa, no jardim. Presumi que eram assuntos familiares sérios e de extrema importância que outras pessoas não ouvissem, então fiz menção de dar a volta e ir para o quarto de Hei, mas parei assim que ouvi uma frase que mudou tudo: "toda a espera está prestes a acabar".
A voz era firme e grossa, mas desconhecida para mim de forma que logo achei ser a do pretendente. Pude escutar também um suspiro irritado e batidas de pé no chão, mas não tenho certeza dessa parte embora tenha achado ser de Kahei. Coloquei a mão em cima da minha barriga sentindo dificuldade para respirar apesar do espartilho não estar tão apertado, mesmo sabendo que seria uma tremenda falta de educação, continuei ali disposta a ouvir tudo.
— Wong Kahei, de todas as mulheres que já tive a honra de conhecer como uma futura companheira, a senhorita foi a mais encantadora. Em troca, estou oferecendo este simples anel como forma de demonstrar o que sinto enquanto esperamos tudo ficar pronto de forma que possamos nos casar diante do santíssimo Deus. Resta saber se aceita passar o resto de sua vida comigo.
Não foi surpresa para mim tais palavras, talvez até sinceras mesmo que algo me embrulhasse o estômago na proposta de casamento. Por que eu não estava feliz? Por que não podia simplesmente ignorar os sentimentos crescentes por Kahei e aceitar que era um pecado?
— Aceito. — E foi com essa simples palavra que senti, além da tristeza clara em seu tom de voz, a minha própria tristeza enquanto assistia nossos pedaços de corações partidos sendo espalhados e afastados com agressividade.
A comemoração foi seguida de muitas felicitações ao mais novo casal, mas não quis ficar para ver, andei até o quarto de Kahei e mexi em uma das gavetas até achar uma pena, tinta e papel. Coloquei tudo no chão e comecei a escrever em uma caligrafia desleixada que estava voltando para minha casa e também um convite para ela ir até a minha casa de noite, novamente, de preferência depois da meia-noite. Deixei a carta em cima de sua cama e saí do cômodo, indo em passos apressados até a porta dos fundos.
Comecei a correr até a entrada enquanto respondia os chamados dos empregados com um simples "Está tudo bem". Passei pelo portão e logo estava na estrada de terra, onde prossegui calmamente até minha casa, onde cheguei quando o sol já se escondia no horizonte repleto de montanhas. Entrei em casa pela porta da frente, notando que nenhuma vela estava acessa, o que era estranho de um jeito considerável.
— Onde a senhorita estava, Haseul? — Ouvi a voz baixa atrás de mim e todos os meus pelos se arrepiaram de medo.
Virei-me e percebi: estava encrencada.
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