Liberdade e noite estrelada
|The moon rises
And I am becoming you
We were so different
— Let me in, Haseul
A carta escrita com caligrafia caprichada foi entregue antes do jantar por um dos empregados para mim. Era de Kahei, um aviso de que iria na minha casa no dia seguinte, cumprindo o pedido de sua mãe. Fiquei surpresa quando a recebi, apenas dois dias depois da conversa que tivemos, mas fiquei animada para logo depois cair em um poço de preocupação. E se meu pai tentasse algo contra ela? As chances eram quase nulas, mas ainda assim estavam presentes.
Assim que terminei de ler e escrever uma carta em resposta, afirmando que estaria a esperando no mesmo horário de sempre, além de tê-la entregado para um empregado, corri até a cozinha onde Elise estava preparando a comida. Sentei-me em uma cadeira e pouco tempo depois ela se virou para mim, com uma expressão curiosa e preocupada ao mesmo tempo.
— O que aconteceu? — Perguntou enquanto voltava para o mesmo lugar que estava antes.
— Kahei virá amanhã de manhã.
— E isso não é bom, querida? Todos os momentos com quem amamos são importantes, esse com certeza será mais um.
— Sim, Elise! O que está me preocupando é, na verdade, o meu pai. Ele pode tentar algo contra ela, não quero que isso aconteça.
— Então fale isso com ele. Tenha coragem para ser firme e não se deixe intimidar por sua postura.
— E se eu não conseguir?
— Ora, por que pensar assim? Confie mais em si mesma, tenho certeza que consegue. Agora vá, o jantar já será servido.
Saí da cozinha e fui para a sala de jantar imediatamente. Lá, minha mãe conversava baixinho com meu pai sobre algo, mas não consegui entender já que ela parou de falar quando me viu e ele suspirou. Logo a cozinheira apareceu com nossos pratos, fizemos uma oração rápida de agradecimento e começamos a comer.
Perto do fim do jantar, bebi o suco de laranja um pouco doce demais e respirei fundo, depois engoli a minha última garfada do macarrão. Tomei coragem e comecei a falar:
— Kahei virá aqui em casa amanhã. — Olhei nos olhos de meu pai ao mesmo tempo que consegui ver um pouco da reação surpresa de minha mãe. — Caso encoste um dedo nela, saiba que não terá problemas somente com a família dela, considerando que Kahei está noiva. Eu aceitei o que fez dias atrás comigo, mas somente comigo e foi a última vez, nunca mais encoste em mim novamente, muito menos em minha mãe.
Levantei da cadeira e não ouvi nenhum chamado dos meus pais quando passei pela porta. Assim que a fechei, corri pelo corredor até o meu quarto, onde me deitei na cama e percebi o quão atrevida, mas corajosa, tinha sido. Por um momento, senti que meu coração sairia pela boca de tão forte que estava batendo, estava com medo e isso era triste. Pensar que meu próprio pai, quem me criou e deu tanto amor, tinha se tornado alguém assustador para mim ao ponto de que precisasse dar um aviso da visita de uma amiga que antes vinha sem nem falar algo, era doloroso.
Não se passou muito tempo e eu ouvi batidas na porta, mas não respondi. Logo a voz de Anthony seguida por um miado alto foi audível e então levantei-me da cama quase em um pulo.
— Ouvi suas palavras na sala de jantar, pensei que a companhia de sua gata faria bem hoje. — Disse enquanto passava o animalzinho para mim. — Consegui um lar para os filhotes, pode ficar tranquila, eles estão bem.
— Sério? Eles são pessoas conhecidas?
— São meus pais. Minha mãe está deprimida nos últimos dias, pensei que um carinho felino poderia fazer bem para ela, meu pai adoeceu e precisou ficar em outro lugar para não contagiá-la. Estou de saída para lá agora mesmo.
— Oh, lamento muito pela sua mãe, mande melhoras a ela. — Ela apenas assentiu com a cabeça e deu um sorriso. — Faça uma boa viagem.
Voltei para minha cama assim que ele saiu. Fiz carinho na minha gata e adormeci com ela ao meu lado. Estava com saudades de tê-la comigo e mesmo que tivesse tão pouco tempo desde que ela apareceu por aqui, tinha se tornado tão importante como se vivesse comigo desde que me entendo por gente.
Assim como a gatinha estava do meu lado quando cedi ao sono, ela estava quando acordei. Na verdade, acordei com ela arranhando de leve minha mão, o que me fez reclamar como se pudesse entender o que eu dizia. Fiquei um bom tempo deitada, apenas pensando no que fazer, até que Elise entrou no quarto e ficou surpresa quando viu que não precisaria me acordar.
Já era tarde, quase meio-dia, havia dormido como nunca desde a minha infância. Desenrolei os lençóis da cama do meu corpo e me levantei, com sorte por não estar mais tão sonolenta quanto antes.
Na cozinha, meus pais estavam calados e apenas comiam o alimento em seus respectivos pratos. Sentei-me no mesmo lugar de sempre e me servi com a comida, uma porção pouca e que não demoraria mais do que dez minutos para terminar. Eu forcei as colheradas garganta a baixo até sentir queimar, quando parei a tortura com urgência e observei que não comi quase nada, mas ainda assim não sentia fome.
Saí da cozinha e me sentei no sofá da sala, olhando fixamente para o lado de fora. O dia estava belo, o céu azul e sem nuvens pelo que podia observar. Isso me animou, mas ainda me sentia triste e estranha. Os batimentos do meu coração pareciam diferentes do que já foram um dia e meus pensamentos também não estão tão longe disso. O que me tirou dessa reflexão foram batidas na porta, que eu mesma corri animada para atender.
Kahei estava ali, com um sorriso tão bonito que tranquilizou meu coração ao mesmo tempo que conseguiu agitá-lo de um jeito bom. Estava com tanta saudade que apenas me joguei em seus braços, sentindo eles me rodearam e me apertarem forte, como se precisasse ter certeza de que eu não fugiria. Ela gargalhou quando nos separamos e fez carinho na minha mão, o suficiente para me deixar com esperanças altíssimas no pequeno "e se...?" que surgiu na minha mente. Pela primeira vez, deixei os pensamentos em relação a isso virem completamente e me inundarem em um mar do que eu imaginava e, no fundo, sabia que era amor.
Puxei Kahei pela mão até meu quarto, sentindo as borboletas do meu estômago aos pouquinhos ganhando aquela esperada liberdade para voarem como quisessem dentro de mim. Estava feliz entre a tristeza ainda flutuava sobre minha cabeça, determinada a aproveitar cada momentinho junto com ela, cada sensação de estar apaixonada embora fosse supostamente proibido, para mim, isso não existia mais naquele momento.
No meu quarto, logo que fechei a porta minha gata foi para perto de Kahei, que pegou ela no colo e se sentou na cama logo depois. Fiz o mesmo e observei-a brincar com a gatinha. Mas, quando olhei para sua mão, o anel prata com uma pedrinha chamou minha atenção. Todas as borboletas foram aprisionadas novamente, muito mais do que um dia já foram.
— Por que está triste? — Pergunto apenas recebendo silêncio em resposta. — Não entendo, nem ao mesmo apaixonada está! Por quê?
— Eu juro que também não sei, Haseul. — Sussurou quase de forma inaudível, como se estivesse envergonhada. — Ele não me agrada. Todos o acham um homem lindo, bondoso, que será um ótimo marido, também é muito desejado pelas moças da cidade. Mas eu não. Quando o olho, não quero beijá-lo, muito menos casar-me! Imagine, serei tão infeliz, não tenho motivo para estar alegre.
— Sei como se sente. — Respondo e me sento na cama. Kahei solta a gata no chão e fica na minha frente. — Se não quer beijá-lo, quem é alvo dos seus desejos românticos, hum?
— Não sei. — Posso estar louca, no entanto, tenho certeza de que seus olhos se encheram com água. Ela se levantou e assim não pude saber se eu estava certa. — Podemos passear? O dia está tão lindo, além disso, tem muito tempo que não saímos juntas.
— Se voltarmos cedo, claro que sim.
Ela sorriu e quando levantei, começou a me puxar pela mão até a cozinha, onde cumprimentamos Elise e fomos para fora. Uma brisa fresca balançou meu cabelo solto e eu sorri com isso, entrelacei o meu braço com o de Kahei e finalmente começamos a andar. Não sabia para onde estávamos indo, mas decidi que seria bom de qualquer jeito.
Ficamos em silêncio todo o caminho, ás vezes ela abria a boca apenas para fechá-la novamente e suspirar. Quando chegamos no mesmo lugar do dia que a família dela veio buscá-la, sentamos encostadas no tronco da árvore e apenas nos encaramos. Os olhos dela brilhavam tanto quanto mil estrelas das quais se eu visse uma cadente, faria um pedido com a inocência perdida que tive quando criança. Kahei sorriu e me abraçou, percebi que as borboletas queriam liberdade novamente, mas as prendi.
— Eu não queria que fosse assim. — Ela sussurrou baixinho e começou a brincar com a renda branca que ficava na parte da cintura do meu vestido.
— O quê? — Perguntei fazendo carinho no cabelo dela, percebendo que ela sorriu.
— A vida. Ela era melhor quando não sabíamos o que aconteceria, não é? Éramos mais felizes quando não tínhamos conhecimento nenhum sobre como o mundo é cruel.
— Entendo. — Falei baixinho e me levantei, trazendo Kahei junto comigo. — Mas sua mãe contou que eu vou ajudá-la no seu baile?
— Oh, Haseul, que notícia maravilhosa! — Ela me abraçou de novo, só que dessa vez, ela passou os braços pelo meu pescoço. — Então vai me ajudar na escolha no vestido? E na comida? — Perguntou se afastando, ainda me segurando pelos ombros. Fiz que sim e Kahei sorriu. — Essa notícia acabou de melhor mil vezes mais o meu dia.
— E você melhora o meu. — Coloquei uma mecha de cabelo para trás de sua orelha e ela sorriu, ficando com as bochechas vermelhas.
O pôr do sol com certeza foi o mais belo que observei em toda minha vida. Talvez não pelo tom alaranjado perfeito que se pintou pelo céu o colorindo até que tudo ficasse escuro, mas sim por estar feliz, minimamente, mas ainda assim feliz. Kahei se levantou e me ajudou com a mão estendida, estava claro que ela já precisava ir embora por ser quase tarde da noite.
As estrelas cintilavam no céu como milhares de pedrinhas preciosas, mas ele estava parcialmente claro e elas ainda eram poucas, mas lindas e tão lindas que não conseguia parar de olhar para cima até meu pescoço começar a doer. Quando abaixei meu rosto, Kahei estava me olhando e sorrindo, mas desviou o rosto assim que percebeu que eu a encarava.
Eu sorri. E ela também.
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