Cartas e fuga
|I miss you right now
I wanna see you
right this moment
— Love&Live, LOONA 1/3
Como imaginei, conseguimos ficar juntas somente tarde da noite, logo após o jantar. Eu passei o dia seguindo-a pelos cantos, enquanto ela seguia a mãe ouvindo o que precisava fazer como uma boa esposa na nova casa que morará. Estavámos cansadas de tanto andar pela propriedade com os sapatos extremamente desconfortáveis fazendo calos em nossos pés. Kahei quis tomar banho primeiro então eu saí do quarto por um tempo, até a empregada avisar que ela tinha terminado e eu poderia ir para o meu, por sorte já tinha sido preparado.
Quando Kahei voltou, claramente depois que eu já estava vestida, não parecia muito feliz. Na verdade, estava irritada ao ponto de me fazer temer que quebrasse algo, mas diferente do que aconteceu na minha imaginação, somente se deitou na cama e encolheu as pernas até o peito, começando a chorar um pouco alto. Deitei ao lado dela e a abracei, ficando quieta mesmo estando muito curiosa para saber o que aconteceu enquanto tomei meu banho. Ela se virou para mim um tempo depois, me abrançando e um pouco trêmula, o que me preocupou mais ainda.
— Não é justo. — Sussurou quando parou de chorar, apenas soluçando um pouco. — Homens não deveriam valer mais do que as mulheres, tínhamos que ser tratados igualmente. Por que eu sou pior do que Peter, simplesmente pelo que tenho entre as pernas?
— Acredito se tratar de um questionamento que deveriam ter feito tempos atrás. Precisamos levantar mais essa questão, só não temos voz para isso, soube de algumas coisas horríveis que fizeram com mulheres que se rebelaram contra os maridos lá no interior. — Notei a besteira que tinha falado somente quando Kahei me encarou com um olhar assustado. — E não é a situação adequada para eu dizer isso.
— Tudo bem. — Ela sorriu bem fraquinho e apoiou a cabeça no meu peito. — Seu coração está batendo muito rápido, está passando mal?
— Acho que é só preocupação. O que aconteceu para você estar chorando tanto?
Ela não respondeu e nem responderia, o que já tinha imaginado anteriormente. Não iria forçá-la a nada, então aproveitei o silêncio para pensar em formas de distrai-la, mas todas incluíam ir lá fora e estava tarde. Quando lembrei dos papéis e da tinta que comprei mais cedo, Kahei já estava dormindo e não ousaria acordá-la depois de um dia tão agitado quando esse. Eu poderia, inclusive, ter seguido o seu exemplo, mas ao invés disso a acomodei direito na cama e levantei, indo até a penteadeira onde a vela estava e peguei o candelabro, indo até a cômoda onde as coisas estavam logo em seguida, também peguei um livro para usar de apoio e uma pena.
Sentei na cama, tentando equilibrar o pote da tinta de um jeito que não derramasse preso entre meus joelhos descobertos, já que coloquei a saia do vestido de pijama todo ao redor das minhas pernas. Comecei a escrever, deixando meus sentimentos transbordarem no papel escritos em palavras na coloração preta feitas com a pena branca. Deixei fluir tudo o que um dia gostaria que Kahei soubesse e o dia era hoje, na noite fria de dezembro, quase meia-noite.
"Minha amada Kahei,
Espero que eu consiga resumir em duas pequenas folhas de papel tudo o que sinto por você. Mesmo que use frente e verso, acredito que ainda faltará espaço ou palavras suficientes para mostrar-te todos os meus sentimentos por ti, minha linda vizinha da propriedade ao lado.
Já faz algum tempo que os meus sentimentos por você se intensificaram, até algumas semanas atrás era somente uma possibilidade, algo que eu neguei por um tempo mesmo que ainda estivesse rondando nos meus pensamentos. Decidi que iria esquecê-los pouquíssimo tempo antes do baile, quando nos beijamos pela primeira vez, faz somente alguns dias que descobrimos sobre a reciprocidade desse amor, é estranho pensar nisso porque para mim é como se eu já tivesse conhecimento disso. Talvez tenha sido a melhor coisa do seu noivado, sem ele não teria motivo para festejar, portanto, não nos beijaríamos, uma razão para agradecermos a Peter.
Toda a vez que te vejo, meu coração acelera de uma forma extrema e sinto as clássicas borboletas em meu estômago. Quando você sorri, tenho vontade de te beijar e te ter somente para mim, assim eu poderia estar sempre nos seus braços, acredito que a única coisa a me impedir é o fato de que se chegarmos na igreja pedindo que o padre realize nosso casamento, acabaremos com uma corda no pescoço e aplausos de idiotas que achariam super correto a nossa execução em praça pública. Isso está ficando mais mórbido do que imaginei, já posso voltar a citar os seus efeitos na minha pobre pessoa apaixonada.
Não sabe como está belíssima adormindo ao meu lado, não é a primeira vez que fico te admirando enquanto dorme. De vez em quando você sorri, fico curiosa para saber com o que de tão bom está sonhando, mas acho que vou receber como resposta o resumo do sonho mais louco já existente, os seus sempre foram assim. Pensando bem, acho que estou apaixonada desde aquele dia quando você disse ter sonhado que estava passeando comigo na praia, sendo que eu nunca fui lá e ficamos a tarde inteira fingindo que o riacho perto do limite entre as nossas propriedades era o mar, foi a primeira vez que alguém disse ter sonhado comigo.
Ter letra grande é mesmo uma maldição, escrevi somente quatro parágrafos e já estou quase terminando a frente da segunda folha! Se bem que, até agora, somente enrolei e falei besteiras, acho que não sei me expressar tanto quanto imaginei que conseguiria, mas, agora, juro que darei meu máximo para falar coisas bonitas.
Quero te amar e ser amada por você até estarmos bem velinhas, como seus avós, lembra? Eu sempre disse que queria viver bastante para aproveitar com meu marido, mesmo que você não se pareça nada com meu namorado dos sonhos naquela época, afinal nunca quis um, somente queria sentir amor por alguém. Gostaria de estar ao seu lado em todos os momentos, somos novas ainda, temos muitas coisas para viver ainda, quero experimentar tudo com você. Sabe o quanto odeio seu noivo e seus pais por isso? Nunca poderemos aproveitar tudo isso juntas por causa deles. Talvez ódio seja uma palavra errada, me perdoe, mas não gosto deles.
Não é a mais bela carta de amor já escrita, sinto muito por isso, mas meus sentimentos são os mais puros que um ser humano pode sentir, amo-te tanto que seria capaz de fugir agora mesmo para qualquer lugar do mundo desde que fosse contigo, somente cheguei a conclusão de que não sei demonstrar isso. Ainda assim, eu te amo muito.
Com amor,
Cho Haseul."
— O que está fazendo acordada? — Kahei perguntou baixinho, no entanto, me assustei de forma que derrubei o restinho de tinha em cima do meu pijama. — Oh, me desculpe, não quis assustá-la. — Respondeu se sentando, começando a ajudar com os papéis.
— Não parece mais sonolenta, acordou faz muito tempo?
— Um pouco. A luz da vela iluminou bastante meu rosto. — Ela respondeu meio sem jeito e se sentou. — Que horas são? Não estou conseguindo ver o relógio daqui.
— Três da manhã. Eu acho. — Também não estava enxergando bem, a vela não iluminava muito aquele cantinho do quarto.
Ela balançou a cabeça como se tivesse entendido e deitou novamente, imagino que querendo voltar a dormir. Peguei a carta e comecei a ler, ficando subitamente com vergonha de ter ficado mil vezes pior do que imaginei. Já estava planejando rasgá-la quando Kahei pegou os papéis da minha mão e rolou até a beira da cama, saindo dela para que eu não pudesse alcançá-la, coisa que eu não tentei, afinal, tumulto era algo que não podia nem pensar em fazer.
— Isso vai ser tão arriscado, mas vamos.
Kahei colocou os papéis da carta dentro de uma gaveta na penteadeira e abriu o guarda-roupa ao seu lado, começando a tirar alguns vestidos. Reconheci apenas dois brancos, aparentemente leves como os que usava para me visitar durante o verão. Eu não estava entendendo nada, mas ela continuou a tirar mais três roupas e comecou a dobrá-las, até tirar um pano lá do fundo, finalmente compreendi o que ela estava querendo dizer: nós vamos fugir.
— Acho que você está louca! — Falei saindo da cama, indo até ela. — Não podemos fugir sem um plano, é extremamente arriscado!
— Podemos pedir ajuda para a sra. Elise, lembro uma vez que ela contou sobre uma casa onde morou e agora só vai até lá para matar a saudade, algo assim. — Era verdade, a casa fica um pouco afastada da rua que conectava essa cidade com o campo, em uma aldeia, ela contou isso esses dias. — Vai ficar tudo bem. Vemos como arranjar comida e água, talvez possamos trabalhar para alguma família que não saiba quem nós somos.
— Eu quero muito ir, Kahei, mas é extremamente perigoso e...
— Tão extremamente perigoso quanto era abrirem a porta da biblioteca no baile? Tanto quanto foi perigoso nossos beijos apressados durante a tarde quando achamos que ninguém estava vendo?
Minha mente só percebeu o quão errado isso estava destinado a dar muito depois que já estávamos batendo na porta da casa de Elise, segurando trouxas com roupa e tremendo pelo frio e medo. Ela aceitou, nos levou até lá e ainda nos emprestou roupas simples, como as que usava no trabalho, e também chapéus para tapar um pouco do rosto quando estivesse mais claro. O caminho foi tão calmo que deveríamos ter suspeitado de algo, chegamos na cidade com o sol já clareando um pouco e certo movimento de senhores que nem ao menos notaram nossa presença, pareciamos empregadas, o que na visão deles era sinônimo de pessoas que não deveriam ter atenção.
O caminho seguiu reto toda a vida, somente com umas diferenças de caminho que ignoramos para continuar na mesma direção, até uma bifurcação finalmente aparecer, seguimos pelo caminho direito e depois de bastante tempo uma vila, bem pequena e com as casas muito afastadas, apareceu. Era exatamente ali, uma casinha perto da entrada para a floresta com a tinta já gasta, longe de quase todas as outras, impossível de encontrar sem prestar muita atenção.
Elise conversou com uma amiga, dona de uma plantação, perguntando se ela poderia nos ajudar, dizendo que éramos garotas que ela encontrou na parte mais pobre da cidade, precisando de comida e emprego. Assumo que me senti mal por precisar sustentar essa mentira, mas não arrependida de estar ali, até alguns dias depois, quando o dia do casamento de Hei já tinha passado.
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