O sangue da rosa mística, colhida cedo demais.
Excerto do livro Bird: um caso de amor americano (Uma biografia não autorizada)
Mitch Miller, 2007.
Editora Spell, NY.
Capítulo IV: Enterrada viva.
Juliet, talvez, tenha sido o caso de amor mais profundo de todo adolescente americano da última década ao surgir com sua saia xadrez e seus sapatos bicolores em um verão suntuoso e televisionado dos anos 50, em O Diário Secreto de Brianna Brown. No seriado noturno lançado em 2005, Juliet encarnava a universitária curiosa que investigava crimes na cidade fictícia de Hillsbury, conduzindo os episódios com um charme sublime.
Os rostos marcados de acne e os corpos travando batalhas hormonais por espaço indevido compunham um sonho febril que serpenteava pelos corredores abafados das escolas secundárias com fotos de Juliet coladas em armários, pendurada em seus sonhos. O ar, saturado de suor, frustração e a melancolia da juventude desperdiçada, era o cenário onde garotos esperavam, ansiosos, pelos episódios noturnos que acompanhavam as investigações da destemida Brianna — talvez a Buffy de sua geração.
Essa conclusão não vem do entusiasmo deste escritor que vos fala, mas da consagração dos gloriosos 53 pontos de audiência registrados na noite em que Brianna, em meio a uma investigação eletrizante, é deliberadamente atacada por uma criatura monstruosa, que lhe arranca metade das roupas dentro de uma piscina de gosma amarelada. Forçada a rastejar, ela aparece vestindo apenas lingerie vintage — um sutiã de estilo retrô "ressexualizado" por Madonna nos anos 80 e as icônicas hot pants. O close de sua bunda, naquela cena, tornou-se lendário, gerando uma onda de e-mails frenéticos enviados e reenviados entre adolescentes por um mês inteiro.
Juliet já havia demonstrado seu talento no terror destinado a virar clássico, interpretando Melinda Dantès no longa Nocturna. Com seu longo cabelo loiro de uma Rapunzel endiabrada, coberta de sangue, trajando um vestido de baile e botas de caubói, ela empunhava uma Remington 870 carregada, seguida pela icônica serra elétrica, enquanto aniquilava seus colegas de classe — ou suas réplicas malignas. A presença de Bird na tela era hipnótica, como um desses raros achados da indústria que aparecem de tempos em tempos. Sua atuação foi aclamada, mesmo em um gênero abertamente depreciado pelos críticos de cinema, que frequentemente desprezam o terror por sua exploração deliberadamente pretensiosa do medo humano. Ainda assim, a performance excepcional de Bird foi destacada como o ponto alto do longa-metragem dirigido por David Trilling.
Bird se tornou o belo espinho perfurando as costelas rígidas da indústria, sendo coroada como a nova princesinha do terror slasher. No Dia das Bruxas daquele ano, celebridades apareceram fantasiadas de Melinda em festas milionárias de Halloween, colegiais tingiram os cabelos e se banharam em sangue falso, manchando vestidos de cetim branco como a protagonista de Nocturna.
Bird atraiu multidões ansiosas de rapazes entusiasmados, alimentando as fantasias naturais da idade. Seu brilho chamou a atenção da The Archer Pictures, que a enxergou como o novo diamante bruto no monopólio dos herdeiros Parker. Delicada, linda, dócil, com modos clássicos e quase condescendentes de tão elegantes, Bird exalava um ar virginal que parecia atiçar as mentes malévolas de indivíduos de origem masculina — a bênção de um sonho fálico. Inspirava mistério e um tipo viciante de doçura; em outras palavras, era a intocável nova estrela das mulheres e o sonho molhado dos homens americanos.
Juliet parecia o antídoto perfeito para a era digital, em que corpos eram devorados e substituídos em sextapes propositalmente vazadas e em programas familiares de qualidade duvidosa, com a mesma facilidade de se buscar pornografia barata na internet.
Os homens de Hollywood estavam ansiosos para colocar suas mãos imundas e grosseiras no pássaro raro. Cada letra daquela palavra favorita, que remetia à pureza, dançava em suas bocas sujas. E, como sempre, eles estavam lá, com suas intenções ácidas e suas gaiolas.
Por muito tempo, Juliet parecia ser apenas ela mesma: risonha, ruidosa, terna e doce. Decerto meio menina, o que justificaria sua ausência da vida adolescente, abandonada às pressas no ímpeto de vestir a casca adulta, após a fuga de casa aos dezessete anos. Telefonou para os pais algumas vezes, pedindo que não a procurassem: estava viva, bem, e por ali ficaria. Os pais, aflitos, acataram, odiando a ideia da filha contrariada. Mas quem falava já não era a filha mais velha do casal de estrangeiros que vivia em Roseville desde o fim da década de 70: aquela já estava morta.
A garota que habitava seu corpo antes da estrela nascer foi enterrada viva, engolindo terra de cemitério antes de desaparecer para todo o sempre. Seis verões antes de sua morte, ainda fazia parte do clube de teatro do Saint Mary's High School, ainda frequentava religiosamente a pequena paróquia local todos os domingos e tinha problemas de autoestima. Não se sabe ao certo o que motivou a fuga de Bird — o ódio a si mesma, o trauma, a ânsia pelo êxodo do lugar que tinha fama de amaldiçoado.
A pequena Roseville estava sendo comida por uma praga de chumbo no solo, economicamente quebrada, tentava sobreviver com o turismo de veraneio e alguns anos depois, vendiam a imagem de cidade de origem da estrela de cinema.
É difícil mensurar o que Hollywood expurgou da doce menina Bird. Como toda boa garota crescida em uma pequena cidade, nos confins de lugar nenhum, distante das facilidades do mundo moderno, onde o poder tecnológico permite o devaneio para além da caixa quadrada ocupando espaço na sala, Bird sonhava acordada com a ideia de estar no cinema, em algum grau de importância que a diferenciasse do restante das criaturas daquela cidade fantasma, cemitério de vivos. Bird conseguiu o feito raro de entrar para a elite do cinema em pouco tempo, mas o que ela sacrificou em nome disso ficou oculto, pelo menos, por um tempo.
Os procedimentos de choque de Hollywood começam antes mesmo das disfuncionais ideias de correção corporal e eliminação de atributos disformes, características humanas, alcançáveis. O tirânico senso de normalidade é quase criminoso. A padronização começa pelo emocional. Os executivos iniciam os procedimentos sugando a vitalidade de qualquer sonho antes mesmo que ele alcance o status quo da realização. Quando atores ou atrizes atingem o patamar do estrelato, são apenas metade de si mesmos: uma grande parte foi sugada e deliberadamente removida de seus corpos para dar espaço às desproporcionais funções do estrelato. O tecido lamê que recobre a fama se desdobra nos jovens artistas, os enrosca e, então, lentamente, os sufoca.
Juliet Bird, tão enigmática quanto o próprio nome. Homônimo da protagonista morta da tragédia shakespeariana, sobrenome de criatura que anseia liberdade, parece ingênua demais para a indústria em que se meteu. E se Juliet tivesse asas? Seria livre para voar ou aprisionada pela raridade de sua natureza alada, exibida como a mulher-anjo em um show de horrores? A Hollywood-serpente engoliria Bird, apenas para regurgitá-la morna e diluída, menos de uma década após seu primeiro voo.
Os infernos, céus e purgatórios de uma Julieta que, ao contrário de seu Romeu suicida, não abandonou a forma humana nem seguiu a luz até as estrelas. Ficou presa à Terra, sem asas, condenada pelo castigo e infortúnio das almas, destinada a Páris, o consorte enfadonho escolhido por seu pai.
E para Bird, restou o herdeiro problemático James Parker, de quem está noiva. Pergunto-me quantas vezes eles são obrigados a treinar beijos sem química, forçando-se a parecer publicamente um casal, enquanto Bird luta contra o impulso de vomitar suas refeições do dia ao tocar o candidato ao Senado, que visivelmente lhe provoca asco.
Teria Bird se vendido ao sistema de Hollywood em busca de fama ou sido enredada pela trama covarde das cláusulas contratuais que lhe ofereciam um problema disfarçado de noivo nas entrelinhas? Para isso, é preciso invocar um senso de humanidade sobre as estrelas. Juliet poderia ter dito não, mas o que teria perdido com a negativa ao contratante? A garota dentro dela ainda existe para reaver seu lugar?
Se seus instintos fossem realmente bons, não precisaria lutar contra a personagem que havia criado.
Não há mais pulso, a garota não volta.
A espada rompe o caule, e o sangue da rosa mística, colhida cedo demais, escorre pelo fio prateado, tingindo os dedos do algoz. A rosa que não deveria murchar, mas o peso de mãos impacientes ceifou-lhe o fôlego antes do tempo. Então, exibia-se a bela colheita ao público, amada somente depois de morta.
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É OFICIAL: O PRIMEIRO CAPÍTULO DO VOLUME II!
Oi, pessoal! Como estão? Espero que todos estejam bem. Eu estava morrendo de saudades de vocês!
Como vocês sabem, o primeiro volume de Badlands foi lançado em pré-venda no dia 5 de dezembro. Não imaginem a minha felicidade em ver meu livrinho ganhando o mundo! Mas também queria lembrar que, apesar do lançamento, não estou deixando o Wattpad. Badlands será, sim, finalizada por aqui. Tenho muito orgulho de escrever minhas fanfics e de ter construído minha base de leitores no Wattpad, além de ter conhecido tantas pessoas incríveis que sempre me dão apoio!
Além disso, seria muito importante se vocês pudessem apoiar o lançamento físico de Badlands. Isso ajuda a literatura nacional a ganhar mais espaço, apoia o meu trabalho e também abre portas para que outras histórias possam se tornar livrinhos cheirosos!
Este é um pré-capítulo especial, mas no dia 12 de janeiro teremos o capítulo oficial, aquele que vocês estão esperando ansiosamente: a primeira vez dos pombinhos apaixonados!
Então, já marquem nos calendários! Em janeiro, a gente se encontra!
Desejo a todos um feliz Natal e um ótimo Ano Novo. Lembrem-se de que eu amo muito vocês, de verdade.
Com carinho, Sô!
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