Capítulo Vinte (Quando os demônios de Romeu dançaram com os anjos de Julieta)
But I knew you'd linger like a tattoo kiss
I knew you'd haunt all of my what-ifs
The smell of smoke would hang around this long
'Cause I knew everything when I was young
— Cardigan, Taylor Swift
🦋
Roseville, 1996.
Eu conheci nos livros antes de conhecê-lo. Conheci nas cenas proibidas dos filmes cujos canais eram rapidamente trocados ao mínimo entendimento, nas instruções da revista adolescente, nas nuvens sedutoras de minha imaginação e nas páginas de um diário roubado cuja protagonista das entradas não era eu. De alguma forma, ele também já estava lá, presente na linha fantasma do meu pensamento, assombrado e distinto, no subconjunto de um desejo oculto, desconhecido. Nas entrelinhas da fantasia, onde podia imaginar e reimaginar seu beijo em uma ânsia premonitória, quase intuitiva. No pólen oculto das flores misteriosas que desabrochavam no avesso da carne, onde os espinhos perfuravam em agonia aprazível, florindo cenas de tinta na película falsa que havia sido costurada em minhas retinas e onde assistia, em um tecnicolor mental, amarrado às pétalas de rosas nefastas, e assim, imersa nessa teia de ilusões e anseios, eu me entregava ao espetáculo, em busca daquela sensação que enganava o cérebro e retorcia o corpo em tanto deleite, uma quase verdade.
Quando penso naquela noite, tento estabelecer um padrão de acontecimentos em meio ao meu nervosismo juvenil e do borrão sentimental que desvaneceu as cores de algumas memórias, recortes emocionais do tempo, da euforia e da adrenalina que impulsiona o corpo em um êxtase incomum e então, tudo é desterrado em um processo lento e que me devora aos poucos, como se estivesse fora da minha órbita habitual. Ainda sinto o mesmo arrepio correndo o corpo, um frio na espinha dorsal, um tipo muito particular de empolgação e ânsia que se tem aos dezesseis anos; fecho os olhos e sinto os contornos quentes dos seus dedos em minha cintura, levando-o à rendição. Lembro exatamente desse fragmento tardio; o quanto queria, o quanto precisava ser tocada com amor.
Durante o jantar, brincando com uma lata de Pepsi entre os dedos, bebericando uma quantidade generalizada de açúcar na composição da bebida que me lembrava a curiosidade inútil que o rapaz que recarregava as máquinas da conveniência Kim havia compartilhado comigo e Taehyung de maneira orgulhosa em uma tarde qualquer no início daquele mesmo verão.
"Vocês sabem por que a Pepsi se chama Pepsi?"
Taehyung e eu ficamos em silêncio, observando a movimentação mecânica do enfia-e-puxa da máquina aberta do rapaz com um boné de algum time da liga secundária de baseball.
"O nome vem de dispepsia, um termo médico para a papila digestiva, a ideia do cara, você sabe, o Brad, era que a Pepsi ajudasse na digestão, daora, não é?"
"Legal!", Taehyung respondeu, educadamente. O rapaz parecia ter obtido a informação mais valiosa e significativa de sua vida e compartilhava como um tesouro de interesse coletivo a ser repassado, mas não havia uma única vez em que eu visse essa mesma bebida gaseificada e danosa sem que me lembrasse quase imediatamente de sua felicidade em compartilhar a informação obtida mesmo anos depois.
Tomo um gole de Pepsi neste momento, enquanto escrevo essas páginas e retomo o gosto da noite; ouvindo papai me repreender enquanto cruzava as pernas em sua poltrona diante da TV: "esse açúcar todo vai arruinar o seu apetite, má petite!"
Uma dança coreografada induzida pelo açúcar puxa o fio da memória, uma sequência de ações naturais após o jantar que se perderam no percurso, cujo cardápio ainda lembro de maneira clara: um ensopado de carne, legumes frescos e pão de milho que mamãe havia começado a preparar enquanto assistia ao noticiário da CBS, acompanhando a destruição que atingia a costa leste do estado, mas que em algumas horas chegaria até Cotton-Cape. É engraçado que tenha memorizado estes pequenos detalhes como souvenirs; o gosto daquele jantar apático, a sobremesa com calda de pêssego manchando a camiseta recém-vestida, a preocupação de mamãe que ia dos desabrigados ao roseiral no jardim que seria arruinado pelas premissas de vento e a monção atravessando o estado, e até mesmo a empolgação privilegiada de Theodore, por imaginar o acontecimento como uma aventura atípica, querendo enfiar-se com tudo que conseguia dentro de sua teepee.
Como naquela noite, que enfiou em sua tenda de mentirinha todas as bobagens disponíveis na cozinha.
— Nem pense em tocar nesse bolo! — disse, assim que seus olhos se acenderam com esperança ao ver o chantilly decorando delicadamente os contornos da massa gelada de um bolo escondido nos fundos da geladeira. Seus imensos olhos verdes se encheram de lágrimas como torneiras de pressão automática.
— Preparou um bolo e seu irmão não pode comê-lo, por quê? — Queria ter mentido melhor, usado meus dons de atuação que despontavam desde cedo para justificar a atitude.
— Padre Stane que me pediu para prepará-lo, mãe. Não é nosso. — A superavaliação dela era de quem lia as mentiras e vasculhava as verdades pouco ou nada escondidas, outras peças de um quebra-cabeças que ela vinha montando há algum tempo, silenciosamente, e até o fim da manhã seguinte teria uma resolução exata. — Mas também não sei do que se trata, ou para quem é. — A motivação tinha nome e um aniversário marcado em meu calendário; teria dezessete anos na manhã seguinte. No primeiro dia de Setembro. No dia marcado para a vinda do furacão que prometia destruir um condado e indicava o fim dos nossos dias terrenos, segundo os gentis missionários mórmons com suas camisas de botão e gravatas em tons de bege, entregando seus folhetos sobre família e Jesus de porta em porta. De certo modo, um velho mundo iria a ruína em algumas horas, um novo emergirá no instante seguinte, em êxtase incomum, assim como a velha menina morta que partirá com ele.
Havia feito o bolo apenas como uma maneira de agradecê-lo pelo que havia feito no dia do meu aniversário, além disso, havia comprado um presente com ajuda de Taylor, sem nunca, nem mesmo em um sonho, deixá-la saber para quem era. Embora a laboriosa procura pelo papel de presente ideal, a técnica delicada para o laçarote perfeito e o cartão perfumado tenham sido mais óbvios do que o amor declarado em voz alta.
Amor. Uma minúscula e sombria palavra para mim.
— Qual o nome dele? — Ela parou diante da mesa de jantar da velha casa, descalça, observando a minha impaciência ao relutar com uma patética fita que se desmontava com a falta de prática. Usava um maiô cor-de-rosa e brincos de macramê azuis.
— Dele quem?
— O dono desse presente, é claro. — Tomou um gole de Hennessy antes de observar outra vez o que havia escolhido. — Escolheu um livro de poemas filosóficos, então é um rapaz que gosta muito de leitura, no mínimo. Já posso eliminar metade desses caipiras burros de Roseville. — estendeu um brinde para o alto — Espere, não é um cara mais velho, é?! Nem pense em entrar nessa roubada! Você nunca sequer... — A regurgitação mental fez Taylor se calar quase imediatamente. Eu era inexperiente, era o que ela queria dizer em sua falta de sutileza, tinha medo que acabasse deslumbrada por algum rapaz mais velho com alguma promessa barata de amor que terminaria comigo em algum motel vagabundo no arredores de Rhiannon. Pelo menos, com base em sua própria experiência e na paródia romântica que lhe foi apresentada pelo inominável H.
— É só um amigo. — eu disse. As sobrancelhas de Taylor se ergueram, o ar de riso foi disfarçado por um gole generoso em seu copo. — Só isso.
— Um amigo. Certo. Bom, o aniversário do Taehyung é somente em Dezembro, então acho que podemos descartá-lo dessa lista — Ouvi sua risada, mas evitei qualquer contato visual que permitisse uma percepção melhor dos meus sentimentos, não havia dito sobre o afastamento de Taehyung para ninguém, nem mesmo para ela, não saberia explicar a motivação sem passear pela razão, que dançava pela linha tênue da verdade, colidindo com a motivação que nomeava o cartão brilhante de aniversário e o dono do presente escolhido com tanta cautela — Essa cidade é pequena demais para uma verdade se esconder por muito tempo, o Pinks fica cheio em qualquer festinha adolescente das redondezas e vou descobrir quem é o destinatário desse cartão perfumado... — Seus olhos passearam pelo bilhete que havia sido reescrito, pelo menos, 15 vezes antes que a palma de minha mão tivesse tempo de cobri-lo por completo — ... Doce Romeu — Ela leu em voz alta, rindo como quem dá risadinhas para um bebê dando seus primeiros passos.
— Vocês já se beijaram? — Taylor encarou meu reflexo congelado no espelho do seu minibar. Fiz que não com a cabeça. Tentei disfarçar meu constrangimento cortando tiras ainda menores de fita adesiva e prendendo-as na borda da mesa. Protegia minha verdade com uma faceta sistemática de tédio, mas Taylor sabia, sem dúvida alguma, sobre o que não ficava tão visível entre uma armadura indistinta de indiferença. — E ele nunca nem tentou? — Seu dedo dançou pela borda do copo mansamente.
— Não. Acho que não somos o tipo de amigos de beijos, somos mais o tipo de amigos que gostam de compartilhar coisas. — A ideia já tinha passado pela minha mente inúmeras vezes, tinha revisitado aquela fantasia até estar familiarizada com as entranhas da sua natureza, uma, especificamente, parecia ser a minha favorita.
— Beijar é compartilhar alguma coisa também — Ela disse, tocando a ponta de meu laço. Tinha uma inocente ideia de que não sobreviveria ao toque dos lábios dele, pensava que seria submetida a duas situações específicas: uma convulsão de felicidade que me levaria a morte instantânea ou meu corpo entraria em um colapso, cedendo a outras vontades e enveredando em sua neblina azulada, como parecia ser o tipo de poder que ele possuía na ponta de sua língua; estes atalhos para o pecado e outros desatinos que vislumbrava no olho mágico de sua pele, pequenas frações de profanação — Uma coisa bem gostosa, sabia?
Taylor riu, batendo o ombro contra o meu de forma cúmplice, mas quando permaneci em silêncio, não insistiu no assunto.
Rolei os olhos para dentro da cozinha, observando aquele poema ainda preso no refrigerador. Havia lido algo de Khalil Gibran pela primeira vez justamente na casa de Taylor, como um mantra pendurado contra a porta da sua geladeira em uma estética New Age. Parecia uma espécie de oração ou frases de afirmação, e descobri somente depois que se tratava de um livro de poemas intitulado como o "O Profeta", quando encontrei seu nome entre os livros eróticos, os poemas de Anaïs Nin e a edição do Kama Sutra que Taylor mantinha na prateleira baixa ao lado da cama. Havia um tom cânone e quase salomônico nos versos de Gibran, hoje diria que eram místicos, mas naquela época, a mera menção parecia um flerte escancarado com a heresia. Grifei o meu trecho favorito do poema com um lápis de olho Dark Drown Arctic azul que ficava na penteadeira de Taylor junto aos seus outros itens de mulher adulta aos quais eu não tinha acesso e pareciam uma necessidade inerente a uma garota de dezesseis anos. Sempre fiz parecer que não era afetada pelo esconjuro da vaidade com o meu esforço para continuar menina por baixo dos laçarotes coloridos e saias compridas. Era tudo uma grande farsa arquitetada, queria ser exatamente como ela era: notada, reconhecida e bonita.
Pensei em roubar o lápis para mim também, mas já havia pego um batom antes, um que imaginei que Taylor nunca daria falta, isto já era o suficiente.
Reli o poema e repassei mentalmente até decorá-lo. Queria anotar em meu diário assim que chegasse em casa. Uma semana depois, pedi a Taylor que trouxesse o livro de Rhiannon para mim.
Mas naquela noite em questão, os zumbidos já haviam começado depois do pôr do sol, sutis avisos, rotineiros; os galhos se retorcendo em agonia contra os vidros das janelas fechadas do andar de cima, a sombra de uma chuva morna de verão banhando o crepúsculo que não traria calmaria. Enveredando sem relutância pela trilha conhecida de minha rotina. Todavia, os meus pontos seguros de memorização automática se perderam após esses breves acontecimentos cotidianos, como se algo em mim tivesse desguarnecido instantaneamente junto a vinda de uma tempestade tropical que trazia não somente a destruição prosaica e inevitável que se espera de uma catástrofe, contudo, um convite; uma cortesia educada, oferecida, sujeita, tal qual criaturas da noite que se oferecem para entrar nas casas de suas vítimas, e só quando permitidas, pisam no solo sagrado trazendo morte em suas intenções. Às vezes me pergunto se eu mesma conjurei sua presença inconscientemente.
Em três horas a partir dali, Roseville seria engolida pela escuridão. A rede elétrica da região seria desativada por cerca de mais dez horas, e ficaríamos presos em nossas pequenas caixas seguras até segunda ordem. Papai havia saído naquela manhã para comprar luzes emergenciais para tempestades, pilhas para os velhos rádios, velas extras e comida rápida. Théo havia feito um acampamento improvisado com almofadas e uma pequena réplica de tepee que ele havia ganhado do vovô Red no Natal. Pouco tempo nos separava de uma tempestade que rasgaria o mundo real em sua passagem feroz, vitimando o salgueiro que, calmamente, balançava do lado de fora, mas teria seus galhos rompidos em braçadas de vento e contrações violentas do ar, assim como o velho balanço improvisado, feito de pedaços de madeira esquecidas no porão seria posto ao chão na manhã seguinte.
Nenhum sinal naquele último suspiro de um agosto enjoativo indicava algum tipo de desastre além do previsto e mensurado, nada além daqueles silêncios assustadores que antecedem as catástrofes, e quando pensava nisso, minha cabeça mirava Bertha e sua destruição iminente, esperada e estabelecida. Inevitável.
Furacões nunca passam duas vezes pelo mesmo lugar, Joan Didion disse uma vez. Mas hoje percebo que eles transfiguram-se em seus sutis disfarces e orquestram o mesmo impacto destruidor de seus cruéis e ferozes atributos originais. Em formas mais encantatórias, cheias de mansidão, a princípio, entre as fendas de portas e janelas, espirais de vento que balançam as fibras de um coração inocente e bagunçam aquele pequeno mundo. O meu singelo e lírico universo debaixo da tempestade que foi você.
Estávamos no dia 31 de Agosto.
Confiro a data sublinhada com caneta rosa-morango de glitter, os contornos de pingos de chuva caindo de nuvens fantasmas dando um ar quase lúdico para o anúncio de uma tempestade, a anotação está parada ali, em modo espera, aguardando a antiga criaturinha de cabelos longos e louros deitar sobre o chão acarpetado do seu quarto cor-de-rosa e dar continuidade as memórias do dia, a marcha sutil das horas, o arrastar dos minutos no emaranhado das flores, bonecas, bordados e borboletas, entre os outros itens que passaram a ter outro significado até o fim da noite, nobremente cumprindo sua promessa.
Ainda hoje, em nossa casa em Malibu, quando a maresia interpela pelos corredores através da janela e me abraça, aquele cheiro profundo de mar me remete aos nossos acontecimentos; nas noites revoltas, quando a água atravessa a proteção rochosa e avança pelos degraus úmidos da escada de madeira, impregnando a casa de sal, manchas de piche e algas que se enroscam pelas fendas do deque de sequoia da varanda, levando o seu pai a passar os fins de semana seguintes em seu árduo trabalho de removê-las. Ao fim de cada verão essa noite retorna, me atormenta e me alivia como um subproduto da saudade, uma maneira justa de me manter sã. A janela permanece aberta, em sinal de esperança, um convite aberto ao destino, mas eu sei que dessa vez ele não virá.
Contudo, naquela tarde, trinta anos antes, a televisão havia mostrado o nível da maré pela costa do condado de Cotton-Cape. A movimentação das ondas e do fluxo espumoso, escamado, quebrando na areia como a encantadora dança de imensos dragões japoneses. As embarcações que saíam do porto de Rhiannon pareciam pequenos barquinhos de papel na banheira, vistos do alto, remando de volta aos faróis distantes.
A repórter local já havia repassado o esquema de segurança para desabrigados, o ginásio da St. Mary's High School estaria aberto. Padre Stane havia preparado refeições também, recolhido cobertores, roupas e doações de todo tipo que haviam sido preparadas durante os últimos três meses, pedidos reforçados ao fim de cada missa.
As mansões abandonadas, até então despersonificadas, pareciam pertencer ao mar; sua imponência sendo engolida e retorcida pelo impacto destruidor da água salgada feito uma velha casa de bonecas, enquanto papai repetia para a TV: "somos insignificantes, olhe isto, Vivian... Não somos nada mesmo!", ou qualquer outro dilema reflexivo e niilista do tipo; pequenos, insignificantes, efêmeros e interinos.
Não tinha paciência para a televisão, estava ansiosa pelo marasmo das próximas horas como se aguardasse ser engolida por um terço da terra, afundaria na leitura do diário roubado, investigando cada mínimo detalhe obsessivamente até entender os significados destituídos de sentido.
Fechei as janelas enquanto os clarões explodiam e os relâmpagos iluminavam lá fora. Roseville ainda era mais sombria no escuro, assustadora quando somente silhuetas de árvores e telhados idênticos encaravam de volta para dentro do quarto. No rádio a pilha, uma estação distante, canções ainda tocavam entre os avisos dos cortes elétricos nas regiões mais afastadas. Começando em Cotton Chain, um subúrbio depois dos trilhos, perto do acampamento de trailers, antes dos campos de algodão que eram somente um lamaçal pegajoso àquela altura.
"Em uma hora daremos início as românticas da madrugada, fiquem ligados na K2 KISS.FM, agora são vinte e três horas e trinta minutos..." Disse o locutor.
Acendi as velas ao redor do altar improvisado, na mesa de cabeceira, em minha penteadeira e algumas sobre a mesa de estudos antes de pegar o diário roubado, escondido entre as pelúcias na poltrona ao lado da cama para retomar a leitura.
Havia parado em alguma memória de agosto passado, antes de sua ida ao reformatório e das páginas finais permanecerem em branco. As anteriores contavam, sem poupar detalhes, o que ele e Sharon Marie haviam feito durante o tempo livre do verão anterior, uma outra versão para a história que havia escutado no vestiário no início do semestre, antes de sua volta. Tudo sobre mãos, dedos, bocas, beijos e línguas em um árduo trabalho um no outro. Também me sentia ridícula por isso. Nunca havia sido sequer beijada enquanto as garotas da minha idade contavam suas experiências sexuais com uma maturidade incomum. Era como uma espécie de segredo compartilhado, uma sociedade secreta dos não-virgens, com seus mistérios, conhecimentos e teorias conspiratórias, enquanto um seleto grupo — do qual eu ainda fazia parte — permanecia do lado de fora, esperando uma nova rodada de membros.
Estava enciumada por ler o que Jungkook havia feito com Sharon, canalizando toda a minha energia em algum tipo de super análise de tudo que havia sido feito tentando imaginar mais do que devia, do que poderia significar, mas queria saber dos detalhes, devorar aquelas páginas até estar anexada àquela memória. Ler o diário de alguém era como estar dentro dele; e eu engolia suas banalidades diárias como pílulas de sobrevivência. A monotonia de um dia de trabalho, as rasuras de poesia no meio de rabiscos de desistência, comentários ácidos sobre o sr. Min e seu comportamento autoritário de suposto tio, uma análise exagerada do irmão mais velho e seus problemas com o álcool ou até mesmo a programação noturna da MTV em uma sexta-feira qualquer. Tudo era base de interesse e material de estudo. Era seu mundo e as premissas dele.
Se Jungkook soubesse ao menos o tipo de esquisitice que vinha fazendo jamais trocaria uma palavra sequer comigo. A culpa me atravessava constantemente, contudo, a curiosidade parecia me engolir, e era obrigada a ceder.
Reabro a página e retomo a leitura de onde havia parado.
ENTRADA DE DIÁRIO DE J. JUNGKOOK
AGOSTO DE 1995
ROSEVILLE, FLÓRIDA
🖋️
11 de Agosto de 1995
A sra. Blossom quase nunca estava em casa durante o dia, então ao final de cada tarde, Sharon telefonava para a oficina e me avisava se deveria aparecer ou não. Tanner diz que faço cara de quem vai "trepar logo mais" sempre que ela está sussurrando ao telefone, antecipando suas risadinhas tímidas que significam: venha me ver. Tanner é só um panaca virgem, mas talvez eu pareça terrivelmente afetado quando penso em Sharon e quando lembro das coisas que costumamos fazer quando estamos juntos. Tudo com ela é gostoso e viciante, como o licor de gengibre roubado do armário de bebidas do seu pai morto, quando tomamos goles generosos ainda no gargalo até ficarmos tontos e preenchemos o restante com chá de maçã para que sua mãe não desconfie.
Olá do inferno, Sr. Blossom! Estou tomando suas bebidas importadas francesas, trepando com sua filha e um mando grande foda-se para você!
Gosto dos beijos molhados dela, de suas nuances de mulher adulta, do tempo a sós em seu quarto. Às vezes deitamos no minúsculo espaço de sua cama lotada de ursos de pelúcia, que me encaram como um odioso algoz pronto para dissuadi-la, deflorá-la, enquanto fumamos um pouco daquela erva vagabunda que Tommy Diamba ainda vende e observamos as fitas penduradas em seu ventilador de teto rodopiando feito bailarinas celestiais.
Vistas daquele jeito, sobrevoando nossas cabeças na tentativa de apaziguar um calor perturbador e implacável, eram quase mágicas.
Sharon costuma tirar as minúsculas calcinhas por baixo do vestido e enfiá-la no bolso traseiro de minha calça, mantendo uma coleção privada deles no fundo de uma gaveta em meu quarto.
Gostava de tudo sobre Sharon. O formato de sua boca, seus olhos felinos, escuros e melancólicos , a coloração rosada de sua pele sempre que me deixava tocá-la. Um traço venoso que acompanhava a linha dos meus dedos desbravando seu corpo junto ao calor inocente de suas bochechas, pescoço, lábios e na imensidão dos cabelos longos e escuros feito as asas de um pássaro preto, assim como a resposta instintiva de seus pelos eriçados, desafiando a gravidade, sempre que me aproximava um pouco mais. Às vezes penso nisso no banho, enquanto deixo minha mão trabalhar e minha mente vaga até ela.
Sharon também ficava molhada com facilidade por baixo de um vestidinho de verão tentadoramente fino que escondia muito pouco de sua silhueta precoce, mas essa imensidão úmida só era perceptível quando uma outra parte do seu corpo me engolia. Observava os músculos trabalhando, incansáveis; a parte interna de suas coxas delgadas, os lábios doces abrindo e fechando como se antecipassem minha vinda. Um túnel secreto de minha cidade fantasma. Eu a via inteira, macia, pronta para me devorar tamanha era sua fome. Tão despudoradamente bonita que o efeito de sua presença mortal era capaz de me corroer por dentro em uma entrega voluntária e necessitada, estava pronto para ser um sacrifício em sua ode, mergulhado em uma descida ininterrupta e frenética, e por fim, tragado na queda.
O seu batom vermelho derretia em minha pele; sua boca estava timbrada em meu pescoço, o sinete de minha carta endereçada aos céus, e o rio vermelho de amor escorrendo no desfiladeiro de seu queixo feito o Grand Canyon abrigado em seu corpo conspirava para que eu continuasse a olhá-la, como se minha rota traçada fosse um caminho marcado para me levar de volta aos primeiros lábios.
Seus seios, lindos para caralho, cônicos, firmes, quase perfuravam o tecido do vestido, e ela quase nunca usa nada por baixo dele, deixando que minha mão dançasse dentro de sua roupa sem pudor, seu corpo é uma extensão do meu, e gosto de despi-la por completo. Uma surpresa em cada pequena parte descoberta, uma fruta doce por baixo da casca novinha em folha. E delicadamente enfiava meus dedos dentro dela, a minha parte favorita de nosso repertório litúrgico.
Amém. Para sempre, amém.
Sharon perguntava como havia aprendido aquelas coisas que costumava fazer com ela, deduziu que talvez eu tivesse perdido o pudor cedo demais.
"Achei que era catequizado e crismado, quase foi criado por um padre ou alguma merda assim. Você mora nos fundos da igreja... Parece um pecado maior fazer essas coisas, não acha?" Ela disse uma vez.
Eu ri, antes de tocar a língua ao redor do seu umbigo. Ela se esquivou mansamente.
"Mas o diabo não era um anjo, afinal? E também morou no céu?!"
Seus olhos se abriram, surpresos.
"Não diga essas coisas, Jungkook!"
O tapinha em meu ombro me instigou a puxar a base de seu vestido para fora do corpo junto as suas coxas.
Posso ouvir a voz dela enquanto escrevo essas palavras. Sua voz escondida na timidez do prazer, seu sotaque do oeste, seus ares modernos de menina californiana que revira os olhos quando goza, morde a boca pintada de vermelho e ri como as estrelas de filmes preto e branco, eu nunca tinha visto nada assim diante dos olhos, nenhuma dessas coisas que só existem em fantasias elaboradas que me enroscam de mansinho, quando seus tentáculos me pegam entre os dedos, mãos, pernas e braços e estou rendido; a dama do desejo me retém em sua teia e me fará dançar.
Acho que a Califórnia é só uma invenção, como dizem as teorias conspiratórias, e Sharon um ardil hollywoodiano e cinematográfico, para fazer garotos como eu esperançosos, atordoados e adictos em seu corpo que abriga o estado dourado para fazer de nós falsos deuses de terras imaginárias; a serra Nevada contornando sua espinha dorsal, cruzando seus desertos quentes e os canyons Red Rock entre os adoráveis seios, então vejo as montanhas de Yosemite, sob a poeira de resíduos cósmicos que embaça a vista na rota 66 e guio-me em seus ossos ilíacos, cálidos, seguros e na estrutura firme da Golden Gate, mirando o Pacífico para encontrar a origem de suas fontes aquosas, o meu abalroamento é chocar-se contra o seu coração, e encontro o terço abissal do seu oceano onde estou pronto para mergulhar.
Suas coxas coroam-me a cabeça, sua mão é a espada que me abençoa, e meus olhos reviram para o norte. Longe de sua origem, direcionado ao seu paraíso. Sou seu fiel escudeiro na vigília dos justos quando seu corpo se move como as dobraduras de um origami, curvado como palavras em itálico, para cima e para baixo, dobrando e dobrando; seu canto de sereia ecoa. Eu gosto de quando seu prazer é feito de fonemas congruentes que soam como meu nome. "Jungkook." Ela diz baixinho. "Continue..." E então, de novo. Seu gozo tem gosto doce e azedo, residual como o sabor de açúcar decantado em limonada americana. Bebo até o último gole.
O rosto de Jesus pendurado em um quadro na parede me observa com algum tipo de compreensão silenciosa, meus pecados expostos em carne viva como rasgos na pele são vistos microscopicamente, mas não sinto culpa, remorso ou penso sobre o meu verão de impiedade. Meus atos de penitência serão póstumos, ofereci algum crédito de pecados pagos em dobro ainda em vida. Obrigado.
"Posso fazer aquela coisa em você?"
Ela perguntou.
"Sabe, aquela coisa com a boca que você tanto gosta."
Sharon ainda tinha vergonha de falar a palavra boquete. Usava sempre as expressões "beijar você lá" ou "fazer aquela coisa com a boca", que sempre me remeteram a sua ingenuidade.
A palavra por si só não era das melhores.
Sou jovem demais para saber quais as reais necessidades de uma vida feliz, mas gostava de deitar ali e sentir o cabelo negro de Sharon cobrindo minhas coxas quando despencavam para baixo, a quentura de sua boca apaixonada envolvendo meu corpo, e posso fingir que tudo que precisava estava delimitado às quatro paredes de seu quarto cor-de-rosa, entre o seu espelho Miss América com luzes adaptáveis de palco onde ela para e analisa a si mesma obsessivamente. É tudo perfeito, mas ainda assim, ela verifica se tudo ainda está lá cada vez que seu olhar cruza com o reflexo insatisfeito, seus prêmios brilhantes enfeitando as prateleiras e o rosto dos ídolos de cinema que ela tanto gosta.
Encaro Presley em um pôster colado ao teto, uma melodia percorre meu corpo como um arrepio.
As letras de Right Down The Line dançam em minhas pálpebras enquanto a música toca no rádio. Gosto demais da sua boca, Sharon Marie. Gosto de te beijar. Gosto quando você me chupa. Gosto de quando você me chupa e estou chapado desse jeito. Gosto de tirar poesia do seu corpo e gosto de quando você mergulha dentro da minha cabeça.
Put something better inside of me, you brought me into the light, threw away all those crazy dreams, I put them all behind...
Em breve estarei em um reformatório para garotos condenados assim como eu, e penso sempre que estou levando Sharon ao inferno comigo, sou miserável e egoísta por querer um recorte de felicidade às custas de seu sentimento. Quando penso no verão, um emaranhado de imagens se fundem contra os meus olhos: os dias vaporosos e cansativos de suor e trabalho, o bafo alcoólico do Sr. Kent nas manhãs de segunda, Yoongi chacoalhando a porta do meu quarto aos domingos, algumas garotas beijadas atrás da igreja, depois da missa, com suas becas bonitinhas do coral erguidas para mim, anotações transcritas neste velho diário, medicações para o sono, aquela garota dos Chalamet que cuida das flores de Stane, as canções no rádio, meus pesadelos, o rosto de eomeoni.
Há um mês, estava diante de um juiz do Estado da Flórida, usando meu terno bege e gravata cinza que padre Stane havia me presenteado para a minha crisma, ouvindo minha sentença enquanto o advogado contratado por tio Min suava como um porco ao meu lado. Estava sendo acusado por agressão, invasão de propriedade e outros crimes que não fazem a porra de sentido algum!
Tanner esteve no reformatório alguns anos antes de mim, um muito pior, pelo que soube. Ele não gostava de falar sobre o assunto, então evitava as perguntas. Mas era uma verdade conhecida, um fato entre todos nessa merdinha de cidade; uma parte dele havia morrido dentro daquelas paredes.
Às vezes queria ser como os garotos da minha idade com suas preocupações banais ou até mesmo a falta delas, ser um filhinho de papai mimado com direito a dias de jogos de tênis no clube local, com uma mãe que prepara panquecas com cobertura quente todas as manhãs e me enche de beijos, com um boletim de notas azuis, cedendo ao sistema, me alinhando a verdade e ao sonho americano como todo bom cidadão desta terra espera. Se não estivesse tão ocupado tentando manter as minhas partes quebradas ainda de pé, relutando para manter meus pedaços juntos enquanto sobrevivo, tentaria ser alguém um pouco melhor.
Eomeoni me disse uma vez que algumas pessoas estão condenadas à tristeza, e é por isso que a poesia existe. Para que a voz dos quebrados, como eu, abandone o silêncio dos semimortos e seja ouvida.
Ainda tenho muito a aprender neste caminho e penso muito sobre o meu estilo. Sou um pouco egoísta e invejoso como Hemingway, ferino e selvagem como Wilde, suicida como Sexton, cru como Chi-ha, suave como Salomão, melodramático como Morrissey e, solitário, como Jungkook...
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Escutei os passos de papai atravessando o corredor, pela contagem de suas passadas, Theo havia cochilado dentro de sua teepee e papai estava trazendo-o para a cama. Enfiei o diário debaixo do travesseiro e contei as pegadas: uma, duas, três, quatro, cinco e meia. A porta do meu quarto foi aberta.
— Má petite? — Sua voz macia ecoou pelo espaço. — Está tudo bem por aqui? Se estiver com medo de ficar sozinha, pode colocar um saco de dormir ao lado da nossa cama hoje.
— Tô bem, papai. Já tava me preparando para dormir. — Ele caminhou para dentro, verificando o espaço como costumava fazer todas as noites.
— Fechou bem as janelas? Eu deveria ter comprado protetores para selar as janelas desse andar, acabei me esquecendo disso... — Um clarão iluminou o quarto, por entre as cortinas finas que recobriam os vidros. As luzes se apagaram e Roseville mergulhou na escuridão. Um trovão ruidoso rasgou o céu como milhares de tijolos vermelhos arremessados do alto, despencando sobre nossas cabeças.
— Tem certeza que não precisa de companhia? Theo irá dormir conosco hoje. — A proposta era tentadora, ter pelo menos companhia para dormir faria com que me sentisse menos apavorada com a ideia de destruição na manhã seguinte, mas queria continuar a leitura do diário e contava com isso.
— Vou ficar bem, não quero que se preocupe. — disse, antes de vê-lo ajustar as velas em mais espaços pelo quarto. — Acenda mais algumas, Petite, e se precisar de qualquer coisa, me chame antes de descer as escadas sozinha.
— Tá bem, papai. Durma bem.
Ele olhou uma última vez por cima da armação grossa dos seus óculos, curvando a cabeça para me dar um beijo doce de boa noite.
— Durma bem, Má Petite.
A porta fechou outra vez, com delicadeza.
Colei o rosto contra o vidro da janela lateral, observando as gotas de chuva em uma aposta injusta, dançando e escorrendo apressadamente para baixo. O salgueiro balançava contra a janela oposta, seus galhos ricocheteando com força contra o vidro a ponto de rompê-lo. Tum, tum, tum. Me enfiei entre as cobertas e pensei sobre a possibilidade de reler as anotações do diário, algumas partes me causavam uma sensação estranha abaixo do umbigo, algum tipo de formigamento quente e esquisito entre as coxas, e sempre que conseguia imaginá-las, um arrepio gostoso corria o corpo inteiro. Podia imaginar a voz de Jungkook sussurrando o que havia escrito, em segredo. As palavras muito bem elaboradas, saboreando deliciosamente algumas delas mais do que outras, palavras proibidas de serem ditas em voz alta. Ele seria capaz de dizê-las para mim. As letras virando névoa, sua mão enveredando pelo meu pijama e então, não precisaria mais sonhar.
Um outro clarão iluminou o quarto parcialmente e abri os olhos de novo.
O galho insistente continuava a bater contra o vidro. O vento forte balançava as folhas e as arrancava por cima do telhado da varanda, violentamente. Uma sequência diferente rompeu o silêncio do quarto. Toc, toc, e então de novo, toc, toc, toc. O vidro estremeceu e então uma nova batida sequenciada soou, dessa vez, mais forte. De sobressalto corri até a porta, estava pronta para gritar por papai quando avistei a mão aberta contra o vidro laminado, o contorno da jaqueta escura cobrindo a curva do braço. Me aproximei com ainda mais cautela, a passos lentos. Lembro de ter pensado em me apropriar de algo que pudesse me proteger; um dos caixotes de acrílico com borboletas mortas, uma das pesadas bonecas francesas decorando as prateleiras, qualquer tentativa de defesa aquela altura parecia só um pensamento ingênuo de minha parte. E era. Puxei a cortina fina, vendo que a criatura amedrontadora que batia em minha janela era somente um rosto familiar e tantas vezes recriado em minha mente.
Era Jeon Jungkook.
Empurrei a janela para cima, abrindo o espaço para que ele se esquivasse da guilhotina, puxando-o para dentro; estava molhado até os ossos, dadas as condições climáticas de Roseville, parecia ter despencado dos céus junto com a tempestade. Os cabelos colados ao redor do rosto, as roupas ensopadas no corpo inibindo os movimentos completos dos membros, braços e pernas com mobilidade engessada, criando uma pequena poça por baixo de suas botas, sobre o carpete.
— Meu Deus, o que aconteceu com você? — Vigiei meu tom apavorado, quase estridente, tentando manter a voz em um nivelamento de som comedido para evitar o pior cenário que já dançava entre os pensamentos: papai ou mamãe assustando-se com o barulho, abrindo a porta sem cautela e encontrando Jungkook aqui, dentro do meu quarto. Meu coração estava prestes a romper minha caixa torácica. — Como conseguiu chegar até aqui?
Seus lábios tremiam, despossuídos de cor, exceto pelo canto ferido de sua boca que ainda expelia sangue e um pequeno corte no rosto. Ele sorriu.
— Pelo Salgueiro. Desculpe ter aparecido assim, não queria te assustar...
— Não me assustou, eu só fiquei preocupada... — Dei um passo adiante, amparando seu rosto com cuidado, como quem toca um animal assustado, com a cautela de quem busca por um fantasma entre as suas próprias tumbas, Heathcliff chamando por sua Cathy. Afastei a camada úmida do seu cabelo para olhá-lo nos olhos, que continuavam a piscar lentamente. Produzi minha imitação medíocre de coragem, forçando meu corpo a reagir ao susto — Minha nossa, você está machucado... — Ele acompanhou meus olhos em direção a si mesmo, limpando o sangue seco com a palma da mão sem nenhuma delicadeza. Os fios de cabelo se enroscavam no rosto, entre os cílios, no meio das linhas furtivas de sangue em seu queixo. Foi impulsivo, eu diria. Algo que em outra situação, Jungkook jamais seria capaz de fazer. Seus braços se enroscaram em minha cintura, me puxando para mais perto, tão perto que podia sentir seu coração, por baixo de sua camiseta molhada, acertando contra minha garganta. Sua cabeça pendeu em meu ombro, seu corpo úmido, lustroso de chuva, estava congelando.
— Não me peça para ir embora, por favor. — ele disse — Eu não tenho mais para onde ir.
Lembro do impacto do seu pedido, do tom comedido do seu desespero solitário. Cabiam inúmeras interpretações em sua frase. Não ter mais para onde ir poderia significar a ausência de um espaço físico para abrigá-lo, um lugar onde pudesse estar seguro, um lar. Só mais velha entendi a natureza de sua dolorosa frase; o lugar não era somente uma parte delimitada em um espaço capaz de refugia-lo, quando Jungkook disse que não tinha mais para onde ir, estava também me dizendo, em entrelinhas veladas, que não existia espaço para ele no mundo.
— Eu nunca te pediria para ir embora... — Meu corpo envolveu o dele como uma delicada porcelana chinesa. — Nunca, nunquinha... — disse, envergonhada, no singelo momento que a frase tomou força na voz. Jungkook me apertou ainda mais forte entre os dedos e prendi a respiração por um minuto. Meu corpo, amedrontado, parecia rejeitar o apelo. — Espere aqui, vou pegar roupas secas para você!
Caminhei, zonza, até a porta, o borrão nebuloso de minhas vistas permitia que visse somente a maçaneta gélida dourada que decorava a porta adornada de adesivos de chiclete, coloquei o pé para fora, observando a porta entreaberta do quarto de papai e mamãe do outro lado do corredor, podia ouvir o rádio anunciando os pontos de alagamento nas cidades, as notícias entrecortando uma canção antiga, a voz do locutor se arrastava em contraste com a velocidade do meu pensamento. Tudo era adrenalina. Frenético. Tive medo de despencar lance abaixo. Sinais claros de uma taquicardia.
Precisava pegar algumas roupas de papai na secadora. Lembrava de ter colocado um par de calças de pijama lá mais cedo, talvez elas servissem em Jungkook. No escuro, tateei pelos degraus com a ponta do pé antes de descer de um por um, lentamente, evitando o estrépito dos lances de madeira. As luzes de emergência da cozinha estavam acesas, permitindo que encontrasse a porta até a lavanderia.
Um trovão rasgou o céu em um som descomunal. Me agachei entre os cestos floridos da lavanderia.
A calça estava enfiada junto ao cesto de roupas limpas, ainda mornas, era a única peça que lhe serviria ali, perdida entre o uniforme escolar de Theodore e os vestidos de domingo de mamãe. Buscaria entre as camisetas escondidas em meu armário, das competições de xadrez, da semana de leitura ou da feira de ciências por alguma que ao menos coubesse em Jungkook.
Tinha o coração disparado e as mãos trêmulas como se sustentasse cabos elétricos desencapados na palma da mão, havia trancado a porta do quarto como se Jungkook fosse uma pequena criatura mágica prestes a fugir pela fechadura caso desviasse os olhos para longe demais.
Enveredei pelo caminho, cruzando pelas luzes vermelhas de emergência, um sinal de perigo, subindo outra vez o lance de escadas. O andar de cima permanecia tranquilo, a porta fechada do meu quarto continuava do mesmo modo que havia deixado, ouvia a respiração ofegante de papai em seu quarto e conseguia ver os pés minúsculos de Théo, pendendo com suas meias de dinossauro para fora da cama. Tudo ainda estava bem. Ainda estava como deveria estar. Em seus devidos lugares de quietude.
Quando voltei ao quarto, Jungkook estava perdido entre os motivos florais dos cobertores, ocupando um espaço da cama que parecia pequena para suas dimensões físicas, que naquela época, me remeteram à ideia de sua forma adulta ainda não descoberta. Destoava dos objetos delicados e quase infantis ao seu redor, parcialmente escondido pelo tecido do dossel, como os príncipes que esperam suas donzelas em palácios distantes.
— Tome, acho que vai te servir... — disse, estendendo a calça de pijama em sua direção, ele voltou os olhos para mim, os ombros caídos, a silhueta imponente que conseguia distinguir naquela meia luz fragmentada das velas como um assombro — Vou pegar algo para te aquecer.
— Obrigado. — Uma a uma, sem nenhum pudor, Jungkook tirou as peças de roupa em uma coreografia repetida. Primeiro as botas, então a jaqueta de couro ensopada, seguido da camiseta, como uma troca de pele de um animal artrópode, dei as costas para ele, envergonhada, mas ainda conseguia vê-lo pelo reflexo depravado do seu corpo musculoso pelo espelho da penteadeira e só conseguia pensar em como ele era lindo. Fiquei em silêncio. — Como você pode ser tão boa assim comigo?!
— Só estou fazendo o que você faria por mim... — Os olhos dele mal se moveram, o lábio cortado ainda sangrava, a mesma ferida aberta que parecia nunca se curar. Existiu uma tentativa inútil de puxar a peça pela cabeça, enroscando o tecido molhado nos braços úmidos, queria não parecer tão afetada por isso. Era só um garoto, afinal. Imaginei como Jungkook era por baixo da roupa, a sensação de tocá-lo sem elas, mas não tinha referências empíricas para alimentar a fantasia com o pouco que sabia sobre garotos ou sobre o funcionamento dos seus corpos além do básico de uma aula de biologia do nono ano.
Foi a primeira vez que vi as cicatrizes. As mais horrendas. As que contavam na sua pele a história de tortura. A tragédia havia sido escrita nele e ainda recordo da sensação de tocá-las e descobrir as suas dolorosas origens. As marcas contornavam as costas como veias rosadas, grossas raízes de uma árvore habitando pelo avesso dos mistérios da pele. As fisgas de couro cobriam parcialmente as costas, em uma sequência para baixo, coberta pelo cós do jeans azul. O desenho de um pássaro em sua costela teve uma de suas asas cruelmente repartidas em duas; uma tira de carne regenerada rompia o contorno.
Tive o impulso de perguntar o que havia causado aquilo, mas seria pega em flagrante.
Por último, ele tirou o velho jeans, e tentei manter os olhos distantes do espelho quando seus dedos tocaram a base da cueca, puxando-a para baixo junto às demais peças. Espremi os olhos para evitar qualquer impulsividade curiosa, vi apenas a silhueta de sua nudez total coberta por uma sombra, quando o clarão de um raio penetrou pelas janelas, jogando luz na escuridão e me forcei a não olhar mais nada. Só abri os olhos de novo quando ele me chamou.
— Há quanto tempo estava aí fora? — Um pouco do seu brilho havia retornado, Jungkook havia puxado a camada grossa de cabelos para longe dos olhos, para trás, despretensiosamente. A calça havia servido, embora estivesse um pouco curta, entreguei o cardigã que estava escondido no fundo do armário, a única peça que lhe serviria entre minhas roupas.
Ele parecia melhor que eu com elas.
— Pouco tempo. — Sua respiração calma, daquelas que antecedem, de forma quase artística, o próximo ato, me mantiveram em análise. Seu olhar parecia sempre onisciente, como se meus pensamentos dançassem diante de suas retinas feito bailarinas russas, com a precisão meticulosa de seus movimentos, calculados e fáceis de interpretar. — Não se preocupe, não vi nada que não devia. Quando cheguei aqui, você só estava olhando pela janela.
Seu sorriso exibiu o seu pequeno defeito congênito, a adorável falha de um tecido subcutâneo em sua bochecha. Dava a ele um ar inocente, mas Jungkook ainda era tão enigmático, ilegível, quanto um ato cruel atrelado a doçura familiar. Não era capaz de lê-lo friamente, não quando minhas emoções se reviravam junto à noite dentro de mim, feito um moinho.
Ás vezes imaginava como os filhos de Jungkook seriam; as crianças de cabelos espessos e profundamente negros, as bochechas enfeitadas com as mesmas delicadas covinhas de uma herança genética inegável, e os profundos olhos brilhantes, ainda carregando a inocência que, no caso do pai, havia sido perdida cedo demais. Talvez tivessem um pouco da misteriosa progenitora que ainda não tinha um rosto claro em minha cabeça, mas secretamente, desejava que fosse eu.
— Vou embora assim que a chuva der uma trégua, — ele falou, cruzando os braços — Não quero causar problemas.
— Desculpe perguntar assim, não me entenda mal, mas, o que faz aqui? — Caminhei até o armário enquanto montava mentalmente o diagrama de sua vinda, obcecada por motivações e justificativas. Queria todas. Para analisá-las friamente depois, revê-las até obter todas as possíveis junções de possibilidades, como uma mente-mestra. A ingenuidade da adolescência me fazia pensar que se tivesse acesso a todas as informações, seria capaz de ter algum tipo de controle sobre tudo. Meu maior engano.
— Você ouviu o que disseram na TV? Talvez o mundo acabe hoje, talvez Roseville não exista mais pela manhã. — Jungkook sorriu como se quisesse amenizar o tom premonitório e soturno do que havia sido dito. — Não sei se é verdade, mas queria ver seu rosto uma última vez. — Fiquei envergonhada ao ponto de sentir meu rosto arder, um calor insuportável na altura das bochechas e tive sorte de não ser percebida pela pouca iluminação do quarto.
Jungkook fechou os botões do cardigã até a altura do peito, onde o pingente de crucifixo seguia entronizado ao redor do pescoço, ainda conseguia ver sua clavícula nua, a curva do peitoral levianamente coberta pela lã que revelava mais do que era capaz de ocultar. Todavia, as roupas de Jungkook pareciam sempre um item secundário de necessidade, como as vestimentas de um ator, um cantor de grunge; não importando o formato ou o tamanho das peças herdadas nos bazares da paróquia, em seu corpo elas pareciam evidenciar uma displicência incômoda que não embotava em nada a sua beleza; pareciam uma recomendação infernal enlouquecedora, de que estavam prontas para serem tiradas do corpo ao mínimo esforço.
— É melhor cuidar desses cortes para não infeccionar, — disse, usando uma tática vergonhosa para mudar de assunto. Ele deu uma risadinha tímida. — Sente-se aqui.
Puxei a cadeira de minha penteadeira para perto, Jungkook parecia um adulto sentado em uma cadeira de bonecas. As velas em formato de coração derretiam ao lado de anjinhos de porcelana, sombrios pelo complexo jogo de luz e sombra.
Abri a caixinha de primeiros-socorros, umedecendo a gaze em uma quantidade significativa de merthiolate, minhas mãos pairavam no ar enquanto absorvia cada detalhe dele.
— O seu rosto sempre está machucado quando encontro você. Acho que é verdade o que dizem então...
— E o que dizem? — Ele fechou os olhos.
— Que os problemas sempre estão onde você está... — Roseville havia triplicado a sua resistência à Jungkook desde a volta do reformatório, como se depois de sua ida, uma condenação iminente tivesse sido atrelada a sua existência. Não era mais digno, não teria mais salvação. Há um mês, papai havia comentado durante o jantar que a comunidade estava solicitando ao padre Stane que Jungkook fosse excomungado pelo que havia feito com o sr. Benevitte e boa parte do grupo havia concordado, afinal, o sr. Benevitte tinha sua potencial influência com a diocese do condado. Padre Stane colocou todos para correr no instante em que soube do que se tratava e jurou que se o assunto continuasse a rondar os cantos da paróquia, iria expor quem estava condenando um irmão por um pecado que já havia sido pago e perdoado. Quinze anos depois, o sr. Benevitte foi condenado à sete anos de prisão por posse de pornografia infantil. O velho Benevitte sequer chegou a ser preso, morreu na semana de sua condenação, no Hospital Regional de Rhiannon, o motivo: câncer no esôfago.
— Você acredita nisso? — Os cantos de sua boca despencaram em uma linha contrária — É até criativo.
— Não! Mas, bem, sempre que te vejo parece que você acabou de sair de uma briga.
— Esse deve ser um sinal para você evitar minha miséria contagiosa. — Ele riu. — Mas acertou, dessa vez foi uma briga sim, mas de família. Não estava caçando problemas. Eu era o problema. Blá, blá, blá. Acabo sendo na maioria das vezes.
— Então, seu irmão fez isso? — perguntei e Jungkook assentiu.
— Às vezes passamos dos limites um com o outro... Não é comum, mas quando acontece, perdemos o controle. — Ele observou seu próprio reflexo, verificando a boca ferida. — Sabe o que dizem, as mágoas silenciosas são as piores.
— É normal brigar com irmãos, mas não acho que devia chegar a tanto. Tentar conversar pode ser um pouco mais útil, não acha?
— Isso aqui foi uma tentativa de diálogo — Ele apontou para o machucado em seu lábio com ar de riso. — E o Yoongi-hyung não é meu irmão de verdade... ele é só... — Ele parou por um instante, seus olhos dançaram pelo quarto até voltarem ao meu rosto. — Meu meio-irmão, irmão-postiço ou alguma merda assim.
— Não existe isso de ser metade de alguma coisa. Ele é seu irmão de qualquer forma. Se você o ama como irmão, então ele é. — Jungkook sorriu, tocando o próprio lábio ferido com a ponta do dedo.
— Você é sempre doce assim com os esquisitos que invadem o seu quarto pela janela?
Desviei o olhar, até a pequena caixa de primeiros-socorros, ensopando outra vez a gaze com um pouco mais de merthiolate.
— Não sei, você é o primeiro esquisito. — disse, antes de tocar de leve a gaze contra o corte em sua boca que deixava uma tira de sangue marcada sempre no mesmo lugar — E se for verdade o que dizem sobre o fim do mundo, acho que será o único. — Minhas mãos me denunciaram primeiro, trêmulas ao ponto de ter dificuldade de tocar a gaze com cuidado contra o corte. Jungkook segurou-a entre os dedos enrugados pelo excesso de água da chuva, posicionando a pequena gaze embebida no líquido alcalino por cima do corte.
Ele abriu os olhos, mantendo-os em meu rosto como um ponto contínuo.
— Espero ser o único. — Seu hálito morno tinha perfume de beijo.
Queria que o mundo se reorganizasse outra vez, minha segurança parecia tão ameaçada que meu corpo silenciosamente flertava com o colapso, sem ideia de como reagir.
— Não precisa ficar nervosa... — murmurou — Não vai doer nadinha.
Olhei Jungkook nos olhos, profundamente, como se mergulhasse em um oceano denso percorrendo a primeira parte da noite.
— O machucado, eu digo. Não vai doer. Faz assim... — A ponta de seu dedo encostou contra o meu enquanto ele movia a gaze, lentamente, de um lado para o outro. — Assim, tá vendo?
Assenti.
Não movi meu rosto para longe, continuei ali, ainda perto, me estendendo sobre os detalhes; avançava de modo onírico e somente nas camadas dos sonhos, me sentindo impetuosa por não me afastar e fugir de sua aproximação quase íntima de minha boca, a espreita, esperando a minha oportunidade. Na calmaria gritante do nosso encontro e na confusão quieta do que não podia ser verbalizado, os feitiços manifestados arruinariam o que só podia ser dito em olhares.
Estava fraca de amor.
Jungkook olhou seu próprio reflexo no espelho da penteadeira, analisando a quarto no escuro pelo reflexo.
— E a peça? Como está indo?
Ficou de pé, caminhando de um lado para o outro. Tocou o dossel da cama, observou as borboletas taxidermizadas, o rosto engraçado dos anjos ao redor do altar, as pontas dos seus dedos deslizaram pelas lombadas dos meus livros ainda infantis, vendo os títulos rapidamente. E então, ajustou a sintonia do rádio. Ainda estavam tocando música.
— Bem, tivemos o último ensaio há alguns dias, eu só tenho travado em algumas partes e acho que terei que improvisar.
Pendurada ao lado da cabeceira, a guirlanda de Wendy, adornada de flores, foi capturada e encaixada em sua própria cabeça.
— Qual a cena que está com dificuldade? — Ele caminhou de volta até mim, encaixando a guirlanda em minha cabeça. — Desculpe se estiver sendo intrometido, é só que estou curioso em saber mais sobre você. — Ele colocou as mechas do cabelo comprido para trás da orelha — Você é um completo mistério para mim, fico procurando formas de me aproximar... — Ele sentou-se outra vez na cadeira de minha penteadeira, observando os objetos dispostos por cima dela — Estou exagerando?
Queria dizer a ele que nunca conseguiria beijar Jack, nem que queria que meu primeiro beijo fosse diante dos alunos de teatro da escola, de uma plateia com pais e professores, muito menos com o garoto que mais abominava no mundo.
— Não, não está. É só que eu não sei bem como reagir quando você está por perto. — Encolho os ombros até que meu cabelo caia como uma cortina em meu rosto, não queria que ele me visse assim, mas era inevitável me sentir compelida a vergonha — Acho que fico tímida quando estamos sozinhos.
Ele riu.
— Não estamos a sós aqui, — Ele olhou ao redor, apontando para o altar onde a Virgem Maria olhava em nossas direções — Temos os seus anjos como companhia... — Jungkook ergueu o pequeno anjo gorducho, brincando com suas asas — Veja este, como devemos chamá-lo? Ele parece o tipo que se chamaria Steven, não acha?
Eu sorri.
— Um anjo chamado Steven? — questionei.
— Um anjo nascido em agosto de 1996, é claro. Talvez Andy, como o baixista dos Smiths, que tal? — Sorri de novo, com a mão na boca para evitar o barulho da risada ecoando. Jungkook criou uma voz para o anjo. Uma voz grave que estava completamente dissociada da imagem pura daquela criatura, rimos ainda mais desta vez. Não consegui estabelecer um critério onde seria capaz de orar para um anjo chamado Andy, mas este foi o nome que a pequena criatura sagrada com uma asa chamuscada pelas velas, que carreguei comigo durante os trinta anos seguintes, passou a se chamar neste dia. Anjo Andy.
— Bom, eu e o anjo Andy temos uma proposta para você. — Ele segurou o rosto do anjo pelas bochechas — Poderia cortar os meus cabelos? Sei que é algo estranho para se pedir assim, mas queria experimentar algo novo no meu aniversário... E o anjo Andy concorda.
Talvez Jungkook tivesse associado o fato de mamãe ser responsável pelos cortes de cabelo durante os eventos da igreja, com o fato de eu auxiliá-la no mínimo; aparar pontas, varrer os cabelos caídos ao redor da cadeira ou entregar-lhe toalhas limpas, a alguma experiência no domínio de uma tesoura.
— Hum, tem certeza? Eu já fiz alguns cortes na vida, mas só no cabelo do meu irmão caçula. Na primeira vez ele passou duas semanas com uma franja torta. — Fiquei de pé outra vez — Além disso, seu cabelo é tão bonito que me sentiria mal se o arruinasse com um corte.
Ele estendeu a mão aberta em minha direção, tocando a minha e dei um passo adiante.
— Confio em você, Monroe. — Ele descobriu minhas mãos, os dedos finos e de unhas roídas ainda manchadas de cobertura colorida de bolo, tracejando a palma com cuidado, deixando um beijo no centro de uma delas. A boca pressionada nas linhas do coração, provocando reações espasmódicas em meu corpo inteiro. Fechei os olhos por um segundo, antecipando o desprendimento dos lábios mornos, deixando um contorno quase invisível de saliva no formato de adoráveis deles, queimando, ardendo, incinerando minha resistência como se tivesse ateado fogo em mim mesma.
Ele levantou os olhos, como um ardoroso quiromante; tinha o mesmo olhar magnético e de íris negra de um hipnotista.
— Quem costuma cortar os seus cabelos? — Soltei o ar, enroscando a toalha que havia trazido para ele, inutilmente, ao redor do seu pescoço.
Tudo nele era suave como nunca tinha visto antes. Parecia tão inofensivo e úmido, menos ameaçador, mas ainda magnético. Seus cabelos macios, esvoaçantes, deslizam nas mãos. Meus dedos tocaram sua nuca, se enroscando nos cabelos cheios de sal, como se ele tivesse acabado de emergir de um banho de mar. Aquele foi o primeiro sinal de sua verdadeira rota até a minha casa naquela noite e uma história pela metade.
As gotas do cabelo ainda úmido escorriam ao redor do rosto, pelo nariz, até o lábio, alcancei a ponta da toalha enroscada em seu pescoço para secá-lo.
— Eu mesmo. — Ele disse, ajustando as costas contra a base da cadeira — Quer dizer, eu apenas aparo as pontas quando necessário.
— Ninguém nunca cortou os seus cabelos antes, então?
— Meu abeoji costumava cortar pra mim quando eu era criança. Aos domingos, uma vez por mês, ele colocava almofadas na cadeira de nossa mesa de jantar e cortava cuidadosamente. — Ele riu — Meu pai, eu digo. É estranho pra mim chamá-lo assim, em uma língua que não é a minha.
— O que aconteceu... — Corto a intenção da pergunta antes mesmo de finalizá-la, o tópico parecia sensível.
— O que aconteceu com o meu pai?! Câncer. Pâncreas. Ele era um veterano de guerra, e sabe, ele descobriu uma maneira de silenciar as memórias. — Ele gesticulou um sinal de bebida.
— Sinto muito, Jungkook. Não queria ter tocado neste assunto, desculpe!
— Tudo bem, já faz muito tempo. — Ele murmurou, o tom de voz pareceu cheio de cautela. — É bom ter para quem contar sobre ele, assim posso lembrar dele de novo.
— Você ainda se lembra dele como antes? — Penteava seus cabelos com cuidado, puxando-o para os lados, a curva de sua franja longa terminando na altura do pescoço.
— Eu era muito novo quando abeoji se foi, mas minha eomeoni sempre falava do quanto ele era bonito, do quanto dançava bem e amava música. Tudo que sei sobre música vem dele, e dela também, claro. Mas ele tinha um ouvido absoluto, conseguia reconhecer qualquer canção só pelos acordes.
— Talvez você se pareça com ele... — Me atropelo nas palavras e na tentativa de um elogio educado, mas acabo envergonhada — Digo, é que, geralmente, nos parecemos mais com um dos nossos pais. As pessoas acham que pareço muito com a minha mãe, mas herdei o nariz de papai. — Ele faz que sim com a cabeça.
— Pareço fisicamente com o meu pai, mas tenho os olhos e o espírito da minha eomeoni.
— Ela era bonita?
— Era linda. Era bem pequena, aos onze anos eu já passava dela na altura. Também era muito frágil, com um enorme cabelo negro que cobria as costas e estava sempre preso em uma trança. Adorava tocá-lo quando ela o penteava, geralmente enchia de flores quando ela sentava na sala para ver TV. — Ele tocou a própria boca, os olhos se curvaram para baixo, tristes — É uma pena que só tenha uma foto dela, às vezes tenho medo de esquecer seu rosto.
Jungkook olhou para mim de novo, forçou um sorriso.
— Daria tudo por um cigarro agora — bufou, mudando o tópico do assunto — Qual tal um mullet?
— Parece ótimo, mas não quero arruinar o seu cabelo — Estava petrificada, absorvendo aquelas partes secretas sobre Jungkook que eu jamais teria como saber de outra maneira além dele. Sua história, seu passado, seus pais. Nem mesmo um diário roubado havia me feito sentir tão imersa naquela parte secreta de seu coração.
— Eu duvido muito que essas mãos possam arruinar qualquer coisa.
— O que tem em mente?
— O que acha de algo como Billy Hicks em O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas? — Um corte de cabelo que costumava ser popular no início da década, todo adolescente queria o mullet de Billy Hicks, o trejeito de bad boy desajustado que parecia ser um tipo específico de padrão entre os garotos.
— Oh, Rob Lowe, espere, eu acho que tenho uma revista com algo dele por aqui... — Abri o armário, remexendo na pilha de revistas adolescentes que colecionava e lá estava ele, na capa de uma edição da Bop Magazine [Item nº 46 na caixa, página 15].
Ele abriu a pequena caixa de minhas fitas coloridas, puxando a primeira e deslizando contra o nariz.
Enquanto acompanhava a orientação da revista, tremia ao ponto de balançar a tesoura na ponta dos dedos, por sorte, Jungkook estava de olhos fechados, um senso de confiança no que eu fazia ou talvez, estivesse evitando ver o dano permanente em seu cabelo enquanto eu seguia o passo a passo de uma revista iluminada parcialmente pelas chamas de uma vela trêmula. Forcei os olhos para observar melhor o passo a passo, o rosto sorridente de Rob Lowe esquadrinhado por setas direcionadas: repique um pouco aqui, separe essa mecha para um efeito mais preciso, use pomada capilar Dep Gel para um efeito chocante de galã.
— Você pode sentar aqui caso esteja difícil, — ele ajustou as pernas, aproximando os joelhos, mantendo a postura um pouco mais ereta — Vou manter minhas mãos longe de você, não se preocupe. — Sorriu, despreocupado. Enquanto eu lentamente morrendo por dentro, relutando entre suas pernas para aparar a franja curta.
Ajustei o peso do meu corpo de pássaro em seu colo, nunca havia estado tão perto de um garoto assim em toda a vida, enquanto ajustava o corte de sua franja. Suas mãos tocaram minha cintura, uma primeira promessa quebrada. Mas permaneci entregue a inércia, sentindo suas mãos macias me tocando, sua proximidade no escuro, imaginei quanta ternura ele havia depositado ali, com seus dedos pacientemente repousando por cima de meu suéter manchado por calda de pêssego.
Jungkook abriu os olhos e me olhou de perto, por baixo da franja recém-cortada. Em alguns anos, meu rosto seria analisado outra vez com o mesmo empenho, sem nenhum rastro de amor cifrado, mas como um mero e valioso produto. Todavia, poderia afirmar sem medo, com uma certeza incomum, que foi aquele brilho bonito, seu resplendor branco-azulado, em faíscas duplas, como o fogo de Santelmo percorrendo uma noite estrelada, o lume vivo nos mastros de meu barco sem rumo, iluminando a minha bússola e o meu caminho em meio a tormenta. Foi nos seus olhos que o meu amor começou. Foi nas suas mãos que descobri o que era desejo. E nos seus lábios, eu tive a confirmação do meu destino imutável.
"Que os fogos de santelmo tenham piedade de mim!"
O rádio soava pelo quarto, as horas sendo contadas até a meia-noite, em meio a trovões, relâmpagos e clarões como testemunha. Já não tinha mais medo como antes. Nunca mais teria medo algum.
Para a minha felicidade, o corte de cabelo funcionou, apesar das ressalvas sobre a minha habilidade com a tesoura, da iluminação parcial das velas e do meu nervosismo. Era difícil embotar sua beleza.
— Está pronto! O que acha?
Ele encarou seu rosto no espelho, feliz como raramente o via. Nunca vi Jungkook sorrir tanto como naquela noite.
❁
Desisti pelos menos cinco vezes antes de tomar coragem de subir as escadas levando o bolo de aniversário que havia preparado com minha desagradável impressão de leitura mental, ele provavelmente iria rir de mim, acharia fofo e infantil que tivesse preparado seu sabor favorito mesmo que nunca tenha mencionado a possibilidade de saber sobre a data de seu aniversário; era só um gesto de agradecimento, é claro, assim como o presente. O pensamento desapareceu instantaneamente quando abri a porta do quarto com cautela e o vi deitado em meio aos lençóis, folheando as páginas do meu diário. O nariz colado as páginas sentindo o perfume cítrico das canetinhas coloridas. Aquele diário produzido pelos frutos de minha fantasia, de minha curiosidade, da ira de meu ciúme, ele agora sabia de tudo. Não havia mais segredos. Assim como Taehyung, estava nua diante dele também.
— O que está fazendo? — Minha voz rompeu o silêncio, cortando a melodia do rádio.
Jungkook ergueu o tronco, sustentando o caderno de motivos florais entre os dedos. O sincronismo de nosso encontro jamais teria acontecido se não viesse de algum tipo de ordem natural coordenada pelo destino, parecia intuitivo, eu deveria ter calculado que aquilo aconteceria.
— Achei que você não se importaria — ele disse, em meio ao torpor do movimento, sem desviar os olhos da página — Você também tem algo meu com você, certo?
Fiquei em silêncio, mergulhada em meu próprio embaraço.
— Esse bolo é para mim? — As velas coloridas de aniversário, ainda apagadas, foram observadas com felicidade. Ainda paralisada de vergonha, reagi somente para assentir. Jungkook parecia se importar pouco ou nada.
— Sim... eu fiz essa manhã — Ele sorriu, primeiro com os olhos, como costumava fazer.
— Nem lembro a última vez que ganhei um bolo de aniversário. Caramba! Obrigado.
— Deixe-me acender as velas, faça um pedido. — Me movimentava por puro impulso, as pernas trêmulas de vergonha, o sentimento criminal de quem havia sido pega no ato. Como ter companhia desavisada no banho ou enquanto se masturba.
Sentados no chão do quarto, com as velas, agora, acesas diante do seu rosto, Jungkook fechou os olhos, espremendo as mãos uma contra a outra e soprando as chamas para longe. Ele deslizou o dedo sobre a cobertura do bolo, enfiando-o na boca.
— É verdade o que você escreveu? — Outra parte da camada generosa de chantilly foi retirada e igualmente lambida, um resquício da cobertura cobriu seu lábio superior — Sobre mim?
— Me desculpe, eu não quero que pense errado de mim, eu só estava... Foi só um pensamento.
— Você queria que eu te beijasse naquela noite no auditório? — Ele continuou, me encarando no escuro.
Espremi os olhos para acordar de um sonho confuso, parecia embalada por uma fantasia que havia me deixado semiacordada, tremulando na quentura do quarto, entre as faíscas das velas; e Jungkook era somente uma entidade que invadiu o meu sonho, apoderou-se do quarto pela janela, com seu cheiro de mar e perfume doce siderado pelo calor, umedecendo os meus lençóis. Nada disso era real. Nada.
Acorde, Sofia. Abra os olhos.
— Queria que eu fizesse aquelas coisas com você?
Conhecia seu beijo nos meus sonhos, seu corpo havia sido explorado em fantasias cheias de culpa, a mão enroscada no terço já havia pertencido a ele.
— Sim. Eu queria. — As palavras saíram como se por força de uma intensidade própria, os cenários catastróficos dançaram ao meu redor, pelo quarto, em minha mente. Ele iria rir de mim. Ele se afastaria, iria embora, e então eu acordaria sozinha, me dando conta da realidade e do qual tola havia sido. Sabia de cor os nomes das espécies de insetos encaixotados nos acrílicos ao lado da cama, seus lugares de origem, seus dias de vida, assim como poderia nomear os ossos do crânio humano, as espécies de flores ao redor da paróquia ou a matéria de biologia daquele semestre escolar. Todo meu conhecimento sobre os assuntos botânicos e entomológicos, o meu tesouro de interesse. Todavia, um beijo não se aprendia com teoria, muito menos com um treino aplicado contra o dorso da mão. Era necessário outro corpo, outros lábios, outra pessoa.
Ele não falou mais nada.
Silêncio. Do tipo mais quente. Colossal. De percepção alerta, perplexa. O mundo inteiro foi posto em mudo como se um maestro sustentasse no alto do seu poder um bastão musical, segurando entre os dedos os sons de uma orquestra inteira.
— Você ainda quer? — Somente um coração podia ser ouvido, ressoando pela cidade inteira. — Porque eu morreria por isso.
Tum tum, tum tum, tum tum.
— Meu Deus, faz ideia de como é bonita?!
Jungkook se aproximou devagar, engatinhando em minha direção em um instinto predatório, seus lábios tocaram meu pescoço mansamente, minhas bochechas em seguida e só então, minha boca. Não tive tempo de fechar os olhos, eu queria ver tudo, e senti-lo enquanto via, e amá-lo enquanto sentia.
A sensação ardeu por dentro, tão inédita, tão diferente de tudo que havia sentido na vida até então.
Sua boca pressionou a minha com tanta inocência, a proximidade dele, a serenidade de seu sorriso antes de me tocar. Ele disse algo que jamais pude ouvir. Os significados se perderam na sensação profundamente nova.
Jungkook era gentil. Mas minha mente recorria a sensações gostosas na pele: pijamas de seda, os lençóis de cama raspando contra meus seios nus quando tirava as roupas por baixo das cobertas causando um arrepio entre as coxas, um perfume masculino que havia borrifado no pulso uma vez na Target, o couro da sua jaqueta em minhas mãos onde outras forças misteriosas, místicas e menos conhecidas se envolviam, seus dedos tocando a minha nuca.
Ele se afastou minimamente, quase não tive a chance de alcançá-lo de novo, como um jogo com regras e tempo delimitado.
Enquanto a minha cabeça continuava implorando: por favor, me beije um pouco mais.
— Você poderia fazer isso de novo?
— O quê? — ele cochichou, como uma pequena provocação
— Me beijar mais...
— Uhum — Ele assentiu, de olhos fechados, os lábios raspando contra a minha boca, o joelho apoiado contra o carpete enquanto as mãos ainda sustentavam seu peso ao lado do meu corpo.
— Tranque a porta... — ele pediu, mas soou como uma ordem.
Estava presa em uma neblina emocional, zonza, perdida. Engatinhei até a porta, dando duas voltas na chave, quebrando a regra da casa. A primeira de muitas.
Jungkook estendeu a mão para mim, puxando-me para perto, devagar. Sua mão deslizou em minha bochecha.
— Caramba como você é macia... — Seu nariz deslizou em meu pescoço.
Sua boca tocou a minha de novo, dessa vez, sua língua raspou contra o meu lábio, causando um espasmo automático do meu corpo.
— Desculpe, eu não sei fazer isso direito, eu nunca... — Sussurrei e ele sorriu. — Eu vou te ensinar tudo, você vai ver...
Tropeçando em seus pés até a cama, enroscada entre o dossel e o cobertor sufocante, vi Jungkook desabotoar o cardigã que ainda vestia com uma calma assustadora.
— Ainda dói? — Meu dedo contornou a tira de pele que subia na lateral da cintura até o coração.
— Não mais...
Quis beijar cada uma delas. Dizer que cada parte dele, até as dolorosas cicatrizes enraizadas na sua pele encantada, eram lindas. Desenharia estrelas ao redor de cada uma.
— Deite aqui, — ele cochichou. — quero te mostrar algo gostoso...
A língua dele deslizou em minha boca e minha resistência se tornou líquida, fechando meus lábios ao redor dela, fazendo o meu palato formigar. A cada vez que a ponta de sua língua estranhamente tocava a minha, a sensação sufocante e calorosa retornava, queimando por dentro.
Sua mão descansou dentro do meu suéter, percorrendo um mapa familiar onde cada ponto era conhecido, seus dedos tocando minha cintura nua provocavam arrepios. Sentia meu corpo inteiro trêmulo, meu sangue preenchendo de calor as veias e cada centímetro, bombeando para todos os pontos de colisão onde minha pele e a sua se encontravam. Minha mente memorizou todos os lugares em que fui tocada como um mapa papiloscópico, seus dedos raspando em meus quadris, barriga, pescoço e bochechas. Fervendo por debaixo deles. Era isso que Jungkook me causava. Febre, me fazia ferver. Não estava imune a ela.
Como a flecha de fogo de um anjo que atravessou, em êxtase, o âmago de Santa Tereza. Estava pendurada na sublimação, entre o prazer e a dor. A linha do precipício cruzada me lançava no infinito abismo.
Não havia razão para pressa; o tempo parecia correr ao contrário, sem me cobrar nada em troca.
Beijar era gostoso. Não, beijar Jungkook era gostoso. Talvez beijá-lo tivesse esse efeito, eu mal tinha encostado os lábios na boca dele e já pedia, tão devotamente, sucumbindo a pecados maiores que expressões proibidas e o meu pensamento encantado, por mais.
Sentia as gotas de suor escorrendo por dentro do pijama, uma sensação pegajosa no meio das pernas, como naquele dia, no auditório, em nosso beijo simulado.
— Então é assim... — Sussurrei, agarrada aos seus ombros. — Assim que é beijar alguém?
Ele sorriu.
Na noite daquela tempestade, num recorte temporal do destino, soube que aquela versão minha amará perpetuamente essa versão dele, emoldurado nas palavras que evocam nossos espíritos adolescentes, este idílio juvenil se desdobra como uma doce cantiga de ninar; ao tocar a textura do velho cardigã amarrotado e ainda sentir o calor da sua pele sob a trama, no cheiro da brisa alcalina que rumina a tempestade mortal a cada monção. Os rangidos das tábuas do assoalho, na casa amaldiçoada, ecoam em consonância com o pulsar do meu coração. A alma é preenchida pelo mesmo equilíbrio obsessivo e temporário — trêmulo, disforme e nostálgico —, que escorre, liquefeito, pela brecha do tempo. Como olhar para o passado através de um caleidoscópio ou místicos espelhos circenses e ver apenas reflexos distorcidos que engolem a realidade. Às vezes reconto para mim mesma essa história, puxo o fio das costuras que desfiam na memória adulta e enrosco você pelos cantos; seu folclore é entoado nas canções, nos livros, num diário incessante, para esta fiel testemunha da nossa história.
Porque meu coração e estas páginas que escrevo são tudo que me resta para lembrar de você.
Ele estava certo. Não estávamos sozinhos.
Naquela noite, junto aos anjos, sem medo dos demônios que assombravam Romeu, por fim, Julieta dançou.
❀ ༄ ઼° ○ ❀ °○ ❀ ༄ ઼°○ ❀
#garotosmiths
N/A:
Quando você chegaaaaar, tira essa roupa molhaaaada, quero ser a toalha e o seu cobeeertooor... 🎶
Eita como sabe o que faz esse poetinha! hahaha
Quem aí ficou curiosa sobre onde o JK estava antes de ir a casa da Sofi? Alguém tem alguma teoria sobre as cicatrizes?
Tô ansiosa para ler as teorias de vocês sobre esse capítulo, quem ainda lembra de alguns acontecimentos anteriores, talvez saberá do que se trata!
Enfim, vocês nem imaginam como estava ansiosa para postar esse capítulo que passei meses trabalhando, o quanto estava animada, o coração nervoso... E eu espero que gostem!
Desejo uma ótima semana a todos e lembrando que para quem acompanha CCEG, domingo tem atualização!
— Com amor e muitos outros beijos para escrever, Sô!
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