Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo Trinta e Três (Os serafins ardem primeiro)


I thought I was better safe

than starry-eyed.

I felt aglow like this,

never before and never since.

ㅡ LOML, Taylor Swift.


🦋


Roseville, 1997.

A rosa vermelha pendia sobre a borda do vaso oco; o caule rompido deixava a gota de sangue escorrer pelo espinho. O botão anêmico inclinava-se, incongruente, com uma tristeza delicada sobre o cristal arruinado.

Betty arfava cansaço, estremecendo os alicerces do corpo com um suspiro alto: agitando os cabelos e balançando as carnes flácidas dos braços ao chacoalhar a caixa com as rosas, praguejando baixo enquanto os dedos da mão direita, perfurados pelos espinhos, latejavam de dor.

ㅡ Esses malditos espinhos! ㅡ berrou do canto da lanchonete. ㅡMenina, pare de olhar esse vaso e venha me ajudar com essas rosas!

Ao meu redor, o mundo despertava, sacudindo a letargia do inverno com os primeiros murmúrios da temporada: as flores, o movimento atípico no Pink's, a brisa quente e o retorno ativo do parque de diversões assim que a temporada chuvosa passou.

O Cottonland só funcionava durante as duas estações mais ensolaradas do ano, quando as primeiras cintilações do retorno do verão davam as caras; e Kurtwood, o excêntrico dono do parque, dedicava-se aos preparativos com um rigor quase sardônico. Repintava os cavalos coloridos dos carrosséis com uma generosa camada de tinta aguada, refazia as pinturas descascadas dos cenários da mansão assombrada e a caixa da velha máquina Zoltar era colocada de volta na área isolada do descampado, atraindo idiotas. As luzes podiam ser vistas de qualquer parte da cidade, entre a escuridão das árvores, dos arbustos, de telhados idênticos, com fulgor próprio; quase maligno, dando a Roseville um ar industrial incomum.

Industrial. Palavra odienta e ridícula para o interior pacífico onde a gentalha do condado vivia, como acreditavam os nossos vizinhos luteranos do Alabama. Roseville era uma cidadezinha que só ressuscitava na época da colheita. Benção do pecado desses adoradores de santos de pau e gesso.

Meio sem pressa, o tempo parecia acumulado nas rachaduras das calçadas, embalado por uma quietude incômoda que ia tomando as ruas, até a desastrosa solidão dos dias mais insossos e esquálidos, como a morte, quando as casas de verão esvaziavam-se e as praias pareciam cada vez mais assombradas.

Mas, assim como a exposição temporária de Eli Whitney era remontada às portas da prefeitura com a primeira descaroçadora de algodão do estado, nos primeiros vislumbres de turistas, com suas camisas havaianas, tomados de um ânimo hostil e curiosidade para ver o cortejo da alma penada, o parque reabria.

O evento, esperado já nas primeiras semanas, reunia os casais da cidade, fazendo filas para uma volta nos brinquedos. Kurtwood, longe dos ideais prosaicos de um dono de parque no interior do estado, sempre pensava em uma nova atração: casa de espelhos, trem fantasma ou o temido chapéu mexicano; que consistia basicamente em ficar pendurado em uma cadeira presa a correntes de aço até uma grande base de ferro que girava sem parar. E o movimento na lanchonete triplicava. Conseguia ver as montagens dos brinquedos sendo refeitas, os testes de iluminação e a movimentação dos funcionários de Kurtwood naquelas semanas, tirando seu horário de almoço na lanchonete.

Era abril, a segunda quinzena da primavera enfeitiçada que se abria em céus azuis infinitos.

As rosas, colhidas às pressas do roseiral, reapareciam como adornos nas mesas da lanchonete, um prenúncio sutil de que a temporada de verão estava se aproximando.

E, durante aqueles meses, Betty passava a odiá-las.

ㅡ Por que está tão lenta hoje, menina? ㅡ perguntou ela, empurrando os botões de rosas para dentro da caixa de papelão. ㅡ Anda, termina de colocar essas rosas lá nas mesas de trás!

ㅡ Desculpe!

ㅡ O que pensa que está fazendo? Acorde, ou Taylor te bota daqui pra fora igual a outra vadiazinha preguiçosa que se mandou!

Ouvi os cochichos ofensivos de Betty enquanto arrastava a caixa até os fundos da lanchonete. E, embora tenha ficado ali, tentada a rebatê-los com alguma outra ofensa, não ousei responder.

Taylor estava do outro lado do balcão, e eu podia sentir seu olhar através do espelho, me encarando sem qualquer constrangimento enquanto passava uma camada generosa de seu batom ensebado. Ergui os olhos até ela, que me retribuía com um sorriso preguiçoso, seus bons modos oferecidos como uma cortesia. Era hipnótica, com seu rosto tipicamente americano: olhos azuis, nariz delicado e cabelos dourados, como as garotas lindas dos concursos de beleza da Sarah Rose Cosmetics. As doces beldades das cidades pequenas.

Era fácil perceber como sua presença inflamava a curiosidade alheia ㅡ homens, mulheres e crianças ㅡ cujos olhares a seguiam indiscretamente.

Invejava a tranquilidade com que tinha senso de quem era, sem se importar com a atenção exacerbada recebida ou com que tipo de pensamento provocava por trás dos pares de olhos curiosos.

Enquanto eu era dotada de serenidade e desleixo, excessivamente passiva, Taylor emanava ação.

ㅡ Tá tudo bem? ㅡ Taylor chamou, batucando o batom fechado contra o balcão. ㅡ Você está tão distraída ultimamente. Betty reclamou duas vezes essa semana que você esqueceu de tirar o lixo, atrasou as entregas e derramou café em um cliente.

Mal sabia onde estava com a cabeça. Betty estava possessa, odiava ter mais trabalho e, tecnicamente, gente de menos, já que não tinha serventia com minha desatenção anormal.

ㅡ Desculpe. Está... está tudo bem. São só as coisas na escola, ando preocupada com as minhas notas. As provas do semestre estão chegando. Mas serei mais atenta, eu prometo!

Queria evitar que a conversa se prolongasse; Taylor saberia ler muito bem minhas mentiras e decifrá-las.

ㅡ Isso não tem nada a ver com os boatos que ando ouvindo por aí, não é? ㅡ Seu cochicho, cheio daquela passividade amigável de Taylor, seu cuidado em cada palavra, como se por medo de me atravessar com alguma verdade afiada demais, do tipo que eu não suportaria.

ㅡ Que boatos? ㅡ Meu corpo estremeceu, nervoso. Pude sentir a palidez tomando o rosto, o sangue correndo para as orelhas.

Ela moveu os copos no balcão para a parte de baixo.

ㅡ As garotas da escola costumam vir à lanchonete, falam demais... ㅡ Seus olhos seguiram a tarefa de servir a Coca-Cola diretamente da máquina. ㅡ Ouvi seu nome em uma dessas conversas... Uma daquelas fedelhas que mora no parque de trailers, com a desvairada da mãe dela, estava falando sobre você. Eu mandei ela sair daqui na hora. Loretta fez uma filha igualzinha a ela. Uma vadiazinha enxerida, igual à mãe!

Meu coração bateu forte. Pude sentir a pressão em meu crânio. Os boatos tinham abalado minha vida, esfriado meu sangue. Estava sempre imaginando como a tragédia aconteceria, em câmera lenta: meus pais saberiam, então a cidade toda e, em breve...

ㅡ Jungkook tem algo a ver com esses boatos? Você não é menina disso, te conheço desde criança. Quando cheguei aqui, você mal balbuciava duas ou três palavras. Nunca se meteu em fofoca na cidade.

ㅡ Não!

ㅡ Não?!

O que me corroía por dentro era a confissão de Jungkook e seu cortejo de horrores.

As provocações não haviam parado, era verdade, mas tinha mergulhado em outro nível de preocupação e choque, evocando tudo que Jungkook havia me dito sobre o reformatório. E, por duas semanas, tive pesadelos onde assistia, impotente e paralisada, tudo que haviam feito com ele; desde as torturas até as crueldades que era incapaz de pronunciar sem sentir aquela ânsia agoniante. Uma verdade sobre o mundo adulto havia rompido minha delicada crisálida de inocência e esperança de menina: de que ainda existia bondade, de que as pessoas não eram tão más quanto fui ensinada a vida inteira.

Dois meses haviam se passado desde nossa conversa nos vagões abandonados, e ele não havia mais tocado no assunto. E, a cada tentativa ensaiada de trazê-lo à tona, era interrompido pelo corte afiado de sua objeção. Às vezes, ele montava um pensamento distante, com teto, paredes e porta de entrada, se enfiava nele, sua pequena estufa de ódio. Pensava que era assim que lidava com seus próprios monstros, derrotando-os dentro de sua cabeça. Eu batia na porta da casa imaginária, implorava para que não fosse embora, pelo menos, não ainda. Ele cruzava o corredor entre o quarto e a sala, descia o batente e, então, me estendia a mão, de volta à realidade.

ㅡ Não quero que se machuque, bonequinha. Lembre-se do que eu te disse, está bem? Nenhum garoto vale as escolhas da nossa própria vida.

Queria contar a Taylor um segredo compartilhado comigo, mas que não era meu. Jungkook não era nada daquilo que se imaginava dele, e a descoberta havia adicionado uma camada sutil de fragilidade, uma quebra de expectativa, como quando olhamos demais para algo até que aquela misteriosa forma perca as nuances. Ele não oferecia o perigo que ela supostamente imaginava, porque todo aquele suposto risco também era produto de uma invenção alimentada. Desde a nossa conversa nos trilhos, tudo que queria era protegê-lo. Mesmo que ele ainda pudesse estremecer meu coração da mesma maneira de antes, parecia muito mais inofensivo.

ㅡ Mas o que vai fazer no final de semana? ㅡ perguntou ela, mudando de assunto, antes de servir os copos de bebidas no balcão enquanto Julie Lovey, com seus patins cor-de-rosa, depositava-os na bandeja, rumando à mesa dos fundos.

ㅡ Preciso estudar para as provas, nenhum plano além desse.

Ela assentiu.

ㅡ Preciso ir a Rhiannon ainda hoje. Acha que pode ficar de olho no Ringo até amanhã? Você pode levar seus livros e estudar lá e, se quiser, passamos na locadora e pegamos uns filmes pra você!

ㅡ Eu posso, se mamãe e papai deixarem! ㅡ Taylor assentiu.

ㅡ Vou ligar para a sua mãe e passo na sua casa para te buscar!

Não era a primeira vez que passava o fim de semana cuidando de Ringo. Mamãe não costumava se opor porque confiava em Taylor. Não se ouviam boatos sórdidos a respeito de como ela levava sua vida de mulher solteira, e mamãe parecia prezar por isso. Além disso, Taylor tinha me oferecido um emprego, cuidava de mim, me queria bem. Papai, por outro lado, se opunha vez ou outra à nossa proximidade, sempre por causa da vida pregressa de Taylor na banda. Ele tinha opiniões fortes sobre astros do rock, sobre homens com calças de couro erguendo guitarras e garotas com seios à mostra, venerando alguma entidade maléfica.

Imagine, Bonnie, o que seu avô deve ter sentido quando cruzei a cidade arrastando seu pai comigo, carregando você, a filha de um tipo de homem que ele mais odiava, e ainda assim se tornou a criatura que ele mais amou nesta vida?

Naquela tarde, antes de sair do trabalho, me esgueirei até o telefone do escritório enquanto Taylor fazia os cálculos do caixa. Disquei o número da Oficina dos Kent. Tanner já reconhecia o silêncio do outro lado da linha e gritava por Jungkook depois de esperar resposta sem ouvir nada:

ㅡ Ei, Jaykey, é aquela sua namorada, a que o gato comeu a língua.

Ele atendeu, sorridente, começando o assunto com promessas de saudade. Falei rápido, quase em códigos: Vá até a casa de Taylor, hoje, depois das 22h. O horário foi negociado com cuidado, esperando o padrão comum de sono da vizinhança, quando as luzes começavam a se apagar e a rua da casa de Taylor se tornava um breu silencioso. Jungkook, como a criatura noturna que era ㅡ um vampiro local, conforme a lenda ㅡ, só surgia na calada da noite.

E, no horário marcado, ele estava lá. Taylor passou para me buscar, enfatizando para papai e mamãe que eu ficaria segura, que ela havia deixado jantar e sobremesa prontos e estava me oferecendo espaço para estudar sozinha para as provas, com mais privacidade.

Papai não gostou muito da ideia, mas acatou porque mamãe pediu:

ㅡ Taylor já nos ajudou tanto, homem! Empregou a garota, ajuda em tudo que ela precisa, todo ano lhe oferece algo para a faculdade. Não podemos dizer não a ela.

ㅡ Não gosto que a Sofi fique sozinha por aí. Não confio nesses garotos do bairro, muito menos naquela gentinha do Marina Vista ㅡ ele rebateu, contrariado. ㅡ A menina é inocente, o que sabe sobre a vida? Essa cidade está cheia de marmanjos espertos só esperando para dar o bote.

Ouvi o pulso dele batendo contra a mesa, fazendo os talheres tremerem. Mamãe manteve o tom comedido e baixo, excessivamente passivo:

ㅡ Isso não é da nossa conta! Você deveria confiar mais na sua filha. Além disso, o que acha que vai fazer? Manter a menina debaixo de sua asa para sempre? Não seja tão ingênuo.

Enquanto arrumava a mochila, ouvi a conversa e pensei na traição dolorosa à confiança dos meus pais e de Taylor. Estava enfiando um garoto na casa dela sem que ninguém soubesse ㅡ e não era um garoto confiável, do tipo que tinha permissão para estar perto, como Taehyung costumava ser. Era o último garoto que eu deveria ver na face da Terra.

Mas lá estava eu, sentada na sala de jantar de Taylor, com tampo de fórmica e cadeiras acolchoadas em vinil vermelho ㅡ herança da velha casa em Burbank, junto com a banda. As flores de plástico desbotadas continuavam decorando o vaso de vidro, ao lado das frutas de borracha. Fazia meu dever de casa de Álgebra enquanto Jungkook bisbilhotava entre as bugigangas esotéricas no armário da sala.

Minha cabeça se perdia entre os cálculos e a pele dele, exposta sob a camiseta.

Ele havia chegado no horário previsto, afundando as botas no gramado da frente, soprando a fumaça de um cigarro mentolado. Tinha o braço apoiado contra o umbral depois de tocar a campainha.

ㅡ Foi aqui que pediram uma pizza? ㅡ disse ele, antes de me girar em seu colo e me dar um beijo com gosto de nicotina.

Do armário de Taylor, trouxe livros de efemérides e tabelas de casas astrológicas. Com as luzes apagadas e algumas velas acesas ao redor dos papéis com odor de celulose corroída e mofo, tentei calcular sua numerologia. Ele havia nascido em Busan, na Coreia do Sul, às três e vinte e cinco da madrugada, no dia 1º de setembro de 1979.

Debruçado sobre os papéis, enquanto eu fazia os cálculos, ele lia em voz alta as descrições dos livros. Fiz notas mentais, analisando os resultados com um raio fingido de indiferença: Jungkook era do 1º decanato de Virgem, com casas astrológicas posicionadas em paixões ardentes ㅡ um beco estreito entre um coração que ardia com um ascendente e uma Lua de fogo que incinerava suas emoções instantaneamente. Ele era apaixonado, intenso, com uma Vênus exigente em assuntos de amor. Amado e amante, do tipo abnegado, adicto, performático.

Passei os olhos pelo fim da descrição, que elaborava parágrafos sobre o desempenho sexual segundo as posições astrais. O termo rolou pela minha boca, descendo pela garganta, quase intragável.

ㅡ Se estiver entediado e quiser ir para casa, tudo bem. ㅡ sugeri, e ele moveu os olhos para longe do livro. Eu podia ver sua boca acompanhando a leitura de forma sutil.

ㅡ Não tô. ㅡ Ele me deu um sorriso amarelo. ㅡ Gosto da sua companhia.

Atravessou a sala até os discos da Taylor, seu pequeno paraíso sonoro, eu suspeitava. A cada expressão de surpresa com um disco ou outro da coleção, me exibia a capa com aquela empolgação quase infantil. O som gutural de surpresa quando via aqueles álbuns oitentistas, idênticos às fitas que possuía em uma caixa de sapatos no quarto. Seu mundo inteiro reunido em quatorze fitas com músicas de uma década passada. Como um recorte temporal de outro tempo no qual se enfiava para se afastar daquela realidade. Mas ele amava, e conhecia cada música. Às vezes, reconhecia o artista pelos malditos riffs de uma guitarra. Analisava por um segundo e meio e estava lá com a resposta: banda, vocalista e suposto executor do feito, veio até a mesa outra vez.

ㅡ Soube que vão exibir Romeu e Julieta no drive-in hoje ㅡ comentou. ㅡ Consegui pegar a frequência da rádio com o Tanner. Pensei que poderíamos assistir, se você não estiver cansada demais...

Ele pressionou a boca contra a minha. Eu podia sentir seus dentes roçando nos meus lábios, que se abriram ligeiramente para recebê-lo. O jeito que Jungkook me olhava sempre fora uma oferta diligente de feitiço inquebrável, mexendo comigo. Ele parecia me ver através de tudo; um tantinho de pele, músculos, nervos e ossos, enxergando as verdades inquestionáveis antes mesmo que eu fosse capaz de escondê-las apropriadamente. Meus dedos, perdidos, subiam da rota dos ombros até o pescoço. Os fios de cabelo da nuca estavam úmidos de suor.

ㅡ Não estou... ㅡ Tinha sido pega bocejando, com a cabeça quase apoiada contra o livro de Álgebra.

O drive-in ficava no terreno aos fundos da casa da Taylor. Da mansarda de sua janela, era possível ver a lateral do telão de exibição e, com a frequência correta da rádio do cinema, podíamos assistir a qualquer filme diretamente da casa.

No rádio que Taylor mantinha no quarto de hóspedes, com a frequência ajustada, podíamos sentar na mansarda e acompanhar o que estava sendo exibido. Às vezes, víamos os casais nos carros, mandando ver enquanto algum filme era exibido.

Ficamos ali, aquecidos por um cobertor colorido roubado do armário, assistindo à parcialidade de um filme por entre as árvores do quintal da Taylor, quando o filme já estava em progresso. Leonardo DiCaprio, com sua camiseta havaiana, andava por uma Verona Beach teatral e pintada de vermelho. O filme usava o diálogo original da peça, algumas falas que eu sabia de cor, como o presságio de Romeu ou os monólogos de Julieta: Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira.

ㅡ Se não fosse atriz, o que você seria? ㅡ perguntou ele.

ㅡ Nunca pensei sobre isso. Queria que essa coisa toda de atuar realmente funcionasse. Mas talvez me tornasse uma expert no estudo das borboletas. E você?

ㅡ Acho que seria professor de literatura. Talvez tocasse em uma banda, tocaria baixo. Nada de guitarra. Todo cara quer tocar guitarra.

ㅡ Eu poderia te imaginar em uma banda de rock ㅡ disse. ㅡ Também teria que usar calças justas de couro.

Jungkook riu. Aquela não seria uma preocupação para ele, eu pensei.

ㅡ Acho que faria algo como os Smiths, mais confessional, sabe? Um pouco melancólico. Mais parecido comigo.

ㅡ Então você seria o ídolo pendurado em minha parede. E eu cantaria suas canções ao lado do rádio.

ㅡ Ou poderíamos ter uma vida mais tranquila. Viver em uma fazenda de morangos, quem sabe com uma pequena criação de porcos, teríamos um Ford 88 azul e quem sabe um cachorro com nome bobo. Tipo Luther ou Spike. Talvez uma ou duas crianças correndo livres no pátio. Poderíamos ler Whitman na varanda toda noite, deitar para ver as estrelas ao lado do balanço de uma velha árvore, iríamos à missa todo santo domingo e também sairíamos para dançar quando as crianças tivessem idade o suficiente. Seria uma vida boa ao seu lado.

Imaginei aquela ideia distante de uma pequena e limitada vida no interior, vivendo no condado de Hillsborough, no meio de uma plantação de morangos açucarados e flores silvestres, cerejas em conserva preenchendo os armários da cozinha de madeira, pés descalços no concreto quente no verão. Pendurando as toalhas de praia no varal, carregando a prole de Jungkook em meu ventre, misturando a expressão genética que resultaria na pequena criatura amada que passaríamos a chamar de nossa. Às vezes, odeio essas memórias e quero desmembrar essas expectativas, esse gosto de "e se" que permaneceu residual em minha boca, que faz florescer lírios no vazio que sobrou dele e da vida que nunca tive.

A vida que me acenava com a promessa que me enchia os olhos e o coração, uma mentira custosa de acreditar.

Ficamos ali, sonhando. Eu proferindo bobagens com minha boca vermelha como cólera pintada de tanto beijá-lo, gosto de batom roubado, ruínas nos lábios, conversando tolices que não me exigiam aprofundamento; o pavor que sentia do leão rugindo na abertura clássica da MGM, das crianças desaparecidas com suas caras estampadas em caixas de leite e sonhos em que mergulho em fendas abissais e nunca mais retorno.

Jungkook me contava analogias da própria vida como se tivesse vivido um milhão delas; às vezes parecia que os delicados dezessete anos estavam subdivididos em partes, a vida antes e depois de Roseville; entre a linha férrea, a praia, o bairro e os campos de algodão ㅡ algo havia sido extinto à força, arrancado de seu peito no trajeto como sob o efeito de lobotomia ㅡ, e os perfumes da antiga vida foram siderados, substituídos por novas memórias, novos gostos, novas feições e amores.

Falava com a distância e sabedoria de mais idade sobre abandonar a vida aqui e a cidade.

ㅡ Não quero ficar sozinha quando você for embora de Roseville. ㅡ disse ㅡ Agora que tenho você, não quero mais ficar sozinha de novo.

ㅡ Nunca mais te deixarei sozinha. ㅡ ele afirmou ㅡ É uma promessa.

Lembro de sentir o cheiro do seu perfume cítrico misturado ao suor quando pressionei o nariz contra a gola de sua camiseta, de fechar os olhos, de guardar o momento em seus detalhes. O cheiro, a palavra e a promessa.

ㅡ Preciso te dizer uma coisa antes que durma ㅡ sussurrou, senti o trajeto dos seus dedos em meu cabelo. Fechei os olhos para ouvi-lo melhor. ㅡ Não durma agora, meu amor, não durma...

ㅡ Pode me contar tudo que quiser. ㅡ Coloquei sua mão contra o meu coração.

ㅡ Nunca disse isso pra ninguém, mas...

Com a cabeça recostada em seu peito, o tamborilar tranquilo do coração embalou meu sono, as luzes hipnóticas do drive-in se moviam lentamente, carros engolidos pela escuridão fantasmagórica ou pela terra batida que se abre e devora, até pesar os olhos. Doce Romeu que se esvai. Amarga Julieta que permanece e chora. Noite de primavera estrelada, grilos cantando, silêncio aturdido e fúnebre. Pude ouvir, ressonante, da distância que a realidade se coloca, contra o meu ouvido, enquanto agarrava as mãos de Morfeu, do meu príncipe encantado, sua voz. Pela primeira vez, na minha vida e também na dele. As palavras se formaram naquela umidade, dissipando-se em segundos. A frase curta veio tão rápido quanto desapareceu, mas estava em todas as línguas e linguagens ㅡ nas mortas e nas ocultas ㅡ, nas que seguiam resistindo.

As três palavras proibidas. Tão íntimas quanto tirar a roupa.

ㅡ Eu te amo.



ㅡ Faça amor comigo... ㅡ A frase se alojou entre os dentes e a língua, escapou com dificuldade da garganta rígida; as cordas da laringe enlaçavam a coragem que se rebelava. Tinha a boca colada à sua orelha, derramando um ardor inédito. A sentença foi dita baixinho, assim, na mesma frequência com que são proferidas as confissões, os segredos ou as indecências.

Estava acordada há pelo menos trinta minutos, deitada ao lado dele, era alta madrugada. Havia sonhado com ele, acordado com aquele gosto na boca, uma sensação estranha entre as pernas.

Jungkook estava deitado de bruços. Eu podia ver a camada úmida de suor em sua nuca e seus ombros afundados nos lençóis limpos de Taylor. Sua silhueta repousava dentro de uma camiseta de algodão e um par de jeans desbotados que usava; sua intoxicante fragrância dourada, emanada do corpo bronzeado, alcançava os cabelos. Ao seu lado na cama, toquei com os lábios sua pele febril, sentindo o gosto salino na boca.

Ele parecia adormecido, ouvindo o rádio murmurar canções românticas da madrugada, os programas noturnos dedicados aos insones, aos amantes e aos solitários. Mas o impacto das minhas palavras proferidas assim, com tamanha displicência, trovejaram sobre a calmaria de seu coração pacífico.

Virou o rosto devagar em minha direção, uma lentidão desacreditada, surpresa, como se tivesse sido arrancado do caminho para o primeiro sonho.

ㅡ O que disse? ㅡ Esfregou os olhos, espantando o sono. As esferas negras, imensas e sombrias, perfuraram minha alma em troca de sentir convicção nas palavras. Batia os cílios negros para absorver a realidade como quem adequa a visão à cruel claridade solar da manhã.

ㅡ Quero que faça amor comigo! ㅡ repeti. Um fio de voz quase desencorajado foi engolido pela estridência da voz firme do locutor de rádio, anunciando mais alguma melodia triste tocando madrugada adentro. No chiaroscuro do quarto de Taylor, a luz do poste lateral atravessava a janela, refletindo em um espelho como um raio direcionado, e eu podia ver a parcialidade iluminada do seu rosto surpreso.

ㅡ Você tem certeza? ㅡ Havia resignação na pergunta. ㅡ Essa é uma decisão séria...

Sentia meu coração espalhado por toda parte. Nas quinas, nos quartos, na sala, na cozinha, no sótão e no porão. No jardim frontal, enterrado sob o roseiral bonito que florescia teimosamente na terra vermelha. Entre o pó e as larvas que corroíam as vísceras do chão, o chumbo envenenando o solo e aniquilando o plantio. No céu, na pequena fatia estrelada visível da janela, e na brisa fria que balançava o choupo-oriental do outro lado da rua. Um pouco de minha juventude assombrando os cômodos, presa para sempre na noite que nunca acabou; alma penada que se recusa a aceitar a morte, agarrada desesperadamente à vida que não lhe pertence mais. Assenti, aceitando a praga rogada.

ㅡ Está nervosa? ㅡ Senti a ponta do seu dedo contornar seu nome em meu ombro. Primeiro o J bonito, como Jesus, Juventude e Jasmim. E então o meu, com o S insosso de som fricativo, desenhado com a firmeza de sua caligrafia. Sublime, solstício e saudade. Nos lábios da criatura amada, no nome dele e também no meu.

ㅡ Não. ㅡ respondi, mas era mentira. E talvez ele também soubesse, pela maneira como minha boca parecia trêmula, naquele silêncio perceptível que conseguia enxergar através da óbvia verdade; das mãos suadas, gélidas, da respiração pesada. Do coração chocando-se contra o peito em desespero. Afinal, o que sabia sobre fazer amor?

ㅡ Tudo bem se estiver ㅡ Beijou o dorso da minha mão com cuidado. ㅡ Também é a primeira vez que faço isso.

A tensão constante se desfez.

ㅡ Você pode me ensinar? ㅡ A minha pergunta pareceu reverberar pelo cômodo. A demolida torre do medo se transformara em ruínas de coragem, enquanto os sinos fantasmagóricos da velha catedral, que outrora marcavam o toque de recolher, soavam apenas em minha memória. Eu havia me rebelado contra aquele chamado, caminhando deliberadamente em direção ao perigo que rondava além da hora de dormir.

ㅡ Te ensino tudo que quiser. ㅡ Jungkook engoliu em seco, os olhos cravados nos meus. Ergueu minha mão para junto da boca, beijando a palma, e tocou meu rosto com uma delicadeza hesitante. Rezei por Jungkook em silêncio quando ele me tocou. Um Pai Nosso para cada beijo. Rezei por sua alma. Uma Ave Maria para cada toque. E, consequentemente, pela minha.

ㅡ Feche os olhos. ㅡ Trilhou um caminho de beijos de minha testa até as pálpebras, então sobrancelhas, bochechas, boca, queixo e pescoço.

Se moveu tão rápido, de joelhos, no escuro, puxando meu corpo para perto do seu com aquela voracidade faminta, sem pejo. Me beijou com ânsia; a boca com gosto de sono espantado, a língua ainda feita de fome, abrindo o apetite do desejo. De toda maneira, não seria razoável esperar algo diferente; Jungkook era, afinal, um jovem e, consequentemente, vigoroso.

Tinha uma mão em minha nuca, a outra em minha cintura, tão firme que sentia aquele calor ultrapassar o tecido fino do vestidinho; da pele arrepiada, da camada de músculos frágeis e da mortalidade preenchendo o corpo.

ㅡ Beije-me mais. ㅡ sussurrava entre as linhas cortadas de comunicação não-verbal, a elipse dançando entre as orações fantasma; me morde, me pega, me arranha. Na pausa que oferecia para me olhar de perto, respirando os ares que não saíam de meu corpo. Um pedido que virava ordem de execução; sua boca na minha de novo. De novo e de novo.

Tire a minha roupa... ㅡ murmurou ele. Sua mão guiou a minha até a base de sua camiseta, que ergui devagar, atendendo ao comando, observando-o desaparecer sob o tecido, abrindo os olhos somente quando a peça escorregou pelos braços, acima da cabeça.

Notava a sombra escura dos pelos cobrindo as axilas, assim como a trilha que corria do seu umbigo para dentro do jeans. Sua pele suntuosa e dourada, quente e pegajosa, que parecia sempre afetada por um calor que nutria, como um verão inclemente guardado no próprio peito que me atentava o desejo de experimentá-lo com a língua. Eu via as veias saltadas em suas mãos, como um Nilo azul, contornando o pulso, o Sudão engolido pela aridez tropical, até o antebraço, atravessando um Quênia imaginário. Meus dedos seguiam esse trajeto, rumo ao norte, até Uganda, desaparecendo no mapa. Era a mesma imagem que surgia quando os trabalhadores do parque erguiam os braços, jogando os pesos por cima dos ombros, músculos tensos, tesos, empurrando os equipamentos para o vazio do descampado do Cottonland. Como eles, Jungkook também já era homem feito.

ㅡ Eu posso? ㅡ perguntou ele, tocando a base do vestido, erguendo-o até a altura das coxas, buscando aquele aval que teria quase imediatamente. Assenti. Não conhecia o itinerário do "fazer amor" à risca, mas sabia que eram necessárias as etapas mais constrangedoras, como tirar a roupa, deixar que o outro visse tudo, tudinho, sem parte alguma oculta.

Sentia calor. E medo. Porque suas palavras tinham dedos, língua úmida e vontade, e me tocavam por dentro da roupa. Debaixo da pele, no coração.

A mão acompanhando o tecido, até estar livre da peça. Subitamente, cobri minha nudez com os braços, feito um escudo. Mas até mesmo essa última barreira, Jungkook a atravessou e desfez. Já não restava nenhuma luta a ser travada; há muito tempo eu havia deposto minhas armas, e minha resistência havia se exaurido por completo. Havia cedido meu coração ao oponente, como quem entrega a rainha frágil a um peão experiente.

ㅡ Me deixe ver, uh... ㅡ sussurrou contra a minha orelha, ele pediu. ㅡ Não precisa ter vergonha de mim.

Seus dedos mornos tocaram minhas mãos com delicadeza, descobrindo a vergonha, o medo, a feiura em mim. Guiou meus braços para perto, envolvendo meu corpo como um laço ao seu redor. Podia sentir o calor dele vibrando nas palmas de minhas mãos quando toquei seu peito nu, tremia feito vara verde ㅡ de nervoso e de desejo.

Tocou a minha pele nua como se eu fosse feita de cristal, deslizando os dedos delicadamente pelo contorno das costas e, então, dos meus seios. Seus polegares raspando em minhas aréolas, provocando um arrepio pelo corpo inteiro, descendo pela cintura, onde suas mãos pareciam se encaixar com a precisão de um molde original; minhas costelas eram uma gaiola de ossos, meu coração, um pássaro da inocência. Jungkook planejava libertá-lo.

ㅡ Você é linda. ㅡ Ele encostou a boca junto ao meu ouvido. ㅡ Por Deus, como é linda!

Outro beijo, dessa vez mais lento, mais molhado, mais gostoso. Beijo sem fim que não parava nos lábios; devorava pescoço, orelhas, lambuzando bochechas, e, então, minha boca outra vez. Raspava os fios de seus cabelos em meu rosto, grudados no suor e na saliva.

Desafivelou o cinto, abrindo o botão e o zíper, livrando-se da calça com uma facilidade prosaica. Permaneceu usando a peça de baixo: a cueca de algodão branco e azul. Podia ver a ereção marcada no tecido puído, um pouco úmido, que tocou sem gentileza com sua palma agigantada.

Se aproximou com aquelas mãos quentes em meus quadris, a testa colada junto à minha, as chamas acesas em seus olhos escuros ardiam.

ㅡ Deita aqui. ㅡ ordenou, mantendo os olhos fixos em minha boca. Eu tinha minhas mãos amparadas em seus ombros, como uma dança a dois, podia ver as unhas roídas, o dedo indicador enroscado em um pedaço de esparadrapo branco, a consciência de minha aparência ridícula e vergonhosa, que não parecia afetá-lo. Enroscou os dedos na base da minha calcinha, puxando devagar por entre as coxas, arremessando a peça em um canto qualquer do carpete, junto às suas roupas.

Estava nua, em pelo e pecado.

ㅡ Posso te tocar aqui? ㅡ Ele perguntou em um sussurro contra a minha orelha, lambendo a ponta dos dedos antes de deslizar pela luz dourada de pelos finos que cobriam meu umbigo. ㅡ Posso te tocar do jeito que quiser?!

Jungkook olhava diretamente para os meus lábios, ansiando a resposta, as palavras se embolavam em minha língua, tropeçando nos nós pesados da decência, amarrada, feito tiras de um espartilho. Seus mil olhos atentos mal piscavam.

ㅡ Pode. ㅡ A palavra saiu com dificuldade, como se por mecanismo manual.

O toque. Aquele toque. O movimento lento, contínuo, que forçava minhas pálpebras para baixo, minhas pupilas para cima, contorcendo cada fibra do meu corpo em êxtase. Ele acompanhava as minhas expressões como se as imitasse, feito um mímico numa pantomima. Erguendo o queixo, franzindo as sobrancelhas, então, mordiscando os lábios.

Acariciou meus seios com os polegares e os devorou, engoliu; primeiro um, então, delicadamente, o outro: deslizando contra a aspereza da sua língua, apalpando e sugando tão devagar que meu raciocínio se desmanchou em seiva, escorrendo por entre as fendas da pele; limpa, pura, com gosto de desejo e aquela outra palavra proibida. Uma obscenidade que ele havia me ensinado.

ㅡ Você está tão molhada. ㅡ Ele arfava, acompanhando o trajeto da mão livre até o meio das coxas, lambuzando os dedos em mim para levá-los de volta à boca. De olhos fechados, experimentava o gosto, com apetite insaciável, que contorcia suas feições em algum delírio.

ㅡ Isso... isso... é... ruim?

Ele fez que não com a cabeça: ㅡ Pelo contrário ㅡ respondeu. ㅡ É delicioso!

ㅡ Às vezes imagino como deve ser gostoso estar dentro de você. ㅡ ele riu, mas com timidez. ㅡ Fico com tesão quando penso na gente desse jeito, quando penso em você desse jeito, do jeito que está aqui, agora...

A ideia de vagar pelos seus pensamentos me deixou excitada. Imaginei as expressões, os delírios noturnos, me perguntando se ele sussurrava o meu nome ao atingir o ápice, exatamente naqueles momentos em que minha versão imaginada ganhava forma. Eu e o prazer dançando em seu corpo. Sabia que tudo o que o corpo liberava era sempre resultado de intensa emoção; tristeza, prazer ou forte instinto de necessidade.

O abajur de Taylor projetava algumas sombras em seu rosto, um contorno dourado ao redor dos cabelos que caíam sobre os olhos, uma pintura delicada. Jungkook riu, mansamente, varrendo para longe a camada dos seus cabelos tão negros, enquanto beijava cada centímetro de minha pele. Meus ossos delineados na carne, minhas mãos inábeis, minhas coxas fracas, meus tornozelos sem força.

Penso que é engraçado como ainda tenho essa memória, como ainda posso sentir o calor dela; desde a pressão dos seus dedos, que seguiam uma excursão com sua boca logo atrás abrindo o caminho, até sua respiração ofegante, despejando doçuras em minha pele.

E me beijou lá. Até os seus lábios doerem.

Sentia suas mãos espremendo as coxas magras ao redor dos ombros, podia ouvir as coisas que me dizia, as palavras impronunciáveis, tão íntimas, secretas e apaixonadas, não caberia citá-las aqui, deixo um espaço aberto para a imaginação.

Ele murmurou e gemeu. De boca cheia. Erguendo os olhos em minha direção, podia ver o nevoeiro do êxtase cobrindo a íris. O último véu rasgado, aniquilando a pureza da criatura, até então indeflorada, enquanto ele engatinhava de volta até a minha boca, tão quente, úmido, com suas mãos macias em todos os lugares.

De olhos abertos, eu via Jungkook entre uma cortina negra de seus cabelos, devorando os meus lábios. A agonia indissolúvel que parecia não encontrar nenhum alívio. Mordia minha boca, pronto para me arrancar pedaços. Pressionando minha mão aberta contra o próprio coração. Seu coração aliviado batia tranquilo. Num compasso ritmado e seguro, feito canção de amor.

Deslizei a palma para baixo, até tocá-lo em outro lugar pulsante.

ㅡ Posso te tocar? ㅡ A pergunta fez com que ele soltasse um suspiro ruidoso, uma palavra suja, que se enroscou em outra adoração autorizada. Assentiu.

ㅡ Pode, eu gosto... ㅡ ele disse ㅡ Eu gosto quando me toca assim com seu amor.

Minha mão correu para dentro do tecido fino, e sua boca despencou para baixo sem emitir nenhum som. Parecia uma criatura mansa, em êxtase, puxando o elástico da cueca para fora do corpo; à medida que o tecido desaparecia, me oferecia mais liberdade para tirá-lo do eixo. E então, guiou o movimento da mão debaixo da sua; estava completamente nu, teso e lindo diante de meus olhos. De minhas mãos ansiosas.

A cargo de uma curiosidade diabólica, prendi seus lábios entre os dentes, alojando o macio pedaço de carne cujo gosto era somente de pele marinada em desejo. Ele revirou os olhos. O sangue verteu em carnudo lábio inferior brilhante, maltratado e mordido.

Encaixou-se entre as minhas coxas com um movimento lento. Gostei da sensação do seu peso contra o meu corpo, da sua pele sobre a minha pele. Suados. Úmidos. Perdidos de amor.

ㅡ Padre Stane me disse uma vez que os serafins são os primeiros a receber os raios da sabedoria divina, os primeiros a se incendiar nas chamas do brilho de Deus. Dizem que até experimentam êxtase por serem os primeiros a queimar. ㅡ Jungkook disse, afastando um cacho do meu cabelo em direção ao travesseiro, para longe do rosto. ㅡ Sempre penso nisso, se anjos podem mesmo sentir prazer...

Deslizou os lábios em meu queixo, a língua molhada em meu pescoço provocando um arrepio, rumando à orelha. Tinha a mão enfiada em minha nuca.

A frase ecoou como um segredo retirado de uma gaveta empoeirada.

Quero descobrir se é verdade. ㅡ disse ele. Murmurou algumas outras amenidades em meu ouvido, mas por um longo tempo, minha mente não conseguiu transformar em palavras o calor trovejante do seu sussurro.

Fiquei presa ali. No anjo, no prazer e no fogo. Imaginando se ele seria o deus impostor, lançando seu brilho sobre o anjo condenado de porcelana, cujas asas de argila o impediam de alçar voo. Os serafins cobrem o rosto com suas asas, pois não podem contemplar a face de Deus. Não são dignos de sua presença resplandecente; mas eu tinha visto o rosto de um.

Esfregando seu corpo no meu, Jungkook parecia ensaiar uma antecipação romântica; nós dois ali, completamente despidos, sentindo a pele na pele. Com seu braço estirado ao lado de meu dorso, a outra mão, sustentando sua vontade entre os dedos, deslizando sobre a carne úmida como um pincel riscando uma tela em branco. A tinta fresca deixava um rastro na nova pintura. A sensação boa me fazia conter os gemidos com a mão contra a boca.

ㅡ Desculpe se eu não for boa como as outras garotas com quem você já fez isso...

A lentidão do seu movimento ganhou um pouco mais de ritmo, e ele se enfiou em mim. Era lindo. Era lindo. Era lindo. Como poderia Deus e o diabo coexistirem na mesma pessoa?

ㅡ Isso é impossível...

Pressionando os lábios um contra o outro, os cabelos colados à testa, o suor proveniente de algum calor absurdo que tomava a noite e o derretia, de dentro para fora. Ele movimentou o corpo, devagar, centímetro a centímetro.

ㅡ Vai doer só um pouquinho agora ㅡ a contrição da sua voz superaquecia minha orelha, seu dedão raspou contra a minha bochecha antecipando um beijo. ㅡ Não vai durar muito, eu prometo.

Senti o aperto contínuo, a pressão rompendo algo estranho entre as coxas, uma ardência desconhecida. Apertou minha mão contra seu ombro. E então, ele estava inteiro dentro de mim.

"Foi." Cochichou. Meu campo de visão permitia ver seu rosto em um primeiro plano, sua testa colada à minha, os lábios abertos, sorrindo, e os olhos movendo-se para baixo, em direção aos quadris.

A dor veio primeiro, lancinante. Ardente.

Senti vontade de chorar, também de sorrir. De espantá-lo de mim, de puxá-lo mais para perto. Arrastada a sensação que me movia para cima e para baixo, fazendo os olhos de Jungkook fecharem, como uma criatura filhote embalada em braços maternos.

Ele se movimentou, devagar, assistindo minha curiosa expressão. Também queria observá-lo como costumava estudar as pequenas crisálidas com suas crostas abrindo-se devagar, em seu próprio tempo, vendo a primeira asa de uma borboleta escapando para fora da pupa úmida, as asas moles que levavam algumas horas até estarem prontas para um voo. Contudo, mal conseguia manter os olhos abertos, a sensação quente perfurava por dentro. As lágrimas escorriam sem parar.

ㅡ Estou te machucando? Posso parar se...

ㅡ Não... pare... ㅡ Meu queixo batia, os dentes chocando-se um contra o outro de maneira audível e vergonhosa, mal conseguia sustentar as pernas com firmeza, a carne parecia se desenroscar dos membros, ameaçando cair. ㅡ Continua...

Não era dor. Nem era alívio. Ainda não era prazer. Era uma agonia sem nome, tão inédito quanto o calor que atravessava meu coração.

Jungkook suspirava, gemia, tremia em meus braços. Me olhava nos olhos. Na alma.

Sussurrava suas obscenidades em voz baixa: sobre calor, aperto, umidade e gostosuras. Tudo em meu corpo. Tudo naquela pequena brecha com acesso à alma, que podia ser dedilhada, tocada e por onde ele podia entrar e me levar com ele, de mãos dadas com a nova sensação que era sentir amor. Amor de homem. E também de menino. Amor de morte.

Acariciava as costas dele, seus ombros, as cicatrizes. Nunca tinha visto Jungkook tão bonito como naquela noite. E não era só beleza, era algo mais profundo do que isso. Mais suntuoso e sublime.

Ele se moveu com agilidade, penetrando uma profundidade misteriosa em meu corpo, uma vastidão que apenas ele era capaz de explorar. Fechou bem os olhos, para abri-los somente nos minutos finais, bem diante das minhas retinas.
Minha mão apertava sua nádega, de pele arrepiada; a outra mantinha a quantidade considerável de seu cabelo comprido entre os dedos, longe dos olhos, do rosto daquele Jungkook de sobrancelhas franzidas, de lábios úmidos e arranhados, de língua amaldiçoada. A dor dando lugar à sensação gostosa, o prazer vindo como uma maré distante. Fechei os olhos para me concentrar nela; podia reconhecê-la, a pequena faísca de incêndio que consome tudo ao redor.

Pude ver o sangue nele. O sangue em mim. Manchando a pele fina das minhas coxas. Como o sangue no cabo da rosa, e tudo que sangra leva a alma com ele.

Os gemidos e suspiros se tornaram os sons mais trocados durante aqueles minutos, passando suavemente de seus lábios para os meus, e então dos meus para os dele.

Eu te amo, eu te amo, eu te amo. ㅡ Ele cantou. Deitado sobre o meu peito, acolhido em meus braços, exaurido.

Ainda podia senti-lo, mesmo depois de ele ter deixado meu corpo. Uma parte dele parecia ter se alojado para sempre, como uma criatura calcificada no útero. O pulsar dele ainda ressoava em mim, a estranheza quente do meu ventre recém-visitado. O prazer que fica para sempre. Era como se Jungkook estivesse mais presente no meu coração do que jamais esteve.

Lá fora, a cidade parecia estranhamente silenciosa. O mundo parado. Senti uma tristeza inexplicável, me via como instrumento de minha própria desgraça. Desgraça da casa, da família, a filha perdida, de honra arruinada. Porque nunca me senti sozinha em toda a vida como me senti naquele momento em que Jungkook saiu de mim. Queria rir e chorar. Queria beijá-lo e queria compreender a tristeza sem nome, e pensei que talvez fosse a despedida da infância. A transição brutal, o abandono da pureza com uma dose de coragem que transbordou no copo antes de ser bebida em dose única. Não era mais menina. Nunca mais seria.

E me perguntava, o que seria de minha vida sem ele? O que existiria depois de Jungkook?

De alguma forma, sabia que a profecia se cumpriria, cedo ou tarde.

E a prova estava na sujeira. Estava suja dele. Do gozo doce. De amor consumado. Suor salgado. Beijo lambido. Sua língua esticada dentro de minha boca naquela selvageria. Do sangue puro. Outras desgraças que me foram avisadas com a antecedência de quem descreve um acidente fatal em câmera lenta.

Que Jungkook era rapaz imundo, com gosto de outras mil bocas, com cheiro de outras mil bocetas, e que me levaria à ruína. A palavra proibida que desamarrava ciúmes dentro do peito. Meus ossos encardidos de tantos pecados que corromperam a alma. Aquela podridão, cantada como um mau agouro, me alcançaria também; Jungkook era o filho infeto, a criança que não foi parida pela mulher cujo ventre morreu primeiro, e a alegada mãe, sem rosto e com nome qualquer, padeceu de desvario. Que outro ventre poderia produzir tão feio parto?! Arrancou-se da própria vida como fazem os covardes, deixando a insanidade como herança ao rebento cujo coração era uma bússola e o norte era a tragédia. E quem ousa tocá-lo, estará condenado também.

Pensei que em algum momento da minha vida, Jungkook seria só uma voz distante demais para ser ouvida da segurança de minha redoma. Os pneus do seu carro cantariam em outros jardins, ameaçando a cautela de outros pais, causando euforia para outra garota, e para mim, seriam somente os sons do tráfego, dos perigos noturnos dos quais sempre me mantive distante. Deveria tê-lo odiado com a mesma ânsia que desejava tê-lo dentro de mim.

Havia sido uma duplicidade monstruosa, a que nos abateu; o amor e tragédia. Uma paixão desmedida nos atravessando como os primeiros amores costumam fazer. Eu ria dos comentários cínicos do meu pai sobre qualquer sentimento distante demais de minhas próprias considerações, sobre como o amor nos faz de bobo, e chega no seu passo, inofensivo, rotineiro e bonito, deixando um rastro de destruição brutal, a cicatriz dura a vida inteira. A orgulhosa marca de sua passagem, assinalando sua presença além do corpo. Ele dizia que amores assim marcam mais que os cinzentos dias de uma guerra. E penso que tenha sobrevivido a algo parecido.

Depois dos bombardeios e a clemência implorada, é estranho pensar no silêncio de um coração que já foi tomado por todo aquele barulho; todo o movimento e reviravolta do sentimento que vibra, grita, arranha, quebra e faz ferida. Ferida viva que ele deixou em mim.

E me pergunto se fui eu que cultivei a semente que germinou a desgraça de Jungkook. Se fui eu que plantei a cruz no fundo do seu peito quando disse que o amava, proclamei a sua morte com minha odiosa inocência, fui o tumor maligno ocupando lugar no coração; nunca extinto ou extirpado. Meu amor mais puro, com gosto amargo de veneno, partiu do meu doce ódio. Do meu inimigo favorito, condenado à morte desde nascença, cuja sentença irrevogável era eu.


❀ ༄ ઼° ○ ❀ °○ ❀ ༄ ઼°○ ❀

#garotosmiths


N/A:

Olá, feliz 2025! Como vocês estão? A pré-venda de Badlands terminou, mas em breve teremos a pré-venda do segundo volume, assim que o livro for concluído! E, antes de mais nada, quero agradecer a todos vocês que apoiaram meu trabalho e o lançamento do livro. Isso significou muito para mim!

Estou devendo esse capítulo há meses, né? Eu sei! Mas aqui está, e já adianto: domingo que vem tem mais! Dessa vez, vou pedir um biscoito: por favor, deixe um comentáriozinho e não se esqueçam de votar. Vocês não imaginam o trabalhão que foi escrever esse capítulo!

Bom, espero que gostem da leitura. E até dia 19!

ㅡ Com amor, Sô!

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro