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Capítulo Quatro (Sete minutos no Céu)

There's a club, if you'd like to go
You could meet somebody who really loves you

— How Soon Is Now, The Smiths.

🦋

Roseville, 1996.

Os segredos. A voz. O beijo marcado no dorso da mão.

Às vezes, gostava de pensar que as aproximações de Jungkook não passavam de uma mera coincidência de situações específicas. Por um tempo, acreditei que se tratava disso.

Sempre nos vi como criaturas de universos completamente diferentes, realidades distintas demais para se cruzarem em algum ponto. Mas havia uma única coisa que compartilhávamos com igual intensidade e talvez tenha sido isso, antes de qualquer outro atributo igualmente encantador, que tenha me feito admirá-lo tanto: seu coração e o meu pareciam, inconscientemente, bater na mesma sintonia.

Por muito tempo, o evitei a todo custo.

Me perguntava se os desvios educados provocavam nele uma curiosidade indevida, quando avançava em outras direções e fugia de seu olhar de caça, da sua presença mortificante, da ideia de que ele poderia facilmente me encontrar.

Derrubando meus livros de propósito para ter mais tempo de pegá-los, ajustando os cadarços mais de uma vez em uma sequência intercalada de estica-dobra-passa-e-puxa e então de novo, até que não fosse mais capaz de encontrá-lo em meu campo de visão e aquele ambiente se tornasse outra vez um lugar seguro. Apenas com o intuito de que ele desaparecesse sem que fosse necessário um cumprimento educado. Seu olá cheio de significado.

Minhas rotas de fuga eram só vícios mecânicos de impulso reverso e Jungkook era um Oásis de salvação pintado como miragem.

Algum tempo depois descobriria, sem os esconderijos secretos de minha timidez velada e minha hostilidade disfarçada de distração, que os esforços não eram válidos, porque nunca consegui escapar dele. Nem sequer uma única vez.

Mas naquela tarde, excessivamente quente e de céu nublado, que encerrava o último mês da Primavera, assim como o último dia do semestre letivo, a lista manuscrita em papel timbrado, com a caligrafia dedicada e cuidadosa do Sr. Min havia sido colada ao mural principal da escola. Ao longe, vi Jordana com as mãos apoiadas contra o painel, afastando o restante dos garotos para longe com os cotovelos, na tentativa de ler o enunciado.

Um mar de cabeças parecia flutuar como uma camada densa ao redor do quadro de acrílico feito rêmoras cercando o espiráculo de um hospedeiro. Jack Patrick, um veterano, pulava animado no meio do pátio, beijando a namorada — que segurava a tiracolo.

Patrick era popular e esnobe. O ego herdado de um pai famoso. Todos no clube de teatro percebiam sua vontade de levar um legado ao estilo John Bender adiante, mesmo que ninguém tenha, de fato, pedido por aquilo. Anos mais tarde, encontraria Jack Patrick com seu cabelo loiro esvoaçante que tirava as meninas do sério, servindo drinques no clube de polo que James costumava frequentar, depois de conseguir uma condicional na Penitenciária Estadual. Havia sido acusado de agredir a ex-mulher, a mesma garota que alguns anos antes estava presa ao seu redor feito um torniquete, debruçada amorosamente em seus lábios.

Jack Patrick nunca me reconheceu, mas eu nunca tive sequer a chance de esquecê-lo.

Empurrei minha bicicleta para dentro do portão gradeado da escola, prendendo-a ao paraciclo no pátio. A sensação que eu tinha era de que trilhava um caminho por cima de minas terrestres, uma ansiedade catalisadora que me fazia prever em quantos milhões de pedaços meu corpo se fragmentaria no caso de um passo em falso. Morreria se tivesse um não. Se meu nome não estivesse naquela lista, seria marcada pelo fracasso outra vez. Conhecia a sensação tão bem que me antecipava em senti-la.

Mas o rosto de Dana se moveu para o outro lado, claro como um holofote direcionado, me encontrando um pouco mais afastada do grupo principal, que se aglomerava ao redor do aviso com suas cabeças quase coladas à lista.

"Você conseguiu!", ela sibilou, ao longe.

Meu coração batia tão rápido que estava começando a ficar tonta.

Lá estava a lista com os nomes grifados em vermelho (a peça nº 12 na caixa).

Os gritinhos abafados de Jordana converteram-se em puro contentamento e um abraço apertado que tirou meus pés do chão, fazendo-me afundar no cheiro cítrico de seu perfume. Senti todas as coisas que me eram lícitas, todas as alegrias e tristezas. Tudo. Ao mesmo tempo.

Era a primeira vez que conseguia um papel importante. Um destaque. Seria a Wendy Darling de um Peter Pan colegial e metido chamado Jack Patrick. Mesmo que até ali a sensação traidora de insuficiência já tivesse dado as caras. Talvez tenha sido naquele momento que ela me escolheu como companheira.

A felicidade fora tanta que abalou os meus sistemas, as camadas de meu córtex cerebral colapsaram, não tinham sequer absorvido as informações para anexá-las em arquivos seguros, discerni-las de outras emoções sem a complexidade da minha inquietação, mas nem mesmo ela, em sua força absoluta, foi suficiente para me fazer esquecer as preocupações sobre Jungkook e os acontecimentos da noite passada. Não havia contado nada a Jordana, muito menos a Taehyung. Não sentia que era um assunto que pudesse ser confessado a qualquer um.

O que diria, afinal?, eu pensava. Que não parava de pensar em um beijo inofensivo no dorso da minha mão e que o garoto cuja vida inteira fui ensinada a manter distância, parecia cada vez mais próximo?

Odiava pensar que se tratava disso. Que meus esforços para passar despercebida só me renderiam um coração partido e, no fim das contas, seria reduzida ao número simbólico anexado à existência de Jungkook, quando meu orgulho me motivou a ser aquela que sempre esteve determinada a nunca desejá-lo como todas as outras faziam. Entendi, depois de crescida, que muito do meu descontentamento injustificado e minha indiferença sem fundamentos partiam do mesmo lugar dos meus sentimentos. Aquele parecia o método mais eficaz para evitar que Jungkook chegasse tão facilmente ao meu coração, minha única chance de sair ilesa de seu feitiço. Mas como poderia desviá-lo do lugar onde ele, inevitavelmente, já pertencia?

No fundo, eu sabia que não queria que Jungkook se afastasse. Contar para alguém só arruinaria tudo. Tomaria o meu segredo de mim. O meu segredo que, de alguma forma, também era o segredo dele. A linha invisível que nos atava em um nó apertado.

Eu odiaria caso isso acontecesse.

Mas também sabia que sua aproximação poderia não significar nada, afinal.

Jeon Jungkook talvez apenas gostasse de brincar com o coração de algumas virgens ingênuas, como se seu faro aguçado e experiente fosse capaz de nos identificar a quilômetros de distância com uma facilidade prosaica. Odiava pensar nisso. Ou no número exato de bocas que os mesmos lábios que estavam tatuados no dorso de minha mão já haviam tocado, beijado e venerado. Quem sabe. A fama que o precedia na cidade nunca foi das melhores.

Contudo, quem era eu para reivindicar um posto que nunca me fora sequer oferecido?

Era tola por achar que significou alguma coisa e Jungkook era malvado por me fazer acreditar nisso. E todos esses pensamentos terríveis me assombraram com um sabor amargo que expurgava a doçura da minha fantasia. Talvez ele estivesse em algum lugar de Roseville contando tudo a Tanner e eu tivesse me tornado seu joguinho favorito.

Ao menos, se conseguisse acreditar naquilo de todo coração seria capaz de odiá-lo, me afastaria para sempre.

— Posso conseguir algo para bebermos, se quiser — Dana disse, passando o braço ao redor de meus ombros, dando uma piscadinha. Tinha experimentado Schnapps de maçã no Verão anterior e o sabor horrível e residual do álcool tinha perdurado durante uma semana inteira. Apaguei completamente naquela noite e Taehyung inventou uma desculpa qualquer para mamãe; de que eu tinha passeado duas vezes consecutivas no Chairoplane*, tinha ficado tonta e por precaução, dormiria na casa dele. Seria mais fácil ludibriar o diabo do que enganar mamãe e, embora, tenha evitado contar o meu mau feito a papai, fiquei de castigo até o fim das férias.

— Prometi a Padre Stane que ele seria o primeiro a saber caso eu conseguisse o papel — Dana revirou os olhos para minha resposta.

— Mas podemos comemorar mais tarde, então?

— Não sei, sabe que não posso ficar fora até tarde...

— Qual, é?! Não seja tão careta! Vamos pegar leve, sua mãe nem vai suspeitar de nada — Jordana costumava me chamar de Honorária Noiva de Jesus desde que tínhamos cerca de treze ou quatorze anos, quando odiava desobedecer as regras e temia a retaliação de papai e mamãe para qualquer passo em falso, e ela, como sempre, esteve disposta a viver sua vida em toda plenitude.

Talvez nem mesmo Dana acreditasse por quais caminhos cruzei depois que desviei do nosso.

Tudo bem, — disse — posso tentar ir.

Seus pulinhos animados pareciam de felicidade genuína.

— Às 19h, na casa do Tae, então? — ela perguntou, pressionando os lábios contra minha bochecha.

Dana sempre teve um certo poder de persuasão, talvez ela fosse como a parte corajosa que nunca fui. Que agarrava a vida com unhas fincadas na carne. O medo sempre foi um fantasma que me assombrou tal qual uma sombra crescendo, gradativamente, ao meu redor à medida que me tornava mulher. Os paliativos me deixavam menos vulnerável, mas nunca me livraram do medo em sua totalidade.

Às 19h! — respondi.

Todavia, a tempestade daquela tarde, que começou com gotas inofensivas que tentei tocar com a língua estirada para fora, provando o sabor de despedida da estação, nos tirou do pátio da escola em direção ao gazebo lateral. No caminho até a igreja, tivemos que apressar o passo por entre o corredor secreto que interligava a escola e a paróquia, quando a chuva engrossou.

Jordana desviou para a rota em direção a sua casa, entre a Moon St. e a Roosevelt, com um aceno no meio da chuva, sem se importar muito se estaria encharcada até chegar ao outro lado da avenida.

Entrei pela porta frontal da paróquia vazia. Não havia nenhum sinal de Padre Stane, nem mesmo suas velas acesas às vésperas da missa.

— Padre Stane? — Caminhei até um dos bancos de madeira e desatei os nós dos meus sapatos, sentia as meias úmidas e a sensação pegajosa e gelada me causava calafrios. — Está aí?

— Ei, Monroe!

A voz. Reconheceria aquela voz em qualquer lugar sem precisar buscar por um rosto, um nome. Soprada em minha orelha feito um demônio despejando ideias mirabolantes.

O rosto familiar, materializava a criatura proibida de quem vinha fugindo desde a noite passada, revelando uma mancha arroxeada no olho direito, que estava longe de ser ao menos similar aos olhos de Céu de Padre Stane. Pelo contrário. Sua natureza era diabólica.

Ele se aproximou, ocupando a outra ponta do banco em que estava sentada. Os braços dobrados por trás da cabeça. Tinha um pingente de crucifixo pendurado ao redor de seu pescoço e mordiscava a corrente pressionada contra o lábio.

O modo como o tecido de sua camiseta escura caía em seu corpo era quase indolente. Os cabelos úmidos pareciam ter sido penteados com a ajuda dos próprios dedos, apenas com a intenção de afastá-los do rosto, mas agora exibiam suas orelhas perfuradas por argolas prateadas, os fones de seu Walkman descansando no dorso de seu pescoço e suas sobrancelhas bonitas, que sempre lhe davam um ar enigmático de vilania.

— Stane está lá em cima, quer que eu vá chamá-lo? — ele questionou, com o dedo apontado para a torre. Me perguntava como ele conseguia parecer tão relaxado, tão confortável ali, enquanto eu estava, lentamente, sufocando em agonia. Meu coração dava batidas tão fortes que tinha quase certeza que Jungkook podia ouvi-las de onde estava. E imaginava que ele, com seus dons sobrenaturais de leitura mental, sabia que era a causa daquele efeito.

Às vezes, penso que só queria ser como ele. Ter sua falta de inibições e sua coragem. Também queria me sentir tão confortável em minha própria pele do mesmo modo que ele parecia existir tão bem sendo quem era. Eu sempre me moldei conforme as situações. Era uma boa menina. A filha obediente. A aluna aplicada. Enquanto Jungkook teve a liberdade de nunca precisar fingir.

— Eu posso esperar. — respondi.

Mantive os joelhos unidos e as minhas mãos coladas por cima deles, na tentativa de me resguardar, ocupar a menor quantidade de espaço possível no banco de madeira. Queria me silenciar e desaparecer de suas vistas, caso parecesse uma criatura inanimada, talvez Jungkook desistisse de ficar por perto.

— Acho que ele vai demorar... — disse ele, enquanto invertia o lado da fita cassete de B para A. O dedo enfiado no meio do arco magnético, fazendo o movimento oposto para rebobinar.

— Não tem problema, — Estava nervosa e até mesmo as respostas mais fáceis e automáticas como sim e não, pareciam empacadas em algum lugar. Ele era intimidante e sua presença parecia tomar mais espaço do que deveria, como se suas dimensões fossem estratosféricas, agigantadas, e eu estivesse apenas buscando por um pequeno espaço para existir sem que ele pudesse me encontrar. — Posso esperar aqui.

Ficamos em silêncio por um tempo.

— Posso te mostrar algo? — ele perguntou, de modo inofensivo à princípio. — Acho que você vai gostar.

Jungkook caminhou até o confessionário e abriu a porta lateral que Padre Stane costumava usar — Vem, não precisa ficar com medo — deduzi que aquela seria a frase proferida por um demônio que havia se apossado do corpo de Jungkook, usando sua boca, sua voz. Falando por meio dele.

Por que temer se você pode viver deliciosamente?

Me aproximei com tanta cautela que consegui contar meus próprios passos; foram vinte e quatro até a porta do confessionário. O caixote de madeira de carvalho era dividido em duas bases, duas portas separadas, como um grande armário mágico; um lado para o confessor e o outro para o confidente. E entre elas, a treliça que permitia que alguma luz externa conseguisse entrar facilmente. Jungkook estava parado diante da porta como um porteiro com um convite aberto para aquele novo ambiente secreto. A primeira opção que ponderei era de que ele me mostraria alguma pichação grosseira que havia encontrado ali dentro, como costumava acontecer quando os veteranos da escola eram obrigados a se confessarem, uma vez a cada três meses, e meia dúzia de chicletes e palavras ofensivas acabavam deixadas como vestígios dos pecados que também eram forçados a permanecer enclausurados ali.

— Podemos fazer isso? — perguntei, mesmo ciente da resposta. Aquele era um lugar proibido.

— Não sei se podemos, — ele respondeu, com seu olhar vitrificado em mim — mas eu faço sempre. — Cabiam possibilidades demais no seu sempre, porque ele não fazia muito o tipo religioso. Nem parecia ser um rapaz rogado que se preocupava com as próprias blasfêmias. Será que ele trazia suas companhias e casinhos para cá quando Stane não estava? O que mais Jungkook faria escondido em um confessionário no canto da paróquia?, pensei. Se a resposta fosse a que imaginava, ele havia condenado a própria alma cedo demais ao Inferno.

— Não precisa ficar com medo — ele disse, de novo.

— Não estou. — menti, não estava disposta a me entregar tão facilmente, embora soubesse que algo no meu comportamento já havia sido o motivo para uma denúncia. Meu andar, minha fala, o modo como continuava me esgueirando de suas aproximações, sua facilidade em me ler já tinha começado muito tempo antes que me desse conta.

Jungkook olhou ao redor depois que entrei no confessionário, fechando a porta, de costas para mim. Nós dois mal cabíamos no espaço apertado da cabine de madeira. A única luz proveniente vinha das frestas na lateral, onde ponderei enfiar o rosto para não ser totalmente intoxicada pelo seu cheiro aditivo.

Senta... — ele sussurrou, indicando o banco de couro abaixo de meus dedos, enquanto ocupava o espaço entre os meus pés. Até hoje, trinta anos depois, ainda penso nessa cena: naquele menino lindo, com um rosto precocemente masculino e olhos afiados, resultado de uma herança genética privilegiada, vestindo roupas herdadas de algum outro adulto em um bazar de caridade da igreja, ajoelhado diante de mim, com sua seta fixa e mirada para o meu presente, passado e futuro.

Um aviso claro de que depois dele cada garoto, cada homem, cada criatura para qual os meus olhos se voltassem com amor, seria medida e comparada pelo seu criterioso crivo. Teria Jungkook para sempre assombrando minhas possibilidades. Meu sim, meu nunca e meu talvez. Porque só ele seria o meu para sempre. E quando digo sempre, coloco todo tempo de uma existência dentro dele. O cálculo final onde o resultado é o infinito.

Meu coração poderia até ser de outros, mas havia sido dele primeiro.

Jungkook encaixou os fones de seu walkman em minhas orelhas, rememoro isso com a mesma exatidão, como se neste exato segundo, enquanto escrevo essas palavras, meu corpo ainda esteja sob o mesmo êxtase preliminar de suspense. Meu vestido desfiado por um filete de madeira solto na base do confessionário, o mesmo que descosia as batinas de Padre Stane na altura dos seus joelhos. A sensação do couro aquecido no banco debaixo dos meus dedos, assim como o perfume de Jungkook sendo siderado pelo cheiro de lustra-móveis recém aplicado, tudo que conseguia inalar, identificar e perceber em um espaço tão minúsculo.

Tá pronta?! Fecha os olhos... — disse ele. E obedeci, como uma boa menina, a ordem que me foi imposta.

Não consegui verbalizar uma palavra sequer, mas assenti com a cabeça como se tivesse movimentado a Terra inteira em um processo de translação enquanto Jungkook apertava o botão do aparelho.

Os riffs da guitarra mágica de Johnny Marr atravessaram o meu corpo com o fulgor de um raio, me rasgaram de cima a baixo e tocaram tudo que existia lá dentro. Parecia narcotizada, uma sensação similar à que descobri alguns anos depois; doce, injetável e com gosto de euforia fabricada.

Nunca tinha escutado uma voz como a de Morrissey, mesmo que The Smiths tocasse no rádio e vez ou outra nos flashbacks marcantes das fitas de Taylor, mas eu nunca tinha elevado a experiência àquela potência. Nem sob a perspectiva daquele efeito.

De olhos fechados, eu sentia tudo. Assustadoramente, cada instrumento.

Minha pele arrepiada, respondia aos estímulos de tantas sensações acumuladas a cada vez que Marr deslizava as mãos habilidosas pela guitarra, como se possuísse centenas de dedos. Meu corpo inteiro era uma rede elétrica com circuitos danificados, disparando curtos-circuitos por todas as extremidades de um mapa fixo de fios condutores.

A música era How Soon Is Now; que ironicamente falava sobre a timidez paralisante de um eu-lírico que só desejava ser amado, aceito. As letras ainda parecem tatuadas na minha memória, porque tudo era visceral, explícito e inédito. Tudo que ainda tinha gosto de adolescência. Um sabor que nem mesmo o tempo permite esquecer. Doce na ponta da língua, rançoso no fundo da garganta.

Abri os olhos por uma fração de segundos na tentativa de garantir que não havia sido abduzida para uma realidade paralela e tudo que vi foi seu rosto refletindo a luminosidade estagnada que entrava pela treliça de madeira do confessionário, cada fio mínimo de seu cabelo iluminado pela luz que irradiava de um sonho. Seu olhar onisciente estava petrificado em meu rosto, absorvendo minhas sensações para que suas retinas fossem as primeiras testemunhas a decodificá-las.

A leve ardência que percorreu minha espinha dorsal subiu por entre o couro cabeludo, orelhas, lábios e desceu até a ponta dos dedos na ânsia de tateabilidade. Tudo parecia quente. Fervilhando. E o estado febril de meu corpo era o primeiro alerta de que o toque venéfico de Jungkook já corria, livremente, em minhas veias.

Tocando cada parte minha, aos poucos, ele me teria inteira. Pedaço a pedaço.

Introduzindo seu veneno até que todas elas estivessem amaldiçoadas pelo seu toque; as imprecações surgiriam debaixo de suas impressões digitais, queimando em carne-viva pela manhã, cravejadas em minha pele feito entalhaduras de símbolos sagrados. E seu nome permaneceria tatuado acima de meu coração como um selo hermético de proteção.

Sua aproximação repentina, quando a música acabou, me fez tremer. Me dei conta de que nunca estive tão perto assim de Jungkook. Apenas em minhas fantasias involuntárias, quando ele tomou forma debaixo dos lençóis graças a minha curiosidade indevida. Mas de joelhos, toda a luminosidade que entrava estava eclipsada pelo corpo erguido dele, formando um halo ao redor de sua silhueta.

Não conseguia ver seus olhos, nem sua boca bonita, mas sentia sua aproximação incisiva e sua respiração tocando minha testa como um vapor encalmadiço.

— O que me diz? — ele perguntou.

Tinha muito a dizer.

Passaria o resto da vida dizendo tudo que tinha sentido, se pudesse. Cada mínimo detalhe. Que aquela canção seria o princípio do meu fim, mas, significava o início de tudo, como um punhado de células pulsando, estrelas nascendo, o Big Bang. Que meus medos desapareciam em suas mãos porque seu toque era capaz de anestesiar tudo feito um antídoto. O Santo Daime*. O vinho das almas na sua mais pura essência.

Só queria que seus lábios tocassem os meus e me libertassem de uma vez daquela jaula invisível de incertezas ao meu redor. Sete minutos no Céu e estaria livre para sempre, Jungkook.

Não precisaria mais me esconder. Estaria liberta, assim como você.

Mas as batidas na portinhola do confessionário me paralisaram. No susto, alcancei a mão de Jungkook apoiada em meu joelho, segurando-a firme. Ele sinalizou um pedido de silêncio, que me fez prender a respiração, afastando a cortina roxa para olhar lá fora.

Duas beatas estavam conversando perto do altar, procuravam por Padre Stane, e talvez tivessem deduzido que ele estaria ali.

— Veja na sala paroquial, Matilda. — A mulher de estatura banal comentou e vi sua silhueta através da cortina, passando para a sala ao lado do confessionário. A outra mulher acendeu uma vela e caminhou até o banco, ajustando o véu no topo da cabeça. Fez o sinal da cruz e fechou os olhos para iniciar uma oração.

— Fique aqui, eu não demoro... — Jungkook sussurrou, abrindo a portinhola do confessionário discretamente, como quem já tivesse escapado daquela mesma armadilha uma centena de vezes, e foi até uma das mulheres, a mesma que consegui ver pela fenda.

— Stane não está na cidade hoje, caso tenha vindo para vê-lo — disse ele, para uma das beatas. Havia mentido para mim quando disse que Stane estava na torre, provavelmente queria se livrar o mais rápido possível da minha presença, eu ponderei. Ou estava só disposto a me manter aqui. A ideia outra vez me encheu de esperança.

— Obrigada pelo aviso, mas vou esperar. — ela respondeu, sem sequer olhar para Jungkook.

— Posso fazer companhia, se a senhora quiser.

— Prefiro que não faça, com licença? — A resposta grosseira só fez com que Jungkook se aconchegasse ao lado dela no banco. Retirando o maço de cigarros do bolso e prendendo um entre os lábios.

— Se importa em acender meu cigarro com aquela vela ali? — ele perguntou, estendendo-o para que ela o pegasse. A expressão ofendida da beata se converteu em desprezo, levantando do banco e arrastando Matilda pelo braço porta afora.

Jungkook sorria. Cheio de sarcasmo.

Sempre funciona.

A sensação aterrorizante e o medo de ser pega ali, com Jungkook, me fez abrir a porta no meio de um desespero claustrofóbico, me esquivei para sair, erguendo seu Walkman na palma da mão e os fones pendurados no pulso.

— Preciso ir. — balbuciei, observando sua aproximação. Respirava ar puro outra vez, sem nenhum traço químico ou que viesse diretamente de seus pulmões.

— Não pode ficar um pouco mais? Queria que me contasse o que achou dos Smiths, tenho mais músicas para te mostrar...— A brisa fresca da chuva tocou meu rosto, ardendo como uma chama, e me dei conta de que estava sendo óbvia, de que ele havia percebido. O meu medo. A minha vontade. O emaranhado de sentimentos feito uma massa cinzenta que não servia para disfarçar o meu desejo: ele me desconcertou. Embaralhou as peças do meu quebra-cabeças. E eu não conseguia mais encaixá-las no lugar.

— Outro dia, talvez — respondi enquanto ele agia com a indiferença habitual a tudo, dando de ombros. — Tenho dever de casa.

Jungkook riu.

— Você que sabe. — ele começou — Tem algo preso em seu cabelo, eu posso?! — Assenti e sua mão esticada tocou o topo de minha cabeça, onde o meio-rabo de cavalo estava amarrado com firmeza por um elástico, enlaçado com uma fita, mas desviei meu olhar e evitei seu confronto final. Ele não fez nada que meus pensamentos intrusivos haviam sussurrado em meus ouvidos. Sabia que seu jogo de me dar tudo e então nada, na mesma proporção, só me encheria de esperanças, para então, despedaçá-las em seguida.

— Pronto. concluiu. — Então, a gente se vê por aí.

Até depois — respondi, mas ele já havia recolocado os fones e pendurado seu Walkman azul no bolso de seu jeans. Aquela seria a primeira imagem do fotograma mental que manteria de seu caminhar bonito, de suas costas marcadas pelo tecido fino de uma camiseta que me dava muito para sonhar. Sua figura imponente se afastando, seu olhar por cima do ombro. Fecho os olhos e vejo a cena outra vez. Ele parecia magnético e dizer que Jungkook era lindo talvez fosse só um eufemismo barato. Tudo nele carregava beleza, e não me limito a descrever somente sua aparência.

Desci os degraus frontais tão apressada que acabei afundando meus pés em poças lamacentas que escorriam do jardim. Desviei das grades frontais, atravessando a avenida e corri. Corri como se minha vida dependesse disso. Corri como se tivesse sido, outra vez, flagrada com os olhos fixos em algo indevido. Sentia que todos saberiam. Qualquer um que me olhasse mais de perto, descobriria o meu segredo inconfesso. Conseguiria ver através de mim e encontraria o agir do veneno do Jungkook corroendo-me por dentro.

Deveria ter pedido ajuda enquanto ainda tinha tempo de me salvar.

As gotas pesadas da chuva encharcaram o tecido de meu vestido, dificultando o movimento de minhas pernas, mas só consegui parar quando alcancei a varanda de casa, com a cabeça recostada contra a parede recém-pintada de azul, ouvindo ruído de minha própria respiração. Meus músculos tremiam. Meu coração pulsava como um motor barulhento. Era capaz de senti-lo ecoando em meus ouvidos. Subindo pela minha garganta. Toquei meus cabelos outra vez, repetindo a última ação de Jungkook para reaver a mesma sensação e percebi que a fita enroscada no topo de minha cabeça já não estava mais ali.

Descobriria, pouco tempo depois, que as fitas de cabelo faziam parte de uma coleção secreta e ao invés de culpabilizar o meu desleixo em sempre perdê-las, saberia que se tratava dele, o tempo todo, roubando-as. Como todas as coisas que tiraria e deixaria em mim. Todas as partes puras que passariam a ser suas e todas as partes selvagens que herdaria como consequência.

Seu veneno já corria livre em meu corpo. E antes que eu percebesse, era tarde demais. Não havia antídoto forte o suficiente para aniquilá-lo de meu sangue, da minha carne, do meu coração, de minha alma.

Eu já era sua.

❀ ༄ ઼° ○ ❀ °○ ❀ ༄ ઼°○ ❀

* Schweppes: Bebida alcoólica saborizada.

*Chairoplane: Brinquedo de parque de diversões com cadeiras presas a um grande círculo de metal que gira no ar.

*Santo Daime: bebida alucinógena (tb. chamada ayahuasca ) dada de beber aos circunstantes durante suas cerimônias religiosas.

N/A:

Quanto tempo, como vocês estão?

Agradeço a todos que tiraram um tempinho para ler, comentar, votar e dar atenção ao capítulo. Sempre fico muito feliz com as interações de vocês e hoje trouxe uma curiosidade sobre esse capítulo: a música que Jungkook tocou em seu Walkman para a Sofi têm, exatamente, 6 minutos e 48 segundos.

Não se esqueçam que Badlands tem a tag lá no Twitter, a #garotosmiths, onde vocês podem interagir e comentar sobre o capítulo (caso sintam vontade, sem pressão!), eu sempre tô por lá lendo o que vocês colocam. Estou respondendo os comentários aos poucos, então não se assustem caso, do nada, a autora maluca comece a surgir nas suas notificações, mas saibam que sempre faço questão de ler todos os comentários.

Peço desculpas por qualquer eventual erro, sempre faço uma revisão extra durante a semana para corrigir o que tenha passado despercebido.

Obrigada a todos e um ótimo início de semana.

— S.

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