03| Custe o que custar
Capítulo três
Os dias passaram depressa, mas sempre do mesmo jeito: escola, ensaio. Escola, ensaio. Escola, ensaio. Até mesmo no domingo fui a academia, sai de lá apenas na hora de ir para cama. Hoje é terça, o que significa último dia de treino. Pela primeira vez entro apreensiva nesse sótão.
Sei a coreografia decorada, passo a passo, poderia até dançá-la de olhos fechados se quisesse, mas, ainda assim, o medo de falhar se apossa de mim. Eu não posso perder aquele teste, estar na torcida é ficar mais perto da dança, e eu amo ser a capitã das wild girls. Com a mão na maçaneta, respiro fundo, tomando a coragem que preciso. Eu vou ganhar.
Eu vou ganhar.
Eu vou ganhar.
Eu vou ganhar.
Então, repito tanto aquilo que se torna um mantra, capaz de me dar a confiança que antes faltava. Eu sou boa, ótima na verdade, e por mais que Chelsi e Cora também, não há dúvidas de que sou melhor.
Meus pensamentos evaporam assim que, silenciosamente, fecho a porta atrás de mim, o garoto da Colen não percebe que cheguei e tiro vantagem disso para continuar vendo a cena a minha frente. Não é como se conversássemos o tempo todo, na verdade, todas as vezes que estava ali e ele também não trocamos palavras além do meu primeiro dia aqui. Eu me controlo até onde posso, mas uma gargalhada me escapa ao ver que o moreno de olhos azuis está cantando a minha música enquanto enfaixa a mão para começar sua série de socos. Quando nota minha presença, ele me encara assustado, não dando tempo para pensar, ergo uma das sobrancelhas o desafiando a se explicar sobre a cena de segundos atrás.
— O que? — pergunta, como se nada tivesse acontecido
— Estava cantando a minha música? — indago, com o tom acusatório e claramente me divertindo com aquilo
— É óbvio que não, Natasha — com o cenho franzido e pela maneira que fala ele está quase me chamando de maluca ou algo do tipo. Mas eu sei o que ouvi, e ele também
— Como sabe meu nome? — questiono, finalmente entrando de vez no sótão, largo minha bolsa ao lado da grande janela e começo a me alongar
— Estudo na Colen High — aquilo, para ele, parece ser justificativa o suficiente, e na verdade é mesmo, mas gosto de ouvir explicitamente coisas assim, palavra por palavra
— Eu sei — ele não está surpreso. Ross também não é alguém apagado, apesar de não gostar disso. A prova é eu saber seu sobrenome, mesmo que seu nome ainda seja um mistério agora.
— Qualquer um naquela escola sabe quem você é — pelo seu tom, ele não diz isso como um elogio, mas ficaria surpresa se algo assim acontecesse vindo dele.
Ross luta contra tudo o que sou na Colen High e até fora. Ele e o melhor amigo babaca se acham no direito de pagarem de Robin Hood.
É por isso que não meço esforços em retribuir o carinho que me oferecem. Oliver e eu discutimos quase todos os dias, e perdi as contas de quantas Ross e eu nos provocamos indiretamente, ao contrário de Jones, nunca batemos de frente. O garoto é rodeado por boatos que na maioria deles, eu inventei.
Sorrio sem querer pelo que disse, eu sabia daquilo, mas nada melhor do que ouvir isso da boca dos outros, ainda mais de alguém que sei que me detesta, mas, ainda assim, é obrigado a reconhecer minha popularidade. Com cada um no seu lado do sótão o silêncio entre nos reina, sendo preenchido apenas por sons externos, como a minha música, o tintilar das correntes do saco de pancadas e seus socos e, misturado a tudo, nossas respirações ofegantes se sobressaindo pelo esforço que exercemos.
Já repassei a coreografia umas trezentas vezes, agora estou sozinha e suada quando me sento no chão para recuperar o fôlego e ir para casa. Eram nove horas e pretendia dormir cedo para estar disposta para o teste. Na manhã seguinte passo mais tempo que o necessário no banho, com um vestido e um par de botas, além de algo que pudesse disfarçar o desgaste que o meu rosto carregava pelo cansado dos últimos dias, estou quase pronta para a escola. Meu café da manhã foi reforçado, com o objetivo de me dar toda a energia que preciso, seguindo à risca a dieta da minha nutricionista.
Estou tão ansiosa que hoje sai mais cedo do que Lucas, o senhor fanático por horários. Quando piso na escola não há quase ninguém, por isso aproveito para separar o uniforme do treino que vou usar. No vestuário, eu pego o short branco, meu top e a blusa regata, depois separo uns livros já no meu armário para as aulas de hoje, que praticamente passam voando.
O universo parece querer pular os acontecimentos do dia para a hora do teste, é a única explicação que encontro para o tempo está passando tão rápido e já estarmos caminhando pelos corredores em direção ao refeitório.
— Ah, vou acompanhar você — Megan, que está ao lado de Noah, diz quando aviso que preciso pegar minha carteira no armário
— Não, vou sozinha, pode ir na frente — dispenso a companhia, o fato de estar nervosa para mais tarde me faz querer enterrar todas essas pessoas que, hoje mais do que nunca, estão em cima de mim o tempo inteiro apenas falando sobre isso
— Você tem certeza? — ela pergunta, não evito revirar os olhos
— Tenho, Meg — digo, já seguindo o caminho diferente do dela, mas atrás de mim, Noah continua me seguindo, viro-me na sua direção com as sobrancelhas erguidas num pedido que explique o que estava fazendo, quando recebo silêncio como resposta, finalmente verbalizo a interrogação: — O que quer, Russel?
— Nada, só achei que não iria querer ficar sozinha — ele dá de ombros
— Bom, mas eu quero então... Será que pode... — eu esperava nem ter chegado a esse ponto a frase para ele precisar entender, mas parece que hoje o jogador não está com os neurônios funcionando tão bem — Ir. — completo, dando todo o recado
— Ah, claro, eu vou. É... Só uma coisa, Natasha. Nós estamos... Estamos bem?
— Por que não estaríamos?
— Ah, você sabe, na festa, nós, nós...
— Aquilo não significou nada além de uma noite, Noah. Estamos bem. —obrigo-me a explicar. Não sei dizer se o jogador ficou contente em saber que estávamos bem ou se a cara de cachorro morto foi porque disse que não significou absolutamente nada a noite da festa.
Seja como for, eu ignoro Noah ao lhe dar as costas e ir buscar minha carteira no armário. Estou concentrada no meu cadeado, que parece emperrado, quando ouço uma conversa a poucos metros de mim, eu poderia não dar a mínima, mas uma coisa me chama atenção.
— Que merda você está cantando? — Oliver Jones, o defensor dos pobres e oprimidos, pergunta a Ross, concentrado em algo na bolsa enquanto se escora no seu armário, eles estão com uma garota morena, acho que faz parte do bando ou ceita ou sei lá o que esses garotos fazem, mas ela até se veste como eles, calça jeans justa e uma jaqueta de couro marrom sobre a blusa branca. Será que esse figurino é pré-requisito? Que coisa mais sem graça
— Olli, diz que eu não estou errada, Ethan estava mesmo cantando Taylor Swfit? — a garota diz debochada. — Uaaau! — ela instiga a provocação
Ethan.
É claro, havia me esquecido do primeiro nome do cara com quem venho dividindo o sótão ultimamente. Em um estalo meu cérebro nota uma coisa, ele estava mesmo cantando minha música outra vez?
— Vocês estão ouvindo coisa — Ethan mente
— Claro que sim— a garota diz em ironia
— Por que essa música? Achei que seu estilo fosse outro — Oliver pergunta, ainda há um quê de implicância no tom de voz, mas também parece curioso
— Passei uma semana ouvindo essa porcaria. Eu juro como foram mais de cem vezes. Eu não aguento mais, só que agora parece que simplesmente grudou na minha cabeça — ele responde
A conversa passa a andar por caminhos completamente desinteressantes e volto ao foco do cadeado, passo mais cinco minutos numa luta com ele para conseguir abri-lo, até que finalmente dá certo e vou quase correndo para o refeitório. Passando na frente das pessoas e com elas abrindo espaço para mim, sou a primeira da fila mas, em vez de comprar a comida gordurosa da Colen High, eu pago por um prato exclusivo.
Assim que a última aula acaba, os alunos que permanecem na escola são os que possuem alguma atividade extracurricular, sejam parte da equipe de esportes ou estão apenas cumprindo detenção. Esse número, por sinal, não é pouco, mas, de qualquer forma, diminui bastante a quantidade de pessoas nesses corredores.
No exato instante que ponho meus pés para fora daquela sala vejo meu irmão esperando por mim, a medida que me aproximo, abro um sorriso largo, mas ele desmancha quando Lee esbarra no ombro de Lucas propositalmente e com força.
— Me diz, Lee, essa necessidade de provar sua força e bancar o cara escroto é apenas para disfarçar todos os problemas com você ou hobbie? Bom, seja o que for, talvez é por isso que Cora prefere se agarrar até mesmo com os caras da computação a ficar com você — disparo
Recebo um olhar de fúria vindo ele, e devolvo numa mesma intensidade.
— Você não sabe de nada do que está falando — diz por entredentes
— Em relação a quê? Você ser quebrado por dentro ou sua namorada te trair? — continuo, mas quando ouço algumas risadinhas, vejo que está na hora de encerrar o show, dou passos na sua direção e digo num tom baixo, de uma forma que só ele possa ouvir — Eu já avisei para não bancar desse tipo comigo ou meu irmão, eu posso ser muito pior do que qualquer coisa que sua imaginação venha a projetar
— Oush! — Jake chega por trás e passa o braço ao redor de um Lee furioso, pelo modo como faltou as primeiras aulas e, agora, esta meio zonzo, posso apostar como andou bebendo
— Não vai mais acontecer — Lee James recua, sendo inteligente como é, sabe qual seu lugar aqui
— Ótimo, então estamos bem, não é? — pergunto com um sorriso no rosto, pondo um fim na história
— Claro! — agora ele também sorri — Vejo você no teste
Antes que diga mais coisa, o Tight-End é arrastado por JJ. Volto a atenção para meu irmão.
— Desculpa. O que quer?
— Não sei se vou poder assistir ao seu teste hoje, — quando a decepção se estampa na minha cara, ele continua a explicação antes que eu interrompa — estou participando de uns negócios do teatro, nem eu sei bem o que é, mas futuramente pode contar como pontos para a faculdade. Mas eu juro tentar escapar disso o mais rápido que conseguir e ir ver minha irmã quebrando tudo no teste
— Acho bom, caso o contrário a única coisa quebrada será a sua cara — ameaço, ele ri, o que me faz abrir um sorriso, e me abraça rapidamente
— Boa sorte!
— Para você também nesse negócio de teatro. Parece ser um porre.
Afasto-me de Lucas, vou direto para o vestuário, troco a roupa e retoco a maquiagem, a única coisa que acrescento é um delineado e deixo as bochechas mais rosadas. Amarro o cadarço de tal modo que, nem se eu quisesse, não conseguiria tirá-lo agora.
Prendo os cabelos com um laço da cor azul e vermelho, nossas cores, que se destaca pela maior parte do uniforme ser branco. E, apenas para provocar e mostrar que não estou com nem um resquício de medo — o que é uma tremenda mentira, mas não vou deixar ninguém saber disso — ponho a insígnia com o C de capitã.
A quadra que ensaiamos, reservada para nós da torcida, está lotada. Mas eu esperava isso, a notícia sobre o teste correu solta e todo mundo está ansioso para ver o resultado, principalmente porque Natasha Moore enfrentará uma concorrente que não quer substituí-la apenas na equipe, mas na escola inteira, em todas as áreas.
Eu nunca permitirei isso, mas as pessoas gostam de assistir esses debates entre duas pessoas importantes aqui em SnowVilly, principalmente os adolescentes na Colen High. Talvez as façam se sentir mais incluídas na sociedade, sabe, participar dessas coisas, mesmo que indiretamente, como telespectador ou na torcida por algum "competidor".
A treinadora luta pelo silêncio, mas os alunos vão ainda mais a delírio quando o time de futebol entra fazendo baderna e escolhendo os lugares para ver o show. Eles tomam toda a primeira e segunda fila, os melhores assentos, Mason é o único que não os segue, mas ele também não vem ate mim. Mason se aproxima de Chelsi quando ela o chama.
Poderia ser apenas uma conversa normal, mas conhecendo o quaterback como eu conheço, sei que aquele maldito sorriso galanteador é por que está preparando o terreno para retribuir o flerte dela.
Eu não sei o que me irrita mais. Ela está fazendo isso porque quer mesmo pegar ele, ela está fazendo isso porque sabe que Mason e eu temos um lance ou simplesmente ela está fazendo qualquer coisa com ele. Já não suporto Chelsi perto de coisas que são minhas, agora perto de pessoas realmente importantes para mim, eu descobri que odeio.
— Hey, quaterback! — chamo em um grito, obviamente para acabar com qualquer merda acontecendo ali. Ele desvia o olhar dela pra mim, com a mão, peço que se aproxime, há uma troca de palavras antes dele está ao meu lado
— O quê? — pergunta, um sorriso preguiçoso nos lábios
— Não. Absolutamente não. Fique com quem quiser nessa escola, eu não me importo, mas eu estou pedindo a você apenas uma coisa. Chelsi Parker, não.
— Qual é, gata? Essa rixa é de vocês. Estou fora dessa. — diz, e sinto meu rosto ficar quente, provavelmente estou corando, não de vergonha, mas raiva.
— Tudo bem. Agora estou metendo você nessa. Você escolhe Mason, ela ou eu. — dou a condição já sabendo a resposta
— Natasha... — ele tenta argumentar, deixando-me ainda mais impaciente, ele sabe os meus problemas com Parker, como ainda é capaz de querer algo com ela?
— Tem até o final do teste para isso — passo por ele, mas antes que vá muito longe, Mason estende o braço e enlaça minha cintura, puxando-me para o lugar que estava antes, agora estamos cara a cara outra vez
— Você sabe qual é a minha resposta — diz, passando o outro braço ao meu redor
— Eu quero ouvir
— Eu escolho você, gata. — ele diz, sorrio automaticamente — Em todo o infinito — ele completa a promessa, chego a rir da nossa baboseira, fizemos esses votos aos quinze, dois anos atrás, quando nos conhecemos e estávamos conquistando nosso lugar.
— Em todo o infinito — repito
Quase que inconsciente, desvio o olhar para a garota que inveja tudo na minha vida, ela encara a situação, sabe que chamei Mason de propósito para que se afastasse dela. Posso até não gostar de Chelsi, mas ela pensa como eu, e a melhor parte sobre isso é que, sei que está indignada com o fato que Mason escolher vir a mim do que a ficar com ela. Pronta para deixá-la com ainda mais raiva, eu volto minha atenção ao garoto a minha frente.
— Eu não ganho nenhum beijo de boa sorte, quaterback? — pergunto em um sussurro, aproximo minha boca dos seus lábios, ele abre um sorriso, contagiando-me a fazer o mesmo.
— Quantos você quiser
É a última coisa que fala antes de avançar contra a minha boca, não nos beijamos por muito tempo, afinal, eu ainda tinha um teste a ganhar e precisava focar nisso. Mas foi bom relaxar um pouco, ainda que no início o intuito fosse apenas provocar Parker, Mason me ajudou a tirar um pouco do peso que aquele lugar estava me dando.
O quaterback se junta a equipe, as competidoras para a prova se reúnem no meio da quadra enquanto a treinadora permanece do lado de uma parede, onde seu microfone está plugado a uma caixa de som localizada por lá. Também há uma mesa branca com uma cadeira atrás, é de onde ela irá nos avaliar. Um chiado do microfone é produzido, o que faz todos levarem as mãos aos ouvidos e reclamarem em murmúrios.
— Atenção! Atenção! — a voz de Mellissa reverbera pelo ambiente — Peço um pouco de silêncio agora. — ela contém a euforia dos alunos — As apresentações aconteceram por ordem alfabética, sendo assim Chelsi será a primeira, seguida de Cora e, por último, Natasha
Chelsi se gabando ao meu lado corta qualquer informação que eu precisava ouvir.
— Uma pena você não ter ficado com a abertura de todo o show, as pessoas já não estão mais tão atentas a última apresentação — diz, como se realmente se lamentasse por aquilo
— Sabe como dizem, o melhor fica para o final — sem fazer para não chamar atenção da treinadora — Vou ser aquela que compensará as outras apresentações medíocres — eu mantenho o controle e dou a cartada final, ignorando a morena ao meu lado
— Cada uma das nossas torcedoras irá se apresentar uma coreografia original. A decisão caberá apenas a mim, onde serei altamente imparcial e, caso aja algum empate ou qualquer dúvida a respeito, a equipe de torcida terá a segunda voz. Hoje saberemos quem será a nova capitã das Wild Girls! — Mellissa diz a última parte com uma animação estrondosa, o que faz a plateia vibrar, pode até está um pouco enferrujada, mas a treinadora sabe o que está fazendo — Então que a batalha comece.
Eu e Cora vamos na direção da treinadora, deixando Parker no centro da quadra. Quando a música começa a tocar, minha atenção está na garota, que começa a apresentação com um maldito e impecável mortal.
Devo admitir que a apresentação dela foi boa, muito boa, o que me deixou um pouco nervosa com o resultado, apesar de continuar muito confiante. Eu sei do que sou capaz, sei que posso vencer. Quando a víbora Parker vem para o lado, tomando o lugar de Cora, bato três forçadas palmas e abro um sorriso mais falso ainda.
— É isso? Achei que teria mais trabalho com você. Pelo visto eu superestimei sua apresentação — falo, sabendo o impacto que isso terá na garota
O sorriso que ela carregava enquanto dançava some ao passo que o meu se alastra pelo rosto. Cora inicia sua coreografia e eu viro meu rosto na direção dela, ignorando Chelsi.
Devo admitir que esperava mais, Cora Adams faz movimentos com precisão e graciosidade invejáveis, mas os passos não combinam uns com os outros, parece que foram jogados aleatoriamente, estão totalmente desconexos. Estava certa sobre ela ser uma excelente dançarina, é mesmo. Mas é uma péssima coreografa.
Sinto o alívio aflorar no meu peito. A vitória está cada vez mais perto. No meio da apresentação alguém entra no ginásio, fazendo um barulho estrondoso quando as portas se fecham, isso não desconcentra a bailarina, mas é o suficiente para chamar minha atenção.
Lucas conseguiu vir.
Sorrio, peço permissão a treinadora e me aproximo dele quando concedido com um aceno de cabeça, que parece meio perdido.
— Você já se apresentou?
— Não, sou a próxima — escondo um pouco o nervosismo, mas meu irmão gêmeo me conhece melhor que ninguém
— Ei, relaxa. Você vai conseguir, capitã! Essa insígnia aí não vai sair do seu peito — ele aponta com o queixo para onde o objeto está — Agora vai lá e ganha isso, se não sou eu que quebro a sua cara — rio, dando-lhe um abraço rápido antes de voltar ao meu lugar.
Com a distração, só noto que Cora finalizou quando algumas pessoas aplaudem e vejo de Lee se levantar nas arquibancadas ao assobiar, ela se curva, agradecendo a plateia e caminha até onde estou.
— Muito bem, vamos a nossa última, mas não menos importante, apresentação. Natasha Moore, o ginásio é seu — a treinadora Mellissa me apresenta.
Respiro fundo.
É agora.
Giro meu pescoço de um lado para o outro, em um último alongamento, e me posiciono no meio, encaro toda a plateia, meus olhos buscam o do meu irmão, ele sorri, o que me incentiva a continuar. Mason dá um grito em reforço, dizendo algo positivo, acabo rindo fraco por isso. Noah, Megan e Rachel o imitam, gritando variações de "Vai, Nath!" ou "Uhh!". Um grito de "Já ganhou!" também ecoa pela multidão, há assobios e até mesmo Jake grita por mim.
Eu sorrio diante de tudo aquilo, o que leva não só as pessoas que andam comigo, mas a maioria do ginásio, a gritarem por mim antes mesmo que inicie a apresentação. Meu medo evapora de uma vez por todas, junto com qualquer insegurança.
Os acordes de Look What You Made Me Do começam, meus movimentos também, precisos, fortes e impactante como devem ser. Parece que estou conectada com a dança. Como se pudesse senti-la viva dentro de mim. Expresso o que estou sentindo e o que a música impões. Depois dos movimentos com os braços, faço alguns passos no chão. Em pé outra vez, na parte certa em que diz "eu não gosto de você", não saio da coreografia, mas encaro Chelsi, deixando claro a mensagem.
Meus quadris e meus pés começam a se movimentar, junto com os braços. É uma coreografia expressiva, então dou tudo de mim seguindo à risca cada passo que tenho gravado na minha mente e no meu corpo. Chega uma das partes em que posso mostrar tanto o meu controle corporal quanto a minha elasticidade, e como ensaiado, vou caindo no chão fazendo uma espécie de ponte com o corpo.
Carrego comigo todo o misto de sensações que eu queria passar quando estava montando os passos. A coreografia está tão gravada na minha pele que é quase uma memória muscular, quando preciso rebolar mais ou suavizar nos movimentos, tudo vem automático como se fizesse parte de mim. No final da música faço um passo típico de acrobacia que usamos na torcida e, para fechar com perfeição, faço uma sequência de giros e termino com um mortal.
Há silêncio. Longos segundos.
Mas então, vem a enxurrada de aplausos. O sentimento de orgulho preso no meu peito e a felicidade transbordando para fora do meu corpo, quando volto para o lado das outras competidoras, nem mesmo as provocações de Chelsi são capazes de apagar o sorriso do meu rosto.
Com o intervalo de quinze minutos para a decisão, algumas pessoas se levantam para beber água ou ir ao banheiro, outras vem me cumprimentar e poucas vão até as outras duas participantes.
— Você foi ótima! — uma garota diz perto de mim, sorrio, sem ao certo quem é ela
— Não precisava nem de teste. Você arrasou! — ouço voz, algum garoto provavelmente, mas estou tão rodeada de pessoas que não consigo ver quem disse
Por trás, passa os braços de Mason passam pela minha cintura e ele me ergue do chão, inclinando-se um pouco para trás. Alguns alunos da Colen vão a loucura com isso, precisam de alguém para idolatrar. Acho que tem a ver com a história de que uns nasceram para ficarem apagados e idolatrar e outros nasceram para brilhar e serem idolatrados.
Bom, eu nasci para brilhar e definitivamente fui feita para ser idolatrada. Mason também, o que só aumenta os gritos em nossa comemoração, como se estivéssemos fazendo algo de outro mundo, mas eu meio que entendo, é como se fosse uma junção daqueles que me seguem e dos que o seguem.
Solto um gritinho que logo vira uma risada e meus pés voltam ao chão. Lucas não está na multidão, ele fica encostado ao lado das arquibancadas e com um dos pés apoiado na parede, sorri e acena quando nossos olhares se cruzam, eu retribuo, sorrindo e acenando de volta. Sei que ele não gosta muito de se misturar, então sempre que pode mantém distância.
— Voc-cê foi muito incrível... Você é sempre, ma-as hoje foi... — Thomas parece lutar para abrir um espaço entre as pessoas.
É claro que ele estaria aqui, além de estar em todo fim de mundo que meu irmão gêmeo possa estar, eu iria me apresentar. E o loiro não perderia uma chance se quer de me exaltar, como sempre faz. Na maioria das vezes, é irritante, até porque o idiota é melhor amigo de Lucas, isso significa que quase sempre ele está lá em casa
Não consigo responder e atender a todos ao mesmo tempo porque logo a treinadora volta pronta para anunciar quem venceu e, por mais que eu já saiba o resultado, quero muito ouvir isso saindo da boca de Mellissa e apreciar a cara de derrota de Chelsi e Cora.
— Silêncio! — ela grita no me microfone, um chiado horrível soa pelo lugar outra vez, então ela o afasta da boca e volta a pedir atenção, pelo menos o som horrível faz todos se calarem e prestarem atenção nela — Foi uma decisão muito difícil de ser tomada — controlo para não revirar os olhos e nem soltar uma risada sarcástica.
É claro que foi, treinadora!
— As apresentações foram excepcionais, me surpreenderam muito, mas infelizmente temos que escolher só uma, e eu já tenho a minha capitã... — ela faz uma pausa de suspense, as pessoas ficam ansiosas, óbvio, e mesmo eu, com toda a minha confiança, fico na expectativa também.
— Meu parabéns, Natasha Moore. A vaga de capitã permanece com você. — as palavras chegam aos meus ouvidos como música
Sinto a euforia dentro de mim. O sorriso largo quase rasgando o rosto e as diversas palmas e assobios ecoando por todos os lados. Preocupo-me em ver a reação das meninas, quando as vejo, fico m pouco mais feliz agora. Se restavam dúvidas, agora está claro que não há ninguém melhor do que eu. Chelsi parece mais decepcionada que Cora, o que me deixa ainda mais feliz.
A treinadora me chama a frente. Vou sem hesitar.
— Torcedoras, jogadores e alunos da Colen High, apresento a vocês a capitã das líderes de torcida! — ela diz e logo vêm uma enxurrada de comemorações — Parabéns, Moore! — Mellissa fala ao meu lado
— Obrigada, treinadora. Espero que não duvide mais de mim como capitã, mas caso isso aconteça, podem vir mil testes que ganharei todos — não resisto a chance de alfinetar um pouquinho que seja, assim acabo mostrando o quanto ainda estava incomodada com aquela ideia ridícula de que pudesse haver alguém melhor que eu para o posto
Eu me afasto para comemorar com meus amigos, o lugar já estava se esvaziando aos poucos, eu mesma já estava quase indo embora, mas a treinadora volta a falar no microfone, chamando nossa atenção.
— Além do mais, temos uma novidade, — a surpresa pega a todos, ninguém sabia mais de nada — não só elegi a capitã de vocês, como decide que abriria um outro posto, deem os parabéns a sua primeira co-capitã: Chelsi Parker
Meu queixo quase vai ao chão.
— Como é que é? — ela mal termina de falar e as palavras já saem da minha boca. Isso só pode ser brincadeira.
A quadra toda fica em silêncio. Chelsi alterna seu olhar entre eu e a treinadora, não acreditando naquilo, nem eu acredito.
— Eu sou co-capitã? — Parker está surpresa, mas um sorriso largo se abre nos seus lábios
Então há uma pequena comemoração por ela. Acho que estou vermelha de tanto ódio. Minha vontade avassaladora de gritar é contida quando mordo minha bochecha com força, recuando alguns passos para trás a fim de não chamar atenção. Respiro fundo um par de vezes e, quando penso que estou livre de olhares, Mason percebe a situação e se aproxima de mim.
— Para com isso. — seu tom de voz está tão sério que acho que nunca o vi assim — Para de se machucar. — ele passa a mão pela minha bochecha, eu ainda resisto, mas acabo me rendendo ao pedido silencioso do jogador e solto o lado interno da minha bochecha.
— Eu não acredito que... — começo, mas Mason não me deixa terminar
— Que você foi capitã? Você ganhou, Natasha. Para com essa competição ridícula entre vocês.
— É claro que eu paro. — digo, sua expressão parece aliviar, então continuo — Assim que ela acabar com as esperanças de que pode tomar tudo o que é meu.
— Isso é ridículo — murmura, algo além de mim parece chamar sua atenção e, por curiosidade, faço olho para trás, na mesma direção fixa que o quaterback está encarando
Fico surpresa ao encontrar a garota nova nos encarando. Gracie Lorah, acho. Mason fez um comentário sobre ela.
— Preciso ir. Você vai ficar bem? — pergunta, sei que está preocupado de verdade e se importando mas, mesmo que esteja se esforçando para não, sua atenção está na garota, olhando para ela novamente, ele parece apreensivo e, quando me viro para olhá-la de novo, a novata já não está mais lá
— Claro que vou. Eu sou a capitã, não? — dou um sorriso forçado
— Com toda certeza, gata! — se despedindo com um beijo no canto da minha boca, ele sorri e se afasta correndo
Megan se aproxima com Rachel no mesmo instante, quase como se estivessem esperando apenas ele sair.
— Festa do pijama para comemorar sua vitória? — Chel pergunta, jogando seus cabelos loiros para trás e abrindo um sorriso, ela mexe os ombros em insinuação — Posso fazer meus doces que vocês adoram.
— Uh, eu levo a bebida — Megan comenta, tão animada quanto, assim que percebem que não me contágio junto com elas, seus semblantes mudam — O que houve?
Reviro os olhos e cruzo os braços, deixando o peso em uma só perna e encarando atrás das meninas, onde Chelsi conversa com algumas pessoas que a parabenizam.
— Co-capitã? Jura? — começo a despejar toda a minha opinião sobre a ideia estúpida da treinadora — Qual é? Esse posto nem existe! — a indignação reverbera por cada centímetro do meu corpo — Eu aposto como a treinadora pôs isso de última hora só por que eu abri minha maldita boca para provocá-la. Se eu soubesse que teria esse novo posto nunca teria impedido você de participar — digo a Megan — Você é boa mas está longe de ser melhor que eu, lidar com você seria melhor que lidar com ela — vejo que o que eu disse a afetou, então acrescento — Sem ofensas, Meg! — para confortá-la, afago seu braço com uma das mãos
— Claro, Nath!
— Pensa assim, vai ser ainda mais divertido com ela a um cargo tão perto do seu — Rachel desvia o foco e tenta me animar
— Isso! Tipo, ela está tão perto de você, mas ainda assim não consegue te alcançar, sempre fica atrás de você — Megan conclui o pensamento, aos poucos minha mente vai tentando pensar pelo lado bom, até permito que um sorriso pequeno se forme na minha boca
— Obrigada, meninas! — digo me afastando delas
— Aonde você vai? — ouço Megan perguntar, viro-me e encaro seu rosto moldado pelos seus lindos cabelos ondulados e castanhos, solto uma risadinha denunciando que o que quer que eu faça não vai ser nada bom. Pelo menos não para Chelsi.
— Vou parabenizar nossa mais nova co-capitã, o que mais eu faria? — respondo e volto a me afastar, sem esperar por resposta
Ainda com várias pessoas a sua volta, abro espaço e fico no meio da multidão junto com ela, que começa com a primeira cartada.
— Parece que não temos mais só uma capitã aqui, Natasha. Nem todos os seus maiores esforços para me rebaixar vão funcionar.
É impossível não rir, mas forço para apenas abrir um sorriso. As pessoas a nossa volta então atentas, como se assistissem a um filme. É quase ridículo, mas gosto da atenção.
— Como tem coragem de dizer algo assim de mim? — faço minha melhor cara de cínica — Nunca faria isso, Chelsi. Na verdade, vim parabenizar você pelo seu posto... De que mesmo? Co-capitã, não? É que por um momento pensei que ouvi você dizer sobre termos mais de uma capitã. Está precisando de algumas aulas de cálculo, querida?
Quando vejo que estou saindo de um tom de voz pacífico para agressivo, forço a continuar me fazendo de sonsa, como se realmente estivesse ali para cumprimentá-la e não deixar explícito que, se ela ou qualquer outra pessoa mexer comigo, ira se arrepender.
— Pode me tirar uma dúvida? — pergunto — Conta pra mim, como é ficar sempre em segundo lugar? Sempre na minha sombra? — as pessoas gargalham enquanto os olhos dela brilham de ódio e os meus brilham em triunfo.
Encerro aquela situação quando decido procurar por Lucas, mas ele já não está mais aqui. Quase todos os alunos da Colen High foram embora, os que restam já vão para saída, até mesmo a maioria das líderes de torcida e a treinadora já foram embora. Após confirmar a festa do pijama com as meninas, fico sozinha na quadra, no banco de frente às arquibancadas, tiro meus tênis e troco por uma sandália aberta, os guardo na minha bolsa de treino larga e vermelha, tiro a fita do meu cabelo e a guardo também.
Quando me levanto sinto dor em cada músculo, semanas de treino e pouco descanso estão cobrando seu preço agora. Giro meu pescoço tentando diminuir a dor, quando ponho a alça da bolsa sobre o ombro afim de ir embora, é o exato momento as luzes apagam.
Ótimo.
São sete horas da noite, o que significa que as luzes se apagam automaticamente. Geralmente não há ninguém numa hora dessas aqui, sei disso pelas vezes que tomo banho na escola após os treinos e perco a hora no vestuário, mas pelo barulho, vejo que não sou a única que perdi a hora. Pego o celular e ligo a lanterna, clareando o local até a saída.
Os corredores estão quase vazios, mas pessoas saindo de salas e indo embora ainda são presença constante. Ah, claro. O clube de teatro ia se reunir, talvez ainda estivessem em reunião e acabaram passando dos limites. Outros alunos também usam a ideia da lanterna, assim que relaxo mais por saber que não estou sozinha, porque esses corredores podem ser assustadores a noite, passo pelo último corredor e noto dois garotos intimidantes e grosseiros me encarando.
Oliver Jones e, ao seu lado, o garoto do sótão, Ethan Ross.
Oliver fala sobre algo com seus olhos fixos em mim, brilhando em puro ódio. Eu o encaro e sorrio, levando a mão a boca para mandar um beijo a eles e, ao erguer a mão, acenar mexendo as pontinhas dos dedos.
Ethan também encara, mas há um misto de sensações que não consigo entender. Sei que compartilha do sentimento do amigo sobre mim, mas ele também parece pensativo. Sua expressão é indecifrável, e não saber o que está se passando por ali me deixa irritada.
Desvio a atenção e continuo andando até meu carro, mas sinto o peso do olhar nas minhas costas, ergo a cabeça, tendo certeza que, o que quer que seja aquela conversa, eu era a pauta principal sobre o assunto dos pseudos Robin Hood da Colen High.
E eu vou descobrir o que é.
Custe o que custar.
> Para ver a coreografia que a Natasha dançou no teste basta me seguir no Instagram, o vídeo estará disponível lá
> As postagens ainda não começaram oficialmente, mas a partir de hoje pode ser que elas apareçam de surpresa com certa frequência
> Por favooorr, compartilhem essa história com quem puderem, comentem bastante e distribuam os votos nos capítulos
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