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Capítulo 17

**Alerta de gatilho: Menção a abuso sexual (nada gráfico).

     ISABELLA MARTINS

A vontade que eu tinha era a de continuar ali abraçada com Harrison por mais algum tempo, porém, eu estava apertada demais para isso. Lentamente, tirei o seu braço de cima de mim e levantei com cuidado para não o acordar, não queria ter que lhe dar explicações agora. Ele se virou na cama, ficando de barriga para baixo, com o rosto enterrado nos travesseiros, e foi impossível não sorrir com o jeito largado que ele dormia.

Me virei para ir ao banheiro e notei algumas mudas de roupa em cima de uma cadeira perto da porta. Gwen provavelmente passou por aqui e deixou, levando consigo os outros pijamas que trouxe ontem e que agora haviam desaparecido. Dessa vez, eram três vestidos de cores diferentes e dois shorts pequenos, um branco e um preto, para que eu usasse como calcinha. Seria estranho demais usar uma calcinha dela e acho que ela sabia disso, mal nos conhecíamos, e acho que nem mesmo assim, era uma peça íntima demais para se emprestar. Minha calcinha muito provavelmente ainda não tinha secado também, então, peguei o short preto, o vestido roxo, e fui para o banheiro.

Quando deixei o quarto um tempo depois, minha barriga estava roncando e implorando por comida. Caminhei pelo apartamento, tentando lembrar o caminho, e sorri ao encontrar a escada. Desci, e fiz mais uma pequena busca até eu achar a cozinha. Quase gelei ao entrar e me deparar com Deverell sentado à mesa.

Ele tomava café em uma xícara pequena, uma escolha estranha para o almoço, mas provavelmente havia acabado de acordar assim como eu, já que seu filho e eu interrompemos a sua noite de sono. Aliás, a semelhança com ele era inegável. Os dois tinham modos parecidos de se sentar e portar. Harrison havia puxado bastante do pai, principalmente a personalidade forte e intimidadora...

— Bom dia, senhorita Martins. — Ele indicou a cadeira à sua frente. Mas só consegui focar no fato de eu não ter lhe dito o meu sobrenome. Harrison havia lhe dito? Será que ele também já sabia de tudo?

— Bom dia, senhor Flint. — Me sentei no lugar indicado.

— E quanto ao meu filho?

— Ainda está dormindo, senhor.

Ele assentiu levemente, pensativo.

— Se importa de se juntar a mim no meu escritório assim que terminar seu almoço? Tenho um assunto importante a tratar com você.

Ele sabia. Harrison sabia, era de se esperar que ele também!

— Hum... Claro.

Ele terminou seu café e se levantou, deixando a cozinha. Olhei para a mesa à minha frente para decidir o que comer, mas o que realmente veio à minha mente era decidir o que fazer. Ir embora? Harrison estava dormindo, não vi Gwen em lugar algum e Deverell foi para o seu escritório. Eu poderia simplesmente... não. Eu já havia tentado isso antes. Ele me encontraria novamente. Principalmente agora que eu sabia do seu segredo... ou seria o segredo da sua família inteira? Difícil ter certeza. Fugir não era mais uma opção, e pra ser totalmente honesta... não era nem mais um desejo. Eu queria ficar e ver no que essa bagunça iria dar. Loucura, eu sei.

Me servi de suco de laranja, e peguei uma posta de peixe, a colocando no meu prato, peguei um pouco de salada, e um pouco de macarrão e legumes, mas a minha vontade mesmo era a de comer um pouco de feijão com arroz. Eu não comia isso há quase uma década, era uma delícia o almoço que o meu pai costumava fazer. Talvez por ter lembrado dele ontem, eu estivesse sentindo tanta saudade sua agora.

Demorei mais que o habitual para comer, levando o meu tempo para mastigar e assim conseguir adiar um pouco a minha ida ao escritório. Depois de almoçar, me servi de uma sobremesa que se assemelhava a um pudim, mas tinha um gosto menos doce. Até que enfim, eu estava cheia e não tinha mais como enrolar. Me levantei e procurei pelo escritório pelo apartamento. Assim que achei, entrei e me sentei em uma das poltronas, enquanto Deverell me encarava do outro lado da mesa.

— Você já conversou com Harrison?

— Sobre o que? — Me fiz de desentendida.

— Sem enrolação, garota. — Retrucou de uma forma quase ofendida.

— Eu honestamente não sei do que o senhor está falando. Eu não falo com Harrison desde que ele saiu para conversar com você ontem.

— Vocês dormiram no mesmo quarto. — Insinuou em descrença.

— Eu não o vi entrar, quando ele chegou, eu já estava dormindo. E quando eu saí do quarto agora a pouco, ele é quem estava dormindo. Eu juro. — Decidi jurar, afinal, essa parte era totalmente verdadeira. Eu não vi Harrison entrar, acordei de madrugada com ele já dentro do quarto.

— Tanto faz, não importa.

Ele levantou a mão de trás da mesa, e eu pude ver a arma que ele segurava. Era uma pistola grande e pesada. Oh, não.

— Senhor Flint, o que está fazendo? — O olhei, apreensiva.

— Eu sei que você sabe, garota, e infelizmente, não quero correr nenhum risco. — Ele apontou a arma para mim, se levantando.

Eu pensei que tudo isso, ou pelo menos parte, seria sobre o que eu fiz, mas não. Ele estava tentando proteger o segredo do filho... ou dele mesmo. A essa altura eu já não tinha certeza.

— Eu não tenho qualquer intenção de contar nada para ninguém. Eu prometo!

Ele apenas deu de ombros, desinteressado em minhas palavras.

— Eu sei disso. Mortos não contam histórias.

A arma disparou.

Fechei os olhos e agarrei os braços da poltrona com medo, pensando que era isso, esse era o meu fim. No entanto, alguns segundos se passaram e eu me dei conta de que nada havia me atingido. Abri os olhos, agora cheios de lágrimas e medo, e o encarei.

— Senhor Flint... — O resto da frase ficou presa em minha garganta quando eu o vi sorrir sadicamente.

— Perdão, eu errei. Me deixe tentar novamente.

— Não! Por favor, não...

Fechei os olhos novamente ao ouvir outro tiro. Contudo, mais uma vez nada me acertou. Agora, eu tinha certeza de que isso só poderia ser proposital. Ele estava tentando me assustar, me desestabilizar. E conseguiu! Eu estava completamente abalada ali sentada à sua frente. No entanto, não deixaria que isso continuasse. Não importava mais se ele sabia ou não do meu passado, pois ele não conhecia o meu presente! Eu preferiria morrer a ter que continuar chorando à sua frente. Por isso, me esforcei para parar.

— A terceira vez é um charme! — Ele ergueu a arma mais uma vez e atirou.

Mas dessa vez, eu não me deixei abalar e mantive os olhos abertos o tempo todo, olhando no fundo dos seus. Ele levantou uma das sobrancelhas, surpreso com a minha reação, e então, mudou a mira da arma. E o que antes estava apontado para o vazio ao meu lado, agora estava mirando bem no meio da minha cabeça. Se ele atirasse era isso. O fim de Isabella Martins para sempre. Porém, eu não iria sair assustada. Chega de ser uma garotinha fraca e assustada. Se era para morrer, eu faria isso de cabeça erguida. Deverell Flint havia conseguido me assustar e desestabilizar, mas ele não quebraria a minha alma.

Com o dedo no gatilho e pronto para atirar, todo aquele momento de tensão foi interrompido quando a porta do escritório foi aberta de repente. Alívio percorreu o meu corpo assim que eu vi Harrison vir na minha direção como um leão.

— O que pensa que está fazendo? — Ele questionou Deverell, irritado. Então, segurou o meu braço e me levantou da poltrona, me colocando atrás de si.

— O que você claramente não tem coragem de fazer para proteger essa família. Agora saia da minha frente e me deixe terminar esse serviço.

— O que eu escolho fazer ou deixar de fazer não é da sua conta! Quando vai entender isso? — Ele praticamente cuspiu as palavras, completamente puto. — Você não manda mais em mim, ou tem qualquer direito de palavra nas minhas escolhas! Isabella é minha responsabilidade, minha! E isso nada tem a ver com você. Agora vamos. — Ele segurou a minha mão e me puxou em direção a porta.

Olhei, ainda sem acreditar no que havia acabado de acontecer, para os dois buracos de bala na parede logo ao lado da porta, mas não disse nada. Não consegui. Apenas me deixei ser guiada por ele e subimos de volta para o seu quarto. Eu ainda estava tremendo um pouco quando ele me sentou na cama e se ajoelhou na minha frente.

— O que foi isso? — A pergunta escorregou pela minha boca.

— Me desculpe pelo meu... pelo Deverell. Ele deve ter acordado de mau humor.

O olhei incrédula, finalmente voltando a ter controle sobre o meu corpo e pensamentos.

— E isso é desculpa para tentar me matar?

Ele levantou, ficando de pé.

— Essa é a minha família, qualquer coisa é desculpa o suficiente para matar! Ainda não percebeu isso?

Suas palavras foram ríspidas e ele olhou para mim irritado, mas não realmente comigo. E sim, eu meio que sabia, ou desconfiava, mas ter uma arma apontada para a minha cabeça e quase levar três tiros tornava tudo muito mais real.

— O que é isso, Harrison? Vocês são o que? Uma família criminosa? Uma máfia? E o que ele falou... ele... ele queria que você me matasse? — As perguntas saíram rápidas e um pouco embaralhadas, mas consegui fazer sentido.

— Não somos uma máfia, não seja ridícula!

— PARA DE ME OFENDER! — Eu explodi, cansada das suas patadas.

Ele me olhou claramente surpreso, mas não rebateu, ou se irritou. Pelo contrário, respirou fundo e se acalmou, respondendo as minhas perguntas com menos sarcasmo e mais seriedade.

— Eu já te disse o que faço. O meu pai tem o mesmo trabalho que eu. Ele só é extremamente protetivo com a nossa família. E no momento, você é uma ameaça para nós.

— Ele mandou você me matar? — Perguntei, apesar de já saber a resposta.

— Ele não manda em mim, Isabella. — Esclareceu rapidamente. — Mas, sim, esse assunto surgiu durante a madrugada.

Pensar que eles tiveram uma conversa não apenas sobre mim, mas sobre me matar, enquanto eu dormia no andar de cima a apenas alguns metros de distância, me assustava um pouco. No entanto, saber que ele não queria, e estava lutando contra isso, era ligeiramente mais reconfortante.

— Eu não vou contar para ninguém, Harrison. Eu prometo. E promessas são importantes para mim, eu nunca quebraria uma. — Expliquei.

— Mas como eu posso ter certeza disso? — Me olhou repleto de incertezas.

— Você realmente não entende? Eu não posso, ou quero, contar nada disso para ninguém. Você também sabe o meu segredo. Sabe o que eu fiz. Sabe que eu também não sou uma boa pessoa!

Ele me olhou confuso, até entender do que eu estava falando.

— Foi apenas uma suspeita minha, Isabella, afinal, era a única coisa possível no seu passado perfeito. — Falou, e suas palavras pareciam sinceras. — Aquilo é verdade mesmo?

Abaixei a cabeça, não conseguindo olhar para ele ao responder.

— Sim.... mas é complicado.

— Você precisa me contar exatamente o que aconteceu naquela noite. — Ele veio se sentar ao meu lado. — É o único jeito de eu conseguir convencê-lo. Você sabe sobre nós, não é mais do que justo sabermos algo sobre você também. Precisamos confiar um no outro. É uma troca.

— Não é fácil... eu nunca contei isso para ninguém. — Revelei, sentindo um nó se formar em minha garganta. — Como descobriu?

— Na conversa com a Gwen, você falou que não era para isso ter acontecido novamente. Você poderia ter falado diferente, mas do jeito que falou, ficou subentendido que isso já havia acontecido antes. — Era um pouco chocante saber que até a Gwen estava envolvida nisso. Pensei que eu pudesse confiar nela, ela parecia ser tão gentil e diferente do resto da família. — Tome o tempo que precisar, eu estarei aqui.

Olhei para ele, decidindo se contava ou não.

Ontem eu estava morrendo de medo que ele pudesse me matar. Agora, ele havia me salvado do seu pai e eu me sentia segura com ele. No entanto... por quanto tempo? Harrison era completamente instável! Como se tivesse duas personalidades polares dividindo o mesmo corpo. Uma hora ele era assim bondoso e protetor comigo, mas depois era rude... Eu confiava nele o suficiente para lhe contar sobre isso? Eu não tinha certeza. Mas muito provavelmente não. Contudo, eu também não queria morrer. Meu instinto de sobrevivência parecia sempre falar mais alto nessas horas decisivas, e me apoiando nele, eu tomei a minha decisão. O nó em minha garganta só fez aumentar de tamanho, enquanto eu tentava formular o que dizer a ele.

— Eu já te contei que o meu pai morreu quando eu tinha dez anos e que a Lauren conheceu o Jack três anos depois, quando eu tinha treze, certo?

— Sim, eu me lembro.

— O que eu nunca contei a ninguém, é que ele era um escroto! Apesar do fato de ser um policial, ele era um desgraçado filho da puta que apenas... destruiu a minha vida e me transformou em um monstro! — Respirei fundo, tentando controlar aquela vontade esmagadora de chorar. — Depois da morte do meu pai, Lauren se perdeu totalmente. Começou a beber, namorou vários caras, às vezes até mesmo ao mesmo tempo, acho até que usou drogas por um tempo, eu não sei, só sei que a sua vida virou uma bagunça. Ela torrou toda a herança que o papai deixou para nós e tivemos que nos mudar da Flórida para uma casa minúscula no Michigan para sobreviver. Por essas e tantas outras coisas, eu sempre me mantinha afastada dela e escolhia não interagir com seus namorados, sabia que eles não iriam durar por muito tempo. Apesar de ser uma criança, eu era a única coisa estável na vida dela. Isso é, até ela conhecer o Jack. Ele era policial e quase a prendeu por dirigir bêbada uma vez, mas acabaram juntos. Como sempre, fiquei afastada e não fiz questão de interagir com ele. Só que depois do casamento, quando fomos morar na casa dele, tudo mudou. A primeira coisa que eu notei foram os seus olhares para mim. De primeira, eu pensei que era coisa da minha cabeça, já que eu estava com quatorze anos e seria ridículo um homem olhar para mim assim, mas depois de um tempo, eu percebi que não. Parei de usar saias, shorts ou qualquer roupa no mínimo reveladora. Pensei que isso resolveria, até que uma manhã, ele simplesmente entrou no banheiro enquanto eu tomava banho para ir para a escola. A desculpa foi a de que ele estava com muita à vontade e não conseguiria segurar, mas a sua casa tinha dois banheiros, um no andar de cima e outro embaixo, ele poderia ter ido para o de baixo! — Um calafrio percorreu a minha coluna apenas por lembrar da cena. — O tempo todo enquanto fazia xixi, ele ficou me olhando. Eu me lembro de ficar completamente aterrorizada.

Harrison balançou a cabeça negativamente, começando a entender onde essa história levaria. O nojo em seus olhos era claro, assim como na minha voz também deveria ser. Contar isso, lembrar disso... Me enjoava. Jack me causava ânsia, nojo, ódio...

— No mesmo dia, eu contei tudo para a Lauren. Só que para a minha surpresa, ela escolheu acreditar nele. Isso me magoou bastante, e a partir desse dia, eu passei a me afastar cada vez mais deles. Quando não estava na escola, estava na biblioteca estudando, ou na casa de uma amiga, tudo para passar o máximo de tempo possível longe dele. Contudo, eventualmente eu tinha que ir para casa, e em uma dessas noites, foi a noite em que ele e outros dois dos seus amigos policiais, estavam lá bebendo. Tentei passar direto por eles sem falar nada, mas Jack me chamou de forma grosseira e ordenou que eu voltasse e fosse educada com os seus amigos. Com medo do seu tom de voz, eu fiz o que ele pediu e voltei para dar boa noite a eles. Após isso, ele pediu para que eu pegasse mais cervejas para os três na geladeira. Sem questionar, fiz isso também, no entanto, quando me inclinei para colocar as cervejas na mesinha de centro da sala, Jack me deu um tapa na bunda. Eu fiquei chocada, tentei olhar para os seus amigos para ver se eles compartilhavam da minha reação, mas assim como Jack, eles apenas riram da situação. Eu subi correndo para o andar de cima e mais uma vez contei tudo para a minha mãe, no entanto, ela me respondeu com um tapa e disse que eu é quem estava o tempo todo o provocando e tentando o seduzir, sendo que eu tinha apenas quatorze anos! Naquele momento, eu soube que ela não era a mesma pessoa da minha infância, ela nunca falaria isso para mim antes, nem mesmo bêbada, era como se Jack tivesse feito uma lavagem cerebral nela e a transformado em uma louca ciumenta e totalmente dependente dele! Jack se tornou o mundo dela, enquanto eu, sua própria filha... me tornei um peso morto.

Parei de falar e respirei fundo algumas vezes, tentando engolir o choro preso no topo da minha garganta. Lembrar disso fazia todo o meu corpo doer. Era sufocante. Percebendo o meu estado, Harrison procurou pela minha mão repousada em meu colo e a segurou dentro das suas, me dando forças para continuar.

— No dia seguinte, já sóbrio, eles tiveram uma briga sobre o que eu havia contado, mas isso não serviu de nada, apenas fez com que Jack se enchesse de ódio de mim. E naquele mesmo dia, ele entrou no meu quarto de madrugada, enquanto Lauren dormia, e me bateu. Foram tapas, socos, puxões de cabelo, chutes. Ele chamou de castigo por eu ter aberto a minha boca e contado aquilo para a sua esposa, e se caso eu contasse sobre o que ele estava fazendo naquele momento também, o castigo seria mil vezes pior.

Fechei os olhos, e eu pude ouvir claramente a sua voz nojenta em minha mente. Como se ele estivesse realmente atrás de mim agora, sussurrando isso. E eu o odiava ainda mais por isso. Por ter me traumatizado tanto ao ponto de eu sequer conseguir esquecer.

— Por medo, eu não contei nada para ninguém. Ele era policial, e se a mulher que me deu à luz não acreditou em mim, quem acreditaria? — Olhei nos olhos de Harrison, encontrando o que eu tanto precisei antigamente: apoio. Ele acreditava em mim. Ele estava do meu lado. — Depois desse dia, minha vida virou um inferno. Os olhares voltaram, e agora ele nem se importava mais em disfarçar, já que eu não faria nada. Lauren obviamente percebia, mas não fazia nada também, apenas me culpava. Uma noite, quando eu tinha quinze anos, eu acordei de madrugada para ir ao banheiro e ele estava dentro do meu quarto. Assim que acordei, ele mexeu na calça e saiu às pressas, não deu para ver exatamente o que estava fazendo, mas não foi difícil de deduzir.

— Por isso o matou? — Harrison perguntou, tentando entender.

— Em parte, sim, mas não foi algo premeditado, a razão principal aconteceu na hora. — Fechei os olhos, tentando me acalmar para conseguir contar todo o resto. — No dia do meu aniversário de dezesseis anos, houve uma enorme festa de comemoração em um salão de festas da cidade. Um dos grandes momentos, e tradição, é a dança da aniversariante com seu pai, Jack estava ansioso por esse momento e vivia falando sobre isso e sobre ter gastado uma grana e tanto com a festa, contudo, eu sabia que iria odiar esse dia para sempre se dançasse com ele. Ele não era o meu pai e sequer agia como um padrasto decente, por isso, na hora eu recusei a sua mão e escolhi dançar com um amigo do colégio. — Não consegui mais segurar. As lágrimas se libertaram e começaram a escorrer livremente pelo meu rosto. — Quando a festa acabou, Lauren ficou para trás para ajudar na organização e Jack me levou para casa, o caminho todo de volta ele parecia estar possuído pela raiva. Resmungava palavrões e falava que eu pagaria por o ter humilhado na frente de todos, e assim, ele me arrastou para o seu quarto, o mesmo que dividia com a Lauren, e começou com um tapa no meu rosto. Eu estava certa de que apanharia mais uma vez e teria que inventar uma nova desculpa sobre ter caído para as pessoas da escola, no entanto... seus planos dessa vez eram bem piores. Ele não apenas me bateu, ele... ele me agarrou e começou a rasgar o meu vestido.

Filho da puta... — Harrison deixou escapar em um sussurro, mais pra si do que para mim. Seu corpo todo estava tenso.

— Eu comecei a gritar, o empurrar e lutar com todas as minhas forças! E eu não sei se foi intervenção divina, ou apenas sorte, mas consegui me livrar dele e o empurrar para longe de mim antes que ele terminasse de rasgar por completo o meu vestido. Jack cambaleou para trás e caiu, batendo a cabeça na madeira do pé na cama. Sangue começou a escorrer do corte e ele apagou. Na hora, eu pensei que ele estivesse morto. Fiquei um bom tempo parada apenas observando a poça de sangue ir aumentando e aumentando..., entretanto, quando eu eventualmente me abaixei para conferir o seu pulso, percebi que ele ainda estava vivo. Minha primeira reação foi alívio. Eu não o tinha matado, isso era bom. Mas depois... parei para pensar melhor no que aquilo significava para mim e o resto da minha vida, e ideia veio quase que instantaneamente. Com ele vivo, eu continuaria vivendo naquele inferno, tendo que me ajoelhar e fazer todas as suas vontades e desejos calada e com medo, mas se ele morresse... essa seria a minha chance de finalmente ter um pouco de paz. Não foi uma escolha muito difícil. Desci para a cozinha, abri todas as bocas do fogão, e então, finalizei tudo ao acender uma vela e deixá-la em cima da mesinha de centro da sala.

Minha visão estava embaçada por causa das lágrimas, e não consegui nem levantar a cabeça para olhar para Harrison e tentar ver a sua reação ao ouvir tudo isso. Em parte, por estar com medo também do que ele pensaria de mim. Ele me via como uma pessoa ruim agora? Não precisei analisar para descobrir, pois ele mesmo compartilhou os seus pensamentos comigo.

— Isso não faz de você um monstro ou uma má pessoa, Isabella. Faz de você uma sobrevivente. Você estava apenas se defendendo! Jack era um desgraçado filho da puta que teve o que mereceu, não se culpe por causa dele.

Finalmente criei coragem e olhei para ele, encontrando o olhar mais sincero, e irritado, que eu já havia visto em seu rosto antes. Tinha certeza que a parte irritada era por pura vontade de matar Jack também, mas a parte sincera me mostrava que ele realmente acreditava em suas palavras, não só isso, mas queria que eu acreditasse também. Visse a situação pelos seus olhos.

— Eu não me culpo pelo Jack, Harrison. Mas sim pela... pela minha mãe.

"Mãe." Era até difícil de dizer essa palavra depois de tudo o que aconteceu. Nos seus últimos anos de vida, ela não foi uma boa mãe para mim. No entanto, nos últimos minutos da sua vida, eu também não fui uma boa filha.

— Eu estava saindo da casa quando ela chegou. Ainda na porta, eu contei o que havia acontecido e pedi para que ela viesse comigo, para assim, recomeçarmos em outro lugar, outra cidade... O olhar que ela me deu em resposta é algo que eu nunca vou conseguir apagar da minha memória. Ela olhou para mim horrorizada, como se eu fosse a pior pessoa do mundo, uma má pessoa, um monstro! Puro ódio e horror. Eu estava chorando, tentei mostrar as marcas das mãos de Jack espalhadas pelo meu corpo, pescoço, tentei mostrar o vestido todo rasgado, mas ela não quis saber ou sequer olhou para mim direito. Apenas gritou para que eu saísse da sua frente, dizendo que era tudo minha culpa e que se Jack morresse, eu seria a próxima.

A esse ponto não havia mais nenhum sentido em tentar me acalmar, era impossível. As lágrimas desciam feito cachoeiras dos meus olhos, e pareciam nunca acabar.

— Eu poderia ter tentado mais, sei que poderia. Só que... naquele momento... eu simplesmente não consegui. Meu corpo, minha mente, eu por inteira, já não tinha mais forças para lutar e a impedir. E bem lá no fundo eu sei também que não o fiz porque não quis. Apenas... dei as costas e deixei que ela entrasse naquela casa. Me afastei até o outro lado da rua e em menos de um minuto... tudo explodiu.

— Eu sinto muito por tudo isso que você teve que viver, Isabella. Por ela, por Jack... por tudo. — Ele falou, apertando minha mão com um pouco mais de força, tentando me consolar. Sua voz estava baixa e trêmula, mostrando que ele também estava um pouco abalado com o que havia ouvido.

Soltei as minhas mãos das suas e as levei até o meu rosto para enxugar todas as lágrimas, mesmo sabendo que novas cairiam no lugar logo depois. Nunca foi fácil me recuperar depois de pensar sobre isso, sobre aquela noite. E agora era mil vezes pior, pois eu não estava apenas pensando, e sim, contando a alguém. Essa foi a pior e mais dolorosa decisão que eu já havia tomado em toda a minha vida, mas também foi uma da qual eu não me arrependi. Apesar de toda a culpa que eu carregava em meu peito, eu sabia que não conseguiria continuar vivendo se fosse naquele inferno. No final das contas, eram eles, ou eu. E não seria eu.

— Você acredita em mim?

— É claro que sim! — Ele me puxou para um abraço apertado, e eu apenas me desfiz em seus braços, deixando que o calor do seu corpo me esquentasse e acalmasse. Minutos de puro silêncio e conforto se passaram até ele voltar a falar algo. — Eu vou falar com o Deverell, ok? Não vou contar os detalhes a ele, não se preocupe, mas vou deixar claro que você está comigo. Está conosco. — Eu assenti, me sentindo completamente protegida em seus braços. — Eu não vou deixar nada acontecer com você novamente, me entendeu?

Eu assenti novamente.

— Obrigada, Harry.

— Você só precisa me prometer uma coisa. — Falou em meu ouvido.

— Tá bem, eu paro de te chamar de Harry. — Comentei, o fazendo rir.

— Não é isso.

— Então, o que? — Me afastei, erguendo o rosto para olhá-lo.

Ele passou as pontas de seus dedos pelo meu rosto para enxugar os resquícios das últimas lágrimas derramadas, e eu sorri, agradecida e surpresa com todo esse seu novo lado gentil.

— Não se culpe, ok? — O pedido me pegou de surpresa. — Você fez apenas o que precisava ser feito para se defender daquele pedaço de merda. E a sua mãe... bem, ela fez a escolha dela. — Ele segurou o meu queixo, levantando-o para que eu o olhasse bem no fundo dos olhos. — Pode me prometer isso?

— Eu prometo que vou tentar.

Eu sabia que não poderia simplesmente prometer que sim. Essa era uma culpa tão profunda e angustiante, que eu provavelmente a carregaria comigo para o túmulo. Sem conseguir esquecer ou parar de me culpar tão cedo. Entretanto, nada me impediria de tentar, e eu faria isso com todas as minhas forças, principalmente, por essa ser a única condição imposta para que ele continuasse comigo. E eu ainda não sabia como ou quando isso havia acontecido comigo, talvez eu só não quisesse morrer, ou talvez, ele de fato tivesse conseguido entrar debaixo da minha pele, eu não sei, mas neste exato momento, isso, estar aqui com ele, havia se tornado um desejo iminente para mim.

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