Capítulo 08
ISABELLA MARTINS
— Como é ser prima do Harrison Flint? — Kaylin perguntou enquanto almoçávamos no refeitório do colégio.
— Nada demais, na verdade.
Segurei um suspiro frustrado. Tínhamos que falar sobre ele de novo? Sério?
— Nada demais? — Ela me olhou debochada. — A sua família é podre de rica! Eu soube que a mansão nos Hamptons é apenas uma das propriedades do Harrison.
— Você também não é rica? — Estranhei o seu deslumbre.
— Sim. Mas minha família não chega nem perto do império que é a Flint Enterprise. Vocês devem até cagar dinheiro!
— Eu não sei. Meus pais preferiram viver uma vida mais isolada e afastada de todo esse luxo. Eu só fui conhecer o resto da família quando eles morreram em um acidente de carro no ano passado e eu fui morar com o pai do Harry. — Expliquei, tentando lembrar das coisas que haviam no roteiro. — E bem, quanto ao próprio Harrison, eu só fui conhecê-lo há alguns dias atrás. Não o conheço muito bem, muito menos a sua vida. — Deixei claro, para assim evitar mais perguntas sobre ele.
— Sinto muito pelos seus pais. — Lamentou, com um sorriso fraco. — O que está achando daqui?
— É legal, eu acho. Mas é bastante frio, tanto pelo clima quanto pelas pessoas. Eu não conheço ninguém além de você, Dean e Noah. — Revelei.
Era impossível andar pelos corredores desse colégio sem receber pelo menos um olhar de soslaio. Era como se eu fosse uma alienígena entre eles. E de certo modo, eu era.
— Mas isso pode mudar. — Kaylin falou de repente, com um brilho animado nos olhos. — Você tem dinheiro e tem um sobrenome. Agora tudo o que precisa fazer é se tornar conhecida entre os outros alunos e sua vida social escolar estará feita!
— E como exatamente eu faço isso?
Olhei desconfiada para ela, que me lançou um sorriso travesso. Então, discretamente apontou com a cabeça para o lado. Olhei na direção, vendo uma mesa cheia de garotas usando o mesmo uniforme curto.
— Líder de torcida? Você quer que eu faça teste para as líderes de torcida? — A olhei, incrédula.
— Pode ser legal, qual é!
— Isso não faz o meu estilo! — Neguei com a cabeça. Eu preferiria dormir em cima de um formigueiro do que andar com as líderes de torcida.
Tudo bem que elas não eram as mesmas garotas que infernizavam a minha vida no meu antigo colégio me chamando de "órfã", "vadia" e variações nada originais desses dois adjetivos, mas ainda assim, não.
— Por mim, então? Eu sempre quis tentar, mas nunca criei coragem. Eu não tenho um corpo esquelético como elas, e como você também não tem, pensei que nós pudéssemos dar forças uma para a outra.
Respirei fundo, ponderando sobre o assunto. Eu estava com o dinheiro na minha mochila, assim como as coisas que eu havia trazido comigo do orfanato, no momento em que Zachary me deixasse na mansão e fosse para a sua casa perto da garagem, eu pediria um Uber e sumiria para sempre daqui. Era um plano arriscado e apressado, mas era o melhor que eu tinha.
— Quando é o teste? — Perguntei, se fosse hoje eu até faria. Um último gesto de bondade para que ela pensasse coisas boas sobre mim quando eu partisse.
— Em dois dias.
— Desculpa, não vai rolar mesmo. Eu tenho planos.
A decepção e tristeza em seu olhar foram claras. E parte de mim se sentiu mal por isso, apesar de apenas conhecê-la por poucos dias.
— Ah... tudo bem, sem problemas. — Ficamos em um silêncio um pouco constrangedor por alguns minutos, até ela se levantar e se despedir. — Eu tenho que ir ao banheiro e depois encontrar o Dean. Nos vemos depois.
— Ok... até mais.
Assisti ela ir embora com uma sensação estranha na boca do estômago. Ela tinha ficado muito mal com isso? Como eu poderia concordar se nem aqui eu estaria no dia? Suspirei, era uma sensação incômoda, mas eu fiz o certo. Terminei de comer todo o meu prato com uma grande satisfação, pois até a comida desse colégio era magnífica, ao contrário da ração horrível que nos serviam no colégio público em Michigan. Olhei no relógio, vendo que ainda possuía alguns minutos livres, e abri o Google no celular, digitando o nome Harrison Flint.
Harrison Edwyn Flint, vinte e sete anos, filho único e herdeiro de Deverell Flint, o dono da Flint Enterprise, uma empresa dona de várias outras empresas e marcas, sendo a mais famosa delas uma especializada em bebidas, mais especialmente em Bourbon. O Flint Bourbon era um dos mais consumidos nos Estados Unidos, além de ser importado para todo o mundo. O que era bastante impressionante, apesar de também ser um pouco assustador. O que uma pessoa tão rica assim queria com uma pessoa como eu? Por que ele me adotou se não queria filhos e estava fingindo todo esse show sobre eu ser sua prima distante?
Passei para as fotos, revirando os olhos ao ver suas fotos em eventos. Em quase todas ele estava acompanhado de alguma loira, provavelmente modelos, pelo biótipo do corpo magro e alto. Pelo visto ele tinha uma preferência. Revirei os olhos novamente, dessa vez para o meu próprio pensamento. Por que eu estava me incomodando com isso? Com quem ele decide namorar ou transar não era da minha conta!
Fechei o aplicativo de pesquisa, e bloqueei o celular. Era o novo que Harrison havia me dado. Impossível manter ele fora da minha mente quando até as pequenas coisas me lembravam dele. No entanto, seria mais impossível ainda continuar usando o meu celular antigo, além de extremamente lento, sua tela estava toda trincada, pois o deixei cair durante o incêndio.
Guardei o celular no bolso do blazer azul do uniforme no mesmo segundo em que o sinal do fim do horário de almoço ecoou pelo colégio. Olhei no itinerário e vi que eu teria filosofia nesse horário. Saí do refeitório e andei um pouco, até encontrar a sala 215, aquele colégio era incrivelmente grande. Assim que entrei, notei que os alunos estavam separados em duplas e trios, e já senti um frio se instalar em minha barriga.
— Eu vou passar um pequeno trabalho. Será em dupla ou trio. — O professor falou apenas para mim. — Alguma dupla interessada em adicionar a senhorita Flint e formar um trio? — Perguntou, agora alto para toda a turma.
Eu senti que poderia vomitar de nervoso a qualquer momento nos silenciosos segundos que se passaram. Olhei pela classe e todos me olharam de forma indiferente, até que alguém levantou a mão no fundo da sala.
— Eu!
Suspirei aliviada, ao ver que tinha sido Dean. O professor assentiu e eu segui até onde ele estava sentado junto ao Noah. Ele se levantou, me cedendo a sua cadeira e se sentou na outra ao lado, me deixando assim entre ele e o Noah.
— Obrigada, rapazes. Vocês me salvaram! — Sorri agradecida.
— Que nada, você é nossa amiga. — Noah deu de ombros, descontraído.
— Sobre o que é esse trabalho?
— O professor Jenkins ainda vai explicar. Ele só pediu para abrirmos na página vinte e dois. — Dean explicou, mostrando o livro de filosofia aberto na mesa.
— Ok. Então, eu vou apenas abrir o caderno no caso de precisarmos anotar alguma coisa. — Expliquei e eles assentiram. Logo, abri o caderno em uma página em branco qualquer da matéria e o deixei em cima da mesa.
***
— Para onde estamos indo? — Perguntei a Zachary, quando notei que estávamos fazendo o caminho para o outro lado da cidade, ao invés de retornarmos para os Hamptons.
— Você tem um encontro com um alfaiate.
— Por que? — Estranhei ainda mais.
— Não sei. O Sr. Flint apenas falou para levá-la lá após as aulas.
Merda! Isso estragaria completamente o meu plano. Respirei fundo e tentei manter a calma. Eu teria que pensar de um jeito diferente, não poderia ficar nem mais um dia aqui. Harrison iria descobrir que o dinheiro havia sumido da sua gaveta a qualquer momento, e quando isso acontecesse, eu teria que estar bem longe daqui!
— Isabella? Nossa, você é linda! — O alfaiate falou assim que entramos no atelier. — Eu sou Kaisson Middleton, mas pode me chamar de Kai.
— Prazer, Kai. — Falei, sem saber bem como agir.
— Vem, senta aqui. Vamos conversar um pouco. Eu preciso te entender para poder fazer um vestido perfeito para você. — Ele me puxou para o sofá de dois lugares perto da grande janela onde era possível ver parte do Central Park.
— Eu pensava que alfaiates fizessem roupas masculinas.
— Eu cursei moda. Sei fazer os dois, apenas me especializei melhor nas roupas masculinas. Algo em um bom terno faz os meus olhos brilhar, sabe? — Eu apenas assenti, sem entender bem o que ele estava falando. — Você vai ficar aí parado? Não tem mais o que fazer? — Perguntou, olhando para Zachary que continuava em pé como uma estátua perto da porta.
— Eu tenho que vigia-la.
— De mim? — Kai fez piada. — Vá comer um sanduíche ou algo, vamos demorar uns trinta minutos aqui.
— ... Tudo bem. Qualquer coisa é só você me mandar uma mensagem, certo, Isabella? O meu número já deve estar salvo nos contatos do seu celular.
— Ok.
Ele saiu, me deixando sozinha com Kai no atelier. Ele me perguntou sobre a minha vida, e eu até tentei mentir e falar as coisas que haviam no roteiro, mas Kai rapidamente me chamou de mentirosa e pediu pela verdade. Então, a entreguei a ele. Boa parte do que eu falei foi sobre quando eu ainda era pequena, antes do meu pai ter morrido, quando minha vida ainda era perfeita. Falei rapidamente sobre o acidente em que minha mãe e padrasto morreram, não me demorando muito nisso, já que não gostava do assunto, e então, falei sobre o orfanato e sobre Harrison.
— Você viveu bastante coisas para alguém de dezoito anos. — Ele comentou com um olhar triste. — Me vejo bastante em você agora.
— Acho que sim... — Apenas concordei, meio sem graça. — Então, você conhece Harrison há muito tempo? — Decidi perguntar para melhorar aquele clima triste.
— Há uns seis anos ou mais. — Isso era bom. Talvez ele soubesse alguma informação que me seria útil futuramente.
Ele definitivamente sabia de algo, já que não estranhou eu ter tentado mentir no começo.
— Como ele é? — Perguntei.
— Você está vivendo com ele, não deveria saber? — Senti um leve desconversar no assunto.
— Ele não é muito sociável, você o conhece há mais tempo, deve saber mais. — Insisti.
— Ele é legal quando quer ser legal. Tem um terrível temperamento e é muito teimoso. — Ele deu uma leve risada, como se tivesse se lembrado de algo. — Mas bem no fundo, ele não é uma má pessoa. — Acrescentou.
— Bom saber. — Disse, escondendo uma certa decepção.
Eu queria podres, e não verdades rasas.
— Acho que tenho uma ideia de como será o seu vestido. — Ele pegou o seu Ipad, ou o que parecia ser um Ipad, e com uma caneta especial para o aparelho, desenhou um lindo vestido de seda verde, com um generoso decote profundo na frente, mas ao mesmo tempo, o fez de um jeito que não ficou muito revelador. — O que acha?
— É lindo. — Elogiei, impressionada. O vestido era perfeito e ele tinha desenhado em menos de um minuto.
— E você vai ficar linda nele! — Eu sorri, impressionada com toda a sua animação. Ele realmente era apaixonado pelo o que fazia, dava para ver. — Vem, vamos tirar as medidas e então você estará livre.
Assenti. Nos levantamos, e eu subi em um pequeno degrau para que ele tirasse todas as minhas medidas.
— Prontinho. — Falou, terminando de anotar a última medida em um caderninho.
— Obrigada e até mais, Kai, foi um prazer te conhecer. — Sorri, sendo sincera.
— O prazer foi meu, querida. — Ele se aproximou, me dando um rápido abraço. — Boa sorte com tudo.
Peguei minha mochila e saí do seu atelier. Zachary ainda não tinha voltado e essa seria a oportunidade perfeita para fugir. Assim que deixei o prédio, chamei o primeiro táxi que passou e falei para o taxista me levar para a rodoviária mais próxima. De lá, pegaria um ônibus de volta para Michigan, visitaria o orfanato uma última vez, e então, pegaria um avião para algum outro lugar... Eu sempre tive o sonho de conhecer a Califórnia.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro