Capítulo 15
Suspiro pesado ao olhar no espelho e mais uma vez suportar minha mente voltar ao passado, mais uma vez para aquele dia, o dia do fim. Já havia se passado cerca de seis meses desde que conversei com Bia pela última vez, e ainda sim, mesmo após tanto tempo, aquele sentimento de vazio não desaparecia. Olhos fundos, pele amarelada, mostrando claros sinais de anemia, e cortes profundos no decorrer dos braços — esses eram meus novos traços.
Eu não a culpava pelo meu estado, muito pelo contrário, a culpa era exclusivamente minha — eu admitia.
Agora, parecendo atingir certa maturidade, meu interior entendia os motivos de Bia para iniciar uma nova etapa em sua vida, ninguém escolhia de quem gostar, isso era natural, e acontecia longe do querer do raciocínio humano — eu mesma estava entregue a uma pessoa com todo o meu coração.
— Vitória, eu não sei mais o que fazer com você. — A voz firme e naturalmente preocupada de Manu ecoava em meus ouvidos. Ela sempre tentava encontrar uma maneira de me ajudar, mas parecia que eu estava além de sua compreensão. O peso emocional e as marcas físicas eram reflexos da batalha interna que eu travava diariamente.
Ao continuar encarando meu reflexo, as lembranças do dia em que tudo mudou inundavam minha mente. O adeus de Bia foi como uma faca perfurando minha alma, deixando cicatrizes que pareciam nunca cicatrizar completamente. A solidão se tornou minha companheira constante, e a dor, era uma amiga íntima que não me abandonava.
A porta do banheiro rangeu enquanto minha nova cuidadora entrava, olhando para mim com olhos cheios de preocupação e impotência. Seu amor por mim era grande, eu sabia, mas ainda assim, estava afundando em um abismo de tristeza que parecia não ter fim.
— Já estou saindo. — Justifiquei minha demora ao que me apressava em esconder os pulsos em meu grande moletom preto de todos os dias.
Não queria que a mesma visse os estragos causados por mim na noite anterior.
Minha movimentação repentina, pareceu incomodar os olhos de Manu, que em um gesto rápido de mãos agarrou meu braço, justamente onde estava machucado, para constatar o que provavelmente pairava em seus pensamentos — ao que eu gemia de dor. — Sem mais delongas, a vi erguer minhas mangas e a decepção se instalar em seu rosto. Em silêncio ela me encarou, com preocupação aparente. Abri a boca para tentar justificar, mas um dedo indicador foi posto em meu caminho — Em um pedido mudo para que eu calasse a boca.
Manu suspirou profundamente antes de falar, seus olhos fixos nos meus, buscando compreensão.
— Você não precisa esconder isso de mim. — Emanuelle começou com calma, porém em tom igualmente firme. — Eu estou aqui para ajudar, para te apoiar, mas você precisa me deixar a par do que está acontecendo, permitir que eu esteja ao seu lado nesse momento difícil. — Engoli em seco diante suas palavras, sentindo o nó na garganta dificultar as minhas. Lágrimas ameaçavam transbordar, mas fui forte, resisti. — Já havíamos conversado sobre isso, você não tem permissão para se machucar, existem outras formas de aliviar o que está sentindo, e essa não é a correta. — Eu havia sido pega no flagra e uma onda de desconforto percorreu meu corpo. Manu continuou a falar com uma expressão séria. — Eu sei que as coisas têm sido difíceis para você, mas precisamos encontrar outra maneira de lidar com isso. Não posso te ajudar se você esconder o que está sentindo. — As palavras dela eram firmes, mas havia uma compaixão subjacente em seus olhos. Eu me senti vulnerável, exposta. A sensação de ser compreendida e, ao mesmo tempo, confrontada, era avassaladora.
— Eu só... Não sei como lidar com isso. — Admiti em derrota, abaixando a cabeça, não suportando encarar sua decepção.
Manu suspirou novamente, mas dessa vez foi um suspiro de compreensão.
— Está tudo bem não ter todas as respostas. — Afirmou transmitindo afeto. — O importante é que estamos juntas nisso. Vamos dar um passo de cada vez, ok? — Assenti, sentindo uma mistura de alívio e ansiedade.
A presença de Manu ao meu lado era reconfortante, mas também significava enfrentar as sombras que eu vinha evitando.
Senti seus braços em torno de mim, me puxando para seu peito e em silêncio me aconcheguei ali, com lágrimas silenciosas escorrendo dos olhos, fui amparada pelo conforto de seu abraço e naquele momento de fato me senti acolhida. Passado algum tempo, Manu afastou-se suavemente, mantendo suas mãos em meus ombros, olhando-me com firmeza.
— Mas isso não significa que não haverá consequências para as suas ações. - Ela disse, sua expressão agora mais séria. — Você não pode continuar se machucando dessa maneira. — Engoli em seco, percebendo a seriedade presente em seu tom. — Como parte do apoio que vou oferecer, você está de castigo. Infelizmente não posso permitir que isso continue, então, até que eu volte a confiar em você, está proibida de ficar sozinha por muito tempo, chega de portas trancadas e saídas sozinha. Precisamos encontrar uma maneira de melhorar o que está acontecendo. Digo isso para o seu próprio bem, pois não quero te ver mal. Se houver uma próxima vez que isso se repetir, não iremos apenas conversar, entendeu? — Assenti, sentindo um arrepio de medo passar por minha espinha. O conforto do abraço transformou-se em uma sensação de responsabilidade. Manu olhou-me nos olhos, esperando minha resposta; simplesmente concordei com um 'Sim' quase mudo, compreendendo que poderia ser muito pior. — Ótimo.
Mais tarde, naquele mesmo dia que estava sendo igualmente ruim ao começo da manhã, era hora do almoço, por Manu trabalhar na escola onde eu estudava, tudo se tornava mais complicado. Desde o início de nossa relação, almoçávamos juntas, e hoje não seria diferente.
Sua sala estava quieta, mas bem iluminada e com nossos pratos postos. A dinâmica durante o almoço estava diferente naquele dia. Manu estava presente, mas havia uma atmosfera de seriedade pairando entre nós. Ela não mencionou o incidente novamente, mas sua presença constante e o olhar atento mostravam que as coisas haviam mudado. Durante a refeição, o silêncio era quebrado apenas pelo som dos talheres e pelos olhares que trocávamos.
Eu me sentia consciente das novas regras impostas e da responsabilidade que agora ela carregava.
— Como foram as aulas agora pela manhã? — Manu quebrou o silêncio, tentando trazer leveza à situação. — Se sente melhor querida? — Acenei que sim com a cabeça, ao que comia sem pressa os legumes do prato. Independente se gostava ou não, eu precisava comer, pois para a mulher bonita e de postura invejável a minha frente, o gosto dos alimentos não importava, contanto que eles nos fizessem bem.
— As aulas foram um saco. — Reclamo ao que separava os alimentos que eram simplesmente impossíveis de engolir. — Parecia que não acabavam nunca. — Reclamo notando o olhar atendo de Manu em meus movimentos.
— Estou vendo você deixar os brócolis de lado mocinha. — Manu comentou, seu olhar perspicaz capturando minha tentativa de evitar o vegetal.
— Eles são verdes e ruins. — Revirei os olhos com teatralidade, expressando minha frustração com a comida. — Não entendo por que têm que fazer parte do meu prato. — Resmunguei, continuando a separar os alimentos de maneira seletiva. Manu sorriu com compreensão, reconhecendo minha birra alimentar e deixando passar.
As vezes ela sabia relevar.
— Sei que não são os seus favoritos, mas eles são bons para você, sabia? - Manu disse suavemente, pegando um pedaço de brócolis, com seu próprio garfo e colocando no rumo da minha boca. — Vamos, tente dar uma chance a eles. Você pode se surpreender. — Revirei os olhos novamente, mas decidi seguir o conselho da mesma. Peguei o pedaço de brócolis com os dentes e, relutantemente, dei uma mordida. Para minha surpresa, não era tão ruim quanto eu imaginava. Na verdade, tinha um sabor leve e agradável, porém ainda era um legume e eu sempre faria meu teatro para eles. Manu sorriu satisfeita ao ver minha reação. Ela sempre sabia como me ajudar a superar minhas restrições. Era extremamente bom ter alguém como ela ao meu lado. — Viu? Nem fez careta dessa vez. — Brincou, me oferecendo seu melhor sorriso de vitória.
— Tudo bem, dessa vez você até que estava certa. — Sorrio.
— Sempre estou, não é? — Manu disse com um brilho travesso nos olhos, enquanto continuávamos nosso almoço. Acabei por comer todos que havia separado inutilmente, sabendo que era obrigatório não deixar nada no prato. Ela sempre pedia no meu restaurante preferido, então era o mínimo que eu podia fazer por ela — já que a mesma só queria o meu bem.
— Convencida. — Acuso rindo.
Após o almoço, ainda ficávamos juntas em sua sala por cerca de meia hora. Era um momento tranquilo e reconfortante, onde podíamos conversar sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Às vezes, Manu me ajudava com algumas lições ou trabalhos escolares, enquanto em outros momentos, simplesmente aproveitávamos a companhia uma da outra.
— O papai ligou hoje. — Informou como quem não quer nada ao que se sentava ao meu lado no sofá de dois lugares disposto ao canto. — Ele disse que quer conversar com você quando chegar. — Sua revelação me fez ficar nervosa com o rumo que a possível conversa poderia tomar.
— Contou a ele sobre hoje mais cedo? — Quis saber, agora realmente preocupada.
O papai não era uma pessoa ruim, muito pelo contrário. Sempre falávamos sobre jogos de futebol, ele me levava aos treinos quando estava na cidade e nunca perdia a chance de me incentivar com presentes. Apesar de sua natureza reservada, era evidente o orgulho que sentia por mim e o amor que tinha pela mamãe. Porém, ao mesmo tempo, ele também era um homem de postura, firme e sério quando necessário. Como advogado respeitado na cidade, ele tinha uma reputação a manter e uma ética profissional impecável. Sua presença imponente e sua voz calma transmitiam uma sensação de autoridade e respeito, tanto na vida profissional quanto na familiar. Suas viagens frequentes a trabalho demonstravam sua dedicação à profissão e à família, mesmo que isso significasse estar longe de casa por períodos prolongados. Ele era um pai amoroso e dedicado, cuja firmeza e integridade eram pilares em minha vida, e esse era o problema... — O papai era uma pessoa muito severa — Principalmente quando se tratava de minha postura e educação.
— Dei um breve resumo sobre o que aconteceu. Quer ligar pra ele agora? — Sua pergunta não era de fato um questionamento. Eu teria que ligar para ele e ela certamente queria estar ao meu lado nesse momento; provavelmente para filtrar as decisões do papai.
— Tudo bem... — Concordei em um suspiro e com receio aparente. Não demorei para achar o número de seu celular pessoal em minha agenda, e após discar esperei chamar, com os olhos atentos de minha mommy sobre mim.
— Boa tarde princesa, como você está? — Ele atendeu no segundo toque, e sua voz grossa e preocupada tinha o dom de me fazer sentir instantaneamente um misto de nervosismo e familiaridade reconfortante.
— Oi, papai... — Respondi, tentando manter a voz firme e controlada. — Estou bem... E o senhor?
— Estou bem, meu amor, obrigado por perguntar. — A voz do outro lado da linha era tensa, como se ele soubesse que essa não era uma ligação comum. — Sua mãe me contou o que aconteceu mais cedo. Você está bem mesmo? — Ele quis saber, sua preocupação evidente em cada palavra.
— Sim, estou bem. — Omiti, querendo pular direto para o fim da conversa.
Houve um silêncio ensurdecedor do outro lado da linha, enquanto papai absorvia minhas palavras de mentira.
— Sabe que, o que fez, não está certo, não sabe? — Esse era o ponto. Seu tom sério e ecoou através da linha telefônica, acabando com o silêncio com uma clareza cortante. Cada palavra carregava um peso de autoridade e desaprovação – Senti um calafrio percorrer minha espinha, enquanto o impacto de suas palavras se instalava em mim.
— Sim, eu sei... — Respondi, minha voz um sussurro frágil no vazio da sala.
Eu sabia que havia errado, e enfrentar a decepção do papai era uma punição muito mais severa do que qualquer castigo que ele pudesse aplicar.
— Não quero saber de você se machucando Vitória. — Estipulou. — Sabe o quão sério é cortar os pulsos? E se a lâmina estivesse minimamente enferrujada? Sabe o que isso poderia te causar? — A conversa continuou, com papai expressando sua desaprovação e preocupação diante minha atitude, enquanto eu ouvia em silêncio, absorvendo cada palavra como um golpe doloroso à minha consciência. — Eu sei que as coisas estão complicadas, mas nada, exatamente nada, justifica esse seu comportamento. — Senti os braços de Manu novamente em torno de mim, seu cheiro e jeitinho materno me acalmava como nada no mundo. — Quero que deixe a mamãe cuidar de você e também desses machucados. — Não era um pedido e isso estava claro. — Sexta-feira estarei em casa, até lá, quero que se comporte, ok? — Concordei com a cabeça, mas logo percebi que estávamos em chamada, que não era de vídeo.
— Sim senhor...
Quando finalmente desliguei o telefone, senti-me esgotada — envergonhada.
Sabia que teria que enfrentar as consequências de minhas ações, e a conversa com papai havia sido apenas o começo. Nos braços de mamãe, eu me preparava internamente para o que estava por vir. Papai não me deixaria em paz por um bom tempo, disso eu tinha certeza.
As emoções eram confusas, eu estava triste, depressiva, mas principalmente — pequena.
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